21
Minjeong ficou andando de um lado para outro no quarto de Jimin até o cansaço a obrigar a se sentar. A noite que começara tranquila havia saído dos trilhos rapidamente e ela não deixava de lembrar do que acontecera.
Donghae estava morto.
Minjeong não sabia o que pensar sobre esse fato, mas ter testemunhado sua morte lhe dava a certeza de que aquele deveria ter sido o destino de Jimin. Ser caçada, encurralada, abatida e deixada em um beco para apodrecer...
Se os animais tinham direito a um tratamento ético, por que um vampiro não podia ser tratado da mesma forma? Assim como os seres humanos, os vampiros eram uma espécie de animal. Eles pareciam sentir dor.
Minjeong pegou uma coberta na cama e se enrolou nela. Houvera mortes demais naquela noite. Cadáveres, sangue e matança desenfreada.
Jimin havia massacrado os caçadores.
Se ela algum dia tivera dúvidas em relação à sua força ou habilidades, já não lhe restava mais nenhuma. Ela era perigosa, letal, e não tinha escrúpulos em relação a matar. Mas precisava admitir que era improvável que os caçadores acatassem um aviso de ficar fora da cidade.
Tinham ido a Seul matar vampiros por causa do seu sangue e haviam reunido um arsenal de armas letais e um exército invasor.
Jimin estava defendendo a si mesma, Minjeong e seus semelhantes. Com certeza era uma atitude justa. E ela ainda estava na cidade, possivelmente sendo caçada.
Depois de Jimin sair do beco, Ningning havia aparecido. Passara alguns minutos ocupada ao celular após descer da BMW, com o rosto em geral impassível visivelmente perturbado.
Havia ajudado Minjeong a subir no carro e seguido à toda para a residência de Jimin, onde a governanta lhe havia oferecido comida e bebida.
Num esforço para se limpar do sangue de Donghae, Minjeong havia tomado o mais demorado e mais quente banho de chuveiro de sua vida.
A musicista se deitou sobre a cama de Jimin e se encolheu sobre esta, em posição fetal. O cansaço e o abalo emocional a ajudaram a dormir, mas ela acordou várias vezes, ansiando por ver a Princesa. Mas ela não apareceu.
Era domingo. A governanta preparou um impressionante café da manhã, mas Minjeong só beliscou a comida. Aceitou o café, concentrada no que iria dizer a Jimin quando ela voltasse.
Ningning informou que ela estava bem, mas ocupada. Expressou o desejo de que Minjeong ficasse à vontade. Não deu qualquer indicação de quando Jimin iria voltar.
A musicista passou o dia examinando algumas peças importantes da coleção de instrumentos dela, tomando um ou outro violino em mãos para tocar.
Quando o sol se pôs, Jimin ainda não tinha voltado.
A essa altura, Minjeong já estava preocupada. Queria ir para casa, mas Ningning sugeriu que ela estaria mais segura na residência.
Sabia que a sugestão dela expressava uma ordem de Jimin. Embora incomodada, não teve alternativa. Devia haver pelo menos três caçadores livres na cidade, e eles conheciam o seu rosto. Era melhor ficar dentro de casa.
Sem muitas opções do que fazer, ela voltou para o quarto e se encolheu mais uma vez em cima da cama.
Durante a madrugada, acordou com o barulho de Jimin entrando no quarto.
Em pé junto ao guarda-roupa, ela começou a procurar uma de suas infinitas camisas sociais com movimentos silenciosos e sem pressa.
– Sei que você está acordada. Ouvi sua respiração mudar. – Ela trocou de roupa e caminhou na sua direção.
Minjeong respirou fundo.
– Onde você estava?
Jimin passou a mão pelos cabelos úmidos.
– Caçando caçadores. Felizmente, consegui pegá-los. Peguei todos; espero que tenha sido antes de eles informarem a Ordem. Por enquanto, pelo menos, a cidade está livre de caçadores.
Minjeong se sentou e tirou o cobertor de cima do próprio corpo.
– Precisamos conversar.
Jimin contraiu o maxilar.
– Não dá para esperar? Estava ansiosa para poder abraçá-la.
A expressão de Minjeong se suavizou e embora ela já não conseguisse ver com clareza, ergueu a mão para tocar o braço dela.
– Está tudo bem?
A pele do seu braço ainda estava levemente avermelhada, como se Jimin houvesse pegado sol. Ela segurou sua mão.
– Não se preocupe.
– Já que você resiste às relíquias, pensei que também resistisse à armas consagradas.
Ela balançou a cabeça.
– Isto aqui não é nada. Se eles tivessem atacado qualquer um dos meus, a lâmina teria corroído a pele deles.
