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Minjeong deslizou o arco sobre as cordas do violino, fazendo a música ganhar vida. Ela estava nos jardins da residência, aproveitando o fim da tarde. O jardim estava ordenadamente arrumado com flores, sebes e laranjeiras. Grandes potes de terracota continham várias plantas, enquanto as rosas floresciam entre as sebes com a chegada da primavera. O ar estava perfumado com cítricos e rosas.

Algumas folhas de tablatura estavam abandonadas perto dos pés de Minjeong. Ela continuou tocando, fechando os olhos e lembrando de dias felizes, quando seu pai ainda estava vivo e eles moravam juntos. Ela se lembrou da sua risada, sua mão calorosa segurando a dela, o timbre profundo da sua voz.

– Pai – ela sussurrou, as lágrimas ameaçando cair.

O único suspiro de uma brisa tocou seu rosto, levando alguns fios de cabelo aos seus olhos. Uma palavra única ecoou em seu coração, falada na voz profunda de seu pai, você não pode fazer tudo. Você não pode ser perfeita.

Você só precisa ser você mesma e ser o melhor que puder ser. Tal era a simples sabedoria de seu pai, ou o que ela poderia lembrar disso. A brisa suspirou novamente, e Minjeong parou de tocar.

Ela piscou para o sol de fim de tarde, percebendo que deveria ter usado óculos de sol ou um chapéu. Ela sentia como se estivesse morando em uma caverna, como se não tivesse visto o sol em meses, em vez de dias. Ela queria o calor queimasse em sua pele pálida e em seu coração. Mas estava começando a incomodar. Então pegou seu material e voltou para debaixo de uma treliça coberta de videiras.

Jimin havia prometido que descobriria como estava a vida de Chaewon, mas nos dias que se seguiram desde o seu retorno a Seul, ela tinha muito pouco para relatar. Na noite passada, ela havia relatado que a investigação por trás do incidente tinha sido encerrada como agressão e tentativa de roubo. Por isso Chaewon não tinha memória do acontecido.

Minjeong esperava que, com o tempo, Chaewon encontrasse cura, embora ela soubesse que a perda de Sunghoon formaria uma cicatriz que nunca desapareceria.

– Aqui está uma linda musicista, abençoando meu jardim.

Ela virou-se e encontrou Jimin a uma curta distância, parada na soleira da porta observando-a.

Ela sorriu.

– Eu não estava esperando você até depois do pôr do sol.

– A cidade está calma, e meus irmãos estão descansando. – A Princesa olhou para ela solenemente. – Tenho notícias da sua amiga.

Minjeong sentiu seu coração pular uma batida.

– Onde ela está?

– A caminho dos Estados Unidos. Aparentemente decidiu passar uma estadia no exterior com a família. Ela também parece ter aceitado a história que criamos.

– Ela está bem?

Jimin apertou os lábios.

– Ela está sofrendo. Mas uma das nossas fontes me disse que ela está saudável.

– Acha que ela vai entrar em contato comigo?

– Eu acredito que sim, mas você deveria dar a ela mais alguns dias. Espere até que ela esteja junto da sua família e que nós possamos determinar sua segurança.

Minjeong balançou a cabeça.

– Eu não quero esperar.

– Eu entendo, mas enquanto nosso informante estiver de olho nela, você terá toda a informação que desejar.

A musicista mudou de assunto.

– Como estão as questões relacionadas a Ordem dos Caçadores?

– Estamos nos certificando de que tudo corra como o planejado. Devo me encontrar com o Conselho esta noite.

Minjeong virou o corpo para guardar seu violino no estojo, tentando esconder seu incômodo diante de tantos problemas.

– Me desculpe. – Jimin disse em tom baixo.

– Está tudo bem.

– Por que você parece tão incomodada?

Ela fez um barulho exasperado.

– Eu não posso falar com a minha amiga. Não posso deixar a residência. O que eu posso fazer?

Jimin mudou-se para a extremidade da sombra.

– Houve muita agitação, muitos sussurros. Temo que tenham certeza de que você é a minha maior fraqueza.

Minjeong a encarou, uma vampira de séculos com poderes incontáveis e a sabedoria das eras.

