19
Pela tarde, Minjeong se juntou a Chaewon para ensaiar por duas horas com o diretor Kim. Após cada ensaio, ela estava sorrindo, como se estivesse ligada em uma corrente elétrica. A música a fazia brilhar de um modo inacreditável, às vezes parecia uma chama queimando sob a sua pele.
Geralmente, elas ensaiavam com a orquestra, mas uma ou duas vezes por semana o foco se direcionava completamente na preparação do dueto. A estréia do espetáculo aconteceria em algumas semanas, e dizer que todos estavam ansiosos chegava a ser um eufemismo.
No entanto, não era apenas na música que a mente de Minjeong se concentrava. Em mais de uma ocasião, ela se pegou pensando em Jimin.
Ela não tinha o hábito de lhe chamar por nomes bobos nem lhe fazer elogios extravagantes. No entanto, tinha se mostrando ser delicada e afetuosa e, quando estava na sua presença, parecia se deixar de fato submergir pelo momento.
Sentia atração por Minjeong, e ela acreditava ter despertado seu interesse. Mas não sabia se a vampira nutria algo além disso. Pelo menos ainda não havia lhe confessado nada.
Além desses pensamentos, havia também a questão relacionada à sua visão. Desde a noite que passara com Jimin, vinha percebendo uma mudança gradativamente em sua condição. Sabia que em breve precisaria voltar a usar a bengala e essa percepção a deixava com ainda mais questionamentos.
Forçou-se a parar de se preocupar e a se concentrar apenas no arco deslizando pelas cordas do violino.
Quando o ensaio chegou ao fim, ela guardou o instrumento no estojo e se dirigiu até os bastidores para pegar o seu casaco.
– Sei de alguém que está feliz hoje. – Chaewon deu um sorriso maroto ao ver Minjeong parada perto de uma mesa com um sorrisinho sonhador no rosto.
Ela estava observando o colar em seu pescoço.
– Terra para Minjeong, câmbio? – Ela estalou os dedos, fazendo-a sobressaltar. Quando a musicista viu quem tinha lhe dado o susto, afastou o braço dela.
– Caramba, Chaewon. Que saco!
Ela riu.
– Chamei você duas vezes.
– Eu estava concentrada. – Minjeong se virou de volta para pegar o estojo do violino.
– No quê? No seu presente?
– Muito engraçado.
– Por que está tão feliz hoje? Porque está se dando bem com aquela sua amiga?
Minjeong olhou para os colegas à sua volta na sala. Felizmente, nenhum deles estava prestando atenção na sua conversa.
– Shh! – Ela encarou Chaewon com um ar de censura. Sua amiga ergueu as mãos num gesto de quem se rende.
– Desculpe.
– A estreia do espetáculo está se aproximando. Isso me deixa feliz. –Minjeong pegou seu casaco e seguiu em direção à saída.
– Certo. – Chaewon a seguiu. – Olhe, se o negócio está tão bom assim com a sua colecionadora de vinhos, por que não saímos os quatro? Sunghoon queria combinar alguma coisa para o dia da estréia do espetáculo.
– Mas isso só é daqui duas semanas.
– Bom, ele pode organizar uma festa nessa época. Mas a gente deveria sair antes disso. Traga sua amiga para nos conhecer.
– Ahn, não sei. – Minjeong tentou não parecer perturbada.
– Não seria nada de mais. Sei como são os começos de namoro. – Ela tornou a sorrir.
A musicista retribuiu o sorriso.
– Seu namoro com Sunghoon também está bem no começo. Faz só uns vinte dias que vocês estão juntos.
– É, mas parece mais tempo, porque a gente era amigo primeiro. Como vai sua colecionadora?
Ela moveu o sorriso na direção do casaco.
– Vai bem, obrigada.
Chaewon balançou a cabeça para ela.
– Agora que sabemos que está tudo bem, me avise quando estiver livre. Podemos ir jantar ou beber alguma coisa depois do trabalho. Você decide.
Ela se encaminhou para a porta.
– A propósito, fiquei sabendo que vão convidar os patrocinadores para o espetáculo. Seokjin concordou em lidar com essa questão.
Minjeong a chamou de volta com um gesto.
– Quer dizer que ele está de volta a cidade?
– Não. Pelo que soube, ele está numa viagem a trabalho. O diretor Kim está coordenando tudo com ele a distância. Aliás, cuidado ao andar pela cidade à noite. Segundo os jornais, tem uma gangue de motociclistas atacando pessoas. Mataram um cara com uma balestra na outra noite.
– O quê? – O queixo dela caiu.
