25
Passava das cinco horas da tarde quando Minjeong acordou na cama de Jimin. O quarto estava escuro, exceto por uma iluminação baixa que vinha do jardim. Do outro lado do cômodo, ela pôde ver Jimin sentada em uma poltrona. Ela segurava um livro.
Minjeong se levantou e caminhou até ela.
– O que você está lendo?
A Princesa levantou o olhar e sorriu. Sua reação foi tão espontânea e alegre que tirou o fôlego dela.
Ela lhe mostrou o livro.
– A arte da guerra, de Sun Tzu.
Minjeong fez uma careta.
– As coisas estão tão ruins assim no principado?
Jimin puxou-a pela mão, trazendo-a para seu colo, e deixou o livro de lado.
– Não se preocupe com isso. – Seus lábios encontraram os dela na penumbra.
– É isso que você faz enquanto estou dormindo? Você lê? – Minjeong descansou a cabeça nos ombros dela.
– Geralmente não. – Passou os dedos pelo cabelo dela. – A noite é nosso dia, como e breve você vai perceber. Mas mesmo nesse horário costumo cuidar de assuntos de Estado e outras responsabilidades.
Minjeong respirou fundo.
– Você tem uma vida ocupada.
– E você é um quebra-cabeça que não consigo montar.
Minjeong ergueu o olhar, curiosa com a mudança de tom dela. Jimin a observava com olhos ávidos e atentos. Afastou o cabelo dela do rosto, como se atrapalhasse sua visão.
– Fiquei com medo de que você reagisse como na primeira vez em que lhe contei sobre a existência do meu mundo. Mas me enganei.
– Não tenho uma explicação para isso.
– Talvez, mesmo que você ainda não entenda muitas questões, parte de sua mente parece já ter assimilidado essa nova realidade. E isso tornou tudo menos chocante.
– Ainda assim foi chocante. Eu me senti apreensiva com todos aqueles olhares sobre mim. – Ela se inclinou para a frente. – Mas você estava lá. E eu sabia que você nunca deixaria nenhum deles me ferir.
A Princesa acariciou o rosto de Minjeong.
– Você não precisava de mim. É corajosa e forte por si só. Vi muitas coisas no decorrer dos séculos. Conheci muita gente. Ninguém resistiu à minha compreensão como você resiste.
– Estou longe de ser um mistério. Sou apenas uma garota comum.
– Não mais. Agora você é a princesa consorte do principado de Seul.
O corpo de Minjeong ficou tenso. Ela se virou, olhando para os extensos jardins que cercavam a residência e para a luz fraca do sol que brilhava sobre ele.
– Não acredito que isso está mesmo acontecendo. Nós vamos nos casar.
– Arrependida?
– Você me entregou uma segunda chance quando tudo parecia perdido – Seus olhos buscaram os dela, intensos. – Escolher ficar ao seu lado foi a melhor decisão que eu tomei em muitos anos.
– Gostaria de poder ter lhe dado justiça também.
– Então faça isso. Traga meu padrasto para mim e mate-o.
Jimin moveu-se tão rapidamente que foi quase um borrão. Ela a colocou na poltrona e ficou de pé diante dela.
– Finalmente – disse ela, virando-se em direção à porta.
– E quando estiver morto e tivermos apenas o corpo dele, o que teremos conseguido?
Jimin a encarou.
– Sua vida continua, feliz por saber que ele pagou por seus pecados e que não vai mais incomodá-la.
– Minha vida não terminou por causa dele. Isso seria lhe dar poder demais.
– Ele merece pagar.
– Sim, merece. Um homem morto pode apagar minhas memórias ou acabar com meus pesadelos?
Jimin cerrou os dentes com tanta força que Minjeong quase ouviu os ossos estalarem.
– Achei que você teria satisfação com o sofrimento dele. E, sim, achei que seus pesadelos terminariam.
– Só para serem substituídos por outros pesadelos, em que eu seria forçada a olhar para o homem cuja morte causei. – Minjeong levantou-se, olhando para o céu noturno. – A morte dele não me daria nada, só afastaria ainda mais o que realmente quero: recomeçar sabendo que fiz o melhor com o que tenho.
Jimin permaneceu em silêncio, como se resistisse à vontade de discutir. Ela apontou para si mesma.
– Então deixe-o para mim – rosnou, seu rosto a centímetros do dela. – Não vou contar o que aconteceu com ele. Pode esquecer que ele existiu.
Minjeong respirou fundo.
– Você não entende, nunca serei capaz de esquecê-lo.
Jimin praguejou, uma sequência de xingamentos que Minjeong não entendeu.
