14
De pé em seu quarto, numa terça-feira a tarde, Minjeong encarou uma bengala nova. O objeto havia reaparecido de forma misteriosa após a visita de Aeri. Naquela manhã, ela a encarou com um ódio supremo.
A mudança em sua condição estava se revertendo. Sentiu raiva de si mesma por ter aproveitado a breve experiência de enxergar sem limitações e por lamentar a sua perda. Jamais havia se considerado fútil; julgava-se uma pessoa estoica. Estava claro que não se conhecia tão bem quanto pensava.
Assim que acordara pela manhã naquele dia e percebera certa diferença na visão, começara a pensar em pedir a Jimin para lhe dar seu sangue e curar sua deficiência.
A facilidade com que cogitou essa possibilidade a incomodou.
Era como se estivesse manifestando a mesma tristeza preconceituosa que os outros exibiam ao sentirem pena dela. Desprezava a pena e as baixas expectativas que esta gerava.
Deteve-se para reparar no fato de que Jimin não a pressionara para sugar seu sangue. Ela havia mencionado a questão, mas parecera deixar a escolha a seu encargo. Não parecia incomodada com a sua deficiência. Era quase como se, na maior parte do tempo, nem sequer se lembrasse disso. Talvez por esse motivo a musicista sentisse por ela aquela estranha atração, mais ainda depois de ela a deixar voltar para casa e prometer manter sua segurança.
Minjeong vestiu uma larga camisa social branca, jeans e pegou um sobretudo. Obediente, colocou o colar que Jimin tinha lhe dado. Pensou se a joia teria alguma ligação com a cidade ou se era algo adquirido por ela durante sua longa e misteriosa vida.
Pegou o estojo do violino, suas chaves e saiu do apartamento.
Conforme Aeri havia lhe avisado, um motorista, Lee Donghae, estava à sua espera no térreo. Era um homem alto, com quase 1,85 metros de altura e uns 35 anos. Era também muito comedido nas palavras. Quando a viu, caminhou na sua frente até a porta e a escoltou até uma BMW estacionada na esquina.
Durante o curto trajeto até o teatro, Minjeong tocou o colar em volta do pescoço. Este agora lhe lembrava Jimin. Tentou não pensar no quão prazeroso tinha sido estar em seus braços e no quão sensual tinha sido senti-la beijar sua boca.
Deu um suspiro.
Quando ela a enviara a sua casa, não dissera nada sobre vê-la outra vez. A musicista, por sua vez, não havia marcado nenhum dia para encontrá-la. Seu apartamento com certeza parecia espartano comparado à imponente mansão em que Jimin morava.
A vida de Minjeong tinha mesmo sofrido uma reviravolta surpreendente, já que estava claro que o seu próximo encontro mais provável seria com uma princesa vampira.
Quando chegou ao teatro, Sunghoon a recebeu com um ar preocupado enquanto ela entrava no auditório. Colegas chegavam e conversavam uns com os outros antes de começar a se preparar para o ensaio.
– Está tudo bem? – Perguntou seu amigo.
Assentindo com a cabeça, ela andou até seu lugar.
– Estou ótima.
– Tudo bem. – Sunghoon não pareceu muito convencido.
Chegou mais perto e estendeu a mão em direção ao pescoço da colega.
– Ainda está usando isso.
– Ah, sim – respondeu ela, vaga, e começou a abrir o estojo do violino.
– Isso é de ouro, Minjeong. Quanto você acha que vale?
– Escute, Sunghoon, conheci uma pessoa que é uma espécie de colecionadora. Ela me emprestou esse colar por diversão, só isso. Não é nada de mais.
– Tá, tá bom. – Sunghoon ergueu a mão no gesto de quem se rende. – Vou parar de me intrometer. Mas você precisa entender a impressão que isso tudo dá. Você some o final de semana inteiro e aparece completamente diferente. Uma semana depois, volta ao normal, mas está usando um presente caro. E não estou falando de coisas que qualquer babaca poderia comprar na Gucci.
Minjeong vasculhou o cérebro em busca de uma mentira plausível e abriu um sorriso conspiratório.
– Está bem. A verdade é que conheci uma pessoa. Ainda está no começo, então não quero falar muito. Ela tem grana e gosta de gastar.
– Então é essa a tal amiga que me falou?
Ela olhou para a sala, certificando-se de que ninguém podia escutar a conversa.
– É. A gente ainda está se conhecendo.
– Fico feliz que você esteja conhecendo uma pessoa. O que ela faz?
– Ela, ahn, ela negocia... safras raras.
