Breve Desvio
Meus músculos doíam, não tinha como não estarem doloridos depois de dois dias seguidos de treino com Dan, deitada na minha cama gostaria apenas de fundir com as cobertas e passar o dia inteiro fazendo nada. Preferencialmente de pijama, mas isso não seria possível já que oficialmente meu irmão traria Chie para conhecer meus pais.
Daniel teve outras namoradas ao longo dos anos, mas não me lembro de nenhuma ser apresentada para a família. Apenas ouvimos seus nomes por um ou dois meses e depois simplesmente desapareciam, é meu irmão, não as culpava por não aguentar alguém tão chato. Chie batia de frente com ele e não apenas aceitava o que ele propunha, talvez fosse um dos motivos de combinarem tanto.
No relógio marcava praticamente dez horas da manhã, foi o mais tarde que acordei em algumas semanas, reflexo do quanto perdi o costume da rotina de treinos. Ainda com resquícios de preguiça no corpo sentei na cama passando a mão pelos cabelos aproveitando para desembaraçar alguns fios. Girei meu tornozelo confirmando que a fisgada que tive no fim do dia anterior havia desaparecido e enfim me levantei.
Troquei minhas vestes, arrumei o quarto e depois que me senti um ser humano propriamente descente fiz meu caminho para o andar de baixo. Aparentemente eles estavam reunidos na cozinha julgando pelas vozes que vinham do cômodo.
— Bom dia [Nome].
— Bom dia, pai, mãe, Kou-
O grito que saiu da minha garganta foi genuíno, curto e estridente, meus pais obviamente riram da minha reação enquanto eu encarava o garoto de cabelos cinzas — por algum motivo desconhecido — sentado na cozinha da minha casa. Senti a lateral do meu pescoço queimar assim como meu rosto, busquei algum apoio nos mais velhos, mas ambos pareciam estar se divertindo demais com a situação.
Limpei a garganta juntando o que me restava de dignidade — O que está acontecendo aqui?
Kou estava com os lábios pressionados, envergonhado e para seu bem minha mãe veio ao resgate.
— Bokuto-kun gentilmente bateu na porta perguntando se você estava. Eu sabia que você acordaria em breve então o convidei para entrar, já visitou algumas vezes não é mesmo?
Aqueles olhos dela estavam me analisando como um guepardo observa sua presa, conhecia bem o jogo dela — afinal meus dons de persuasão tiveram que ser ensinados por alguém — então respirei fundo e soltei meus ombros andando até a geladeira e pegando uma garrafa de água. Tomando um pouco mais de tempo para que o ar gelado minimizasse a vermelhidão no meu rosto.
— Podia ter me acordado, não deixado ele esperando.
— Faz cinco minutos — meu pai bateu no meu ombro.
O clima com certeza não era dos melhores, e na frente dos meus pais também não poderia questionar muitas coisas.
— Vamos ao quintal, podemos conversar lá — indiquei com a cabeça e andei. Koutarou agradeceu meus pais e me seguiu em silêncio, o céu estava claro quase sem nuvens e o sol estava no caminho para alcançar o meio do céu. Suspirei alto e bebi mais um pouco da garrafa sentando no degrau de madeira em seguida.
O rapaz se sentou ao meu lado, a feição claramente abalada, o conhecendo a tanto tempo sabia ter algo de errado.
Bati meu ombro de leve com o dele — O que foi?
Seu olhar se ergueu para encontrar o meu rapidamente antes de desviar para a grama — Você ficou brava comigo?
Um riso escapou a minha boca — Não, surpresa com certeza, mas não brava. — dei um tempo para poder processar minha fala — Estou feliz de não ter descido de pijama.
Dessa vez foram suas orelhas que tomaram uma coloração avermelhada, Kou abraçou os joelhos e escondeu o rosto enquanto eu ria alto e olhava para o céu. Uma brisa suave passou, levando aquela sensação estranha embora e deixando apenas o calor que eu já conhecia.
— Então o que aconteceu?
— Ah, verdade! [Nome] preciso da sua ajuda! — num segundo, até menos que isso, ele saiu do garoto envergonhado para uma bola de energia. Até se levantou e passou a andar nervosamente na minha frente de um lado para o outro na pequena varanda.