– Por que no seu caso é diferente?
Jimin uniu as sobrancelhas e assumiu um ar irritado.
– Não podemos simplesmente descansar? Foram dias difíceis.
Minjeong deu alguns passos hesitantes; estava usando uma camisola preta comprida.
– Por que sempre desvia desse assunto? Me diga.
– Porque me desagrada. – Os olhos dela escureceram.
– Meu Deus, Jimin. Fale comigo. Por favor – implorou a musicista. Ela endireitou os ombros.
– Há segredos que não posso contar.
– Por que não? Eu algum dia fiz alguma coisa para trair você? Ou para machucá-la?
Ela balançou a cabeça.
– Então por que não fala comigo?
– Agora não, Minjeong.
Frustrada, ela jogou as mãos para cima.
– Você parece uma cidade murada. Não sei como entrar. Não sei nem sua verdadeira idade ou onde você nasceu.
A Princesa deu um passo na sua direção; seus olhos ardiam.
– Meus segredos são para a minha segurança e a sua. Se alguém soubesse o que já lhe contei, você estaria em perigo. Eles tentariam explorar você para chegar a mim.
– Já estou em perigo. Estar com você me põe em perigo.
– Sem dúvida. E é por isso que você não deve se envolver ainda mais. Estou convencida de que há um grupo de traidores no meu principado. – Jimin adotou um tom conciliatório. – Não acho que os caçadores simplesmente apareceram. Acho que alguém do meu principado lhes informou sobre a nossa localização.
– Quem?
– Ainda preciso descobrir.
Minjeong ficou em silêncio.
Jimin a observou com cuidado. Podia ver a preocupação no seu rosto. Podia ouvir seu coração e sua respiração, e sentir o cheiro de sua ansiedade. Mas não tinha a menor ideia de como reconfortá-la.
– Sei o que senti quando atiraram em você. – Seus olhos marejaram. – Pensei que fossem matá-la.
– Minjeong – sussurrou ela, abraçando-a.
As lágrimas dela molharam seu ombro, e ela a segurou, sentindo seus ombros tremerem.
– Você é a pessoa mais corajosa que já conheci. – A voz da Princesa embargou ao pronunciar essas palavras. Ela a abraçou com mais força, como se percebesse de repente o que significava o seu sacrifício. – Sou vampira desde 1534, e ninguém, nenhum humano, jamais tinha vindo em meu socorro antes de ontem à noite. Você me deixa honrada e perplexa.
Ela acariciou delicadamente os cabelos dela, depositando um beijo no alto da sua cabeça.
Depois de algum tempo, Minjeong a afastou. Ela a encarou sem entender.
– Minjeong?
– Deixo você honrada, mas você não confia em mim.
– Acabei de demonstrar minha confiança ao dizer minha idade. Acho que a pergunta mais correta é: você algum dia vai confiar em mim? – Ela franziu o cenho.
– Estou bem aqui, Jimin, implorando por qualquer verdade que você possa me dar. Quero conhecer você.
Ela uniu os lábios, sem tirar os olhos dos seus. Mas não disse nada. Apesar da limitação visual, Minjeong ergueu o rosto e a encarou com um olhar trêmulo.
– Você me ama?
Jimin deu um passo na sua direção, mas ela ergueu a mão.
– Responda.
A voz dela saiu suave, paciente.
– Minjeong, eu...
Ela enxugou os olhos e virou as costas.
– Amo você, Jimin.
A Princesa se imobilizou, o corpo em alerta.
– Senti-me atraída desde que a conheci. Você me fez sentir coisas sobre mim mesma, e então comecei a ter sentimentos por você. Foi por isso que me entreguei. Queria ver o quão profunda nossa conexão poderia ser. Quando pensei que fosse perdê-la, percebi que amo você.
Jimin fez um movimento como se fosse tornar a abraçá-la, mas ela resistiu.
– Durante muito tempo, pensei que o amor não fosse para mim. Você me fez mudar de ideia. Você mudou meu mundo. Comecei a acreditar que talvez alguém pudesse me amar e eu pudesse retribuir esse amor. Senti esperança, Jimin. Você me deu isso.
– Venha cá.
– Não sou uma inválida – disse ela, arrebatada. – Não sou um passa tempo.
– É claro que não – disse Jimin com uma voz baixa e tranquilizadora. – Você é a minha Minjeong.
– Será que você não entende? Se tudo que sente por mim é afeto, não passo de um passa tempo para você.
– Isso não é verdade.
– Pode ser que não. Mas nunca vou ser mais do que uma peça solta no seu mundo. Alguém em quem você nem sequer pode confiar para dizer sua origem. Posso não ser perfeita, mas mereço ser amada.
