15
Dizer que Minjeong ficou tentada a aceitar a proposta de Jimin seria um eufemismo. Passou toda a manhã divagando sobre isso e precisou se esforçar para se concentrar no ensaio.
Às 17hrs, ainda era cedo demais para tomar alguma atitude, de modo que espalhou suas folhas de tablatura sobre a mesinha de centro e começou a tocar a melodia que havia escutado na residência de Jimin.
Tocar de memória era difícil, muito embora a sua – quando ela não estava se recuperando de um ferimento na cabeça que pusera sua vida em risco – fosse muito boa. Mesmo assim, valia a pena tentar, uma vez que parecia improvável que ela um dia tornasse a ouvir aquela música.
Uma hora depois, havia conseguido progredir bem. No entanto, e isso era perturbador, sem perceber ela se pegou pensando em Jimin.
Ela era bonita, sim. Mas era perigosa.
Minjeong escolheu uma calça preta, uma blusa branca e um blazer. Prendeu os cabelos em um coque na nuca e pegou o celular sobre a escrivaninha, ao lado do colar de Jimin. Quando olhou para a joia de ouro, ocorreu-lhe que aceitar o seu convite era a única opção que a agradaria.
Pôs o colar no pescoço, pegou as chaves e saiu do apartamento. Depois de trancar a porta, viu Donghae em pé no corredor do prédio.
Não se deu o trabalho de lhe fazer perguntas sobre Jimin, pois sabia que o homem não as responderia. Sua senhoria havia instruído bem os criados, e estes sempre lhe obedeciam.
Donghae era humano. Até onde Minjeong sabia, alguns dos criados de Jimin eram humanos. Embora no início ela não conseguisse distinguir um humano de um vampiro, agora achava isso fácil. Vampiros tinham a pele mais pálida, eram mais fortes e fisicamente mais imponentes do que os humanos.
E havia também um ar de perigo e ameaça à sua volta.
Pouco tempo depois, eles estavam atravessando o grande portão da residência de Jimin.
Ningning a recebeu e lhe disse para ir falar com a governanta, na cozinha.
– Ah, Srta. Kim. Sente-se. – A governanta, Eun, indicou a mesa da cozinha, sobre a qual já havia disposto uma jarra de suco e um prato de frutas e queijo. Fez um gesto em direção a um copo vazio. – Posso?
– Por favor. – Minjeong tentou não tamborilar os dedos no tampo da mesa enquanto observava a governanta lhe servir o suco.
– Sua senhoria não está. – Disse Eun colocando o copo em frente à convidada. – Na verdade, não a vemos desde o entardecer de ontem.
– Por que não?
– Ela tem outra residência que usa de vez em quando. Ficou lá na noite passada, mas deve retornar em algumas horas. – A expressão da governanta era cuidadosamente controlada.
Minjeong teve a impressão de que havia mais, muito mais, que a mulher não estava lhe contando, e nem tudo era bom.
– Posso esperar por ela?
– Como desejar. – Eun relanceou os olhos para o colar em seu pescoço com uma expressão cheia de significado. – Por favor, saboreie sua refeição, e quando estiver pronta eu a acompanho até lá em cima.
Com um meneio de cabeça, a governanta se retirou e a deixou sozinha.
Enquanto bebericava o suco e beliscava as frutas e o queijo, nervosa, Minjeong chegou à conclusão de que estar sozinha naquela residência não lhe causava o mesmo pavor do que da primeira vez que esteve ali.
Minutos depois, a governanta a acompanhou até o quarto de dormir no andar de cima. Como sempre, o cômodo estava impecável. A cama parecia intocada.
A mulher a instruiu a chamar se precisasse de alguma coisa e saiu, fechando a porta.
Minjeong examinou o quarto com cuidado, em busca de qualquer coisa que lhe desse uma pista sobre o paradeiro de Jimin. Mas não encontrou nada. Com base na proposta que lhe fizera, com certeza em algum momento ela voltaria para casa.
Infelizmente, Minjeong não podia esperar dias. Precisava estar no teatro na tarde seguinte para trabalhar.
Que confusão!