Ele tinha um conjunto de vestes esportivas de marca, cor preta, as mangas da jaqueta arregaçadas até aos cotovelos e meias brancas. Inclinei-me para ver a porta da frente, havia algo que pareciam serem tênis de corrida próximos à entrada.
— Você correu até aqui? — antes mesmo dele falar, questionei.
— Hum? — ele parou — Bom, sim. Eu sempre saio para correr, mas como precisava de você vim até aqui.
— E seus pais sabem disso?
Koutarou paralisou por um segundo e eu soube imediatamente que estaria em problemas. A mãe dele já me odiava se de repente o filho desaparecesse depois de uma corrida e surgisse na minha casa não imaginava o que poderia acontecer. Ele bateu nas laterais da calça e colocou as mãos nos bolsos, assumindo uma feição de puro terror logo em seguida.
— Deixei meu celular em casa.
Balancei a cabeça e imediatamente corri para dentro, subindo as escadas e entrando no meu quarto. Havia algumas chamadas perdidas de Aki além de mensagens, liguei de volta não demorando mais de dois toques para que minha amiga atendesse.
— Por favor me diga que sabe onde meu primo está.
Passei a mão pela testa — Sei, na minha casa. Ele apareceu aqui enquanto eu estava dormindo e meus pais o deixaram esperando, saiu para correr e deixou o celular em casa.
Aki do outro lado da linha misturou um riso com um suspiro de alívio.
— Realmente parece com algo que ele faria, vou te mandar o número da Katsue-nee pode pedir para ele ligar para ela?
Concordei e logo que desliguei o número apareceu na minha tela, voltei para os fundos da casa — Aki pediu para você ligar para sua irmã.
Entreguei o aparelho em sua mão e esperei, havia um certo receio em seus olhos e assim que as primeiras palavras foram ditas o garoto foi obrigado a tirar o celular do ouvido. Katsue realmente parecia ser a irmã mais energética. Inúmeras desculpas foram proferidas e depois disso a ligação foi colocada no viva-voz a pedido da mais velha.
— [Nome]-chan nos perdoe eu não sei o que passou na cabeça desse garoto. Francamente, não sabe o tanto de desculpas que tivemos que inventar para nossa mãe não mandar a polícia atrás dele.
— Não se preocupe, espero que esteja tudo bem agora.
— Vai ficar. Kou vou sair para resolver algo na cidade na volta passo aí e pego você. Te atrapalha muito querida? Pode cuidar do meu irmãozinho inconsequente mais algum tempo?
— Sem problemas, vou guardar ele até você passar por aqui.
— Você é realmente um anjo [Nome]-chan, vejo vocês logo.
Dito isso ela desligou, passei a mão na minha nuca juntando os cabelos num punhado e torcendo — O que era tão importante afinal de contas? Quase causou um problema enorme.
— Depois que Kai-senpai deixou a escola — começou a me explicar — passei a ser o capitão do time... Então, falar, preciso-
O começo entendi, mas do meio para frente sua voz tremia e ficava falhada com palavras quase robotizadas. — Certo, faremos o seguinte. Sente-se aqui.
Indiquei os degraus para ele e assim que se sentou saltei para a grama colocando as mãos da cintura e o encarando — Não consigo te ajudar se não entender o que precisa.
— Quero me ajude a fazer um discurso pro time de vôlei.
A frase veio de uma vez e com isso minhas pernas quase cederam, parecia absurdo, a mãe de Koutarou quase chamou as autoridades para comunicar do filho desaparecido e tudo por conta de um discurso para o time de vôlei. Era o tipo de situação mais Bokuto que poderia existir, e ainda assim havia algo de encantador no jeito apaixonado com que resolveu lidar com a situação. Não pude evitar que os cantos dos meus lábios se curvassem.
— Isso é tão você, que eu não posso nem contestar.
Kou não entendeu minha fala, apenas tombou a cabeça levemente para o lado confuso, contando logo em seguida a história completa de como toda aquela situação se desenrolou. Saiu para correr de manhã e enquanto pensava na escola — que começaria no dia seguinte —, se lembrou de Konoha dizendo para ele pensar num discurso para fazer na abertura.