Ela colocou a palma da mão sobre o coração dela.
– Você vai caçar qualquer um que me incomodar? Vai matar minha ex-namorada, que me humilhou e partiu meu coração?
– Sim.
– Não preciso que seja meu anjo da morte. – Minjeong retirou sua mão.
Jimin ficou em silêncio por um longo tempo. Minjeong temia que ela tivesse entrado num transe. Desviou o olhar e voltou a se sentar.
A Princesa ficou parada, a expressão angustiada.
– Eu já fui como você.
– Antes de se tornar vampira?
Ela assentiu com a cabeça.
– O que houve?
O rosto dela endureceu.
– Eu vi a bondade morrer. E perdi a esperança.
Minjeong a buscou, fechando a mão sobre seus dedos frios.
– Você me disse certa vez que eu era a esperança.
Jimin olhou para suas mãos unidas, então lentamente deslizou os lábios sobre a testa dela.
– Tomara que você tenha esperança bastante para nós duas – Ela abaixou a cabeça. – Mas você… você me mudou…
– Como?
– Antes de nos conhecermos, eu não teria pensado duas vezes antes de tirar uma vida que achasse que não prestava.
– E agora?
Jimin cobriu as mãos unidas delas com sua outra mão.
– Prefiro usar meus esforços para agradar você.
Minjeong levou os lábios aos dedos dela e os beijou.
– Agora sei por que você precisa tirar algumas horas do dia para dormir ou meditar sozinha. Ninguém passaria séculos tomando decisões como essas sem precisar de tempo para pensar e encontrar paz.
Ela levantou a mão, entrelaçando os dedos nos dela.
– Somos suscetíveis a um tipo de loucura por causa da nossa longevidade. Descansar a mente nos mantém no rumo.
Minjeong arregalou os olhos.
– Loucura?
– Temo que não seja o pior. Além da possibilidade de loucura, há a maldição.
– Que maldição?
– Durante a guerra com a Ordem dos Caçadores, eles nos amaldiçoaram com a expectativa de vida de apenas mil anos. Quando um vampiro se aproxima dessa idade, ele começa a enlouquecer. Suponho que seja como a senilidade num humano. Então, com mil anos ou por volta disso, o vampiro morre.
– Achei que vampiros fossem imortais.
– Outrora foram. Mas nossa imortalidade foi retirada pela Ordem. Mais uma razão pela qual nós os odiamos e tememos.
– Quantos anos você tem, Jimin?
– Eu me transformei em 1534. Mas isso é um segredo, Minjeong. Mesmo os mais próximos de mim no Conselho não sabem minha verdadeira idade.
– Por que não?
– Vários deles já cobiçam meu trono. Não quero que conheçam minhas fraquezas.
A musiscista forçou um sorriso.
– Eu sabia que você viveria menos do que eu.
– É uma das maiores tragédias da vida. – Ela hesitou. – A não ser que a maldição não seja verdadeira.
Minjeong se soltou da mão dela.
– Espero que você esteja certa.
A Princesa ficou em silêncio por um momento. Minjeong quase podia ouvi-la pensar.
– Você... me deixa preocupada.
Ela percebeu que, vindo dela, aquilo era quase uma admissão de fraqueza.
– Por quê?
– Não posso parar de pensar sobre a noite passada. Como a situação quase ficou complicada no Conselho.
Minjeong desviou o olhar.
– Desculpe-me. Eu realmente não queria criar problemas para você.
– Não quero desculpas. Você não tem nada de que se desculpar. – Jimin afastou o cabelo da testa, seu corpo visivelmente tenso. – O que eu quero é cuidar de você.
– Você cuida bem o suficiente. – Ela disse, envolvendo os braços dela em volta da sua cintura e beijando seus lábios. – Mas enquanto a você? Parecia distraída quando voltamos do Conselho.
– Temos algumas preocupações com o principado.
– São sérias?
– Sim, mas estamos cuidando disso.
– Que tipo de preocupações?
Ela voltou a beijar a ponta dos dedos dela.
– Não quero que fique pensando nos problemas da cidade. Já tem problemas demais.
– Eu me importo com você, Jimin. Se você está preocupada, eu também fico.
A Princesa beijou as costas da mão dela.
– Você me honra com sua preocupação.
– Então me honre me contando com o que se preocupa.
Ela respirou fundo, resignada.
– Como você sabe, vampiros são presas de uma organização chamada Ordem dos Caçadores. Você conheceu o grupo mais fraco. Nossos espiões informaram que o grupo mais forte, a elite, está observando Seul. Não queremos cruzar caminho com eles.
Minjeong colocou a mão no braço dela.
