32
Mais tarde naquela noite, os membros da orquestra faziam uma reverência enquanto o público reunido em torno do palco principal do Teatro Nacional irrompia em aplausos altos e entusiasmados com o encerramento da estreia do espetáculo.
Seokjin apresentou o diretor Kim, que fez alguns comentários ensaiados sobre o processo de criação. Ele apresentou Minjeong e os outros músicos de sua equipe, que receberam aplausos animados.
Enquanto agradecia aos convidados e às instituições que haviam financiado o espetáculo, Minjeong ficou num canto, refletindo sobre a noite.
Minutos antes, ela estivera no palco, dando voz ao seu violino enquanto a melodia harmoniosa irrompia pelo teatro. Na avaliação cuidadosa dela, uma performance excelente permitia que um musicista apresentasse o seu melhor. E era precisamente o que a equipe do diretor Kim havia conseguido.
Minjeong estava orgulhosa.
Em silêncio, ela observava ao lado de seus amigos Sunghoon e Chaewon. A saia rodada de seu novo vestido de seda azul farfalhava sempre que ela se movia. Minjeong havia passado muito tempo cuidando de sua aparência. Até foi a um cabeleireiro para arrumar seu cabelo num coque elaborado e elegante.
Os bastidores estavam cheios. Havia patrocinadores e políticos, jornalistas e professores, além da equipe do Teatro Nacional, todos de pé debatendo sobre o espetáculo.
– Não acredito que aquele idiota esteja aqui. – Sunghoon apontou com a cabeça para um homem baixo conversando com algumas pessoas.
– Faz sentido, não? – Chaewon deu de ombros. – Com um espetáculo dessa magnitude é natural que alguns críticos especializados compareçam.
Minjeong olhou furtivamente na direção do homem e o flagrou encarando-a. Deu as costas para ele e se dirigiu a seus amigos.
– Espero que ele não crie nenhum problema com o diretor Kim. Tivemos muito trabalho para entregar o resultado de hoje.
– Eu não quero nem pensar nisso. – Chaewon sorriu para ela enquanto eles aplaudiam o fim do discurso do diretor Kim.
Seokjin terminou a parte formal da noite convidando todos a aproveitar a festa. O público se moveu, ávido por diversão, e Minjeong e seus amigos discretamente caminharam para o lado a fim de permitir que os convidados tivessem um acesso melhor.
Sunghoon deu um assobio baixo.
– Ouvi o dueto enquanto a orquestra estava em pausa. Vocês fizeram um trabalho fantástico.
– Obrigada. – Minjeong fez uma reverência.
– Acho que isso pede um vinho. Senhoritas? – Sunghoon levantou as sobrancelhas. Minjeong e Chaewon assentiram e ele pediu licença para procurar um garçom.
O olhar de Minjeong o seguiu enquanto ele se movia para o outro lado da sala. Por nenhum motivo em particular, seus olhos migraram para a porta que levava ao corredor.
Parada no corredor, parcialmente escondida pelas sombras, estava uma jovem e bela mulher toda vestida de preto.
Seus olhos se cravaram nos dela.
Minjeong pediu desculpas a Chaewon e se esgueirou por entre o público. Mas havia muita gente e isso impossibilitava que ela se movimentasse rápido. Quando chegou à porta, a mulher havia partido.
Frustrada, ela continuou pelo corredor vazio, procurando. O resto do segundo andar do Teatro Nacional estava interditado. Ela parou perto da corda de veludo e da placa que avisava os convidados que a entrada era proibida.
Alguém agarrou seu braço e a puxou.
Antes que pudesse gritar, ela reconheceu o rosto familiar.
– Precisa parar de fazer isso! – Ela se desvencilhou de seu braço. – Quase me mata do coração.
Jimin deu um sorrisinho.
– Posso afirmar que isso não é possível.
– Achei que vampiros fossem capazes de reconhecer uma figura de linguagem.
Ela colocou a mão no peito, tentando conter um sorriso.
– Não queria assustá-la. – Jimin se inclinou para a frente e deu um beijo leve no rosto dela. – Você está bonita.
O rosto de Minjeong corou.
– Obrigada.
– O espetáculo foi memorável, mas a beleza dele empalidece em comparação com a sua.
– Você conseguiu ver a apresentação?
A Princesa acariciou o rosto dela.
– Entrei mais cedo e fui para um dos camarotes. Seu trabalho é excepcional.
Minjeong baixou o olhar.
– Fiz parte de uma equipe. Por que está aqui?
– Eu disse que viria conferir a estreia. – Ela estreitou os olhos. – Não sou bem-vinda?
