34
Jimin estava sentada à sua mesa no seu escritório particular enquanto lia a mensagem que Ningning havia lhe entregado, uma resposta do conselheiro Kim, o atual líder de Busan.
Como Hongjoog fora empossado pela Princesa de Seul, que derrotou o governante anterior, e como Seul alegava domínio sobre Busan, ele não tinha permissão de manter o título de Príncipe. Era apenas um conselheiro. E, como qualquer vampiro de sangue frio, irritava-se com o título.
A Princesa olhou para Ningning e sorriu.
– Parece que sua missão foi bem-sucedida. Hongjoog se desculpou e, de acordo com sua carta, enviou o dobro do valor. Creio que o tributo esteja com você?
– Já foi entregue para Aeri, mestre.
– Excelente. O povo de Busan está preocupado com a Ordem?
– Não falaram nada sobre isso.
– Notou algo de estranho na cidade?
– Eles se ressentem de estar sob o controle de Seul, mestre. Mas tirando isso... – Ela deu de ombros.
A Princesa colocou a mensagem na mesa, observando cuidadosamente sua assistente pessoal.
– Você não parece ter sofrido muito na mão deles.
– Não, minha senhora. – A chinesa passou o peso do corpo para o outro pé. – Hongjoog e seus conselheiros consideraram me matar, mas, como não sou membro do Conselho, disseram que o dano para eles seria maior do que o dano para Seul.
– Foram sábios. De qualquer forma, não gostaria de perdê-la, Ningning.
A assistente foi pega de surpresa pela confissão da Princesa.
– Obrigada – disse ela. – Tenho orgulho de minha lealdade e de meu trabalho.
– Também admiro sua lealdade, por isso a incumbi de outra missão. Quais são as novidades?
A vampira mais jovem fez uma reverência.
– Seguindo suas ordens, fui ao bairro nobre de Busan e me encontrei com os remanescentes da família do antigo Príncipe da cidade. Disse a eles que eu era um agente da Inteligência de Seul enviada para investigar a tentativa de assassinato da Princesa.
– O que tem a relatar?
Ningning tirou uma pequena maleta e a entregou para a governante.
– A família me cedeu algumas anotações e páginas de um diário que foi mantido pelo antigo Príncipe, algo que não fora encontrado durante a última investigação.
A Princesa colocou a maleta de lado
– E quanto a pessoa que vendeu as plantas da cidade para ele?
Ningning pigarreou.
– Foi descrito como um coreano. Vendeu as plantas por muito menos do que valiam, dizendo que estava cansado do atual governo, mas não tinha poder para derrubá-lo.
A Princesa estava intrigada.
– Esse coreano tem nome?
– O cavalheiro insistiu em permanecer anônimo.
Ningning apontou para a maleta.
– Mas o diário descreve o homem. Ele era um jovem de cabelo claro na altura dos ombros. Usava roupas antigas, falava coreano fluentemente e tinha pele pálida.
A Princesa se levantou abruptamente, andando pelo escritório.
– Milhares de vampiros condizem com essa descrição de alguma forma. E todos nós parecemos jovens em certo grau.
Ningning se mexeu, desconfortável.
– Sim, mas esse indivíduo alegou ter alguma relação mal resolvida com a Princesa de Seul e esse era um dos pilares do seu desejo por vingança.
A Princesa virou a cabeça, prendendo Ningning com seu olhar.
– Tem certeza?
– Está no diário, minha senhora.
– Então a sombra se revelou – murmurou a Princesa, virando-se para inspecionar a cidade novamente. – Em vez de me enfrentar como uma adversária digna, ele se mostra um ladrão mesquinho e covarde. Mencionou sua jornada para alguém?
Ningning balançou a cabeça.
– Não, mestre.
– Revelou suas descobertas para alguém?
O tom da Princesa era enganosamente calmo.
– Sirvo apenas a senhora, minha Princesa.
– Fez um bom trabalho, Ningning. Seu serviço será recompensado. Vou promovê-la ao Conselho.
A expressão tensa de Ningning se iluminou num sorriso.
– Obrigada, minha senhora.
– Século passado uma sombra caiu sobre meu principado. Nesta noite essa sombra deve ser extinta. Venha, Ningning. Precisarei de você na reunião do Conselho.
A assistente se curvou numa reverência e quando as duas vampiras estavam prestes a sair da sala, Aeri irrompeu pela porta sem se dar ao trabalho de bater.
Tinha uma expressão séria no rosto.
— O que aconteceu? — Perguntou a Princesa, como se já pressentisse o que estava por vir.
