22
Minjeong viu algo através da espessa neblina que a rodeava. Encontrava-se inundada em uma espécie de sonho, com bordas difusas que sugeriam que não havia nada além do infinito.
Uma figura solitária, iluminada por trás, aproximou-se em meio àquela bruma esbranquiçada. Soube que era uma mulher, e fosse quem fosse, não sentiu temor algum. Deu-lhe a sensação de que a conhecia.
– Onde estou? – sussurrou, não muito segura de que ainda permanecia no plano dos vivos.
A mulher estava imóvel a poucos metros de distância, mas ergueu a mão em sinal de saudação, como se a tivesse ouvido.
Ela deu um passo adiante, mas de repente sentiu um sabor totalmente desconhecido na boca. Levou as pontas dos dedos aos lábios. Quando baixou o olhar, tudo era de cor vermelha.
A figura deixou cair a mão. Como se soubesse o que significava aquela mancha.
Minjeong retornou de repente a seu corpo. Parecia como se a tivessem arremessado sobre um chão de cascalho. Todo o seu corpo doía. Via luzes titilando em frente aos seus olhos. Gritou. Quando abriu a boca, voltou a sentir aquele sabor. Engoliu a saliva com dificuldade.
E então, algo milagroso aconteceu. Sua pele se encheu de vida, como se fosse inundada por uma corrente elétrica. Seus sentidos despertaram. Cegamente, tratou de segurar-se em algo sólido, dando com a fonte do sabor.
Jimin sentiu que Minjeong se sacudia como se a tivessem eletrocutado. E logo começou a beber do seu pescoço com uma avidez e uma ânsia inusitadas. Os braços dela se apertaram ao redor de seus ombros, as unhas se cravaram em sua pele.
A Princesa lançou um rugido de triunfo enquanto a depositava sobre a cama, deitada para que o sangue fluísse melhor. Manteve a cabeça para um lado, deixando o pescoço descoberto para ela, que subiu até seu peito cobrindo-a com o cabelo. O úmido som de sua sucção e saber que estava lhe dando vida provocaram todos os seus sentidos.
Ela sustentou-a suavemente, acariciando os seus braços. Incentivando-a a beber mais dela. A tomar tudo o que necessitasse.
Alguns instantes depois, Minjeong ergueu a cabeça, lambeu os lábios e abriu os olhos. Podia ver.
Jimin a estava olhando fixamente. Tinha uma marca de mordida no pescoço.
– Minha nossa... O que eu fiz com você? – Ela estendeu a mão para limpar o sangue que ainda se apresentava ali.
A Princesa segurou sua mão e a levou aos lábios.
– Aceita-me como sua companheira?
– O que? – Sua mente tinha dificuldades para compreender.
– Seja minha consorte.
Minjeong olhou a marca em sua garganta que já começava a cicatrizar e respirou fundo.
– Eu... eu...
A dor chegou rápido e forte. Investiu-a, levando-a a uma escura agonia. Dobrou-se e caiu sobre o colchão.
Jimin se moveu e a puxou em seu colo.
– Estou morrendo? – Perguntou Minjeong com dificuldade.
– Não. Fique tranquila, isto passará – sussurrou ela. – Mas não será agradável.
A musicista sentiu como se uma onda nauseante a invadisse, que lhe provocou convulsões, até que ficou agarrada a camisa de Jimin. Quase não podia distinguir o rosto dela devido à dor, mas pôde ver em seus olhos uma grande preocupação. Agarrou-a pela mão e ela deu um forte aperto quando a seguinte explosão torturante a dominou.
Sua visão se turvou, voltou e se turvou de novo.
Não sabia quanto tinha durado. Horas. Dias. Jimin permaneceu com ela durante todo o tempo e só respirou aliviada pouco depois das duas da madrugada.
Finalmente estava quieta. Tinha sido muito forte. Tinha suportado a dor sem queixar-se, sem chorar. Entretanto, a Princesa tinha passado todo o tempo torcendo para que sua transformação terminasse o quanto antes.