– Porque diz isso?
– Eles são um poderoso grupo de seres humanos com, digamos, habilidades sobrenaturais. – Jimin observou a reação de Minjeong, virando o rosto em direção à ela. – Era com isso que eu me preocupava. Fiz seu coração acelerar.
– Não pode guardar segredos de mim só porque vou ficar preocupada. Não sou feita de vidro. Não vou quebrar.
Com um único dedo, Jimin tirou alguns fios de cabelo da testa dela.
– Infelizmente, meu amor, mesmo que agora pertença ao meu mundo eu não quero envolvê-la em problemas. A ideia de que você possa se machucar não é algo que eu possa suportar.
Minjeong baixou os olhos e abriu um sorriso hesitante.
Os dedos de Jimin traçaram a curva dos lábios dela.
– Não é algo para sorrir.
– Você me chamou de amor.
– E?
– Ninguém me chamou disso antes.
– Combina com você. Você é toda amor. E toda minha. – Ela a beijou com firmeza. – Tem o maior coração que eu já tive o prazer de escutar.
O sorriso dela se abriu ainda mais.
– Conte-me seus problemas e vamos passar por isso juntas.
Jimin se afastou, sua expressão mudando.
– Seul tem evitado a atenção da Ordem desde que eu me tornei Princesa, principalmente porque eu decretei duas leis: uma que proíbe se alimentar de crianças e outra que proíbe a matança indiscriminada.
– O que é uma matança indiscriminada?
– Matar um humano cada vez que nos alimentamos. Há muito tempo eu convenci meus irmãos de que a comida seria mais farta se nos alimentássemos sem matar. Além disso, nossos cidadãos não têm permissão de matar por esporte, já que taxas desproporcionais de assassinato atraem atenção indesejada. Aqueles que não conseguem seguir nossas leis são obrigados a se retirar.
– Se as leis existem há tanto tempo, por que a Ordem está vindo atrás de você agora?
– Eles ficaram sabendo dos corpos encontrados perto do rio Han. Eles sabem que acabamos com a última incursão de caçadores. Como esses acontecimentos se deram num período muito curto de tempo... – Ela hesitou.
– O que isso significa?
– Significa que, se eles não gostarem do que virem no futuro, vão intervir. – Ela fechou o rosto numa expressão contida.
Os olhos de Minjeong procuraram os dela.
– Como?
– Vão mandar um exército e acabar conosco.
A musicista se sentou.
– Vão nos matar?
Jimin franziu a testa.
– A Ordem dos Caçadores jurou proteger a vida humana, é por isso que estão ávidos por nos exterminar.
– Podemos lutar contra eles?
– Podemos tentar. Podemos até matar alguns deles. Mas eles têm armas das quais não podemos nos defender.
– Não me leve a mal, mas, se eles têm armas poderosas e querem nós destruir, por que ainda não o fizeram?
Os olhos castanhos de Jimin pareciam frios como gelo.
– Eles sabem que está além do poder deles erradicar o mal.
– Você não é má.
Ela ficou em silêncio. Minjeong tocou o peito dela.
– E quanto aos outros principados, não ajudariam?
Ela fez uma careta.
– A última vez que diversos principados se uniram para lutar contra a Ordem foi na Idade Média. Estávamos em maior número, por isso a guerra durou tanto. Mas não conseguimos derrotá-los. A guerra causou pânico e morte generalizados. Por fim, uma trégua foi negociada, com a condição de que os vampiros viveriam no submundo, em segredo, e cederiam o controle da população humana. Se outro principado viesse nos ajudar num conflito contra a Ordem, iria romper a trégua e resultar numa guerra mundial. Ninguém quer isso.
– Se a Ordem atacar Seul, seus vizinhos permitiriam?
– Não apenas permitiriam como seriam tentados a ajudá-la, se a Ordem prometesse deixá-los em paz.
Minjeong arregalou os olhos de terror.
Jimin levantou a mão para acariciar o rosto dela.
– Antes de entrar em pânico, precisa saber que não há garantia de que eles virão. Conflitos com a Ordem atraem atenção pública. Eles preferem operar em segredo.
– No momento, estão só observando?
– Sim. Preciso ficar especialmente atenta ao principado e ter muito cuidado em protegê-lo.
– Entendo. – Minjeong sentiu um frio percorrer seu corpo.
– Espero que não. – Jimin a puxou para mais perto e a acolheu em seus braços. – Espero que nunca entenda. Quanto mais distante a Ordem estiver de você, melhor. Mas chega disso. Não há motivo para você ficar se preocupando com coisas que podem nunca acontecer.