Houve uma pausa.
E logo as palavras da conselheira retumbaram em seu ouvido.
\[...]
A Princesa estava tensa ao correr pelas passagens secretas subterrâneas que levavam às câmaras centrais do submundo.
Ela conhecia o reino da Coreia e seus habitantes vampiros. Sua longevidade e suas conexões políticas a tinham abastecido com essas informações. Só havia um vampiro ainda em existência que se ressentia pela queda do antigo governo, e ele serviu a Princesa de Seul por centenas de anos. Há quantos anos ele planejava essa traição?
Armada com uma maleta cheia de provas, a Princesa ansiava por confrontar e executar o traidor, fazendo dele um exemplo para os outros.
Para garantir segurança e surpresa, ela conduziu Aeri por um caminho que só ela conhecia, atravessando uma porta secreta que levava a seu escritório, perto da câmara do conselho.
Elas eram capazes de ver no escuro, mas, sobretudo por conveniência, a Princesa acendeu um candelabro, iluminando a sala escura que fora entalhada na pedra. O que ela descobriu a perturbou.
Papéis estavam espalhados pela mesa e pelo chão. Livros haviam sido retirados das prateleiras e jogados de qualquer maneira. Documentos, pergaminhos e manuscritos cobriam cada superfície.
– Convoque um destacamento de dez soldados e volte aqui imediatamente! – berrou a Princesa. – Alguém vai pagar por esse ultraje.
– Sim, minha senhora.
Aeri fez uma reverência e saiu para o corredor principal.
A Princesa foi até a prateleira de livros e teve um momento de pânico quando não viu o volume que buscava. Encontrou-o após uma rápida inspeção nos livros caídos no chão.
Pegou um em específico e cuidadosamente removeu a carta escrita à mão. Escondeu-a no bolso de seu blazer, junto de outro documento importante. Então colocou o livro de volta na prateleira.
Em minutos, Aeri voltou. Ela entrou no escritório rapidamente e fechou a porta atrás de si. Sem avisar, avançou para a mesa e soprou as velas.
– Qual é o sentido disso? Onde estão os soldados?
A Princesa olhava contrariada para sua conselheira na escuridão.
– Jimin...
Ela vacilou, visivelmente angustiada.
– O que foi?
– O exército está reunido no ginásio.
A Princesa se endireitou.
– Sob qual autoridade?
– Um novo Príncipe. Alguém tomou seu trono e já enviou destacamentos para executar os membros do Conselho.
– Jisu – deduziu a Princesa.
Agarrou-se com força ao tampo da mesa.
– Ela já deve estar morta, minha senhora. O general Seonghwa anunciou à Assembleia que estão esperando novas ordens. Estava enaltecendo as virtudes do novo líder.
– Se covardia e mesquinharia são virtudes...
Os olhos da Princesa se estreitaram.
– Onde está o traidor?
– O general não disse. Eu não sei, minha senhora.
– Ele já deve estar sentado no trono. Fique longe da câmara do conselho, mas descubra se algum membro do Conselho sobreviveu. Diga a eles e a todos que encontrar que a verdadeira Princesa está bem viva e se prepara para a guerra. Aqueles que se opuserem a mim serão aniquilados. Aqueles que forem leais serão recompensados.
– Sim, minha senhora.
– Reúna os leais na minha segunda residência, mas tome cuidado para evitar uma emboscada. Há armamento e coletes à prova de bala numa sala abaixo da casa. Arme os leais a mim e espere novas instruções.
A Princesa apontou para a porta disfarçada.
– Seja rápida. Mas não perca a cabeça.
Com uma reverência, a conselheira desapareceu pela passagem secreta, deixando a Princesa assombrada por sua preocupação mais urgente.
Minjeong.
A essa altura, Ningning já devia ter garantido que Minjeong tivesse voltado para a residência, onde estaria a salvo. Sem um celular, a Princesa não tinha como confirmar. Em todo caso, os celulares ficavam sem sinal em passagens subterrâneas.
Ela fez o melhor que pôde para manter seu relacionamento com Minjeong tão privado quanto possível, certa de que seus irmãos repeitariam sua posição. Porém, dada a insolência do traidor, sua consorte era um alvo em potencial. E como ele sem dúvida sabia onde ficava o apartamento dela...
A Princesa pegou uma de suas espadas do armário de armas que ficava na parede mais distante. Escondeu-a sob seu casaco e rapidamente saiu do escritório, torcendo para que sua amada Minjeong estivesse em segurança.
\[...]