A musicista afastou as cortinas e abriu as portas da varanda para deixar o ar da noite entrar. Inspirou fundo e ergueu os olhos para o céu nublado de inverno e o fiapo de lua. Com a noite a cobrir a cidade, Jimin e seus semelhantes estariam livres para percorrer as ruas.
Os caçadores sairiam em busca de suas presas. Torceu para Jimin ficar bem.
Voltando ao quarto, sentou-se na cama e alongou as costas e o pescoço.
A cama era confortável, e seu corpo estava começando a reclamar depois de um dia de trabalho.
Alguns minutos mais tarde, ela se reclinou e abraçou um travesseiro. Então pegou no sono.
\[...]
Minjeong sentiu uma brisa no rosto.
Abriu os olhos e por alguns instantes ficou confusa. Estava na cama de Jimin, no quarto banhado em escuridão.
Uma leve brisa entrava pelas portas da varanda e fazia as cortinas de um lado e outro se erguerem e ondularem.
Virou-se de lado para a janela e viu uma silhueta postada na porta da varanda.
Uma luz vinda de algum lugar nos jardins a iluminava por trás. Ela estava apoiado no batente, com os braços cruzados por cima do peito, e a encarava com uma expressão intensa.
– Eis que ela acorda – murmurou.
Minjeong se sentou.
– Desculpe. Não pretendia pegar no sono.
– Não imaginei que você viria de fato – sussurou ela.
– Mas eu vim. Onde estava?
Jimin sorriu, mas não foi um sorriso feliz.
– Lidando com minhas responsabilidades.
Ela entrou no quarto, e Minjeong sentiu um peso no peito.
– Não está cansada? – Perguntou.
– Nós geralmente não dormimos.
– Deve ser exaustivo não poder escapar das preocupações do dia.
– É preciso descansar a mente para não enlouquecer. Então as vezes necessitamos dormir – disse Jimin em tom calmo, parando de frente para ela.
– E você dorme?
– Apenas por algumas horas.
Minjeong olhou para o quarto em volta.
– Onde?
Jimin fez um gesto em direção à cama em que ela estava deitada.
– Aí.
– Ah.
Minjeong afastou o edredom e os lençóis para sua direita, onde havia um travesseiro e um espaço vazio.
– Então venha cá.
A vampira encarou a cama com olhos semicerrados.
– Está me tentando?
– Não, estou me desculpando por estar ocupando o seu lugar. Podemos dividir.
Jimin foi até o lado vazio da cama sem desgrudar os olhos dos dela. Pôs uma das mãos no colchão e a encarou com uma expressão de desafio. Minjeong não recuou, e ela se sentou na beirada da cama. Tirou os sapatos e se reclinou, deitando-se de costas ao seu lado.
A musicista também levou as mãos aos pés para tirar os sapatos e se deitou de lado, virada para ela.
– Conseguiu pegar os caçadores?
– Não. Ontem à noite eles capturaram um dos meus semelhantes. Eles têm novas armas que nós não conhecíamos.
– Sinto muito. – disse ela. Então, hesitante, estendeu uma das mãos pelo colchão e a pôs no ombro dela.
Jimin respirou fundo.
– Você estaria mais segura na minha residência. Vampiros não ousariam entrar na propriedade sem permissão e minha equipe de segurança mantém os humanos afastados. Mas prometi deixá-la em sua casa, então tenho que lidar com isso. Vou continuar a caçar os caçadores. Com eles fora do caminho, você terá mais liberdade. Até lá, vou deixar Donghae de olho em você. Ele vai segui-la até o trabalho no teatro e ficar perto de você durante o dia.
– Isso é mesmo necessário?
– Os caçadores são humanos. Se descobrirem sua relação comigo, podem decidir usar você.
– Espere aí... o quê? – Perguntou Minjeong. – Como um ser humano pode caçar você?
– Eles usam armas e ferramentas diversas. Também recorrem a técnicas ocultas e é por isso que quero que você tome cuidado.
– Acha que vão vir atrás de mim?
– É possível. Mas a maioria dos vampiros não se deixaria atrair para fora de seus esconderijos para salvar um humano. Humanos são descartáveis.
Minjeong se retraiu.