— Komi-yan falou que se não fosse tão bom quanto o seu, não conseguiríamos novos membros.
— Então você decidiu desviar o caminho e vir parar em minha casa? — ele balançou a cabeça positivamente.
Alguns pensamentos passavam rapidamente pela minha cabeça, começando com os métodos que eu usaria para dar uma lição naqueles dois paspalhos. Era uma pena que Washio e Saru raramente estivessem por perto para barrar essas falas idiotas, sei que eram maneiras de deixar Kou animado, mas ainda assim precisam ser bem pensadas.
— Confesso que toda essa coisa de discurso está me pressionando também. Fui bem linguaruda no ano passado, Sora não vai me perdoar se não fizer algo melhor — voltei a me sentar ao seu lado — O time masculino é forte e mais que isso é famoso, mesmo que você suba no palco e não diga nada tenho certeza que terão novos jogadores.
— Mas quero falar algo bom, como você faz.
— Nós todos queremos ganhar, suponho que é transformar essa vontade em palavras. — respondi — Pensa assim: o que você diria para convencer alguém a jogar vôlei?
— Que é divertido.
— Sim, é, mas você não pode só falar. "Venham jogar vôlei, é divertido" — coloquei a mão no rosto, aquilo seria um pouco mais complicado do que imaginava. — Você pode falar da equipe, que o time é bom. Que esse ano pretendem chegar mais longe... Coloque sua alma em cada bola, use o lema de vocês.
Kou fechou a mão e bateu ela de leve na testa como se isso o ajudasse a pensar — Por que é tão difícil? Você faz parecer tão fácil.
— Eu? — neguei com a cabeça — Aprendi a ser uma boa líder porque o time precisava. Somos da mesma escola, praticamos o mesmo esporte, mas nossos times são bem diferentes. Não tivemos um Makoto ou um Kai para ajudar, simplesmente tivemos que ser, planejamos nosso caminho no primeiro ano e agora estamos conquistando.
Ele me olhava com certa admiração, as duas joias que levava nos olhos brilhavam com intensidade. O coração dentro do meu peito acelerou com tal atenção e fui obrigada a desviar, não costumava deixar que meus sentimentos viessem a tona — estavam todos bem cercados por muros altos —, mas Koutaro conseguia demolir todos eles com facilidade.
— Talvez tenha alguém mais experiente com isso do que eu — peguei o celular novamente procurando um contato específico.
O garoto se aproximou para ver a tela, tão perto que nossas pernas estavam se tocando, o braço esquerdo estava apoiado no chão atrás de mim e seu queixo encostou no meu ombro. Parecia uma mania fazer isso sempre que estava por perto, a primeira vez que aconteceu foi durante um treino, mas agora parecia uma coisa comum, nossa.
— A que devo a honra da sua ligação?
— Kai, pode falar? Preciso de sua ajuda.
— Estou bem, obrigado por perguntar [Nome] — respondeu do outro lado — Posso dar cinco minutos da minha atenção para você, depois disso tenho coisas para fazer em Akita.
— Akita? — questionei me lembrando de uma informação valiosa que Aizen do Colégio Yonsen me disse. Sorri instantaneamente, porém, não era daqueles que guardava apenas para Koutarou e sim um sarcástico e potencialmente cínico — Oh, você foi visitar a Aiko?
Do outro lado escutei uma tosse desajeitada e em seguida uma outra voz mais suave soou.
— Oi [Nome]-chan, como está?
Pude imaginar a feição envergonhada de Aiko enquanto se aproximava do aparelho para falar.
— Ótima e você também parece estar muito bem Aiko.
— Estamos todos bem [Nome] — Kai interrompeu limpando a garganta —, então, o que precisa?
— Estou com Koutarou, ele precisa de uma ajuda com o discurso de capitão. Pode dar uma dica?
— Capitão Kai, bom dia! — ele cumprimentou como se estivesse entrando no ginásio, embora estivesse apenas ouvindo sua voz. Até mesmo sua cabeça se curvou um pouco fazendo com que os cabelos roçassem na lateral da minha orelha.