Jimin a encarou; seu rosto era uma máscara de perplexidade e preocupação.
– Eu poderia ficar com você por toda a minha vida – disse Minjeong baixinho. – Mas será que você não entende? Eu seria infeliz. Precisaria conviver com seus segredos e com as minhas dúvidas até por fim não restar mais nenhuma esperança.
Jimin olhou para o quarto em volta, desesperada, à procura de alguma coisa, qualquer coisa, que pudesse convencê-la.
– A maioria das minhas memórias humanas é imprecisa. – A voz dela saiu rouca. – Todos nós temos a mesma reclamação. As memórias ficam armazenadas no cérebro. Quando a nossa biologia muda, nosso cérebro também muda. Isso afeta nossa capacidade de acessá-las.
– Por que está me dizendo isso?
– Estou tentando compartilhar um segredo.
Minjeong se imobilizou. Podia sentir a aflição dela, sua incerteza. Pôs a mão sobre a sua.
Com um gesto hesitante, a Princesa entrelaçou os dedos nos dela.
– Ninguém, inclusive Aeri, sabe a verdade por trás da minha origem. Meus pais moravam em Hanseong no século XV, e foi lá que eu nasci. Eu era filha única de uma família nobre, destinada a uma determinada vida, mas o destino tinha outros planos.
Com uma expressão atormentada, ela olhou para o luar através da varanda. Minjeong apertou sua mão, instando-a a continuar.
Ela baixou os olhos para seus dedos entrelaçados.
– Em uma época de constantes conflitos políticos, pensávamos que estávamos a salvo de qualquer perigo. Nossos lares eram bem defendidos e ocultos nos bosques. Mas a verdade é que não tínhamos conhecimento do que acontecia nas sombras. E quando isso aconteceu era tarde demais para tentar salvar minha família.
– Sinto muito. – Minjeong segurou sua mão com firmeza.
Jimin exibia uma expressão torturada.
– Era inverno. Uma fria noite de fevereiro. Um de nossos serventes nos traiu e revelou nossa posição. Apareceu um grupo de quinze ou vinte soldados matando a todos aqueles que cruzavam em seu caminho na nossa propriedade. Nunca esquecerei os golpes quando chegaram às portas de nossos aposentos privados. Meu pai gritou pedindo suas armas enquanto me introduzia em uma antecâmara oculta. Prendeu-me ali um segundo antes que destroçassem a porta com um golpe. Ele era bom com a espada, mas eram muitos.
Sua voz se converteu quase em um sussurro. Ela fechou os olhos, relembrando as horrorosas imagens que ainda eram capazes de lhe provocar pesadelos.
– Massacraram aos serventes antes de matar a meus pais. Vi tudo através de um buraco na madeira. Faziam tanto barulho que ninguém me ouviu gritar. – Jimin se esforçou para continuar. – Lutei para me libertar. Empurrei o fecho, mas era sólido, e eu frágil. Tentei arrancar a madeira, arranhei até que me quebraram as unhas e meus dedos se cobriram de sangue, dava chutes... – Seu corpo respondeu ante a lembrança do horror de estar confinada e sua respiração se fez desigual. – Quando se foram, deixaram para trás um rastro de destruição. Fiquei presa lá durante horas junto a seus cadáveres, olhando crescer a quantidade de sangue. Alguns civis foram na manhã seguinte e me resgataram. Não havia muito mais que pudesse ser feito.
– Jimin... – sussurou Minjeong com os olhos embargados.
Ela acariciou-lhe a bochecha.
– Não chore.
– Por que não?
– Não muda nada. Eu chorei enquanto olhava, e mesmo assim todos morreram. Se eu tivesse... – Sua voz se perdeu em um xingamento. – Ainda sonho com essa noite. Fui uma covarde. Tinha que ter ficado fora com minha família, lutando.
– Mas teriam a assassinado – disse Minjeong baixinho. – E pelo que me disse você era frágil. Necessitava que a protegessem.
Ela ergueu os olhos para a musicista; neles ardia um fogo estranho.
– Quando vi você naquela noite, imprensada contra o muro, com aqueles animais a espancá-la, você me lembrou o que aconteceu... Ia morrer porque estava andando sozinha por uma rua escura. Não podia deixar isso acontecer. Jisu e alguns dos outros nos encontraram. Seu sangue tem um cheiro delicioso, e eles o queriam. A essa altura, já sabia que não iria me alimentar de você. Disse a eles que você era minha e a levei embora.
– Jimin – sussurrou ela. – Obrigada por ter tido misericórdia de mim.
A Princesa se retesou.
– Não acho que misericórdia faça parte do meu vocabulário.
