26

Às sete horas daquela noite, Minjeong e Jimin estavam sentadas dentro de uma BMW dirigida por um homem chamado Choi Siwon. A musicista poderia ter viajado sozinha, mas ela insistiu em acompanhá-la, como se não quisesse deixá-la.

Enquanto desciam a estrada sinuosa em direção ao Teatro Nacional, Minjeong conferia algumas mensagens no celular na tentativa de manter a calma. Não imaginava que se sentiria tão ansiosa com a possibilidade de permanecer em sociedade.

O inverno finalmente tinha se estabelecido em Seul, mas andar sob a luz do dia era um fator que deveria ser mantido em segredo a todo e qualquer custo. Sendo assim ela agradeceu pelos ensaios noturnos e pelos problemas que isso lhe evitaria.

Jimin estendeu o braço e segurou sua mão.

– Está tudo bem?

– Ah, sim – disse ela com um sorriso constrangido. – Só estou um pouco ansiosa.

– Eu entendo. Mas você não precisa se preocupar com a perspectiva de ficar perto dos seus amigos humanos. Confie em mim, vai ficar tudo bem.

Minjeong apertou a mão dela para demonstrar que confiava, embora ainda se perguntasse se as outras pessoas perceberiam alguma diferença.

– Você disse que iria a outro lugar após me deixar no teatro – comentou ela.

– Estou indo a minha residência secundaria. Decidi que nossa cerimônia será realizada lá.

Ela a encarou, surpresa.

– Por que?

– Não sinto que uma cerimônia como essa deva ser realizada no subterrâneo. – respondeu Jimin, alisando as costas de sua mão com o polegar. – E como você sabe, sou seletiva quanto aos vampiros que frequentam minha residência principal.

– Entendo.

– Você tem alguma objeção, Minjeong?

O tom grave e interessado da voz dela a fez olhar novamente para ela. Jimin não escondia a preocupação, como se a sua resposta fosse importante.

– Você mudaria o local da cerimônia se eu disse que sim?

Ela acariciou seu pulso com os dedos, indo de um lado a outro sobre a pele.

– Não consigo pensar em muitas outros lugares onde seria adequado fazer isso, mas poderíamos tentar entrar em um consenso.

A atenção de Minjeong foi atraída para o movimento dos dedos dela. A sensação era maravilhosa.

– Tudo bem, mas com uma condição.

Jimin parou a carícia.

– Qual?

– Que você toque um dueto comigo.

Ela franziu o cenho.

– Só isso?

– Gostaria de ver do que você é capaz. Alguem com séculos de vida e uma coleção inestimável de instrumentos com certeza é capaz de me acompanhar em um dueto.

Jimin sorriu.

– Tomarei providências para que possamos tocar esse dueto juntas. – Ela estendeu um dedo para erguer o queixo dela e inclinou sua cabeça para poder beijar seus lábios. – Agora é melhor você ir.

Minjeong olhou pela janela quando o carro parou a uma curta distância do Teatro Nacional.

– Siwon vai permanecer nas proximidades para garantir que você fique longe de problemas. Quando seu ensaio terminar, ele a levará de volta até minha residência.

– Obrigada.

Ela lhe abriu um leve sorriso antes de pegar o estojo do violino.

– Como assim, sem discussão? Sem protesto? – Jimin a encarou com curiosidade.

– Você me levou para dentro de um mundo em que, mesmo com minha posição atual, pude sentir o poder e a fome dos seres à minha volta. Então me disse que existe uma classe de humanos que nos caçam e que podem decidir me usar como isca. Preciso de toda a proteção que puder ter.

Com delicadeza, ela segurou Minjeong e depositou um beijo nas costas de sua mão.

– Irei encontrá-la em minha residência. Tenha um bom ensaio, Minjeong.

– Obrigada. – Ela tentou esconder o fascínio diante do comentário e da gentileza com que ela havia beijado sua mão.

Ao descer do carro e seguir em direção ao Teatro, Minjeong voltou a ficar pensativa. Embora Jimin estivesse lhe garantido proteção e privacidade quanto a essa questão, ela ainda se sentia receosa sobre a possibilidade do seu trabalho em sociedade ter implicações diretas para o principado.

A musicista estremeceu ao lembrar como os membros do Conselho haviam olhado para ela durante a apresentação, quase como se estivessem diante de um problema.

– Bem vinda de volta, Minjeong. Divertiu-se no fim de semana? – A voz de Sunghoon a despertou dos seus pensamentos.