– Claro que é. – a musicista se moveu para observar o corredor em direção aos escritórios. – Mas há câmeras por todo lado e o Seokjin está aqui.
– Sei. Eu o vi. – A boca de Jimin se moveu para a orelha dela e ela a beijou. – Vamos para um lugar mais sossegado.
Ela pegou a mão dela e a conduziu pelo corredor até uma escadaria lateral que dava acesso ao terraço. Jimin a levou para fora. O ambiente estava escuro, iluminado apenas por algumas lanternas baixas e pela luz das estrelas. As duas vampiras, no entanto, transitavam pelo espaço como se ele estivesse iluminado pela luz do sol.
– Por que estamos aqui? – A voz de Minjeong cortou o silêncio entre as duas. Jimin caminhou até a beirada e pediu para que ela a acompanhasse.
– Quero lhe mostrar minha cidade.
Minjeong olhou para Seul, para os edifícios reluzentes e espaços abertos, para os turistas e moradores que caminhavam lá embaixo.
– Incrível – falou, sem ar.
– Da Catedral de Myeong-dong dá para ver ainda melhor. – Jimin indicou a enorme estrutura que se erguia a vários metros deles.
A musicista a encarou, cética.
– É um solo consagrado.
Ela a encarou de volta.
– Solos consagrados me incomodam do mesmo jeito que o sol, lembra? É um desconforto que posso suportar.
Jimin se posicionou atrás dela, com os braços ao redor de sua cintura para lhe dar segurança.
Ela pensou senti-la roçar o nariz nos seus cabelos.
– Ainda me esqueço desse detalhe – falou para si mesma, sem saber para onde olhar primeiro.
Dali do alto, podia ver as estrelas piscando no céu, as criaturas que pareciam formigas lá embaixo, e a vista espetacular da cidade mágica que se descortinava à sua volta em todas as direções.
– Nunca tinha vindo aqui em cima.
– Daqui se tem uma ótima vista da cidade. Venho aqui as vezes para assistir a todos os pores do sol. Só que nunca dividi isso com ninguém.
Minjeong olhou para a cidade iluminada se estendendo a sua frente e suspirou.
– É lindo – sussurrou ela.
Jimin puxou-a mais para junto de si, com as costas coladas ao seu peito.
Aproximou os lábios da sua orelha.
– Nada é tão lindo quanto você – murmurou ela.
– Acho que você gostou mesmo desse visual – Minjeong sorriu, virando para ficar de frente para ela.
– Você está linda, mas fica mais linda, eu acho, nua e com o cabelo solto.
A Princesa a beijou, explorando sua bochecha, e seu queixo. Quando começou a mordiscar o pescoço dela, ela se afastou.
– Pare.
– O que houve? Qual é o problema?
– Nós não vamos fazer isso aqui.
Jimin sorriu de lado.
– Tinha esquecido. Não foi uma ideia muito boa. – A frase soou como um pedido de desculpas, mas também foi possível detectar um quê de decepção.
Minjeong beijou os lábios dela suavemente.
– Temos a noite toda a nossa disposição, mas agora quero aproveitar esse momento. – Ela quis ficar mais alguns instantes admirando a vista, pois sabia que não voltaria a vê-la em algum tempo.
Jimin a segurou com mais força em seus braços. Podia fazer qualquer coisa por aquela mulher.
Essa compreensão ainda continuava a atormentá-la.
– Temo que nossa decisão de permanecer em Seul exija que esperemos. Mas quero mencionar algo.
– O quê?
– Se algo acontecer comigo ou se por algum motivo você decidir deixar a cidade, vá até a Cheongdam, número 35, e pergunte por Yeoreum.
– Quem é Yeoreum?
– Minha mãe. – Ela deu um leve sorriso. – Não se preocupe. Não é minha mãe que você vai encontrar. É apenas uma senha. Vá até lá e eles vão cuidar para que você saia da cidade em segurança.
– Quem são eles?
– São bem pagos – esquivou-se ela vagamente. – Só vá até lá em último caso.
– Jimin, eu disse que não quero partir.
– Não temos ideia do que vai acontecer. Minha paz de espírito depende de saber que você estará segura.
– Tudo bem. Não prometo usá-la, mas vou me lembrar. Cheongdam, 35.
– Bom. – O corpo de Jimin relaxou. – Com isso resolvido, provavelmente deveríamos pegar as coisas no seu apartamento e levar para a minha residência.
– Sim, eu já estou morando lá desde que nos casamos.
Minjeong a abraçou mais forte.
– Vamos aproveitar esta noite. Depois cuidamos para que você seja oficialmente alojada em seu novo lar.
