48

Minjeong sentia como se estivesse debaixo d’água. Todos os sons pareciam distantes, todas as imagens, borradas.

Ela se sentou à mesa do escritório de Jimin, encarando completamente imóvel a adaga que ela lhe dera. Seus pensamentos voltaram-se para o dia em que a Princesa lhe havia revelado o que era. Lembrou-se de vê-la com horror enfiar essa mesma adaga na mão e começar a sangrar. Lembrou-se de tentar fugir dela.

Agora, no entanto, não conseguia se imaginar tomando uma atitude como aquela. E o comunicado de Ningning sobre o atentado que Jimin sofrera naquela noite era igualmente angustiante. Ela era a vampira mais poderosa que conhecia, era Princesa de Seul e herdeira direta ao trono Imperial. Ainda assim era impossível para Minjeong não se preocupar com sua segurança.

Mecanicamente, foi até a janela, notando com certa preocupação que a motocicleta de Jimin ainda estava estacionada lá fora.

A musicista se perguntava quando ela voltaria.

Ela se perguntava se Jimin estava mesmo bem.

Com essas preocupações, Minjeong se levantou, preparando-se para apagar as luzes e ir para a cama. Deu um passo à frente, parando quando viu sua adaga sob a mesa. Jimin estava certa de que a arma iria protegê-la, e não havia dúvida de que por isso a presenteara com ela, apesar da surpresa dela.

Ela examinou a adaga, perguntando-se o quão bem conseguiria usá-la em um conflito. Ainda nao tinha comentado nada com Jimin, mas desde que a recebera andava praticando o manuseio da arma com o auxílio de Ningning. Se surpreendia pela chinesa ter concordado em manter isso em segredo mesmo indo contra o que acreditava ser o correto.

Minjeong estava prestes a colocar a adaga de volta na mesa e ir para a cama quando a porta do escritório se abriu de forma repentina.

Ela encarou a mulher vestida de preto parada na soleira e seu coração quase errou uma batida.

Jimin não disse nada, atravessou a sala em passos largos e a envolveu em seus braços.

– Me perdoe por preocupá-la. – O rosto normalmente impassível da Princesa havia se refeito, revelando emoções intensas.

– Fiquei com medo de que algo sério tivesse acontecido com você – disse Minjeong com a voz trêmula. Jimin a beijou com avidez enquanto a apertava firme em seus braços.

– Eu estou bem. – Ela se afastou e ficou parada para que a musicista pudesse conferir.

As mãos de Minjeong tremiam quando ela segurou seu roto. Praguejando, Jimin colocou a mão sobre a dela.

– Estamos seguras aqui. Fiz uma varredura na cidade, buscando sinais de mais invasores. Acho que o grupo com que cruzei era o único.

– E se houver mais?

– Meus patrulheiros vão soar o alarme. Estamos seguras dentro da residência. As relíquias vão confundir qualquer um da nossa espécie e eles vão procurar em outro lugar.

– Então o atentado partiu mesmo dos nossos?

Jimin se afastou, correndo os dedos pelo cabelo.

– Sim, fui atacada por soldados de Busan que estão seguindo as ordens de um traidor. – Ela suspirou. – O objetivo dele é me destruir. Mas o fracasso do seu movimento resultou em uma declaração de guerra. Vou usar o meu poder e influência para descobrir quem está por trás do atentado e fazê-lo pagar.

Minjeong levantou o olhar e encontrou Jimin observando-a. Ela estava parada a certa distância, bem ereta, em frente à sua mesa.

– Eu pensava que o principado de Busan estava sob o seu domínio – comentou ela, depois de pigarrear. – Não consigo entender por que iriam iniciar um conflito quando a história mostra que já fracassaram no passado.

– Busan está sempre preparada para tentar recuperar o seu poder – disse Jimin com amargura. – Devo encontrar o traidor. Rápido.

Ela manteve distância, sua postura cada vez mais defensiva, como se estivesse se preparando para um golpe.

– Sinto que você não está compartilhando tudo comigo.

– Contei tudo o que você precisa saber no momento.

Minjeong se aproximou de Jimin lentamente. Pegou uma das mãos fechadas dela e a aconchegou nas suas.

– Lembra da conversa que tivemos há alguns dias? Eu disse que queria participar mais efetivamente do que acontece no principado.

A Princesa abriu um meio sorriso.

– Eu entendo, mas o sol vai nascer em breve. Talvez fosse melhor você ir descansar um pouco.

– Jimin... – Ela sussurrou, parecendo triste.