Sunghoon sorriu.
– Bom, se ela algum dia tiver uma dessas sobrando, mande uma garrafa para mim. Chaewon adora vinho, e essas coisas não custam exatamente barato.
Minjeong assentiu com a cabeça, fazendo muita força para não deixar transparecer seu incômodo.
– Ótimo. Que bom que você conseguiu sair e se divertir um pouco. Guardei a boa notícia para o final. O diretor Kim passou aqui faz alguns minutos. Ele quer que você o encontre no seu escritório. Tenho que avisar ao pessoal que vamos ter um possível dueto no espetáculo.
– Sério? – Minjeong quase bateu palmas. – Posso ir agora?
– Ele disse para você ir assim que chegasse.
– Obrigada. – Ela lhe lançou um largo sorriso, e ele também sorriu e se afastou.
Devagar, mas com segurança, ela subiu as escadas e seguiu o corredor até o escritório do diretor Kim, perguntando-se o que ele estaria planejando de fato.
Quando chegou em frente a porta, bateu.
– Desculpe por fazer o senhor esperar. – disse, entrando na sala.
– Tudo bem. Não vou tomar muito do nosso tempo – Namjoon indicou para que ela se sentasse. – Vou ser direto com você, Minjeong. Quero que perfome um dueto com a Chaewon.
Apesar da musicista já estar ciente do teor daquela conversa, foi pega totalmente de surpresa ao ouvir isso e as palavras pareceram sumir da sua boca.
– Até o momento o espetáculo não conta com nenhum dueto, mas já venho trabalhando em uma peça para piano e violino há algum tempo. Depois de ver sua audição e a peformance que desempenha durante os ensaios, eu decidi que seria um desperdício de talento colocá-la unicamente na orquestra. Sendo assim, vamos integrar um dueto ao repertório de apresentação.
– Estou lisonjeada, diretor Kim. Não sei exatamente o que poderia dizer em um momento como esse.
Ele sorriu.
– Nós dois sabemos como você chegou aqui, mas vou ser sincero. Se você não tivesse talento e técnica, eu jamais a colocaria no meu espetáculo, Minjeong. Mas você tem, e muito. Não vou permitir que o desperdice quando pode ter um futuro brilhante pela frente.
Ela respirou fundo antes de dizer:
– Então, isso significa que além de integrar a orquestra, eu também vou ser responsável pela peformance de um dueto?
– Exato. A música que estou compondo não se adapta apenas ao violino. As cordas têm uma riqueza, uma vibração que esse instrumento consegue alcançar, mas eu preciso de mais. Preciso mexer com algo dentro das pessoas. E é nesse ponto que você e o seu talento no piano entram. Você trasborda paixão quando toca. É gentil e suave, e também tem... aquela intensidade.
Namjoon a encarou em expectativa.
– Sei que estou... – Minjeong procurou as palavras, enrubescendo. Tentar dizer a um musicista brilhante como se sentia era difícil. – Sei que estou apenas começando, mas a música sempre esteve presente na minha vida. Quando toco, é como se eu sentisse cada nota, como se os acordes fluissem naturalmente através dos meus dedos.
Ele concordou com a cabeça, sorrindo.
– E é exatamente isso que eu estava procurando. Então o que você me diz?
– Quando começamos? – Ela disse, tonta, com a constatação de que seu talento estava sendo reconhecido por uma das maiores compositores músicais de Seul.
Eles conversaram por mais um tempo antes de levantarem, indo em direção à porta. Os bastidores não estavam apinhados, mas também não estavam vazios.
A maior parte da equipe chegava por volta das 17hrs para a checagem do palco e o teste de luz, mas os membros principais da orquestra geralmente chegavam mais cedo todos os dias, para debaterem juntos, afinarem os instrumentos com calma e reunirem-se com o diretor Kim.
De início, estavam todos brincando uns com os outros, ninguém sentia a tensão. Não era incomum o direitor Kim fazer pequenas reuniões antes de dar início aos trabalhos. Entretanto, no momento, não havia um dueto no espetáculo. Quando chegou a eles a notícia sobre esse fato e que Minjeong e Chaewon seriam as responsáveis pela peformance, a curiosidade despontou. A musicista percebeu que algumas pessoas estavam pegando os celulares para escrever. Logo o teatro estava cheio com a equipe e a orquestra.
Chaewon parecia relaxada – afinal, ela já estava acostumada com aquele mundo.
– Relaxa. No começo todo mundo fica nervoso, mas logo você se acostuma. – Ela disse, apertando seu ombro em solidariedade. – Apenas deixe a música fluir e tudo vai dar certo.
