39

Jimin levantou-se da cama, sem se dar o trabalho de se vestir.

Ela havia passado duas horas intensas com Minjeong, que agora estava aninhada no lençol, relaxada e feliz. Ela a desejava, estava faminta por seu corpo e seu sangue, com uma necessidade que beirava o desespero.

Ela também a amava.

Mas também não conseguia evitar comparar o atual estado dela com aquele da noite anterior – as lágrimas, a tristeza e o silêncio punitivo. Ainda que estivesse aliviada por Minjeong parecer mais calma, temia sua reação quando lhe contasse sobre o Rei. Também temia como a musicista reagiria ao saber que ela havia omitido informações importantes, mesmo que sentisse que tivera motivos para fazê-lo.

– O que você está fazendo? – Minjeong se moveu preguiçosamente debaixo dos lençóis.

– Me vestindo – disse Jimin, colocando um jeans preto.

Manteve-se de costas para ela enquanto vestia uma camisa lisa e pegava uma jaqueta no guarda-roupas.

– Você já precisa voltar para o Conselho?

Notando o tom dela, Jimin se virou. Minjeong parecia ter os sentimentos feridos.

– Tenho muitas questões com as quais lidar nesse momento – Ela tornou a voz gentil enquanto seus olhos percorriam o rosto dela. – Mas pretendo passar o dia com você, assim podemos conversar sobre o assunto de antes.

– Você lembrou?

– Essa é uma pergunta genuína? Ou está supondo que eu simplesmente não cumpriria com a minha palavra?

Ela se virou, incomodada com o tom dela.

– Perdoe-me. – Jimin rangeu os dentes. – Eu deveria ter explicado que estou me vestindo porque preciso me alimentar.

– Você fica irritável quando está com fome. Já reparei.

Minjeong lançou-lhe um olhar amargo.

A Princesa se sentou ao lado dela na cama e pousou um beijo arrependido nos lábios dela.

– Você poderia se alimentar de mim – sugeriu ela.

– Sinto necessidade de algo mais forte. – Os olhos dela foram até onde a mão da musicista pousava, descansando no pescoço. – Eu vou me alimentar de você novamente. Em breve.

Minjeong assentiu com a cabeça.

– Junte-se a mim na sala de visitas.

– O que devo usar?

Jimin apontou para os lençóis. Ela franziu a testa.

– Não posso descer assim.

– Esta é nossa casa. Você pode usar, ou não usar, o que quiser.

Minjeong cobriu-se mais com o lençol.

– Mesmo se fosse Halloween e você estivesse dando uma festa a fantasia, eu não andaria por aí enrolada num lençol.

Jimin ficou intrigada com a observação dela, mas não se deu o trabalho de questioná-la. Foi até o armário e remexeu em alguns cabides.

– Eu gostaria de vê-la usando algo meu. – Ela colocou uma das suas infinitas camisas sociais pretas sobre a cama.

Minjeong olhou para ela com sobrancelhas erguidas.

– Sério?

– Você também pode usar algo seu, mas acho desnecessário. Venha até mim quando estiver pronta e conversamos sobre o assunto da noite passada. – Jimin tentou manter o tom casual, mas sabia que havia fracassado.

Minjeong encarou atentamente a camisa jogada sobre a cama e assentiu.

A Princesa se retirou para a adega que ficava embaixo da sua residência. Não sentia remorso por ter destruído Hyunjin. Ela conhecia a escuridão. Conhecia o mal. Mas também sabia que havia aspectos da maldade que iam além de qualquer coisa que ela pudesse compreender. Não perdia tempo tentando resolver os enigmas do mal. O mal tinha sua própria lógica e não era algo que ela, considerando seu próprio código moral, poderia entender.

Ela tinha visto muitas coisas desde o século XV. Muito poucos acontecimentos na história humana a surpreendiam ou chocavam, coberta como ela estava em indiferença. Ainda assim ela não era insensível a Minjeong ou ao sofrimento dela.

Ela se arrependia de não ter matado Hyukjae quando teve chance.

Jimin murmurou um palavrão.

Sua mão pairou sobre as mais valiosas safras de sua adega, então parou.

Ela precisava de sangue de vampiro antigo para fortalecer sua confiança e encontrar as palavras para contar a Minjeong a verdade sobre sua origem. Além disso, precisaria lhe dizer quais passos teriam que tomar a partir de agora. Não era uma conversa pela qual ansiava, muito menos por seu inevitável desdobramento.

Suas mãos se fecharam sobre uma valiosa garrafa, escolhida pela força que o dono original possuíra. Jimin precisava do sangue de um antigo mentiroso, havia muito morto, para lhe dar coragem para dizer a verdade.