Ele inspecionou seu rosto quando ela entrou nos bastidores.

– O que aconteceu? Você parece ter voltado a enxergar?

Minjeong colocou o estojo do violino de lado, evitando encarar o amigo.

– Sim, insistir no tratamento tem dado resultados. E me diverti no fim de semana.

Sunghoon franziu a testa.

– Você não parece muito feliz.

Minjeong respirou fundo.

– Tenho muita coisa na cabeça.

– Bem, espero que isso anime você. – Disse Chaewon se aproximando. – Sunghoon e eu estamos pensando em sair para beber depois do ensaio. O que você acha de se juntar a nós?

– Vai ser ótimo. – Minjeong sorriu, e seu sorriso era genuíno. – Faz muito tempo que não saímos juntos.

– Você parece diferente. – Chaewon se inclinou mais perto dela. – Perdeu peso?

– Um pouco. – Minjeong se remexeu, desconfortável.

– Eu liguei ontem, mas você não atendeu. Talvez o diretor Kim queira fazer alguns ensaios extras agora que o espetáculo está próximo de entrar em cartaz.

Sunghoon olhou ao redor antes de se debruçar sobre a mesa em direção a Minjeong.

– Eu me pergunto quais figuras públicas foram convidados para a estreia.

Ela resistiu à vontade de mencionar que, atualmente, até seres sobrenaturais estavam na lista de convidados.

– Eu fiquei sabendo que nomes importantes na música vão comparecer – respondeu Chaewon. – Seokjin e o diretor Kim estavam no segundo andar, conversando sobre isso.

– Isso não me surpreende. – Sunghoon deu de ombros. – O diretor Kim tem uma grande lista de contatos. Com certeza vai querer fazer desse espectáculo um marco na sua carreira.

Minjeong permaneceu em silêncio.

– Entendo por que todo mundo está tão animado. – Chaewon colocou seu cabelo preto atrás da orelha. – Se você analisar os grandes eventos do Teatro Nacional, a maior parte deles teve reconhecimento internacional.

– Daqui a alguns anos, a impressa especializada pode fazer uma matéria sobre os talentos natos por trás do dueto principal – Sunghoon lançou para Minjeong um olhar solidário.

Ela sorriu, sem saber o que dizer.

– Bom, já que estamos falando disso. – Ele pareceu relaxar. – E você, Minjeong? O que vai fazer quando o espetáculo sair de cartaz?

– Ainda tenho minha vaga no teatro. Mas não esperam que eu volte até maio. Assim que o projeto atual terminar, estarei de férias. – Minjeong tocou a aliança em seu dedo.

– Vai viajar para o exterior? Ou você e a colecionadora de antiguidades tem outros planos? – Sunghoon apontou para a aliança. – Parece que as coisas entre vocês estão sérias.

– Não sei o que vou fazer nas férias, mas sim. – Ela sorriu. – Ela veio me ver no fim de semana e meio que oficializamos nosso relacionamento.

– Então você tem uma namorada. – Sunghoon lançou a Chaewon um olhar significativo.

Minjeong se mexeu na cadeira.

– Bem, sim. – respondeu ela. Não achou conveniente dizer aos amigos que se casaria com uma Princesa vampira em algumas noites.

Nem mesmo ela conseguia acreditar que isso estava acontecendo. Embora quando saiu da residência de Jimin mais cedo naquela noite, pôde ter certeza de que os preparativos estavam sendo feitos. Ningning havia passado horas com Aeri, lidando com as formalidades da cerimônia.

E só Deus sabia o que estaria acontecendo na residência secundaria de Jimin. A Princesa não havia dado indícios de que retornaria logo.

– Fico feliz por você. – Disse Chaewon, despertando-lhe para a realidade.

Ela sorriu.

Os três amigos continuaram conversando e o assunto voltou para o trabalho de Minjeong no teatro e as fofocas dos bastidores.

Quando chegou a hora do ensaio, ela agradeceu por aquele breve momento de paz. Enquanto se concentrava em deslizar o arco pelas cordas do violino, Minjeong se permitiu buscar conforto nas notas musicais, pegando o que precisava e torcendo para que conseguisse entregar algo bom o bastante em troca. Ao que tudo indicava, o diretor Kim estava muito satisfeito.