– Obrigada.
Minjeong observou ela subir ao palco antes de fazer o mesmo. Durante um tempo, apenas conversaram em voz baixa enquanto o diretor Kim passava algumas dicas antes do início do ensaio, sentindo a pressão de dezenas de olhares sobre elas.
Enquanto Chaewon sentava-se ao piano, Minjeong pegou o violino, afinando-o com uma técnica que já lhe era familiar. Ao sinal de Namjoon, o arco deslizou sobre as cordas e a música fluiu dos instrumentos para o teatro, como uma correnteza inundando a todos. Ninguém se mexe, ninguém fala, e a exuberância da música deu a Minjeong a sensação de algo muito distante que de repente estava próximo de novo, ela foi sufocada pela sensação de um jeito que me fez tentar sorver a música, respirá-la.
Cada vez que Namjoon as interrompia para corrigir alguma coisa, deixava-lhe com a sensação de algo suprimido, ou de algo arrancado dela.
Logo chegou a hora de ir para casa. Ela guardou o violino no estojo e se encaminhou lentamente para fora, onde Donghae a aguardava.
Ele a levou até sua casa e subiu com ela a escada até seu apartamento. Vasculhou o interior antes de deixá-la entrar, em seguida meneou a cabeça e desceu a escada.
Estava claro que era um homem de poucas palavras.
Minjeong verificou suas mensagens, mas não havia nada. Todo mundo parecia ocupado com outras coisas.
Seu apartamento lhe pareceu pequeno, e talvez até um pouco triste. Ela havia passado um dia glorioso trabalhando em uma linda composição, mas agora se sentia inexplicavelmente sozinha.
Ela ligou o notebook e pôs moonlight sonata para tocar; a música era uma distração agradável. Vestiu um moletom e um short preto, pôs o colar sobre a mesa de centro e preparou um jantar modesto.
Após uma solitária taça de vinho, foi para a varanda e olhou para as pessoas despreocupadas transitando logo abaixo. Seria possível que entre elas existissem vampiros? E o que essa percepção lhe causava?
Jimin a havia resgatado em mais de uma ocasião. Ela não estava acostumada a ser protegida, pelo menos não desde a morte do pai. Sua mãe não a protegera em momento algum.
O fato de uma misteriosa vampira zelar por sua segurança, mesmo ao custo de um grande risco pessoal, quando sua própria mãe não se preocupara em defendê-la, lhe causava imensa dor.
Mesmo agora, ao olhar em volta para o apartamento vazio, desejou que ela estivesse ali. Desejou poder lhe comunicar o quão importante tinha sido o cuidado que ela havia lhe dedicado. A musicista passara tanto tempo sozinha cuidando de si mesma... Era bom ter alguém com quem conversar sobre os seus problemas.
Jimin era delicada quando a tocava. E beijava com grande paixão. Minjeong pensou em como seria o sexo com um vampiro ou, menos provável, o amor. Se perguntava se algo assim existia no mundo ao qual ela pertencia.
– Por que está tão séria?
– Ah! – gritou Minjeong, olhando para trás.
Jimin estava encostada no batente da porta, vestindo roupas pretas e com os braços cruzados em frente ao peito.
Estava rindo.
– Não quis assustá-la.
Minjeong levou a mão ao coração para fazê-lo desacelerar.
– Mas assustou! O que está fazendo aí?
A vampira franziu o cenho.
– Vim ver você, claro.
Minjeong se sentou no sofá e fechou os olhos.
– Não pode usar a campainha? Quase tive um infarto.
Se aproximando do sofá, Jimin se inclinou acima dela e aproximou a orelha de seu peito.
– Seu coração parece ótimo... forte e saudável.
Minjeong revirou os olhos e apoiou a cabeça na mão virada.
– O que veio fazer aqui?
Jimin sentou ao seu lado no sofá.
– Não sou bem-vinda?
– É, sim. Só não era esperado.
Ela se aproximou.
– Vim lhe dar uma coisa.
– O quê?
– Isto aqui.
O beijo chegou sem aviso. De leve no início e mais intenso à medida que ela retribuia. Minjeong levou a mão ao peito e ombros dela, deliciando-se com seu toque. Pôde sentir os músculos, a potência esguia e a atração que despertava entre a duas.
Quando abriu a boca, a língua dela deslizou contra a sua. Jimin deu um grunhido de satisfação e inclinou a cabeça. Minjeong saboreou seu gosto e o modo como ela se movia sem pressa, concentrada apenas na interação de boca, língua e lábios.