– Chaewon? – Minjeong acariciou o rosto da amiga. – Está me ouvindo?
Quando viu o vampiro segurando o corpo inconsciente de sua amiga, Minjeong não hesitou. Avançou na direção dele e implorou para que ele deixasse Chaewon e a levasse em seu lugar.
O vampiro sorriu e a carregou também. Agora estavam numa das salas particulares de uma casa noturna. Uma em que Minjeong nunca tinha vindo antes. A sala tinha paredes pintadas de roxo-escuro e uma grande cama coberta de cetim preto. Um espelho ocupava uma das paredes, refletindo as duas mulheres.
– Chaewon?
Ela gemeu em resposta. Minjeong interpretou sua reação como um sinal positivo.
O vampiro as havia carregado por uma das entradas secretas, passando pelo corredor de trás, que estava vazio.
Minjeong duvidava que alguém soubesse onde elas estavam. Seu celular estava no bolso, mas ela não havia tido um momento de privacidade para usá-lo. Confortou-se pensando que Aeri iria usá-lo para localizá-la e que Jimin iria resgatá-la.
Torcia para que Chaewon ficasse bem. Tragicamente, tinha certeza de que Sunghoon estava morto.
Minjeong respirou fundo, não podia deixar suas emoções falarem mais alto naquele momento. Precisava ganhar tempo enquanto Jimin vinha ao seu auxílio. Chaewon gemeu novamente.
– Ela precisa de um médico. – Minjeong dirigiu sua atenção para seu sequestrador, tendo o cuidado de manter seu corpo entre ele e a amiga.
– Sem médico.
Ele falava um coreano antigo, tornando-o difícil de entender, mas ela compreendeu a recusa.
Música tecno alta pulsava no clube, mas com a porta fechada o ruído sumia num zumbido distante. Se ele as atacasse, ninguém naquele lugar iria ouvir seus gritos.
Minjeong estremeceu.
Rasgou uma faixa de sua camiseta e começou a limpar o sangue do rosto da amiga. Chaewon estava de costas, os olhos fechados. Seu nariz estava quebrado, os olhos, roxos, e havia um grande hematoma em seu queixo.
– Você vai ficar bem – sussurrou Minjeong. – Prometo.
Segurando o tecido molhado em sua mão, ela olhou para o vampiro.
– Minha amiga tem um ferimento na cabeça. Precisa ir para um hospital.
– Sem médico!
Ele deu um passo a frente, e ela se posicionou em frente da amiga, cobrindo o corpo dela com o seu.
– Não toque nela.
O vampiro a observou sem disfarçar o interesse.
– Você é uma recém transformada, mas parece ter garra.
Ele seguiu pesadamente em direção à porta e colocou o ouvido contra ela. Aparentemente satisfeito com o que ouviu – ou não ouviu –, apoiou-se com as costas na porta e olhou para a sala iluminada por velas.
Minjeong encontrou o olhar dele.
– Pode me dar um pouco de gelo? Vai ajudar no inchaço.
– Sem gelo.
Ele a encarou. Como o vampiro não falou mais nada, Minjeong se afastou da cama e caminhou até um gabinete que tinha um pequeno frigobar. Sem tirar os olhos do vampiro, abriu a geladeira e ficou aliviada ao encontrar cubos de gelo. Ela os envolveu no tecido que segurava e voltou para a cama.
O vampiro observou os movimentos dela, mas não interferiu.
– Por que não nos deixa ir?
Minjeong segurou o gelo no rosto da amiga, alternando entre o nariz e queixo.
– A Princesa vai nos resgatar. Agora é sua chance de escapar.
O vampiro riu.
– A Princesa está morta. Um novo Príncipe tomou seu lugar.
Minjeong estremeceu.
– Morta?
– Estamos no controle do exército. Nem mesmo uma antiga pode derrotar tantos. – Ele riu. – Por que acha que foi tão fácil pegá-la?
Minjeong deixou as mãos caírem ao lado do corpo.
Jimin está morta?
Ela não sabia se o vampiro estava dizendo a verdade. Mas isso explicaria por que Jimin não viera resgatá-la. Justificaria também o fato de outro vampiro ter ousado se aventurar dentro de seu prédio.
Ele está mentindo. Jimin tem poderes que eles desconhecem. Não vão matá-la tão facilmente.
Apesar de tentar manter a confiança, ele havia introduzido a dúvida na mente de Minjeong. Ela olhou para Chaewon e lágrimas tomaram seus olhos.
