17

A Princesa entrou no laboratório e permaneceu em silêncio durante alguns instantes, fazendo ressoar seus passos sobre o pavimento branco. Depois de dar um par de voltas ao redor da sala, decidiu sentar-se em seu lugar habitual. Aquele ambiente cientista lhe recordou o objetivo de sua investigação. E o orgulho que sentia por sua grande capacidade mental.

Considerava-se civilizada, capaz de controlar suas emoções, bom para responder logicamente aos estímulos. Mas não tinha força para controlar o ódio e a fúria que a invadiam. Aquele sentimento era muito violento, muito poderoso.

Estava forjando vários planos, e todos implicavam derramamento de sangue. Mas a quem queria enganar? Se pretendia levantar uma batalha contra a Ordem isso jamais poderia ser evitado.

– Como se pode ver examinando o corpo, os caçadores estão usando flechas maiores, decerto lançadas por uma balestra. – Ryujin, a médica vampira, apontou para a enorme ferida que deixara exposto o coração do cadáver.

Os membros do Conselho em pé ao redor da mesa de autópsia reagiram com murmúrios.

– Causa da morte? – Indagou a Princesa a Ryujin.

Esta suspendeu a flecha e apontou para a ponta de metal farpado.

– A flecha tem uma cápsula que contém uma poderosa toxina cardíaca. Ela se rompe com o impacto e libera a toxina. A combinação do trauma com a toxina faz o coração parar. Sem circulação sanguínea, o vampiro fica fraco e potencialmente imobilizado. Ainda não identifiquei a toxina, mas mandei uma amostra para um laboratório dos EUA para análise.

Jimin parecia desanimada.

– Outras armas?

– A julgar pela cena em que o corpo foi encontrado, usaram armas consagradas.

Jisu soltou um palavrão bem alto.

– Essa gente por acaso não tem imaginação?

A Princesa silenciou Jisu com um olhar. Então voltou a atenção para Ryujin outra vez.

– Como podemos combater as flechas?

A médica pareceu refletir por alguns instantes.

– Podemos distribuir coletes ou escudos protetores. Uma armadura restringiria os movimentos, o que prejudicaria o voo. Existem materiais novos usados por diversas Forças Armadas humanas. Poderíamos testá-los para ver como resistem.

A Princesa dirigiu os olhos para Aeri.

– Você consegue obter esses materiais?

Aeri se curvou.

– Claro, mestre. Mas vai demorar.

– Não temos tempo. Arrume o que conseguir agora e coordene os testes com Taeyong. – Ela meneou a cabeça em sua direção. – Se os testes tiverem sucesso, vamos equipar o principado inteiro, mas cada cidadão vai ter que arcar com o seu custo.

– Pensa que a toxina pode ser um novo tipo de arma? – Yeji olhou do cadáver para a médica, nervosa.

Ryujin coçou o queixo.

– Ainda não posso afirmar, mas parece ser algo criado exclusivamente para combater nossa espécie.

– É possível criar algum antídoto? – Indagou a Princesa.

– Os humanos tomariam drogas da família da digitalina para afinar o sangue e estimular o coração. Nós nunca as testamos na nossa espécie porque não tivemos necessidade. Somos imunes às toxinas humanas.

– Ou assim pensávamos – murmurou Jisu.

A Princesa a encarou com um olhar zangado antes de tornar a se virar para a médica.

– Qual é a sua opinião científica, então?

Ryujin balançou a cabeça.

– Uma flecha não basta para derrubar um de nós a menos que estraçalhe o coração. A toxina tampouco basta para matar um de nós – observou a médica. – O que faz o coração parar é a combinação das duas coisas, que provoca uma paralisia temporária. Uma vez que a vítima está no chão, os caçadores usam armas consagradas para impedi-la de remover a flecha e permitir que o processo regenerativo natural se inicie. Então eles arrancam a cabeça.

– E a solução?