– Ninguém que a encontrou pessoalmente jamais pensaria que tem uma fraqueza.

– Ninguém que me encontrou quando você estava ausente, talvez. Mas agora estamos apegadas, compartilhamos um vínculo de sangue e isso deixa claro a intensidade do que temos para aqueles que nos rodeiam. Embora eu tenha tentado esconder.

Minjeong permaneceu em silêncio.

– Eu comenti um erro – afirmou Jimin finalmente.

Ao ouvir isso, Minjeong olhou para ela.

– O que você quer dizer?

– Você está infeliz.

– Eu não estou acostumada a ficar em um só lugar o tempo todo. Mesmo quando tinha a limitação visual, eu gostava de sair.

Jimin passou uma mão sobre a boca.

– Eu disse que a deixaria ser livre como desejava, mas agora a estou prendendo.

– Deve haver algum caminho para sair da casa e ainda estar segura. Você é a Princesa de um dos principados mais seguros. Você tem o apoio do Império.

– Eu também tenho muitos medos. – Disse ela em tom baixo.

Minjeong levantou as mãos.

– Compartilhe-os. Vamos ter medo juntas. Mas não me apague, e por favor, não me guarde em uma gaiola.

A Princesa se aproximou e tocou sua bochecha ternamente.

– Meu maior medo é não poder protegê-la.

Ela agarrou seu pulso.

– Eu tenho medo de perder você. Ou que a Ordem dos Caçadores venha e a leve embora.

– Estou lutando para que isso não aconteça.

– Então deixe-me lutar ao seu lado, Jimin, não dentro da sua casa. Quando eu disse que estava com medo de ser destruída pelo amor, você me disse que meus medos eram compartilhados. Seus medos também são compartilhados. Estou com medo de perder você. – Um suspiro de angústia escapou de seu peito. – Eu amo você, mesmo sabendo que isso pode me destruir. Então me ame como eu sou, na mesma intensidade.

– Eu irei – ela sussurrou.

– Então me leve com você.

A expressão de Jimin ficou conflitada.

Minjeong franziu a testa.

– Não quero dizer as reuniões do Conselho. Eu não tenho interesse em voltar para uma dessas no momento. Mas eu gostaria de participar mais efetivamente do que acontece no principado. Tenho certeza que existe algo que eu possa fazer.

Jimin a encarou seriamente.

– Isso é importante para você?

– Muito. Eu gosto de trabalhar. E tenho que fazer algo útil para o nosso povo e não apenas sentar em um trono e ficar esperado o tempo todo.

– Você pode contribuir com o nosso povo sendo quem você é.

– Isso não é suficiente.

A Princesa respirou fundo, resignada.

– Se você deseja aprender mais sobre as questões burocráticas do nosso principado, eu irei atribuir alguém para ensiná-la. – Ela ofereceu. – Tenho certeza de que você é capaz de lidar com isso, mas não se cobre muito no início.

– Obrigada.

– Hoje à noite, quando eu encontrar o Conselho, você vai ficar aqui?

– Claro – Ela recolheu seu material e o estojo do violino. – Eu sei que a luz do sol já deve estar deixando você desconfortável. Vamos entrar.

Jimin segurou seu braço e a acompanhou de volta ao escritório. Ela pegou as partituras de sua mão, junto com o estojo do violino, e colocou-os em uma mesa próxima. Então segurou suas mãos nas dela e colocou-as sobre seu coração.

Minjeong ficou distraída momentaneamente pelo ritmo único do seu coração.

– Eu... – Jimin franziu a testa. – Eu pensei muitas vezes no preço que eu pagaria pelo amor. Mas eu deveria ter pensado no preço que você teria que pagar.

– Eu sabia que depois de perder meu pai, minha vida nunca mais seria fácil e simples – disse Minjeong. – Principalmente agora que estou pensativa sobre minha amiga. Ter que ficar aqui sozinha durante horas a fio torna tudo ainda pior porque não consigo parar de me preocupar com tudo.

Jimin franziu o cenho.

– Eu deveria ter percebido. Sinto muito. Eu deveria ter lidado com Hyunjin quando tive a chance.