Então desviou o olhar e cruzou as mãos sobre o próprio peito.

– Tudo bem – murmurou Jimin em resignação. – Eu irei lhe contar.

Ela colocou um braço em volta da cintura dela, descansando a testa em seu ombro, e deu um longo e trêmulo suspiro.

– Estou acabada. – Suas palavras foram abafadas pela camisa dela.

– O quê?

Como Jimin não respondeu, ela se virou e tocou a cabeça dela.

– Estou bem aqui. Converse comigo, Jimin.

A Princesa levantou o rosto, que exibia uma expressão angustiada.

– Será uma longa conversa.

– Não vou a lugar algum. – Ela acariciou a cabeça dela. – Por favor, me diga o que há de errado.

Jimin se afastou e andou até a outra extremidade da sala, parando em frente à janela.

Ficou em silêncio por um momento enquanto olhava para os jardins que amava.

– O incidente de hoje vai despertar a atenção da Ordem dos Caçadores.

O coração de Minjeong quase saiu pela boca.

– O quê? Por quê?

– Porque eles estão nos observando. Achou realmente que recuariam apenas por que tenho o apoio do império? Não, eles estão muito mais empenhados em garantir que Seul fique livre da nossa espécie de forma definitiva.

– Nós não podemos permitir isso. – O tom de Minjeong era decidido. – Eu te perguntei isso antes, mas você não acha que eles estão por trás do assassinato? Seria a oportunidade de que precisam para avançar.

Jimin virou a cabeça.

– Aquilo foi uma armadilha.

Ouvir isso deixou Minjeong ainda mais surpresa.

– Do que você está falando?

– A pessoa por trás do atentado é a mesma que encomendou aquele assassinato público.

– Por que ele faria isso?

– Porque me conhece e sabe como eu trabalho. Ele sabia que minha primeira medida seria fazer uma varredura pela cidade e então conferir de perto como estavam lidando com o caso. – Jimin olhou pela janela novamente, seu corpo tenso. – Era a oportunidade ideal para os seus soldados tentarem me assassinar.

Minjeong se retesou.

– O que você vai fazer?

Jimin olhou para ela.

– Sou responsável pela minha cidade e por você. Vou garantir a sua segurança

A musicista andou em direção a ela.

– Não pedi que assumisse essa responsabilidade.

– Você me pediu que a amasse – rebateu ela. – Como posso amá-la se não garantir sua segurança?

Minjeong fechou a boca abruptamente. Jimin rangeu os dentes.

– Caso você não queira sair da cidade, posso entrar em contato com o Rei e solicitar para que seja ingressada na sua corte até que essa situação seja resolvida. O Palácio Imperial é o lugar mais seguro dentro da Coreia do Sul.

– Não quero estar segura longe de você.

Jimin não respondeu.

– Você quer que eu vá? – Perguntou Minjeong, a contragosto.

– Não. – A Princesa fechou os punhos com força. – Mas o que eu quero não importa. Com um movimento, eles podem destruiu tudo o que eu construí.

Minjeong estendeu a mão e procurou o braço dela.

– Precisa me explicar, porque não estou entendendo.

Jimin flexionou os braços, afastando-se da janela.

– Se eu não controlar toda essa situação interna, nem mesmo o apoio do Rei vai impedir uma guerra. Posso oferecer um acordo, mas para isso será necessário que eu encontre os traidores e os entregue pessoalmente a meus inimigos. – A expressão dela se fechou. – Se isso não for possível, a Ordem virá, se não para proteger a humanidade, para garantir que meu reinado termine. Nunca um principado sozinho conseguiu vencer a Ordem dos Caçadores. Serei destruída e você terá um fim semelhante se não estiver em segurança fora da cidade.

Minjeong agarrou o braço da Princesa apoiando-se nela.

– Você pode apelar para alguma outra cidade? Os principados não podem se unir?

– E arriscar massacres em suas próprias ruas? Não. Houve um tempo em que todos os vampiros se solidarizavam. Foi assim que conseguimos negociar um tratado com a Ordem dos Caçadores. Mas os tempos mudaram. Muitos dos conselhos são fracos e egoístas. Ninguém virá me ajudar. Vão simplesmente observar, aliviados por Seul estar sendo atacada e não eles.

– Então vai simplesmente desistir? – Ela a empurrou. – Não pode desistir!

Jimin recuou um passo, seus olhos brilhando de ódio.

– Eu jamais faria isso. Prefiro ir para o inferno a abandonar o meu povo.

Ela olhou para os sapatos.

– Nunca acreditei no inferno. Mas estou começando a mudar de ideia.