Minjeong emitiu um som baixo.
– Algum problema? – Perguntou Jimin, tirando alguns fios de cabelo úmidos de sua testa.
– Preciso de um banho.
– Tudo bem.
Ela levantou-se da cama, ligou o chuveiro e voltou ao quarto, levantando-a suavemente em seus braços. Sentou-a no suporte de mármore, tirou-lhe a roupa com delicadeza, e logo a ergueu de novo.
A fez entrar lentamente debaixo d’água, atenta a qualquer mudança em sua expressão ante a temperatura. Como Minjeong não protestou, foi introduzindo seu corpo gradualmente para que aquela impressão não fosse muito brusca para ela.
Jimin a apertou contra si durante um instante, abraçando-a. Logo deixou que seus pés tocassem o chão e sustentou seu corpo com um braço. Com a mão livre, pegou um vidro de xampu e jogou um pouco sobre sua cabeça. Esfregou-lhe o cabelo até formar espuma e logo o enxaguou. Com um sabonete, deu uma suave massagem na sua pele o melhor que pôde sem deixá-la cair e logo se certificou de limpar até o último resíduo.
Segurando-a novamente entre os braços, fechou o chuveiro, saiu e pegou uma toalha. Envolveu-a e a colocou outra vez sobre o suporte, sustentando-a entre a parede e o espelho. Cuidadosamente, secou-lhe a água do cabelo, o rosto, o pescoço, os braços. Logo os pés e as pernas.
Sua pele ficaria hipersensível durante algum tempo, igual à visão e a audição.
Jimin procurou sinais de que seu corpo estivesse mudando e não viu nenhuma. Tinha a mesma estatura que antes. Seu físico tampouco parecia ter sofrido transformação alguma. Perguntou-se se Minjeong poderia sair durante o dia tal como ela.
– Obrigada – murmurou Minjeong.
A Princesa a beijou e a levou até a poltrona. Logo tirou da cama os lençóis úmidos. Teve dificuldades para encontrar outro jogo de lençóis e colocá-los corretamente, mas não queria a intromissão de nenhum empregado naquele momento. Quando terminou, ajudou-a a vestir um de seus pijamas de seda e a acomodou entre as cobertas.
Seu profundo suspiro foi o melhor cumprimento que jamais havia recebido.
Jimin se ajoelhou ao lado da cama, repentinamente consciente de que suas roupas estavam molhadas.
– Sim – sussurrou Minjeong. Ela a beijou na fronte.
– Sim o que?
– Aceito ser sua consorte.
\[...]
Pouco antes do nascer do sol, Jimin se levantou da cama, vestiu uma calça de alfaiataria e uma camisa social preta. Minjeong dormia profundamente sob os lençóis. Quando a beijou, ela se mexeu.
— Preciso resolver algumas questões — disse Jimin, acariciando seu rosto. — Mas peço que permaneça no quarto até eu voltar.
Ela assentiu com a cabeça, roçou-lhe a palma da mão com os lábios, e se afundou de novo no descanso reparador que tanto necessitava. Jimin fechou as cortinas da varanda, caminhou até a porta e se dirigiu às escadas. Sabia que mostrava um estúpido sorriso de satisfação no rosto e que era apenas uma questão de tempo até Aeri zombar dela.
Mas o que isso lhe importava? Ia ter uma verdadeira companheira, alguém com quem compartilhar o seu legado após séculos de solidão. E isso com certeza teria impacto no seu principado. Empurrou um quadro na parede e desceu ao salão subterrâneo onde encontrou sua conselheira a sua espera.
– Parece que você tomou uma decisão – disse Aeri quando ela se aproximou.
A Princesa havia sentido seu cheiro poucos segundos antes. Apesar de ela ter uma idade avançada e muita experiência, pudera sentir quando ela chegara ao salão do Conselho. Não tinha se preocupado com essa questão, uma vez que estava confiante em seu julgamento sobre a lealdade e o nível de ameaça da vampira, sobretudo agora que precisaria do seu auxílio.