— Bokuto-kun você é o capitão agora, não precisa mais me chamar assim. — ele suspirou — Meus discursos nunca foram bons para ser sincero, mas todos chegam no time com alguma ambição. Ficar mais forte, ser popular, ganhar, precisa dizer no primeiro dia que seus objetivos serão conquistados se optarem por entrar no time de vôlei.
— Hum... Se me permitem, acho que todos que pretendem entrar no time de vôlei da Fukurodani já chegam com uma pequena chama. O discurso inicial serve para manter essa chama acesa, dizer que possuem uma chance que podem escolher fazer desse ponto apenas uma brasa ou uma fogueira inteira.
— Aizen e Mai estariam orgulhosas de você Aiko.
— Obrigada, aprendi com a melhor.
Virei o rosto de leve para encontrar um Koutarou pensativo, acho que fora o suficiente, agradeci os dois mais velhos e me despedi com promessas de nos falarmos em breve.
Encostei a cabeça de leve na do garoto fechando os olhos momentaneamente, a mão dele que servia de apoio segurou a minha cintura num abraço lateral. Kou parecia naturalmente quente, acolhedor, se existia um lugar para o qual eu gostaria de voltar sempre seria para seus braços, era como estar protegida pelo próprio sol.
— O que está pensando?
— Não sei como ser um capitão bom como Makoto-senpai, Kai-senpai ou você.
Afastei momentaneamente para olhar seu rosto — É por que não precisa ser como nenhum de nós, precisa ser você. Vôlei é um esporte que depende de habilidade individual, mas ainda se joga com seis.
O celular no meu colo avisou uma mensagem era Katsue-chan, ela estava por perto. — Sua irmã está chegando, é melhor esperarmos na frente.
Levantamos e seguimos para a parte da frente, mais uma vez ele se desculpou com os meus pais pela inconveniência. Claro que eles disseram não ser nada, e minha mãe o fez prometer que voltaria em algum outro dia.
Na frente da casa nos poucos minutos que restavam aproveitei para tirar uma dúvida da minha cabeça. — Sobre o dia do cinema, sua mãe disse algo?
Estava encostada no muro com a cabeça baixa, Kou fazia alguns alongamentos na minha frente e parou imediatamente.
— Não, por quê? Ah ela perguntou se comprei as joelheiras — o garoto colocou a mão no queixo, abrindo um grande sorriso depois — Mas eu disse que foi um presente de alguém que eu gosto.
Nesse momento um carro apareceu na rua e quando parou ao nosso lado reconheci Katsue no banco do motorista. Ela saiu do carro e praticamente andou com pulos em nossa direção, a mais velha me deu um abraço apertado e até chegou a segurar meu rosto entre as mãos. Já com o irmão ela bateu em seu braço ralhando em seguida.
— Quem sai de casa sem celular? Se acontecesse algo com você?
— Desculpe. — ele abaixou a cabeça completamente derrotado.
— Se despeça da sua garota e vamos embora antes que Koemi fique sem ideias para enrolar nossa mãe. — apontou circulando o carro e entrando.
O termo 'sua garota' foi dito tão naturalmente que fez com que borboletas batessem asas no meu interior, mas... Não era ruim, tinha um certo charme.
— É melhor você ir, nos vemos na escola amanhã.
Vi a confusão nascer em seu olhar, se ele dizia algo, fazia algo ou ia direto para o carro. Koutarou chegou na dar um passo na direção da rua, antes de se virar e deixar de lembrança um beijo rápido e envergonhado nos meus lábios. Quando voltei a raciocinar o carro já estava virando no fim da rua.
— Você nem se preocupa em esconder mais.
Dessa vez não gritei, mas dei um pequeno pulo, atrás de mim Dan estava de mãos dadas com Chie e tinha um sorriso venenoso no rosto. Devem ter andado do apartamento até aqui e presenciado a cena inteira a distância.
— E deveria? — rebati, mesmo que estivesse com o rosto corado — Aproveita enquanto pode big bro, no momento em que passar por aquela porta o alvo vai ser você.
Dan levou a mão até os cabelos claros nervosamente — A mãe está inspirada?
— Muito, boa sorte.
N/A: Tive uma overdose de Boku[Nome] essa semana, estava com saudade desses dois, meus protegidos. Então pensei nesse cenário.
Espero que tenha vos deixado de coração quentinho.
Até mais, Xx
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