– Inferno é conhecer seu destino e saber que não há nada a fazer. – Jimin afastou uma mecha de cabelo da testa de Minjeong.

– Sua criadora não pode interferir diretamente nessa questão?

Jimin respirou fundo.

– Sim, ela pode. Mas, como a Ordem já está interessada em Seul, sua interferência direta despertaria interesse. Ela lhes daria um motivo para invadir minha cidade, algo que não fazem desde o governo do antigo Príncipe.

Minjeong virou a cabeça e olhou para a janela. Observou os jardins, a noite estrelada e a estrutura solene logo adiante.

– Não posso acreditar em algo assim. A Ordem não vai deflagrar uma guerra contra você por causa de uma morte, não quando isso pode causar pânico mundial e expô-los. Só precisamos de alguém com um celular, e um vídeo da Ordem matando vampiros estará por toda a internet.

– Você subestima o poder deles.

– Não me importa quão poderosos eles sejam. Eles não podem controlar tudo e todos. Guerra significa exposição, para eles e para vocês. É por isso que o acordo do qual falou seria a melhor saída para essa situação. Eu desejo uma guerra tanto quanto você.

Jimin fechou a cara.

– É por isso que você estaria mais segura sob a proteção Imperial.

A musicista levantou o queixo.

– Posso não escolher minha morte, mas posso escolher minha vida. E escolho passar o tempo que me resta com você.

– Não! – retrucou Jimin.

Minjeong a olhou com mais mágoa do que raiva.

– Por que não? Não me ama?

A Princesa esfregou o queixo com força.

– Claro que amo. É essa a questão. Estou tentando salvá-la. Você poderia servir na corte imperial. Eu avisaria quando fosse seguro para voltar.

Minjeong a observou por alguns segundos, estudou a expressão de seu rosto, sua linguagem corporal e o estranho vazio que tomou seus belos olhos castanhos.

– Está mentindo. Você sabe que se me mandar embora nunca mais vamos nos ver. Para mim, seria perigoso demais voltar, e é possível que a Ordem tente matar você durante o conflito.

Ela suspirou, resignada.

– Já estou morta. A humana em mim morreu há anos e este corpo tomou seu lugar. Vivi uma vida longa, longa o suficiente para ter esperança.

Jimin pegou uma mecha do cabelo de Minjeong e carinhosamente enrolou em seu dedo. Parecia angustiada.

– Mas você, Minjeong, você tem sua vida toda pela frente. Se ficar, pode ser morta.

Ela piscou os olhos castanhos, desafiadora.

– Então morreremos juntas.

– É suicídio. Você não pode...

Minjeong a interrompeu.

– Como seria minha vida sabendo que você ainda está viva, mas que não podemos ficar juntas? Pensando todo dia que eles podem caçá-la e torturá-la? Pensando que podem matar você? Prefiro passar o tempo que me resta com você a ficar segura em algum lugar, sofrendo porque perdi metade do meu coração. – Ela apertou o braço dela com força. – Você é minha outra metade, Jimin. Por favor, não me mande embora.

Jimin levantou a cabeça para o teto e fechou os olhos. Cerrou os punhos e recitou uma litania de maldições.

– Sou fraca demais para mandá-la embora. Na noite em que a conheci, tive uma visão do que seria o mundo sem você. Foi antes de eu saber que a amava. Agora que sei... seria impossível.

Minjeong enterrou o rosto no peito dela.

– Eu iria à Ordem para salvar sua vida.

– Eu sei. – A Princesa beijou a cabeça dela. – Mas é possível que eles me destruam mesmo assim. E que tipo de vida eu teria sem você? Sem luz? Sem esperança?

O lábio inferior dela tremeu.

– Tive tanto medo de que me mandasse embora.

– Não – sussurrou ela, envolvendo-a num abraço apertado. – Seria o mesmo que caminhar no fogo e deixar as chamas me aniquilarem. Esse destino seria preferível.

Minjeong estremeceu nos braços dela.

– O que vai fazer?

Jimin hesitou.

– Torcer para que eu encontre o traidor e tenha o apoio do império para tentar um tratado com a Ordem.

– Isso é possível?

Jimin suspirou.

– Não sei.

– É tão injusto – murmurou Minjeong, lutando contra as lágrimas. – Esperei a vida toda para encontrar você, e, agora que a tenho, vou perdê-la.

– Não perca as esperanças. Eu não suportaria se a luz da sua esperança fosse extinta.

Jimin a segurou firme e Minjeong se agarrou a ela como se estivessem caindo.

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