– Eu sei. Que coisa mais ridícula, né? A BBC noticiou que turistas britânicos e americanos estão cancelando seus planos de viagem a Seul neste inverno. Os tais cadáveres que encontraram perto do rio e agora essa gangue de motociclistas, tudo isso teve muita publicidade.
– A gangue está atacando aleatoriamente ou escolhe as vítimas?
Chaewon a encarou com um ar intrigado.
– Não faço ideia. Houve relatos de ataques, mas, quando a polícia chegou, as vítimas tinham desaparecido.
– Obrigada, Chaewon. Mande um oi para Sunghoon. Eu aviso em relação ao jantar.
A amiga assentiu com a cabeça e se afastou.
Enquanto caminhava em direção a saída, Minjeong só conseguiu pensar em uma palavra.
Caçadores.
Durante alguns instantes, cogitou ligar para Ningning e deixar um recado para Jimin.
Mas não ligou.
Aparentemente ela não se comunicava por telefone, mensagem de texto ou e-mail. Se a musicista a convidasse para jantar com seus amigos, diria não, lógico.
Como ela poderia apresentar aos amigos a sua... vampira? A resposta era clara e concisa.
Não podia.
\[...]
A Princesa jogou a jaqueta sobre o sofá e olhou pela janela da sala, que ia do chão ao teto. Tinha a sensação de que suas responsabilidades para com o principado aumentavam gradativamente. Havia convocado uma reunião com o Conselho a fim de tratar sobre os avanços em relação aos caçadores, mas a verdade é que sua mente estava em outro lugar.
Mais precisamente na jovem de olhos castanhos.
Estava ansiosa para ver Minjeong, nervosa e distraída. Só podia pensar na noite que haviam passado juntas e no prazer que sentira quando ela permitiu que bebesse dela. Mas o sexo não era tudo. Queria tratá-la com respeito, não só atirá-la de costas. Desejava ir um pouco mais devagar. Queria passar mais momentos com ela, conversar. Diabos, queria lhe dar muito mais do que a simples proteção.
Sentiu-se como uma tola.
Não, era algo pior que isso. Essa percepção a deixava descoberta, e o que viu foi uma autêntica surpresa. Desejava fazer tudo por aquela mulher, e só para fazê-la feliz.
Isso era o que acontecia quando se permitia criar sentimentos, pensou. Por essa razão, nunca devia tê-la trazido para o seu mundo, jamais devia ter permitido que se aproximasse tanto.
Mas agora era tarde para voltar atrás. E a simples ideia de fazer isso causava-lhe um desconforto tal qual o de um disparo atravessando o seu peito.
– Minha senhora? – A voz do Aeri pairou por toda a sala.
O tom firme de sua conselheira foi um alívio, e a devolveu à realidade. Saiu à sala e franziu o cenho quando viu a outra vampira a esperando.
– Não imaginei que a encontraria na residência – disse Aeri, aproximando-se.
Jimin cruzou os braços sobre o peito, mantendo o olhar fixo na mulher a sua frente.
– Posso saber a que veio?
– Liguei para o seu celular, mas você não me atendeu. Disse que queria que todos nos reuníssemos na câmara do Conselho esta noite. Em qual horário?
– Provavelmente após às uma.
– Às uma? – Perguntou Aeri.
Jimin colocou as mãos nos quadris. Uma sensação de profunda inquietação, como se alguém tivesse irrompido em sua casa, assaltou-lhe.
Agora lhe parecia que a reunião com o Conselho não era necessária. Mas era muito tarde para cancelá-la.
– Digamos que a meia noite – disse.
– Direi aos membros do conselho que estejam preparados.
A Princesa teve a sensação de que Aeri sorria dissimuladamente, mas a voz da vampira era firme.
– Ouça, Jimin.
E ai estava, o único momento em que se permitiam tratar sem formalidades, quando estavam longe dos olhares de qualquer outro vampiro.
– O que?
– Ela é tão atraente quanto você mencionou. Só lhe digo isso se por acaso quiser saber.
Se qualquer outro houvesse dito isso, Jimin teria lhe colocado no seu devido lugar. E embora se tratasse de Aeri, seu incômodo ameaçou sair à superfície. Não gostava que a recordassem quão irresistível era Minjeong. Isso a fez pensar no quanto a queria ao seu lado pelo resto da sua existência.
– Quer me dizer algo ou está simplesmente exercitando os lábios?
Não era um convite a opinar, mas de toda forma, Aeri aproveitou a oportunidade.
– Você está apaixonada.
Deveria receber um ponha-se no seu lugar como resposta, pensou Jimin.
– E acredito que ela sente o mesmo – concluiu a vampira.
Que maravilha. Isso a fazia sentir-se melhor. Nesse ritmo acabaria se deixando guiar por sentimentos que a muitos séculos havia deixado de lado.