– Ninguém pode saber o futuro. Eu certamente não a culpo pelo que ele fez com Sunghoon.

A Princesa a encarou por alguns instantes antes de se afastar.

– Andei pensando em algumas coisas desde que tudo aconteceu. – Disse ela, dando a volta na mesa do seu escritório e abrindo uma das gavetas. – Tem algo que eu gostaria que fosse seu.

Minjeong ficou surpresa quando ela pegou uma adaga e voltou a se aproximar. Jimin segurou seu braço e colocou a arma sobre sua mão.

– O que você está fazendo? – Perguntou a musicista confusa.

Jimin ficou em silêncio.

Minjeong abandonou toda a esperança de receber uma resposta quando sua voz se fez ouvida.

– Ainda que eu me recuse a aceitar, nem sempre vou estar por perto para garantir sua segurança diante de um conflito. Então quero que tenha algo para se proteger.

Minjeong desembainhou a lâmina para examiná-la. A adaga parecia datada do Renascimento e facilmente se orgulharia de coloca-la em um museu. Também era extremamente afiada. Mesmo agora, ela tinha que ter cuidado ao manusea-la em sua mão para não cortar sua pele.

– Eu já vi você usando essa adaga antes – Sua voz era baixa.

– Durante nossa cerimônia de casamento eu estava portando ela. Mas também já a utilizei em conflitos com caçadores.

Minjeong assentiu com a cabeça, ainda fascinada pela lâmina em suas mãos.

– Aponte para a garganta – Jimin segurou sua mão e apontou a lâmina em direção ao próprio pescoço. – Uma adaga será de pouco uso contra um antigo ou um vampiro bem treinado. Mas isso lhe dará tempo.

– Você acha que sou capaz de fazer algo assim?

– Você é mais do que capaz. Não apenas por que carrega meu sangue em seu corpo, mas porque também é dona de uma coragem que sequer consegue perceber.

– Eu não sei muito bem o que pensar sobre isso...

– E eu espero que você nunca precise usar essa adaga – Disse Jimin, pegando a lâmina de suas mãos e a colocando sobre a mesa. Então a envolveu em seus braços.

Minjeong respirou fundo, aproveitando aquela proximidade.

– Mesmo hoje, você ainda me intriga. Ao contrário do resto dos humanos que conheci, seu sonho nunca foi se transformar para ser imortal. Diga-me, qual o seu sonho?

– Eu sonho em viver em paz com você. Gostaria que pudéssemos viajar juntas algum dia.

– Para onde?

– Eu gostaria de conhecer a Europa. Mas também quero poder ir visitar Chaewon e ter certeza de que ela está bem.

– Outros sonhos? Coisas que você gostaria de realizar?

– Eu quero continuar a trabalhar com a música. Não pretendo voltar a ser concertista no Teatro Nacional, mas gostaria de começar a trabalhar em uma nova área no meio musical.

– Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que você esteja segura o suficiente para fazer isso.

Minjeong sorriu, pois o pensamento a fazia feliz.

– Eu gostaria de continuar trabalhando com os seus instrumentos, especialmente sua coleção de violinos.

– Tudo o que possuo está à sua disposição – Jimin segurou sua mão e beijou as pontas dos dedos, uma a uma. – A paz virá para minha cidade, e eu poderei levá-la para o exterior.

– Você me levaria para ver minha amiga?

– Eu não viajei muito durante minha vida como Princesa. Seria interessante fazer uma visita a outros principados.

– Obrigada. – Ela puxou-a para mais perto e apoiou a cabeça em seu ombro. – Quais são seus sonhos?

Jimin colocou seus braços ao redor dela.

– Passar o máximo de tempo possível com você.

\[...]

Kim Hongjoog estava no seu escritório particular, observando o céu noturno de Busan. Enquanto migrava seu olhar para o seu subordinado, não deixava de pensar na missão que havia lhe sido confiada e em tudo o que ela implicava.

Ele estava cansado, estava irritado, mas estava determinado. Enfim havia chegado o momento. Ele já tinha memorizado todos os perímetros importantes de Seul. Também sabia como funcionava o esquema de segurança em torno da cidade. Havia um ponto cego em uma passagem no subterrâneo.