Pouco depois, Jimin estava sentada numa grande poltrona em frente à lareira, de cara fechada. A noite de inverno não estava muito fria, mas ela gostava do fogo. Algo em seu movimento, em seu som e seu cheiro a confortava.

Minjeong não reclamou do calor. Ela se sentou à direita dela numa poltrona idêntica, com a perna dobrada sob o corpo, bebericando uma pequena taça de vinho.

A Princesa havia quase terminado. Tentou beber discretamente, para não a perturbar, mas estava determinada a não esconder sua alimentação dela.

– É bom?

Ela apontou para o cálice ornado de ouro em sua mão.

– Muito. – Jimin levantou a bebida. – É do antigo Príncipe de Seul. Gostaria de provar?

– Não, obrigada.

– Provavelmente é uma decisão sábia. Ele possuía perversidade em abundância.

Jimin colocou a taça de volta na mesa e se permitiu o luxo de admirar a aparência de sua companheira. Seu longo cabelo castanho caindo sobre os ombros. Sua pele perfeita e seus olhos castanhos brilhantes e claros.

Ela se flagrou observando as clavículas que podiam ser entrevistas pelos botões abertos da camisa social preta. Seus seios logo abaixo. Eram perfeitos, tentadores. Ela lambeu os lábios, lembrando-se do gosto daqueles seios em sua boca.

Minjeong deixou sua bebida de lado e apontou para o quarto escuro, iluminado apenas pela lareira e por uma única vela que queimava na mesa ao lado dela.

– Estou começando a achar que você não gosta de eletricidade.

Lentamente a Princesa levantou os olhos para encontrar os dela.

– Luz forte incomoda os meus olhos – confessou ela, as palavras escapando de sua boca.

Minjeong tinha esse dom – essa forma de olhar para ela com seus intensos olhos que a fazia revelar seu segredos.

– Eu não sabia. – A musicista franziu a testa, preocupada. – Você nunca havia mencionado isso antes.

– Não senti que houvesse muita necessidade.

Ela assentiu com a cabeça e apontou para a bebida.

– Sangue de vampiro não parece afetá-la.

– Isso não é verdade. – Jimin relaxou em sua poltrona. – Vampiros não são humanos, então o sangue não nos afeta da mesma forma. Mas ingerir sangue de um vampiro poderoso aumenta minha força. – E minha libido, ela acrescentou, mas apenas para si mesma.

– Por isso tenho desenvolvido uma maior capacidade? Porque bebo do seu sangue?

– Sim – respondeu Jimin. Ela levantou seu cálice. – A ligação de sangue proporciona isso. Um vampiro mais forte pode fortalecer um mais fraco. Como sou uma antiga, os efeitos do meu sangue são mais precisos em você.

A Princesa esvaziou seu cálice em dois goles antes de fazer contato visual com ela e lamber os lábios. Minjeong olhou para a boca de Jimin, hipnotizada.

– Por que tenho a impressão de que você está tentando me seduzir?

– Porque não há nada que eu queira mais do que tê-la em meus braços agora. Eu poderia pegá-la no colo e dar prazer a você ou poderíamos fazer isso no chão, ao lado do fogo.

Minjeong hesitou; as palavras da sua bela e talentosa companheira eram mais do que uma provocação.

– Eu pedi que me contasse o que estava acontecendo. Você disse que o faria.

– Alguns conhecimentos são perigosos.

– Ótimo. – Ela parecia frustrada. – Não vou discutir sobre cada informação que você se recusar a dividir. Vamos falar sobre minha amiga. Chaewon ingeriu sangue de vampiro, isso significa que ela vai ter problemas de memória?

– Ela sofreu uma concussão. É possível que tenha perda de memória por conta disso.

– Então não é sempre que sangue de vampiro causa perda de memória?

– Pode causar perda de memória, sim, mas euforia é o efeito colateral mais comum.

Ela cruzou os braços sobre o peito.

– Duvido que ela se sinta eufórica quando descobrir a verdade... O que aconteceu na noite passada?

Jimin voltou a atenção para o fogo, como se buscasse nas chamas a coragem e a sabedoria de que precisava.

– Antes de começar, preciso saber como está se sentindo.

– Bem. Por que fica me perguntando isso?

Ela examinou o rosto dela.

– Não se sente... chateada?

– Estou irritada por você ficar fugindo das minhas perguntas.

Jimin suspirou.

– Então vamos começar. Você se lembra que eu disse que cuidaria para que sua amiga voltasse em segurança ao mundo humano?