Ela se deitou de costas e a vampira a acompanhou, cobrindo o corpo dela com o seu. Fazia muito tempo que Minjeong não se via em posição tão comprometedora.
De repente, ela se ergueu nos antebraços e beijou o canto da boca de Minjeong. Seus olhos cintilavam e ela parecia muito satisfeita consigo mesma.
Mas Minjeong também viu arrependimento em seu olhar.
– Não posso ficar – disse, rouca, roçando o nariz no dela.
– Por que não?
Ela tornou a beijá-la, um beijo ardente, de arrepiar.
– Você quer que eu fique?
A musicista desviou o rosto da intensidade abrasadora dos olhos dela.
– Quando você me pedir para ficar, eu fico.
Ela se deitou de lado e pôs uma das mãos sobre a sua barriga.
– Ainda estamos atrás dos caçadores, os inimigos dos quais falei da última vez. As patrulhas precisam da minha ajuda.
Minjeong a encarou de viés.
– Você interrompeu a busca só para vir me beijar?
Jimin levantou a barra da camiseta de Minjeong e alisou a pele nua dela.
– Isso é uma objeção?
Ela balançou a cabeça. Jimin continuou os movimentos, acompanhando de leve as curvas da sua cintura.
– Acho que senti sua falta – disse a musicista de repente. – Quando voltei para casa depois de estar com você, o apartamento me pareceu muito silencioso.
Jimin sorriu, e o sorriso iluminou seu rosto inteiro.
– Você sentiu a minha falta?
Minjeong desviou o olhar.
– Que tipo de pessoa eu sou? Você me rapta, ameaça me privar do meu mundo, e eu sinto saudade de você? Devo ter sérios problemas.
A expressão de Jimin ficou sombria e ela se afastou.
– É mesmo tão terrível assim desejar minha companhia? Será que sou tão repulsiva para você se desprezar por querer me rever?
– Não é exatamente uma coisa natural. Você é uma vampira.
– Eu poderia muito bem ser humana. Não estou me alimentando de você. – Ela encarou seu pescoço exposto com um ar faminto. Então desviou o olhar e se levantou. – Acho melhor eu ir embora, ainda tenho assuntos a resolver essa noite. Se precisar de algo, informe o Donghae e ele irá providenciar.
Por impulso, Minjeong a abraçou e escondeu o rosto no seu pescoço.
Jimin pareceu surpresa com a reação, mas recuperou-se e retribuiu o abraço.
– Por que isso?
– Por estar me ajudando. Estou acostumada a ter que me virar sozinha.
– Estou mais do que disposta a ajudá-la, em quase tudo. É só pedir.
– Eu gostaria de saber mais sobre o seu mundo – sussurrou Minjeong. Estava mais corajosa, talvez por causa da proximidade com ela.
Jimin a segurou mais apertado.
– Venha me encontrar na minha residência – sussurrou ela, beijando seu pescoço. – Prometo que irei responder algumas das suas perguntas.
Ela contornou seu moletom e desceu com o dedo até logo acima da curva de seus seios.
Minjeong segurou sua mão.
– Posso confiar que isso não é apenas um jogo?
– Eu não faço jogos. – Jimin uniu as sobrancelhas, irritada. – Como já disse, você é a primeira a atrair minha atenção em muito tempo.
Ela se curvou e levou os lábios ao seu pescoço.
Minjeong sabia que estava travando uma batalha perdida. O toque dela foi leve, mas sensual, e deixou sobre a sua pele um rastro de fogo.
Ninguém jamais a fizera se sentir assim antes. Ela teve a sensação de que Jimin estava exaurindo aos poucos a sua determinação e de que em breve não restaria mais nada.
– Boa noite, Minjeong. Fique bem.
Ela a beijou com firmeza. Ajeitou seus cabelos para o lado e acariciou seu pescoço de leve antes de sair pela varanda.
Minjeong se deixou cair sobre o sofá, sentindo-se ainda mais perdida do que antes.
Não estava preparada para a visita dela naquela noite, nem para a reviravolta que seu coração tinha dado ao vê-la. Não esperava se sentir tão aconchegada e desejável no seu abraço, ou sentir tamanha animação com o seu beijo.
Olhou para o colar que ainda estava sobre a mesa de centro e foi dominada por uma sensação de perda. Jimin não era sua amiga nem sua namorada. Era alguma outra coisa... algo que ainda não tinha nome.
Precisava fazer alguma coisa.
Se a única forma de descobrir mais era mergulhando no seu mundo, Minjeong precisaria ir atrás dela.
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