– Evitar a situação. – A médica fez um gesto na direção do corpo. – Para a digitalina ou algo parecido funcionar, teria de ser administrada na hora. E isso não é uma alternativa quando se está cercado por caçadores.

– Quero que encontrem um antídoto – ordenou Jimin – Faça o laboratório entender a urgência da nossa necessidade.

Ryujin fez uma reverência.

– Claro, mas eles são cientistas humanos, que ignoram a verdadeira natureza de seus clientes. Eu teria de lhes dar sangue de vampiro e uma explicação muito criativa para eles produzirem um antídoto.

– Então é isso que você deve fazer. Passe pela rede de inteligência humana, se precisar. Faça-os entender a necessidade, usando o controle da mente ou a coerção física com os funcionários do laboratório, conforme a necessidade.

– Sim, mestre.

– Depois que um antídoto for produzido, teremos de testá-lo. – A Princesa olhou para Hyunjin. – Talvez você possa convencer alguns dos recrutas a doarem seus corpos à ciência.

O vampiro abriu um sorriso.

– Com prazer.

– Ryujin, coordene os testes da toxina com Hyunjin. Quero relatórios assim que possível. Tenho certeza de que nem preciso fazer todos entenderem a necessidade de sermos cautelosos. – A Princesa enfatizou o adjetivo. – É possível que os caçadores estejam aqui para mais do que apenas coletar sangue.

Ela fez uma pausa, e dois dos membros do Conselho trocaram olhares.

– Como por exemplo?

– Como por exemplo nos forçar a entrar em um confronto aberto que atrairia a atenção da Ordem.

A menção desse nome pareceu perturbar os membros do Conselho. Ryujin começou a mexer no relógio de pulso.

– Por ordens minhas, como Princesa de Seul, a partir de agora o Silent Night está fechado. Quero o submundo evacuado e todas as reuniões comunitárias canceladas. Os cidadãos devem permanecer em suas residências primárias e lá se alimentar. É para a segurança de todos. Taeyong, agora que as patrulhas estão sob sua supervisão, imagino que não vá haver novas invasões. Cuide para que assim seja. Yeji, a rede de inteligência humana deve ser incumbida de localizar os caçadores e descobrir suas linhas de abastecimento. Alguém sabe onde eles estão escondidos. Quero que sejam encontrados. Hyunjin, até termos escudos protetores, ninguém deve escalar um confronto.

– Sim, mestre – responderam em uníssono os membros do Conselho acompanhados por Ryujin.

– Estão dispensados. – Com um curto meneio de cabeça, a Princesa se afastou e os membros do conselho fizeram o mesmo, curvando-se enquanto ela sai da sala e avançava pelo corredor.

Antes de ela alcançar a porta, Jisu chegou ao seu lado.

– Posso dar uma palavrinha com você, minha princesa?

Ela se virou e examinou o rosto dela.
A loira parecia calma, curiosa até. Aparentemente satisfeita, Jimin indicou um canto e a seguiu até lá.

– Estou vendo que acatou o meu conselho. – Jisu sorriu, mas o sorriso não chegou aos seus olhos.

A expressão da Princesa se contraiu.

– A jovem é uma amante, não uma companheira. – mentiu.

– Então ainda há espaço na sua cama para mim.

A Princesa apenas sustentou seu olhar. Jisu inclinou a cabeça enquanto examinava seus traços.

– Sem dúvida você vai demorar algum tempo para se cansar de sua nova amante. Sei ser paciente. Ela está sob controle mental?

– Esta conversa tem alguma finalidade?

Jisu jogou os longos cabelos loiros.

– O cheiro da moça está disfarçado com o seu, mas me é familiar. Estão se divertindo?

Jimin trincou os dentes.

– Fique alerta hoje à noite, Jisu. Os caçadores vão achá-la irresistível.

– Imagino que a resposta seja não. – Jisu levou um dedo aos lábios, como se estivesse entretida em pensamentos. – Se não está sendo do seu agrado, estou surpresa que ainda esteja se dando ao trabalho. Me diga uma coisa, ela é saborosa?

