49
– Declaro iniciada esta reunião do Conselho. – Aeri bateu com a ponta do cetro cerimonial no chão de pedra, e o barulho ecoou pela vasta câmara subterrânea.
Não havia luz elétrica no submundo Seulita, tampouco na câmara que ficava em seu centro. O espaço era iluminado por tochas penduradas em grandes suportes de ferro nas paredes e por altos círios sobre pesados candelabros de ferro forjado, com quase dois metros de altura.
Quando a Princesa adentrou o recinto, todos se levantaram.
Ela desceu pelo meio da câmara, com a capa preta esvoaçando nas costas. Os membros do conselho baixaram a cabeça quando ela se aproximou.
Jimin estava pensativa. Mais uma vez fora alvo de uma tentativa de assassinato por uma potência estrangeira. Embora o líder dos invasores houvesse afirmado ser do Principado de Busan, ela acreditava na presença, entre os seus cidadãos, de traidores que haviam se aliado aos inimigos.
Foi com uma expressão irada que subiu à plataforma e se sentou no trono de ouro entre os dois candelabros.
– Houve uma séria falha de segurança. Lee Taeyong, a segurança é responsabilidade sua. O que tem a dizer? – A Princesa se dirigiu ao Conselho em tom sério, como era o costume.
O vampiro se levantou e fez uma mensura, o corpo e os ombros tensos.
– Peço perdão, Mestre. Mas quando a senhora souber as circunstâncias, penso que vai concordar que nossas patrulhas se comportaram com bravura.
Jimin a encarou sem dizer nada.
Taeyong pigarreou.
– Uma força atacou uma de nossas patrulhas ao leste. Embora em desvantagem numérica, eles lutaram com grande coragem e conseguiram eliminar meia dúzia de agressores. Infelizmente, a patrulha foi dizimada antes de poder dar o alarme. Uma segunda patrulha se deparou com a cena pouco depois. Nós alertamos os cidadãos, reunimos uma pequena força e estávamos rastreando os invasores quando eles atacaram a senhora.
A Princesa rosnou.
– E o perímetro? E as câmeras de segurança e os alarmes?
Taeyong hesitou.
– Existe um estreito corredor no lado leste do perímetro que não está equipado com sensores. Foi por ali que os invasores entraram em nosso território.
– E por que não fui avisada? – A voz de Jimin baixou de volume até virar quase um sussurro.
– Mestre, o corredor tem a largura precisa dos ombros de um homem. Os invasores precisavam saber exatamente onde ele ficava e entrar em fila indiana.
– Explique-me como alguém de fora deste principado sabia sobre esse corredor.
Taeyong trocou o peso do corpo de uma perna para a outra.
– Existe a possibilidade de que Hyunjin tenha fornecido essa informação quando vendeu as plantas do principado para o antigo Príncipe de Busan.
Com um semblante grave, a Princesa encarou por alguns instantes seu chefe de segurança.
Taeyong baixou os olhos para o chão, como se assim pudesse escapar à fúria da sua governante.
Por fim, a Princesa tornou a falar:
– Quantos entraram na cidade?
– Catorze, Mestre. Não houve mais nenhuma falha.
– Fui atacada por dez.
Taeyong assentiu com a cabeça, pouco à vontade.
– Os outros quatro se separaram dos companheiros ao se aproximar do centro da cidade, decerto com a intenção de cercá-la. Nossos rastreadores os alcançaram e conseguiram abater três.
A Princesa nada disse, e o silêncio na sala do conselho ficou muito alto.
– Parece que vocês perderam um.
Taeyong começou a falar bem depressa:
– Estamos fazendo de tudo para encontrá-lo. Prometo-lhe, Princesa, que...
Mas Jimin já tinha escutado o suficiente. Levantou-se e encarou seu chefe de segurança.
– Lee Taeyong, você foi incumbido de garantir a segurança do principado. Tinha conhecimento dessa brecha no perímetro e nada fez para fechá-la. Permitiu que uma força invasora entrasse na cidade e me atacasse. Além disso, permitiu que um desses invasores fugisse. Ele pode estar em qualquer lugar, planejando um ataque ou atos de sabotagem. É provável que esteja mandando informações para nossos inimigos.