Ouviu uma risadinha baixa vinda do outro lado da sala. A criatura estava rindo dela, zombando de sua dor.
Talvez ele tenha falado a verdade e alguma coisa aconteceu com Jimin depois que ela falou com Aeri. Talvez a criatura estivesse mentindo, brincando com a mente dela. Minjeong não tinha tempo para sofrer. Precisava salvar sua amiga.
Falhara com Sunghoon e tinha certeza que carregaria esse arrependimento pelo resto da sua existência.
– Minjeong – sussurrou Chaewon, abrindo os olhos.
Ela deslizou a mão pela cama, seu dedo mindinho tocando o de sua amiga. Minjeong apertou forte a mão dela, engolindo as lágrimas e mantendo o gelo em seu rosto.
– Se a Princesa está... morta – Minjeong estremeceu, mal capaz de pronunciar a palavra –, não há motivo para nos manter aqui. Tenho certeza de que o novo Príncipe precisa de sua ajuda. A Ordem dos Caçadores está observando.
Os passos raivosos do vampiro ecoaram na câmara.
– O que sabe sobre a Ordem?
Ela tentou parecer indiferente.
– Sou a consorte da Princesa. Escuto coisas. Ela temia que a Ordem invadisse a cidade.
– O que mais?
Ele se inclinou para a frente, aproximando seu rosto do dela. Minjeong revirou a mente atrás de algo que pudesse dizer, algo que não comprometesse Jimin se ela ainda estivesse viva.
– Ela disse que havia espiões na cidade.
O vampiro se endireitou, tocando o rosto.
– Todo mundo sabe disso.
– Sim, mas esses espiões estão contando tudo para a Ordem. Toda vez que um humano é morto de maneira suspeita, a Ordem fica sabendo. Aquele corpo que você deixou no meu apartamento vai atrair atenção.
Ela se inclinou para a frente antes de sugerir:
– Talvez seja hora de você fugir.
– Eu não vou fugir – disse ele, bravo. – Fiz isso séculos atrás e sua Princesa ordenou que cortassem a minha cabeça.
Minjeong o encarou.
– Quem é você afinal? – Ela perguntou. – Está claro que tem ressentimentos com a Princesa, mas porque?
– Isso não importa. Tive ordens claras para apenas capturá-la, mas acho que vou me aproveitar de você antes de secar seu coração. Então vou dar cabo da sua amiga.
Minjeong rangeu os dentes.
– Tudo o que você pode querer está lá fora. Não precisa perder tempo com a gente.
O vampiro parou ao lado da cama e a examinou da cabeça aos pés.
– Tire a roupa.
– Não – falou Minjeong numa voz baixa, mas dura como aço.
– Eu disse para tirar a roupa.
Ele a puxou pelo braço, virando-a em direção à parede.
– Se a Princesa está morta, eu já não tenho vontade de viver – falou com a voz baixa, mas desafiadora. – Não me importo se me matar. Não vou tirar minha roupa.
O vampiro levantou a mão para acertá-la, mas mudou de ideia. Apertou o queixo dela com força, obrigando-a a encará-lo.
– Eu estou no comando aqui. Vai fazer como eu quero. Tire a roupa.
Minjeong piscou.
– Não.
Ele a empurrou de lado, esfregando a mão no rosto.
– Então vou pegar sua amiga primeiro.
O vampiro se moveu em direção à cama.
– Não!
Minjeong agarrou o braço dele e o puxou para trás. Ele bateu as costas contra a parede enquanto ela se colocava na frente da cama. Chaewon estava deitada, imóvel, de olhos fechados. Minjeong não iria ficar parada enquanto esse animal tocava sua amiga, não enquanto ainda tivesse forças para lutar.
O vampiro ergueu a cabeça, seus olhos frios e calculistas.
– Você não pode medir forças comigo. Pode ser uma de nós agora, mas ainda é jovem e não tem treinando. Aconselho que saia do meu caminho para que eu possa beber da sua amiga até secá-la.
Minjeong fechou as mãos em punhos.
– Você a quer? Vai ter que ser sobre meu cadáver.
O vampiro sorriu e avançou em direção e Minjeong, e como se tivesse sido treinada para matar, ela agarrou o braço dele e o arremessou do outro lado do quarto. Tinha total convicção de que não poderia matar alguém como ele, mas torcia para conseguir ganhar tempo.
O vampiro girou o corpo e se pôs de pé em questão de segundos.
Minjeong fechou bem os olhos.
Jimin, pensou, me ajude.
Com mãos trêmulas, ela se preparou.
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