– Gosto de como isso soa, mesmo que as circunstâncias não sejam ideais.
– Eu também gosto – sussurrou ela, cobrindo a boca de Minjeong com a sua. – Agora é melhor nós irmos.
A musicista assentiu.
– Obrigada por ter me trazido aqui. Ultimamente você tem me mostrado uma nova perspectiva de Seul.
Jimin passou alguns instantes em silêncio, como se estivesse selecionando com cuidado as palavras.
– Você trouxe beleza para o meu mundo. Queria fazer o mesmo por você, nem que fosse por uma só noite.
Um som angustiado escapou dos lábios de Minjeong.
– Não comece, Jimin.
– É verdade. Durante anos, pensei que meus dias e minhas noites estivessem repletos de beleza. Lindos objetos, uma linda cidade e lindas mulheres de vez em quando. Então você apareceu e eu percebi que tinha estado enganada.
Minjeong fechou os olhos.
– Acho que tomei a decisão certa quando decidi lhe entregar o meu coração.
– Seu coração é importante para mim – disse ela no seu ouvido. – Eu o valorizo e valorizo você. Acho que você sabe disso.
A Princesa a beijou, dessa vez com mais paixão, e desceu as mãos para segurar sua cintura. Então, com um sorriso diabólico, ajeitou-a sob seu braço.
– Segure firme – ordenou.
Minjeong se agarrou a ela, com os braços em volta do seu pescoço.
– Para onde vamos?
– Se me recordo bem, você disse que tinha uma visão de nós duas correndo pelos telhados. – Ela apertou sua cintura. Minjeong olhou para o chão vários metros abaixo.
– Agora não estou tão certa se consigo fazer isso.
Jimin riu.
– É claro que consegue. Vou estar ao seu lado. – Ela se aproximou e beijou seus cabelos. – Tenho certeza que você vai achar isso incrível. Apenas se permita apreciar o momento sem medo.
Jimin a segurou com mais força, e elas pularam do terraço até uma superfície superior. Ela pegou a mão da musicista, mantendo-a junto de si enquanto avançavam pelo telhado. Então começaram a correr, pulando de prédio em prédio, e só pisaram no chão para atravessar a Ponte Bampo.
Minjeong segurou firme sua mão; a percepção de que conseguia acompanhar Jimin com facilidade a deixava ao mesmo tempo tonta e empolgada. A leve brisa da meia-noite soprava seus cabelos para a frente do rosto. Ela tentou afastá-los, sem querer que atrapalhassem sua visão.
Elas escalaram um prédio perto da ponte, e logo estavam voando outra vez pelos telhados.
\[...]
Hyunjin esperou que o caminho estivesse livre e se esgueirou para o escritório particular da Princesa, no fim do corredor da câmara do conselho. Ningning, a assistente dela, estava fora numa tarefa e a Princesa tinha decidido aproveitar a noite com sua consorte no mundo humano. Agora era um momento excelente para ele fazer sua manobra.
Ele não gostava de surpresas. Gostava menos ainda de passar vergonha. Sua raiva e seu ressentimento em relação a Princesa queimaram fundo, mas ele havia aprendido com o conflito com o principado de Busan há muito tempo a não permitir que sua raiva se apoderasse de seus atos.
Examinou rapidamente o escritório e se moveu para a mesa, pegando relatórios e cartas, que leu rapidamente e devolveu às suas posições. Não havia nada de interessante. Ele continuou a busca, torcendo para encontrar algo que incriminasse a Princesa ou que sustentasse sua própria posição, mas logo desistiu. O tempo não estava a seu favor.
Já ia sair do escritório quando notou um livro projetando-se em uma prateleira.
Parecia estranhamente fora de lugar em meio a todos os volumes alinhados.
Ele o pegou, notando com certo interesse que era uma das edições de Shakespeare. Folheou o volume casualmente, numa fascinação silenciosa, quando algo caiu no chão.
Se ele fosse humano, seu coração teria acelerado ao perceber que o pergaminho trazia o selo do Reino da Coreia do Sul. Com mãos quase trêmulas, desdobrou a carta e a leu.
A mensagem em si não tinha nada de notável e era assinada pela conselheira do Rei. Mas havia um apêndice à mensagem, escrito numa letra diferente.
Deixou escapar um rápido xingamento enquanto sentia seu mundo girar.
Hyunjin dobrou novamente o pergaminho, como estava antes, e o colocou de volta no livro. Devolveu-o à prateleira, certificando-se com zelo de que estivesse precisamente na mesma posição de antes. Então, com pés ansiosos, saiu do escritório, fechando a porta com cuidado atrás de si.
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