Era bom poder voltar ao trabalho apesar de tudo. Os preparativos para o espetáculo estavam quase completos. Logo aquele projeto, que lhe valera dois meses inteiros de dedicação, chegaria ao fim e cada composição poderia ser apreciada no seu devido lugar, em destaque no Teatro Nacional.

Ela suspirou, a batida rítmica da música ecoando pelo lugar, despertando tudo e a todos presentes ali.

\[...]

Uma voz baixa e aveludada emergiu da escuridão, atiçando os ouvidos de Hyunjin enquanto ele pisava levemente sobre cinzas e fragmentos de osso. Era uma imagem impressionante, um vampiro alto e elegante subindo o cemitério secreto do lado de fora da cidade de Seul. O ar estava tomado pelo cheiro da morte e por outro aroma mais prazeroso.

– Apareça ou eu mato você, e desta vez não lhe darei o poder da ressurreição. – Ele falava numa voz baixa.

Uma figura encapuzada saiu de trás de uma árvore e fez uma reverência elegante.

– Boa noite, caro Hyunjin – cumprimentou ele. – Paciente, como sempre.

– É melhor que isso seja importante. – Ele examinou a área, seus sentidos atentos. – É perigoso nos encontrarmos.

A figura riu.

– Por que se preocupa? Seu belo rosto e seu jeito dissimulado sempre o salvarão. Se eu for visto, minha vida está acabada.

Ele levantou o rosto majestosamente.

– Diga o que você quer e seja rápido. Se convocarem uma reunião do Conselho, minha ausência será notada.

– Se o sistema de segurança continuar como era, eles já sabem que você deixou a cidade. – A figura jogou o capuz para trás, expondo uma cabeleira preta volumosa.

– Você parece incrivelmente bem para um vampiro morto, Hyukjae. – Hyunjin sorriu. – Fiquei surpreso ao ler sua carta. Achei que você envolveria outro membro do Conselho além de mim.

Ele deu de ombros.

– É mais conveniente nos cercarmos de bons aliados. Quais são as notícias do principado?

– Caçadores conseguiram se infiltrar na cidade. Um grupo atacou a Princesa, mas ela conseguiu eliminar a todos.

Lee Hyukjae o encarou em silêncio. De repente, seus olhos escuros e intensos se estreitaram.

Ele conhecia, assim como seus aliados, o poder que a Princesa de Seul tinha. Séculos atrás havia testemunhado pessoalmente do que ela era capaz e por esse motivo estava em pé naquele cemitério, despojado do seu cargo, agindo nas sombras e ansiando pela sua vingança

– Por que ela não designou um dos seus a lidar com isso? – Perguntou ele por fim. – Ela tem prazer em dar ordens aos membros do Conselho.

– Ela sabe que há traidores entre nós. Então decidiu cuidar disso pessoalmente.

Hyukjae lançou para ele um olhar calculista e frio antes de balançar lentamente a cabeça.

– Por que ela não nos encontrou ainda?

– Tenho trabalhado para manter minhas ações bem escondidas enquanto crio suspeitas sobre os outros. Como você sabe, vendi mapas dos sistemas de segurança para Busan e isso implicou em conflitos com o principado. Assassinei alguns homens no Rio Han, culpando um dos nossos e causando sua execução.

– Precisamos nos aproveitar disso enquanto trabalhamos nas sombras – disse ele.

– É um momento oportuno. A Princesa encontrou uma consorte e isso deve manter a atenção dela divida por algum tempo.

Os olhos escuros de Hyukjae se ergueram.

– Você tem certeza do que está me falando?

Hyunjin o encarou com um olhar frio.

– Sim, porque?

– Até mesmo eu tinha conhecimento do que acontecia entre ela e a Jisu. Não imaginei que a Princesa fosse escolher outra para ocupar essa posição além dela.

Ele soltou um palavrão.

– Esse assunto é irrelevante agora. Você declarou lealdade a mim. Eu salvei sua vida e guardei seus segredos. Irrite-me e informarei a Princesa que está vivo.

Hyukjae deu um pulo na direção dele, que saltou para o outro lado, mostrando os dentes.

– Sou o melhor aliado que você tem. Não me provoque.

Ele hesitou. Então, com muito esforço, pareceu se acalmar.

– Fizemos um pacto de derrubar a Princesa.

– Ainda temos um pacto. Ajude-me a destruí-la e juntos governaremos não só Seul, mas Busan também. Oponha-se a mim e verei sua cabeça exposta numa lança no centro da grande praça. De novo.