Minjeong sentiu um aperto no coração e as narinas de Jimin foram tomadas pelo cheiro do pânico repentino dela.

– Não aconteceu nada com ela, certo? Não depois de prometer que a protegeria.

Os olhos castanhos de Jimin cravaram-se em Minjeong.

– Mantenho minhas promessas, como explicarei em breve. Pedi a Ningning que acompanhasse Yeji até a inteligência humana para descobrir como anda a investigação. Mas sua amiga não pôde voltar para casa.

Minjeong lançou-lhe um olhar horrorizado. Ela balançou a cabeça.

– Você não compreendeu. Ela está segura. Está no Hospital Seul sob cuidados médicos. Como eu disse, mantenho minhas promessas. Mas não posso garantir uma reação positiva quando descobrir sobre a morte do namorado.

– Isso não é justo... Depois de tudo pelo que ela passou, ainda vai ter que lidar com isso quando acordar.

– Se coubesse a mim decidir, eu teria usado controle da mente. Nenhum vampiro razoável iria confiar em um humano com a ameaça da Ordem atacar. Ela foi ferida e por isso deveria ter morrido. Porém, você me pediu para que a salvasse. E agora...

Minjeong se levantou, interrompendo-a.

– É o suficiente.

Ela deu as costas para a Princesa, passando as mãos nos cabelos.

Jimin observou os movimentos de Minjeong com preocupação crescente. Podia perceber o pico de adrenalina no sangue dela e sentia seus próprios pulmões, por mais supérfluos que fossem, contraídos. Era uma sensação terrível saber que estava ferindo a pessoa que amava. E ela ainda não havia chegado ao próximo assunto.

Ela precisava prosseguir com mais cuidado.

– Não tenho prazer em mantê-la sob minha vigilância – disse a Princesa gentilmente. – Longe disso. Mas você pode imaginar o quanto um movimento errado nesse momento pode custar para o principado de Seul.

Ela observou enquanto a mão dela lentamente se fechava num punho.

– Foi por minha causa que ela se feriu

– Isso é mentira. Você é a razão pela qual ela está viva. Você é a razão pela qual ainda a estou protegendo.

– Eu deixei que ela e Sunghoon fossem ao meu apartamento. Se tivesse os impedido, meu amigo estaria vivo e ela não precisaria passar por isso.

Jimin ficou de pé e se aproximou dela.

– Não assuma pecados que não são seus.

– Eles nem ao menos sabiam o que estava acontecendo. Eu deveria tê-los protegido.

– Me diga que poder você tinha para lidar com um antigo. Hyukjae poderia ter matado sua amiga também, mas você evitou isso. Você a protegeu.

– Ele matou Sunghoon de qualquer forma. – Minjeong segurou sua camisa, apertando o tecido.

– Ele estar morto agora. E não vai mais fazer mal a ninguém.

– Mas eu deveria ter feito mais. – A musicista levantou o olhar para ela. – Você é rica?

Jimin franziu a testa.

– Sim. Por quê?

– Muito rica?

Ela relaxou a postura, colocando as mãos nos bolsos da calça.

– Tenho propriedades e investimentos. Mantenho uma quantia razoável nos bancos estrangeiros.

– É muito?

Ela parou.

– O suficiente para desestabilizar a Ásia.

Percebendo a respiração entrecortada dela, Jimin se apressou em explicar.

– Tenho adquirido posses desde o século XV e ninguém nunca tirou nada de mim. Pelo menos não por muito tempo.

– Então você pode ajudá-la. – Ela segurou a jaqueta dela. – Pode proteger Chaewon, garantir que volte a viver livre. Dar uma chance de que possa ver coisas belas.

– Por quê?

– Porque estou pedindo. – Ela a olhava com olhos suplicantes.

– Não pretendo recusar – respondeu Jimin. – Mas por que me pede isso?

– Para que ela possa ver uma luz que brilha na escuridão.

A Princesa não sabia o que pensar dela – essa adorável jovem que tinha o coração exposto. Essa vampira nobre, feroz e generosa que tratava o sofrimento humano como se fosse responsabilidade dela.

Ela tocou a face de Minjeong.

– Você é a luz que brilha na minha escuridão. – Então beijou delicadamente os lábios dela. – Foi por isso que estudou música, para que pudesse encontrar a luz?

– Quando se está cercada de feiura, você só pode querer a beleza. Fiz tudo o que pude para me certificar de que estaria cercada por coisas bonitas pelo resto da minha vida. A música me ajudou.

Jimin retirou a mão.

– Vou instruir Ningning a fazer o necessário para ajudar sua amiga. Assim que for seguro libertá-la, é claro.