Sua situação era realmente complicada. Aonde pensava que lhe conduziria toda essa história romântica?
A Princesa passou as mãos nos cabelos.
– Só estou cuidando dela como faria com qualquer um que despertasse o meu fascínio e interesse. Isso é tudo.
– É claro. – Quando Jimin grunhiu das profundidades da garganta, a outra vampira deu de ombros. – Nunca antes tinha visto você agir dessa forma em relação a uma humana.
– Acredito que você me conheça o suficiente, Aeri. Ou esperava que eu me comportasse como Hyunjin o faz com suas amantes?
– Minha nossa, claro que não. E desejaria que ele deixasse de agir de forma tão torpe. Mas eu gosto do que está acontecendo entre você e a Minjeong. Está sozinha há muito tempo.
– Essa é sua opinião.
– E a de outros.
Jimin respirou fundo.
A sinceridade de Aeri a fez sentir-se presa. E também o fato de que se supunha que somente estava protegendo Minjeong, quando na realidade se preocupava em fazer com que ela se sentisse mais especial para si do que se permitia aceitar.
– Você não tem nada a fazer? – Perguntou.
– Não.
– Que má sorte a minha.
Desesperada por ocupar-se de algo, dirigiu-se ao sofá e recolheu sua jaqueta de couro. Precisava substituir as armas que lhe tinham tirado, e uma vez que Aeri não parecia ter muita pressa por partir, aquela distração era melhor que ficar e discutir.
– A noite em que a deixou em seu apartamento – disse Aeri em tom calmo, – disse-me que não voltaria a vê-la.
Jimin se encaminhou até a sala ao lado e abriu um enorme armário com portas de vidro. Colocou a mão em um espaço cheio de estrelas de arremesso, adagas e espadas. Selecionou algumas com gestos bruscos.
– E?
– O que a fez mudar de opinião?
Jimin cerrou os dentes, a ponto de perder a paciência.
– Ela entrou em perigo por que a envolvi no meu mundo e em todos os problemas dele.
– E ainda se recusa a dizer que nutre muito mais do que afeição por ela.
Jimin cortou a distância que as separava com duas pernadas, enquanto sua companheira se preparava para um choque frontal. Aeri era uma vampira ágil e poderosa, mas reconhecia que um conflito ali seria inadequado.
A Princesa a encarou com um olhar sério.
– Tem que tratar algum outro assunto comigo? Se não, você está dispensada.
Aeri levantou as mãos.
– Como desejar, minha senhora.
– Peço que deixe essa questão de lado. Não falarei dela nem com você nem com ninguém mais. Entendido? E não comente nada com os membros do Conselho.
– De acordo, de acordo. – Aeri retrocedeu para a porta. – Mas faça um favor. Aceite o que está acontecendo com essa humana. Uma debilidade não reconhecida pode ser mortífera.
Jimin grunhiu e fechou as mãos em punhos.
– Debilidade? E diz isso a pessoa que por muito tempo também se recusou a acreditar que podia amar? Deve estar brincando.
Houve um longo silencio até que Aeri falou de novo, suavemente, como se estivesse meditando cada palavra:
– Tenho sorte de ter encontrado o amor. Todos os dias agradeço por Ningning fazer parte da minha vida.
Jimin respirou fundo, resignada.
– E espera que eu também tenha tal sorte?
Aeri murmurou:
– Você já a tem, mas é muito egoísta para se agarrar a ela.
A Princesa ignorou o comentário e virou de costas.
– Se isso era tudo o que tinha a dizer, já pode se retirar.
– Você estaria disposta a transformá-la se assim ela o desejar? De torná-la sua consorte?
Jimin permaneceu em silêncio.
A angústia aflorou como sangue de uma ferida no peito, a candente dor da Princesa espessou o ar. Aeri ter conhecimento de que ela estava mesmo disposta a isso foi um golpe tão baixo que a fez sentir-se francamente vulnerável. E enquanto esperava pelas palavras da outra vampira, deu as boas vindas aos seus sentimentos como a um velho amigo.
– Eu apoiaria tal decisão, caso queira saber. – A voz de Aeri era calma. – Necessita...
– Não quero nenhum de seus conselhos hoje, Aeri. – Ela disse sem encará-la. – Apenas me deixe sozinha.
– Como desejar. – Aeri fez uma breve reverência. – De qualquer modo vai receber. Já é hora de que você aprenda que também tem o direito de encontrar a felicidade.
Jimin quase não escutou a porta fechar-se. A voz que ouvia em sua cabeça, lhe gritando a verdade por trás de cada uma de suas ações, anulava quase todo o resto.
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