Mas Hongjoog precisava admitir que as patrulhas eram excepcionais. Os soldados seulitas eram grandes, intimidades e como era de se imaginar, nunca faziam pausas. Ele passou as mãos nos cabelos e se dirigiu ao vampiro mais novo:

– Eu gostaria de ouvir tudo o que tem a relatar. Minha percepção dos fatos é um pouco alterada pela discrição que devo manter em relação ao nosso ataque.

– Tudo está seguindo conforme o planejado, meu senhor – Jeongin não perdeu tempo em responder. – Como mencionei ontem à noite, nossa invasiva esta em desenvolvimento. Eu consegui descobrir a melhor rota para usarmos. Meu espião permanece infiltrado na cidade e tem repassado informações importantes. Nós também estamos monitorando os passos da Princesa. Mas precisamos começar a agir se não quisermos por tudo a perder.

– O que isso significa?

– Isso significa que o tempo está se esgotando. Ou seguimos suas ordens e fazemos nosso primeiro movimento imediatamente ou ela vai acabar descobrindo o que estamos planejando. Nós temos vigilância perto da residência principal. Ela está lá. Meu destacamento está a postos e esperando por sua liderança.

– Vamos seguir com o plano original. Envie um destacamento a Seul e ordene para que causem uma comoção pública. Isso vai despertar a atenção da Princesa e nos garantir a oportunidade perfeita para agir.

– Você tem certeza que ela vai lidar pessoalmente com a situação?

Hongjoog balançou a cabeça.

– Em se tratando de Yu Jimin, nada é garantido. Estou confiando no testemunho de Hyunjin, junto com o que consegui descobrir sobre a Princesa ao logo dos séculos. Na melhor das hipóteses vamos conseguir proceder sem despertar a atenção externa.

– Para garantir sucesso na nossa invasiva, repassei todas as plantas do subterrâneo seulita com nossos soldados.

Hongjoog assentiu com a cabeça.

– Gostaria de conferi-las uma última vez.

– Sinta-se a vontade, meu senhor. – Jeongin pegou o notebook e abriu alguns arquivos. Ele o entregou para Hongjoog.

O Conselheiro passou os olhos em uma série de imagens em preto e branco do que presumiu ser a planta do subterrâneo da cidade de Seul. Combinava o que podia lembrar da descrição de Hyunjin - vastos corredores que conduziam a uma série de salas e espaços equipados. Ele fixou os olhos no ponto central de tudo, onde deveria estar localizada a câmara do Conselho de Seul.

– E quanto a Ordem dos Caçadores? – Perguntou Jeongin.

A expressão de Hongjoog se tornou sombria.

– Eles provavelmente não sabem do que está acontecendo. Mas, novamente, nada em se tratando dos nossos inimigos é garantido. Talvez eles estejam fingindo que não sabem de nada como aconteceu no passado.

– Depois dessa investida, o que você vai fazer?

– Ainda é cedo para decidir o meu próximo passo. Tudo vai depender do sucesso do seu destacamento.

– Por que você não compartilhou nada com o Conselho?

Hongjoog franziu a testa e colocou o notebook na mesa do seu escritório.

– Eu não os quero envolvidos.

– Você não os quer envolvidos porque sabe que eles são leais a Princesa de Seul.

– Um bando de tolos que se conformaram com pouco em troca de suas vidas. – O Conselheiro o encarou com um olhar sério. – Eu espero que você continue se provando digno da minha confiança, Jeongin. Odiaria ter que despachá-lo para o inferno com minhas próprias mãos.

O vampiro mais novo ficou imóvel.

– Vivo unicamente para servi-lo, meu senhor.

Ele estendeu a mão e tocou seu ombro.

– Você será devidamente recompensando – disse em tom mais brando. – Agora vá e envie minhas ordens ao seu destacamento. Espero que me traga notícias em breve.

Jeongin procurou seus olhos. Ele reconheceu que Hongjoog estava esperando muito dele, mesmo que não fosse exatamente o que queria.

– Como desejar, meu senhor – Ele fez uma breve mensura e se retirou do escritório.

Hongjoog fechou os olhos e respirou fundo.

Quando os abriu, tinha uma expressão de vitória no rosto.

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