– Não foi esse o principal motivo pelo qual a convoquei aqui – respondeu Jimin, fria, enquanto caminhava pelo salão.
– Me surpreenderia se o fosse. Mas fico feliz que tenha escutado meu conselho. Existe um novo mundo de oportunidades a disposição, mesmo para alguém amargurada como você – disse Aeri, zombando dela com delicadeza. – Pelo que ouvi dizer, o publicitário desistiu de tentar encontrar Yu Jimin. Ele não têm pista alguma, nenhum caminho promissor, e a lista está cada vez menor. Você deve estar muito satisfeita.
– Não tenho motivos para discordar disso. – Jimin correu os olhos pela sala do conselho uma última vez antes de se virar para ela.
– Vamos, minha Princesa. Embora esse assunto não seja de conhecimento do Conselho, fiquei tentada a me envolver. Só não entendo por que você decidiu não fazer nenhuma caçada depois da permissão da Princesa de Icheon. Poderia até mesmo ter designado o principado em questão que se responsabilizasse por essa questão.
Jimin deu de ombros.
– Esse humano não representava uma ameaça válida, caso contrário já teria cuidado dessa situação. Quanto a Somi, não pretendo desgastar nossa aliança com trivialidades.
– Foi o que eu imaginei.
A Princesa a encarou com uma expressão indiferente antes de tornar a observar o salão.
– Onde está a pequena companheira da Princesa hoje?
– Nos meus aposentos – resmungou ela.
– Muito me admira você tê-la vinculado ao seu sangue, considerando o que aconteceu durante nosso último encontro.
Jimin abriu a boca para protestar, mas Aeri a interrompeu.
– Nem adianta mentir. Eu consigo sentir que a presença dela mudou.
– Então você deve imaginar o que vai acontecer a seguir – Ela disse em tom calmo. – Ou ainda espera que eu me comporte como nossos semelhantes?
– Ah, Jimin. Eu a conheço bem demais. – A vampira se aproximou e tocou seu ombro. – Até mesmo você é capaz de mudar perante o amor.
– O que você sabe sobre o amor?
– O bastante. Tentei esquecer minha fase humana; isso tornou a imortalidade bem mais fácil. Mas depois de Ningning... – Ela sorriu, com uma expressão distante nos olhos. – Depois que a conheci e criamos um vínculo de sangue, eu descobri que ainda era capaz de ter sentimentos.
– É isso que você tem a dizer sobre o amor? – Jimin foi até a mesa central e pousou as mãos sobre a madeira polida.
– Talvez eu não tenha conhecido tal sentimento na minha vida humana. Talvez o horror do mundo em que eu vivia tenha matado o meu amor. Eu era jovem, não conseguia entender esses mistérios. – Ela inclinou a cabeça e encarou a Princesa com ar pensativo. – Pode-se dizer que nós vivemos um amor, Ningning e eu. As noites que temos juntas e tudo aquilo que compartilhamos uma com a outra. Para mim isso é o indício do amor.
– Uma visão bem singular – resmungou Jimin, apoiando-se na mesa e cruzando os braços.
Aeri foi se postar a sua frente.
– O amor ao qual me refiro é perigoso. Ele nos torna vulneráveis.
– Somos todos vulneráveis, de uma forma ou de outra.
– Então fique vulnerável a Minjeong e a torne sua consorte.
A Princesa a encarou.
– De fato você me conhece bem, Aeri.
– Estou ao seu lado desde que tomou para si o principado de Seul – Ela disse em tom calmo. – Mas as circunstâncias agora são outras. Nós duas sabemos que alguém está tentando derrubá-la do poder.
– Quem? – Indagou a Princesa.
– Se eu soubesse, lhe diria. Juro. Devo-lhe a minha vida, minha Princesa. Costumo pagar minhas dívidas, o que significa que sou sua aliada e preciso conseguir lhe retribuir na mesma moeda.
– Sou grata pela sua lealdade – disse ela com um meneio da cabeça.