– Mas você agiu de forma misericordiosa. Honrou a memória da sua família salvando a minha vida.
– Posso ter salvado a sua vida, Minjeong, mas estou prestes a perder você mesmo assim.
O desespero na voz dela a magoou e irritou ao mesmo tempo.
Minjeong se desvencilhou da mão dela.
– Você só vai me perder porque não me ama.
– Você está errada. – Jimin a puxou para junto de si com uma expressão arrebatada. – Passei esse último mês esperando, pensando que o que sentia por você fosse diminuir. Se a minha capacidade de amar acabou quando virei vampira, eu deveria ter conseguido esquecê-la. Só que não consegui. Todas as manhãs e todas as noites, ficava pensando em você: no seu rosto, no seu sorriso, em quem você é. Peguei-me pensando no que você estaria fazendo, se estaria segura.
Jimin pegou a mão dela e beijou, passando o polegar pela linha da vida.
– Eu estou de luto há séculos, mas nada me abalou tanto quanto a ideia de perder você.
– Então me diga – sussurrou Minjeong.
Uma hesitação marcou a expressão dela.
– Faltam-me palavras, em qualquer idioma.
– Simplesmente diga. – A musicista ficou na ponta dos pés e levou a mão ao rosto dela. – Diga o que está sentindo, Jimin.
Ela fechou os dedos ao redor do pulso dela e segurou sua mão junto do corpo.
– Quando lhe falei sobre a minha esperança de não terminar meus dias de forma vazia, esperava que você visse além do meu externo. Que ficasse comigo e fosse minha porque me queria da mesma forma desesperada que eu queria você.
Minjeong ergueu os olhos para ela, triste.
– Somos de dois mundos diferentes.
– Talvez possamos fazer parte de um só.
– Somente às custas de um grande risco para você e sua cidade.
Jimin inspirou fundo, com os olhos fixos nos dela.
– O que significam para mim mil cidades, se não tiver você?
Uma dor atravessou o corpo de Minjeong. Estar em seus braços, ouvir sua voz e ser lembrada do limiar que as separava era mais do que ela conseguia suportar.
Jimim a encarava com uma expressão que parecia de esperança. Apesar da sua condição, o sentimento ainda assim era visível.
Ela não podia mais fugir daquilo que deseja: uma segunda chance.
– Tem certeza que você o faria? – Indagou.
– Se eu perder você, perco tudo. Você é a única luz do meu mundo sombrio.
– Você passou muito tempo sozinha. Sofreu uma grande perda. Sinto muito por isso – disse ela baixinho. – Posso entender porque resiste tanto em compartilhar segredos. Mas o amor não é secreto nem unilateral.
– Não – disse Jimin, febril.
– Então me diga.
Ela a beijou na testa.
– Eu te amo.
Minjeong saboreou o momento, e deixou as palavras imprimirem sua marca na sua consciência.
Absorveu o contato com ela, seus olhos, sua postura. Jimin estava obviamente ansiosa e insegura em relação a como seria recebida.
Respondeu-lhe unindo os lábios aos seus.
Ela a beijou intensamente, mas também com reverência, buscando desesperadamente com a boca a conexão que as unia.
Por fim, separaram-se, e a musicista encostou a cabeça no seu ombro.
– Dói?
– Você vai sentir...
– Não falo sobre mim. Farei mal a você?
Jimin dissimulou a surpresa. Mesmo agora Minjeong estava preocupada com sua segurança.
– Não. Não me fará mal.
– Corro o risco de matá-la?
– Não deixarei que você faça isso.
– Promete? – Exigiu ela, agarrando o braço da Princesa.
Jimin não podia acreditar que estivesse jurando proteger a si mesma porque ela a pedia.
– Prometo. – Estendeu uma mão para tocar o pescoço dela, mas se deteve antes de prosseguir.
– O que houve?
– Você está certa da sua decisão? – Perguntou ela. – Depois que eu fizer isso, não existe mais volta. Um novo mundo vai se abrir para você, mas também todas as implicações dele.
Minjeong havia ansiado por essa experiência. Havia ansiado por estar ao seu lado. Mas o desejo que sentia, fosse ele pessoal ou de outra natureza, não bastara para formular sua decisão. Foi apenas depois dos últimos acontecimentos que ela teve certeza de que não podia continuar no mundo dela sem pertencer a ele.
Respirou fundo e disse:
– Faça.
Jimin a encarou com um último olhar perscrutador antes de beijá-la.
– Este vínculo não pode ser quebrado – murmurou.
Minjeong sentiu os lábios dela em seu pescoço, frios e firmes. Então sentiu a língua dela sobre sua pele.
Por fim, sentiu o contato dos dentes, mordendo.
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