Após uma pausa, a Princesa continuou:
– Você fracassou em seus deveres. Diga-me, devo executá-lo aqui mesmo para que sirva de exemplo aos demais membros do Conselho?
Taeyong recuou dois passos, e seus lábios se retesaram em um esgar.
– Eu a servi fielmente por duzentos anos.
A Princesa nem sequer pestanejou. Ficou parada, com uma expressão cuidadosamente contida, esperando por uma resposta que lhe agradasse.
– Mestre, deixe-me investigar. Deixe-me encontrar o invasor.
Os olhos castanhos da Princesa se moveram em sua direção, mas ela permaneceu em silêncio.
– Eu prestei um bom serviço ao principado. A ideia de implementar os sistemas de segurança foi minha. – Continuou ele. – Além disso estamos passando por um momento crítico. Não seria vantajoso para minha senhora ter que reformular o Conselho enquanto está diante de um possível conflito externo.
Taeyong aproximou-se do trono e se ajoelhou, a cabeça curvada enquanto lutava para não demonstrar seu medo.
– Dê-me uma chance de corrigir os meus erros – disse ele. – Se eu fracassar mais uma vez nos meus deveres irei lhe oferecer a minha cabeça de bom grado, Mestre.
A Princesa se demorou alguns instantes olhando para seu chefe de segurança, como para se certificar do quão sincera eram suas palavras. Com um olhar de fúria controlada, dirigiu-se aos demais membros do Conselho.
– Todos presentes aqui essa noite são testemunhas das palavras de Lee Taeyong. Uma vez que ele falhe na sua busca, será devidamente punido.
Os membros remanescentes do Conselho murmuraram entre si, mas não se atreveram a criticar a Princesa ou sua escolha em poupar a vida de Taeyong. Uma vez que eles demonstraram ter entendido, ela retornou ao eu trono e olhou para Taeyong com uma expressão indiferente.
– Taeyong retorne ao seu posto e lidere uma busca por todo o perímetro da cidade. Quero encontrá-lo daqui duas horas e espero que tenha algo positivo a relatar, caso contrário não garanto ser tão leniente como agora.
O chefe de segurança assentiu, franzindo as sobrancelhas.
– Como quiser, Princesa. Talvez eu deva esperar a reunião ser encerrada?
– Não, quero que você faça isso agora mesmo. – Seu tom era um alerta quanto a futuros protestos. – Cuide para que eu não me arrependa da minha decisão.
Se a ordem desagradou a Taeyong, ele escondeu a reação com maestria e reagiu aos comandos da Princesa com uma ampla reverência antes de se retirar.
Do trono, a Princesa se dirigiu a chefe de inteligência:
– Yeji, houve alguma informação sobre o ataque?
– Não, Mestre. Nossa relação com os Busanitas sempre foi tensa, mas não houve nenhum boato sobre um ataque deles ou de quaisquer outros. E nós temos espiões dentro da cidade.
– Mande-os descobrir quem ordenou a incursão. Talvez, no fim das contas, nem tenha sido Busan. Vocês conseguiram identificar algum dos corpos? – O tom da Princesa denotava um otimismo cauteloso.
Assim como os outros, ela sabia que imagens dos membros de sua espécie eram extremamente raras. Era pouco provável que a limitada base de dados mantida pelo principado contivesse alguma imagem dos candidatos a assassino.
– Infelizmente não conseguimos identificá-los, Mestre. Mas devo dizer que nossos espiões forneceram imagens dos correligionários mais próximos de Hongjoog. Nenhum dos homens abatido na fronteira ou dentro da cidade corresponde a essas imagens. No entanto, conseguimos descobrir outra coisa.
– Espero que a notícia seja boa, Yeji.
A chefe de inteligência reagiu com nervosismo ao tom da líder.