Os dois seres sobrenaturais trocaram um longo olhar. Então, surpreendentemente, a boca de Hyukjae formou um sorriso.

– Você é mais perigoso do que deixa transparecer.

– Dificilmente. – A postura dele relaxou, mas Hyunjin ainda manteve distância. – Agora, continuando meu relatório. As fronteiras parecem seguras e os caçadores foram mortos.

– Existem outros. Encontrei um grupo a menos de 80 quilômetros daqui.

Hyunjin ficou atento.

– Estavam vindo para cá?

– Mantive distância, mas eu poderia ser persuadido a descobrir mais. – Ele estudou os traços dele. – Você parece incomodado com algo.

– Ainda não entendo porque nenhum outro membro do Conselho está envolvido.

– Porque diferente de você, eles parecem manter a lealdade a Princesa. E para que tudo dê certo, não podemos ter contra tempos.

Hyunjin sorriu.

– Incrível como inimigos logo se tornam aliados. Eu concordo, por mais insatisfeitos que os outros estejam eles não são corajosos o suficiente para dar um golpe. Mas me preocupo com a conselheira da Princesa.

– Uchinaga Aeri.

– Ela seria uma valiosa aliada – refletiu ele. – Mas provou sua lealdade quando não tomou o controle de Seul enquanto estávamos em guerra com Busan.

– Ela sabe que não é forte o suficiente para derrubar a Princesa, mesmo com auxílio.

– É verdade. – Ele estremeceu. – Seria necessário um exército para derrubá-la. Quanto mais eu vejo o poder dela, mais percebo que precisamos da cidade toda do nosso lado.

Hyukjae se aproximou.

– O que não está me contando?

Ele sorriu astutamente.

– Nada que você já não saiba. Ela é antiga, talvez a mais poderosa depois do rei. E parece ter um estranho tipo de mágica que protege a ela e à sua preciosa residência.

– Qual é a fonte dessa mágica?

– Se eu soubesse, não precisaria da sua ajuda para matá-la.

Hyukjae segurou o cabo da espada pendurada em seu cinto.

– Matar o Princesa será difícil. Poderíamos começar com um alvo mais fácil.

– Quem?

– Aeri.

– Se ela é tão próxima da Princesa, precisamos dela viva, fazendo seu trabalho – disse Hyunjin. – Matá-la seria como fazer uma declaração aberta de golpe.

Hyukjae estalou a língua.

– Não tinha pensado nisso.

– Então você precisa da minha ajuda afinal. – Hyunjin piscou para irritá-lo.

– Está perdendo tempo – reclamou ele. – O que devemos fazer?

– Concordo que seria mais fácil matar os aliados da Princesa, já que certamente não são tão poderosos quanto ela. Mas o golpe pode fracassar. Se dermos um passo errado, a Princesa acabará conosco.

– Precisamos tomar cuidado, especialmente perto dos outros membros do Conselho. Não confie em ninguém.

Hyunjin levantou uma sobrancelha. Levou um momento para examinar as cercanias, a cidade que se estendia abaixo deles, reluzindo como uma joia, e os bosques escuros em volta.

– É perigoso demais para você em Busan. Volte para o bosque e eu aviso quando for seguro para você voltar.

– Como vamos tomar o poder se eu estiver a quilômetros daqui?

– Observando e esperando. Acredite, eu também estou impaciente com essa questão, mas preciso reunir o maior número de aliados antes de anunciar o golpe.

– É um movimento arriscado. Eles podem decidir acabar com você primeiro.

Hyunjin segurou o cabo da espada.

– Sei como me proteger.

– E quanto aos outros?

Ele acenou com a mão, impaciente.

– Já me cansei deles há um século. Estou ansioso por matá-los, mas só depois que a Princesa estiver morta.

– E quanto ao Rei? Ou à Ordem?

– Nenhum dos dois vai interferir a não ser que o conflito se torne visível. Desde que os humanos continuem ignorantes, estamos seguros. Deixe os conflitos externos tomarem o foco da Princesa, enquanto isso aguardamos uma oportunidade.

Uma risada leve veio dos lábios de Hyukjae.

– Você é bem mais esperto e perigoso do que essa sua atitude tola sugere.

– Homens me subestimam há séculos. – Sua voz ficou áspera. – Não cometa o mesmo erro.

– Ah, não vou, caro Hyunjin. – Ele olhou-o de cima a baixo. – Não vou.

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