– Obrigada.

Jimin assentiu com a cabeça.

Minjeong mudou subitamente de assunto.

– Era apenas sobre isso que queria conversar comigo?

– Na verdade, esse era apenas um dos assuntos. Mas não o principal – Ela oscilou com o peso de um pé para o outro. – Eu tenho algo importante para compartilhar com você.

A musicista arqueou uma sobrancelha.

– Do que você está falando?

A boca de Jimin se fechou.

– O que foi, Jimin? – insistiu ela.

A Princesa a encarou atentamente, ainda em silêncio.

– Responda!

– Eu sou filha do Rei. – No momento em que as palavras escaparam de seus lábios, Jimin se arrependeu.

– Você o quê? – Minjeong deu um passo para trás. – Como isso pode ser possível?

– Ouça. – Jimin agarrou o braço dela, puxando-a contra si. – Eu já lhe contei a história por trás da minha origem. Falei sobre a minha criadora.

– Em momento algum você mencionou que ela era o Rei – Ela colocou as mãos no peito dela e se afastou para poder encarar seus olhos.

– E esperava nunca precisar o fazê-lo. – Seu tom era baixo, resignado. – Desde o princípio essa informação ficou restrita a um pequeno grupo dentro da corte Imperial. Infelizmente durante a tentativa de golpe, Hyunjin descobriu a verdade e eventualmente precisei compartilhá-la com os membros do Conselho. Esse é um dos motivos de estarmos tendo essa conversa agora.

Minjeong a empurrou, mas ela não se afastou.

– Não entendo porque não confiou em mim para contar a verdade quando conversamos sobre o seu passado.

– Não foi uma questão de confiança.

– Então o que foi?

– Eu não queria envolver você ainda mais na teia de aranha que é minha vida. Não antes do tempo. Você é a única que conhece toda a minha história e com certeza é digna da minha confiança. – Suas mãos deslizaram dos cotovelos de Minjeong para sua cintura. – Mas também precisa entender que eu tive meus motivos. Ser a escolhida do Rei significa que sou a sucessora direta do trono Imperial. Entende o que o fato de ter tanto poder significaria para meus inimigos? Eles encontrariam formas de me atingir.

Minjeong acalmou-se, entendendo aonde ela queria chegar.

– Você disse que esse era um dos motivos para me contar a verdade – disse ela. – Qual poderia ser o outro?

– Com base nos últimos acontecimentos, preciso me preparar para um possível conflito com a Ordem – Os olhos de Jimin cravaram-se nos dela. – E só há um ser que pode me auxiliar nisso com alguma esperança de sucesso, o Rei. Isso significa que preciso ver minha criadora.

Minjeong desviou os olhos, remexendo na jaqueta que ela usava.

– Então você vai se ausentar de Seul?

A Princesa ergueu a mão e com único dedo levantou seu rosto.

– Nós vamos.

Ela foi tomada pela surpresa.

Jimin acariciou seu rosto com a mão.

– Não irei obrigá-la, mas gostaria que me acompanhasse até o Palácio Imperial.

– Por que você quer que eu a acompanhe?

– Por pelo menos dois motivos. Primeiro, quero você comigo porque amo estar na sua companhia. Segundo, preciso estar acompanhando da minha consorte em uma visita oficial.

– E quando seria isso?

– Enviei um mensageiro ontem a noite, solicitando uma audiência com o Rei. Em alguns dias devo receber uma resposta.

Minjeong respirou fundo.

– Tudo bem, entendo que você teve seus motivos para omitir tudo isso até agora. Mas quero que me prometa que não vai fazer algo assim de novo.

Ela assentiu.

– Preciso das palavras, Jimin.

Ela fechou os punhos.

– Eu... prometo.

Minjeong tornou a respirar fundo, preparando-se para o próximo passo.

– Acompanharei você até o Palácio Imperial – disse ela com convicção. – Não posso ser uma princesa consorte apenas no título.

Jimin a encarou, assombrada.

Deus, aquela mulher sempre conseguia fasciná-la. Ali estava Minjeong, disposta a enfrentar o mundo com ela embora tivesse falhado na sua missão de mantê-la em segurança. Sua fé nela era surpreendente.

– Já disse que amo você, Minjeong?

– Pouco antes de me mandar embora. Mas nunca me canso de ouvir.

A Princesa deu uma risada diante da provocação. Ter ela em seu braços lhe pareceu um autêntico milagre. O mesmo que sua constante presença ali, seu implacável amparo, seu amor, sua força.

Jimin encostou os lábios nos seus, e Minjeong colocou seus braços ao redor dela e a beijou de volta.

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