– Você não é descartável, Minjeong, eu lhe garanto. – Ela a beijou de leve. – Mas será mais seguro para você guardar segredo em relação a isso. De toda forma, duvido que os caçadores me elejam como alvo. Caçadores sensatos sabem que é mais fácil capturar vampiros mais recentes... os jovens, como os chamamos. Mas o sangue jovem nunca é tão poderoso quanto o antigo, ou seja, vampiros mais velhos são um prêmio e tanto.
– Como assim?
– Humanos saudáveis o usam para se curar, mas também para combater o envelhecimento. Nós somos difíceis de matar, o que torna o nosso sangue raro e muito valioso.
– Você vive em um mundo estranho.
– Não mais do que o seu. Só que, no meu, todos são vilões.
Séculos de traição e desconfiança desfilaram diante dos olhos de Jimin. Ainda que ela respeitasse e contasse com o seu Conselho sob determinadas circunstâncias, não confiava totalmente nele.
Não. A jovem ao seu lado era um das únicas pessoas em quem chegava perto de confiar em muitos anos. E não conseguia se forçar a lhe contar nem mesmo alguns de seus segredos menos importantes.
– Você não me disse que era uma princesa – comentou Minjeong, trazendo-a de volta a realidade. – Aeri comentou algo comigo quando esteve na minha casa.
– O título se refere ao meu cargo. – Jimin se virou para ficar de frente para ela. – O vampiro líder de um principado é conhecido como Príncipe. Assim sendo, sou a Princesa de Seul.
– Há quanto tempo?
– Desde o século XVII.
Minjeong se sentou na cama de forma abrupta, enquanto Jimin a observava sem entender sua atitude.
– Está tudo bem?
– Não me dei conta de que saber mais sobre o seu mundo ainda me causaria tanta surpresa. – Ela a encarou com intensidade. – Se você se tornou Princesa no século XVII, deve ter nascido antes disso.
Jimin assentiu com a cabeça.
– Quanto tempo antes?
– Por diversos motivos, sempre guardei segredo em relação à minha idade.
Minjeong franziu o cenho.
– Que tipo de motivos?
A vampira a encarou com um olhar calculado para encerrar aquela conversa.
– Como alguém se torna Príncipe?
– Em geral, destruindo o Príncipe anterior – respondeu ela em um tom excessivamente casual.
Minjeong sentiu o sangue gelar.
– Nunca destruí ninguém que não merecesse. Lembre-se disso antes de me condenar.
Jimin se sentou na cama e voltou a atenção para a paisagem que se estendia através da varanda. Sem saber como responder, Minjeong ficou em silêncio.
Jimin não estava acostumada a justificar os próprios atos. Desde que se tornara Princesa, nunca precisara fazer isso.
No entanto, enquanto se explicava para a moça sentada ao seu lado, começou a sentir uma emoção nova. Afastou-a, sem querer lidar com aquilo.
– Reconforte-se pensando que você está protegida pela mais poderosa vampira do reino da Coreia do Sul, com exceção do rei.
Ela abriu os olhos.
– Quem é o rei?
– Ele governa o reino da Coreia do Sul. Embora cada principado tenha sua autonomia, ainda devem estar sob a vigência do rei.
– Ele é mais poderoso do que você?
– Muito mais.
Minjeong soltou uma expiração audível.
– De onde vem o seu poder?
Jimin segurou uma mecha dos cabelos dela e puxou.
– Vamos com calma, Minjeong. Não vou lhe revelar todos os meus segredos.
– Desculpe.
A vampira se virou e levou a mão até debaixo do queixo dela.
– Você é o único raio de esperança que vejo em séculos. É a única que fez meu coração recomeçar a bater.
Por alguns instantes, Minjeong notou nos olhos dela algo muito mais profundo do que desejo físico. Nem sequer sabia o que era, mas pôde ver e sentir aquilo vibrar no ar entre as duas.
De repente, Jimin cobriu os lábios dela com os seus e traçou o contorno de sua boca com a língua. A musicista se abriu para ela.
Jimin respirou fundo e a puxou em seus braços.
A língua dela penetrou sua boca e deslizou sobre a de Minjeong. Ela levou a mão ao seu pescoço. Em poucos movimentos hábeis encostou os lábios ali.