Os olhos da Princesa arderam. Ela estava prestes a ir embora quando algo por cima do ombro dela chamou sua atenção. Os outros membros do conselho estavam virados na sua direção e os observavam com um interesse não desprezível.

A Princesa tornou a encará-la.

Com a desenvoltura de quem já tinha feito aquele gesto muitas vezes, ela ergueu a mão direita e a levou ao rosto dela, passando o polegar pelos lábios.

Os olhos castanhos da loira se arregalaram de surpresa.

– Pensei que tivesse sido clara durante nosso último encontro – Jimin se afastou com uma expressão de desagrado, as coisas estavam se encaminhando para um rumo complicado e só havia uma única forma de resolver.

Jisu piscou para ela.

– Que bom que estamos de acordo. Você sabe onde me encontrar quando se cansar do seu bichinho.

Ela se virou para se juntar aos outros membros do Conselho, mas acrescentou por cima do ombro:

– Vou ficar esperando.

\[...]

– Quer dizer que esse era o seu plano quando aceitou vir me encontrar hoje à noite? – A Princesa perguntou, encarando a TV com um olhar intrigado.

– Se não me engano, eu não prometi que dormiria com você. – Minjeong deu play no filme escolhido e indicou para que ela se sentasse.

A ampla sala de estar do segundo andar havia sido transformada em sala de cinema. As cortinas tinham sido fechadas e a governanta chegara até a providenciar pipoca com manteiga e bebidas.

Jimin sentou-se ao seu lado no sofá. Minjeong lhe passou a grande tigela de pipoca, mas ela recusou. Examinou o conteúdo do recipiente e torceu o nariz.

– O que é isso?

– Milho estourado. Com manteiga.

Ela afastou a tigela.

– Eu não como essas coisas.

– Experimente. – Ela lhe passou um grão amanteigado. Jimin o examinou de perto.

Farejou-o.

Jogou-o na boca e começou a mastigar.

– Nada mau.

– Ótimo. Sabia que iria gostar – disse Minjeong, sorrindo. – Acho que você vai gostar do filme. É sobre a Máfia.

A Princesa a encarou com um ar intrigado.

– Por que acha que vou gostar?

Minjeong ajeitou os cabelos atrás da orelha.

– É muito bom, com um elenco maravilhoso. A cena de abertura dá o tom do filme inteiro... é uma reflexão sobre a justiça.

Minjeong ergueu os olhos para ela, então os mirou na própria bebida.

– Acho que você vai achar interessante.

Jimin a observou por alguns instantes antes de fechar os olhos e inspirar. Abriu os olhos na mesma hora.

– Você está ansiosa.

– Não estou, não. – Ela enfiou a mão dentro do balde de pipoca e pegou um bom punhado. Jimin tirou a tigela de sua mão e a pousou sobre o pufe.

Chegou mais perto. Perto demais.

– Me diga o que a está preocupando. – Ela pôs a mão em seu joelho, e a musicista se contraiu.

– Nada. – Minjeong se afastou de leve e continuou comendo a pipoca.

– Você está mentindo. Posso sentir pelo cheiro.

Ela arqueou as sobrancelhas.

– Como pode sentir o cheiro de uma mentira?

– A química do seu corpo muda com as suas emoções. Você está ansiosa com alguma coisa, e toda vez que mente sua ansiedade atinge um ápice. – Jimin chegou mais perto, segurou seu queixo e o ergueu. – Toda vez que eu a toco, provoco a mesma reação.

– Jimin – protestou ela, olhando para o outro lado. A Princesa encostou os lábios na têmpora dela.

A sensação a fez fechar os olhos.

– Eu disse que não iria dormir com você hoje.

– Está planejando ter relações comigo em breve. – Ela tornou a beijá-la, roçando os lábios em sua testa. – Por que não hoje? Por que não agora?

Minjeong se inclinou para junto dela, mas só por um segundo.

– Você vai derramar minha bebida.