– Não quero perder você – sussurrou Minjeong. – Não creio em morte indiscriminada. E não me importa quem é a Ordem ou quem eles acham que estão protegendo. Vampiros são seres com consciência e suas vidas deveriam ser respeitadas.
Jimin empurrou o cabelo dela para trás do ombro, um sorriso surgindo em seus lábios.
– Falou como uma verdadeira protetora – sussurrou ela.
Suas mãos agarraram firmemente a cintura dela enquanto sua língua brincava com sua boca. Jimin foi com calma, puxando gentilmente o lábio inferior dela e mordiscando-o, depois cobrindo a boca dela com a sua e enfiando sua língua dentro dela.
Quando parou, Minjeong se sentia aquecida.
Jimin começou a dançar seus dedos para cima e para baixo pela curva da coluna dela.
– Chega dos meus problemas. Quando você pretende voltar ao seu trabalho no teatro?
– Você está mesmo me perguntando isso?
Ela mal segurou um riso.
– Não entendo porque o espanto.
Minjeong revirou os olhos.
– Talvez porque eu não seja a mesma de antes.
As mãos de Jimin se espalmaram nas costas dela e a musicista se apoiou sobre ela.
– Sim, mas nem tudo mudou.
Seu olhar estava concentrado e intenso, como sempre. Mas havia alguma outra coisa. Algo que Minjeong nunca tinha visto.
– O que não mudou, Jimin? Me diga.
– Prefiro lhe mostrar. – Ela beijou a palma de sua mão. – Tenho certeza que você vai gostar.
Minjeong sorriu e se inclinou para junto do peito dela, amaldiçoando-se internamente por reagir assim.
Jimin envolveu o braço esquerdo em sua cintura, mantendo-a junto de si enquanto caminhava até a varanda, onde a luz alaranjada do sol iluminava o cômodo. Minjeong respirou fundo; a possibilidade de sair a deixava ao mesmo tempo tonta e empolgada. A leve brisa do fim de tarde soprava seus cabelos para a frente do rosto. Ela tentou afastá-los, sem querer que atrapalhassem sua visão.
A Princesa deu alguns passos a frente, parando na soleira apenas para olhar em sua direção.
– O que você está fazendo? – A voz de Minjeong cortou o silêncio entre as duas.
– Quero lhe mostrar do que sou capaz.
A musicista a encarou, cética.
– Eu sei que você pode andar sob o sol, mas nada garante que o mesmo vai acontecer comigo.
– Minjeong. – Ela deu um passo a frente e segurou sua mão. – Me responda. Quem a transformou?
– Você.
– Justamente. Eu não pediria para você fazer isso em circunstâncias normais.
– Por quê?
– Acho que, se pensar um instante, vai saber a resposta. Vamos? – Ela apontou para a varanda.
Hesitante, Minjeong permitiu que ela a conduzisse para fora, sentindo os fracos raios de sol entrando em contato com sua pele. A musicista ergueu os braços apenas para constatar que estava bem. De fato a luz lhe era um pouco incomoda, mas nada além disso.
– Incrível – ela falou, sem ar.
Jimin a encarou.
– Como temos um vínculo de sangue, era esperado que isso acontecesse. O sol me incomoda do mesmo jeito que armas consagradas. É um desconforto que posso suportar.
– Foi por isso que você pareceu aflita quando os caçadores a atacaram? Porque as armas lhe causaram dor?
– Não sabia que você tinha percebido.
– Claro que percebi, Jimin. – Seu tom foi de reprimenda. – Você é importante para mim.
A Princesa tocou uma mecha de seus cabelos e enrolou a ponta no dedo.
– Você tinha razão. Segredos são como um muro. Com todas as outras pessoas eles cumprem o seu papel, mas com você, não. Com você, nunca.
Não lhe deu oportunidade de responder. Em vez disso, puxou-a para junto de si e a beijou, dessa vez com mais paixão, descendo as mãos para segurar seus quadris. Então, com um sorriso diabólico, envolveu as pernas dela em volta da sua cintura.
– Segure firme – ordenou.
Minjeong se agarrou a ela, com os braços em volta do seu pescoço.
– O que você tem em mente?
– Aprovietar mais um tempo nos amando com nossos corpos. – Ela apertou sua cintura.
A musicista olhou para a varanda onde elas estavam.
– Não aqui.
Jimin riu.
– É claro que não. Nem mesmo eu teria a coragem de ficar tanto tempo sob o sol. – Ela se inclinou e sussurrou no ouvido dela. – Tem um outro lugar que vai lhe agradar, acho.
Jimin a segurou com mais força, e elas voltaram para dentro do quarto.
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