Minjeong arregalou os olhos.
Ela mordiscou-lhe a pele e lambeu. Repetiu a mesma sequência várias vezes enquanto o coração de Minjeong disparava dentro do peito.
A musicista sentiu um calor brotar de dentro dela. Hesitante, tocou os cabelos de Jimin, alisando os fios para trás com os dedos. Os lábios dela continuavam em seu pescoço.
Ela abocanhou um pedaço de pele e chupou. Minjeong soltou um arquejo.
A boca dela se fez mais suave. Ela beijou o local dolorido, fazendo a língua estremecer de leve sobre a pele. Deu alguns beijos de leve na parte mais funda na base de sua garganta antes de roçar os lábios nos dela.
– Isso foi uma mordida? – sussurrou Minjeong.
A vampira se afastou um pouco.
– Não.
Ela levou a mão ao pescoço. A pele não estava ferida. Examinou a mão. Não havia sangue.
– Jamais me alimentaria de você a menos que você se oferecesse.
– Não é isso que os vampiros fazem?
– Não me tente – respondeu Jimin com um tom frio.
– Não entendo você. – Ela balançou a cabeça.
– O que você não entende?
– Como você pode ser tão fria e beijar desse jeito?
Um sorriso se abriu no rosto de Jimin, e ela passou o braço à sua volta.
– Não sou capaz desse tipo de autoanálise, Minjeong.
Com certa hesitação, ela encostou a cabeça no ombro dela.
– Sei que você é perigosa – confessou. – Mas sei também, sem sombra de dúvida, que estou viva por sua causa, e por esse motivo sou grata.
A vampira aquiesceu junto aos seus cabelos.
Minjeong pousou a mão no peito dela, próximo ao coração.
– Posso lhe perguntar uma coisa?
– Claro. Não prometo responder, mas pode perguntar.
– Se eu lhe pedisse para me transformar, você o faria?
Jimin ficou surpresa, mas a encarou com intensidade.
– Se essa fosse sua vontade, sim.
– O que aconteceria comigo? – Ela murmurou.
A ansiedade em sua voz sugeria a Jimin que ela ainda estava se questionando sobre isso. Mas de qualquer forma lhe respondeu:
– Quando terminasse, você precisaria beber.
Minjeong engasgou e se afastou dela.
– Não vou matar ninguém!
– As coisas não são assim. Você precisaria do sangue de um vampiro. Isso é tudo.
– Você faz com que isso soe tão normal.
– Porque para mim é.
Minjeong ficou alguns instantes em silêncio. Então, pareceu dar-se conta da situação.
– Você deixaria que eu...
– Beberia de mim.
Ela tornou a ficar em silêncio, deixando-se cair sobre a cama. Jimin percorreu seu corpo inteiro com os olhos, até as pernas aninhadas sob as cobertas.
– Por que o seu interesse repentino sobre esse assunto?
Minjeong rolou para longe dela e ficou de frente para a porta da varanda.
– Não quero falar sobre isso.
Jimin refletiu sobre essas palavras e percebeu que queria realmente saber a história dela. Não parou para se perguntar por que estava interessada no seu passado. Sem dúvida ficaria surpresa com a resposta.
– Posso ter nascido antes da psicologia, mas consigo adivinhar o que aconteceu com você que tanto a marcou. Gostaria de entender o que a torna tão decidida a proteger toda e qualquer pessoa.
– Não sou assim.
– Minjeong. – Ela se aproximou da musicista com cautela e moveu o corpo até se encostar nela por trás. – Você é uma protetora. O que estou perguntando é: por que motivo?
Ela não respondeu, mas tampouco se afastou dela. Jimin pôs o braço por cima do dela sobre a sua barriga.
– Então me conte o que aconteceu com a sua visão – pediu, com uma voz mais suave.
– É a mesma história. E é bem feia. – Ela tamborilou os dedos no colchão. – Se eu contar, quero a sua palavra de que não vai tentar resolver a situação da sua forma.
– Eu disse que faria o que você me pedisse.
Seu tom deu a entender que ela não havia mudado de ideia.
– Está bem. – Minjeong suspirou.
Então fechou os olhos, aguardou alguns instantes e iniciou seu relato.
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