– Em potencial, sim. As espadas que os homens usavam eram de estilo Busanita, com o cabo cruzado, muito comuns na Idade Média. Isso não basta para provar que os invasores vieram de Busan, mas é uma coincidência interessante.
– Veja se é possível descobrir algo mais forte do que uma coincidência. Quero a pessoa ou as pessoas por trás desses ataques identificadas o quanto antes.
Yeji fez uma mensura.
– Claro, Mestre.
– E quanto ao caso do assassinato?
– A rede de inteligência humana foi capaz de proteger o corpo, mas não antes de uma autópsia preliminar ser conduzida.
A Princesa bateu com o punho no braço do trono.
– Como eles conseguiram ser tão descuidados?
– É um caso de alta relevância, minha senhora. A autópsia foi realizada imediatamente.
– Você é a chefe de inteligência. Você fez algum progresso em encontrar o assassino?
Yeji pigarreou.
– O serviço de inteligência têm falado com os irmãos. Ninguém admite tê-lo matado, mas o homem foi visto perto do Silent Night antes de sua morte. Uma figura encapuzada foi pega nas câmeras de segurança. Ele parece ter sequestrado o homem.
A Princesa se inclinou para frente em seu trono.
– Você tem um suspeito. Bom. Tem certeza de que a figura é masculina?
– Sim, Mestre. Por várias razões, usamos imagens para comparação. Em tamanho e em proporção, a figura era do sexo masculino.
– Se ele ainda está na cidade, deve ser encontrado rapidamente.
– Estamos trabalhando junto com a equipe de segurança nessa questão – Disse Yeji, mudando o peso de um pé para o outro.
Os olhos de águia da Princesa notaram o movimento da chefe de inteligência.
– Eu acho que você tem mais a reportar?
– Sim, minha senhora. O Seul Journal publicou um artigo sobre a investigação referente a esse caso. Parece que alguém da equipe médica vazou detalhes da autópsia para a imprensa. Está sendo relatado que o corpo do homem foi drenado de sangue antes da morte e havia marcas de mordida no pescoço dele.
A Princesa imobilizou Yeji no local com seu olhar.
– Diga-me que os jornais não estão mencionando vampiros.
Yeji engoliu em seco.
– Há uma especulação a respeito disso, Mestre. No entanto, eles também estão mencionando Satanistas.
– Se apenas os satanistas reivindicassem a responsabilidade – a Princesa murmurou. – Eu espero que a Ordem já não esteja a caminho.
– A esse respeito, posso oferecer boas novas, minha senhora. A palavra do Império é que a Ordem é meramente uma observadora, muito cautelosa com o Rei para agir contra seu aliado.
– Isso é algo positivo. – Jimin se endireitou. – Ordene a rede de inteligência humana a fabricar provas que suportem um cenário alternativo, que implicaria alguém que não é um vampiro. Os adoradores de Satanás são convenientes o suficiente. Lide com o repórter e identifique a pessoa que vazou as informações da autópsia.
– Com que evidência, Mestre?
– Com qualquer evidência que possa ser criada em um curto período de tempo – a Princesa rosnou. – O humano a rede de inteligência é supostamente inteligente o suficiente. Diga a eles para usarem suas cabeças.
– Sim, Mestre.
Os olhos da Princesa se moveram então para a mais nova membro do conselho.
– Ningning, tome providências para que a unidade de patrulha que foi morta seja substituída, e trabalhe em conjunto com Jisu para recrutar novos talentos para as patrulhas.
– Sim, Mestre. – A chinesa se curvou.
– Agora precisamos debater nossa resposta à incursão.
As membros do Conselho se entreolharam. A Princesa continuou:
– Nós fomos atacados sem provocação. Eles eliminaram uma patrulha e invadiram nosso território, decerto ainda mantém as plantas de nossos sistemas de segurança. Em seguida, tentaram me assassinar. Todos esses atos merecem uma reação forte. Precisamos nos preparar para a guerra.
Mais uma vez, as membros do Conselho trocaram murmúrios entre si. A Princesa fixou os olhos em Yeji.