– Desconfio que os traidores estejam vivendo entre nós, que sejam inteligentes e ardilosos, mas não necessariamente poderosos. Eles estão manipulando outros para fazerem aquilo de que não são capazes: aliaram-se a Busan para tentar derrubá-la, usaram os caçadores para violar as fronteiras. Você executou Woojin, o que provavelmente fazia parte do seu plano.
– Tem tanta certeza assim de que Woojin estava envolvido? Ele não tinha nenhuma participação política no meu principado.
– Justamente. Quando o mantivemos na prisão do Conselho, eu o interroguei. Ele era leal.
– Nesse caso, por que não se opôs à execução dele?
– Prezo minha própria cabeça, minha senhora. Gostaria de preservá-la.
Jimin relaxou um pouco.
– Estou disposta a ouvir qualquer informação que você tiver para oferecer, Aeri, agora e no futuro.
– Vou procurar saber discretamente e lhe direi o que descobrir. Acho que é óbvio que alguém deu informações aos caçadores.
– Preste atenção para não confiar em mais ninguém. Não sabemos quantos eles são.
– Claro. Desconfio de Hyunjin, mas ele não é inteligente o bastante para arquitetar um complô. É possível que alguém de Busan tenha falado com ele, mas duvido. – Aeri cruzou os braços. – Quaisquer que sejam as suas vulnerabilidades, são poucas. Eu já a vi enfrentar caçadores. As armas deles não surtem efeito em você.
Ela lhe abriu um meio-sorriso.
– Acho que as suas percepções na ocasião estavam meio alteradas.
– Eu estava ocupada, não inconsciente. – Ela a encarou por alguns instantes, desafiando-a com os olhos. – Tenho orgulho de nunca subestimar os outros. Já a conheço há muito tempo, e até mesmo eu a subestimei.
O sorriso dela se alargou de modo desarmante.
– Sou uma antiga, Aeri. Você sabe disso.
Ela balançou a cabeça.
– Já conheci outros antigos. Fui amante de um em Tokyo antes de vir para cá. Ele não conseguia fazer o que você faz. Ninguém consegue. Por que uma vampira com tanto poder se contenta com a cidade de Seul quando poderia dominar a Ásia, ou mesmo a Europa?
Ela deu de ombros.
– Talvez porque eu não seja tão poderosa quanto você pensa.
Aeri a encarou com admiração.
– Um velho truque de Yu Jimin... simular humildade diante do povo para não despertar sua raiva ou inveja.
Ela dispensou o comentário com um aceno da mão.
– O mal tem sua própria lógica.
– Ainda estou para encontrar um praticante do mal tão preocupado quanto você em proteger os inocentes.
– Puro pragmatismo. Nós aprendemos nossa lição durante a Peste Negra. Se nos alimentarmos de crianças, destruiremos nosso estoque de futuros vampiros a serviço do principado.
– O mal não liga para essas coisas, e ambas sabemos disso. – Ela estremeceu e olhou por cima do ombro. – Além do mais, eu não estava me referindo à inocência. Como está decidida a torná-la sua consorte, por que não fazemos a cerimônia o quanto antes? Parece ser o mais adequado segundo nossas leis.
– Comece a cuidar dos preparativos – instruiu Jimin. – E até que tudo esteja finalizado, mantenha essa informação longe dos olhos do Conselho.
– Como quiser. – Ela disse em tom sério. – Tenho certeza de que se lembra da história de Jaehyun, Príncipe de Daegu. Ele não fez um anúncio formal sobre tornar uma recém transformada em sua consorte e o principado se rebelou contra ele e a destruiu. Eles o entregaram à Ordem dos Caçadores.
– As leis vigentes no meu principado são diferentes e devem ser seguidas. Seria bom o Conselho entender isso.
– Não é provável que algum membro esqueça.
Ela fez uma mesura profunda, seguiu em direção ao corredor e desapareceu nas sombras.
A Princesa ficou em silêncio enquanto observava seu lugar de honra. Precisaria fazer uma apresentação formal em breve.
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