Jimin tirou o copo da sua mão e o pousou sobre uma bandeja ao lado da pipoca.

– Problema resolvido. – Ela beijou o canto de seu maxilar e a puxou mais para perto.

Minjeong se afastou tão depressa que quase caiu.

– Pare. – Ela levou uma das mãos ao rosto para tentar refrescar a pele quente.

– Por quê?

– Eu só quero passar uma noite tranquila e assistir ao filme. Não podemos esquecer todas essas outras coisas e relaxar?

Jimin se moveu na sua direção, mas parou, reparando que ela estava extremamente agitada. Não parecia estar com medo, mas tampouco parecia à vontade.

Ela fez um gesto frustrado.

– Você quer me contar o que está acontecendo?

– Vampiros transmitem doenças venéreas?

– É claro que não! – As narinas dela inflaram. – Acha que eu faria isso com você? Que lhe transmitiria uma doença de propósito?

– Humanos precisam falar sobre doenças antes de ter relações sexuais.

– Os vampiros são imunes às doenças humanas. Nós não as contraímos nem as transmitimos. Próximo assunto. – Ela cruzou os braços em frente ao peito.

Quando Minjeong não respondeu, ela estreitou os olhos.

– Isso tudo é apenas uma desculpa. Qual é o verdadeiro motivo pelo qual você não quer ir para a cama comigo?

– Você faz sexo toda vez que se alimenta?

A Princesa arqueou uma sobrancelha.

– Por que está falando nesse tom?

– Não estou falando em tom nenhum.

– É comum para um vampiro fazer sexo quando se alimenta. Mas nem todos seguem essa regra.

Minjeong ergueu os olhos para ela, interessada.

– Quer dizer que não faz sexo toda vez que se alimenta?

– Por que está tão preocupada com isso?

– Por nada. – A musicista voltou à encarar a TV.

– Minjeong. – Ela roçou o nariz na lateral do dela. – Está com ciúmes?

– Claro que não.

Jimin tentou conter um sorriso.

– Então por que está perguntado sobre minha atividade sexual?

– Você disse que precisa de sangue vampiro para manter a saúde. Fiquei curiosa para saber se tinha um harém a disposição.

– Eu não preciso desse tipo de coisa. – Ela disse em tom de desdém.

– Odeio quando as mulheres mentem.

– Olhe para mim – ordenou Jimin, com um tom momentaneamente áspero. As duas se entreolharam. – Não tenho motivo algum para mentir. Embora seja verdade que necessito de sangue vampiro, não tenho necessidade alguma de beber de um dos meus. Você precisa saber que tenho uma safra de sangue antigo conservado na minha residência e isso me basta.

Minjeong ficou em silêncio, observando-a. Jimin parecia incomodada.

– Os vampiros são fiéis aos seus companheiros?

– Nem sempre.

– E você?

– Nunca tive uma companheira – confessou ela.

– Nunca?

– Isso.

A Princesa não disse mais nada; tinha a postura rígida e o rosto fechado. Ela ficou tão entretida com o filme que nem notou quando Minjeong deixou de lado a tigela de pipoca. Tampouco reparou quando ela se aproximou dela.

Durante uma cena, a musicista pousou a cabeça no braço dela sem pensar, Jimin mudou de posição e passou o braço em volta de seus ombros.

Minjeong se aninhou junto a ela.

– É perigoso? – Perguntou.

– O quê? – Ela baixou os olhos para o seu perfil.

– Sexo com um vampiro.

Jimin tornou a encarar a tela.

– Pode ser.

– Para o meu corpo ou para o meu coração?

A Princesa se inclinou acima dela e tocou sua testa com os lábios.

– Pensei que seu coração fizesse parte do seu corpo.

Minjeong a encarou, e o sorriso nos lábios dela desapareceu.

– Não posso responder a essa pergunta, Minjeong – sussurrou ela.

A musicista tentou se concentrar no filme e fingiu que as palavras dela não a tinham abalado.

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