– Mande um de nossos espiões avisar em Busan que a missão foi um sucesso. Mande-o entregar uma das espadas e dizer que o recado é de Joonho; é o nome de um dos invasores que eu matei. Deixe implícita a verdadeira natureza da missão; não a revele nem ao próprio espião.
Jisu reagiu na hora.
– Com todo respeito, Mestre, a senhora vai informar ao inimigo que morreu.
– Exato. – Jimin não parecia abalada.
Yeji tinha o semblante grave.
– Mestre, mesmo que os Busanitas não estejam por trás do ataque, ao saber de sua morte eles vão tentar anexar nossos territórios.
Sentada no trono, a Princesa se inclinou para a frente.
– Se o nosso espião não souber a natureza da missão, não poderá revelá-la sob tortura. Os busanitas só vão acreditar que morri se forem eles quem tiverem ordenado o assassinato. E se não tiverem sido eles, a rede de inteligência precisa identificar quem está por trás do ataque antes de haver outra incursão. – A Princesa lançou um olhar significativo para Yeji.
O corpo desta se tensionou, e ela relanceou os olhos para o lugar em que seu colega havia se ajoelhado há alguns minutos.
A Princesa examinou as membros do conselho.
– Há um estrangeiro escondido em nossa cidade. É possível que já tenha descoberto o fracasso de seus aliados e informado Hongjoog desse fato. Vamos torcer para não ser o caso.
A expressão de Yeji ficou ainda mais perturbada.
– Mestre, se os busanitas desconfiarem de sua morte, a notícia vai se espalhar. Vamos ser soterrados por incursões de principados vizinhos.
– Não se eles pensarem que Aeri assumiu o controle do principado e reuniu um grande exército.
A Conselheira fez uma profunda mesura, tentando desesperadamente refrear a própria surpresa.
– É uma grande honra, ainda que seja mentira.
– Tenho outros planos em mente. – A Princesa pousou as mãos nos braços do trono. – Mas esteja avisada, Aeri. Você será Princesa no nome apenas. Qualquer decisão em relação ao principado deve ser tomada unicamente por mim. Entendeu?
Aeri pareceu devidamente contrita.
– Sim, minha Princesa. Fico lisonjeada por sua confiança.
– Sempre admirei sua inteligência, mesmo quando você ainda era humana. Nossos rivais a conhecem pelo nome e irão temê-la. Mas sei que você é prudente o bastante para desempenhar seu papel até o fim sem delírios de grandeza. Lamentaria estar enganada.
– Juro continuar fiel ao principado e a sua Princesa.
– Excelente. – Jimin a dispensou com um meneio de cabeça. – Até encontrarmos o estrangeiro desaparecido, ninguém deve saber que sobrevivi à tentativa de assassinato. Ninguém fora deste Conselho. – Ela encarou as outras membros com uma expressão significativa. – Ficarei escondida enquanto você, Aeri, fingirá assumir o controle do principado. Espalhe a notícia de que seu exército está de prontidão caso alguém decida nos atacar.
Aeri hesitou.
– E o Rei, Mestre? Instigar um conflito armado na região nos valeria a sua ira. E ele não vai ver com bons olhos o nosso estratagema.
– Vou despachar um mensageiro para falar com o Rei agora mesmo, de modo a lhe revelar nossa estratégia. É possível que ele decida intervir, mas eu duvido. Deixar os principados do seu reino se defenderem sozinhos lhe convém. E é exatamente isso que estou fazendo.
A Princesa voltou sua atenção para o Conselho como um todo.
– Enquanto esperamos para ver como os busanitas reagem ao nosso espião, vamos iniciar os preparativos para o conflito.
– E se os busanitas não estiverem por trás do ataque? – Perguntou Jisu.
– Nesse caso, nossa rede de inteligência e nosso chefe de segurança precisam se apressar para descobrir quem está. Caso contrário, será necessário arrumar novos membros para o Conselho. – O tom da Princesa foi duro.
As membros se levantaram e fizeram uma reverência enquanto a Princesa descia pelo meio da sala e cruzava a porta dupla até o corredor.
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