13
A visão de mundo de Minjeong tinha sido transformada, incluindo criaturas sobrenaturais que se curavam em minutos de ferimentos a faca e se alimentavam de seres humanos, ainda que não fosse uma necessidade inicial.
Havia experimentado uma profusão de emoções: medo, assombro, alívio, raiva e até desejo em alguns momentos. Quando Jimin a enviou de volta para casa há alguns dias, estava exausta, de modo que entrou no seu quarto e se encolheu na cama. Pegou no sono em poucos minutos.
Ao acordar, sentiu-se muito melhor. Jimin havia prometido que a protegeria dos outros vampiros. Ela já a protegera no passado, mas a musicista estava preocupada, pensando no que aquela proteção futura poderia incluir.
Para ser sincera, teria de admitir que se sentia atraída por ela. Seus olhos, sua aparência, sua boca... ela era bonita e magnética sob muitos aspectos. Beijava com tanta concentração que Minjeong quase acreditava que sentia por ela mais do que uma simples atração.
Quase.
Pelo menos ela havia mudado de ideia. Não era uma vitória insignificante.
Ficou aliviada por poder se concentrar na retomada da sua vida, e não no que havia ocorrido entre as duas ou no perigo ameaçador de um futuro encontro com os semelhantes dela.
Ao longo da tarde, Minjeong tentou algumas vezes se concentrar em suas composições já que não precisaria ir ao teatro naquele dia, mas infelizmente permanecia pensativa e totalmente desprovida de motivação. Sendo assim, guardou o violino no estojo e entrou no banheiro para um banho demorado.
Antes de sair do banho, olhou seu reflexo no espelho e se deteve. Aproximou-se para examinar mais atentamente o rosto. Seu aspecto era o mesmo que pela manhã, mas ela se perguntava por quanto tempo mais poderia observar esse fato. Jimin havia lhe dito que em breve sua visão voltaria a ser como antes e ela não sabia como se sentir em relação a isso.
Resignada a sua situação, ela entrou no quarto e vestiu roupas casuais. Já passava das sete e estava disposta a preparar o jantar. Ouviu um golpe seco do lado de fora, como se alguém estivesse tocando na porta da varanda.
Minjeong mostrou a cabeça cautelosamente. Havia alguém junto à porta da varanda. Alguém vestindo roupas escuras.
– Jimin? – Avançou para abrir a porta antes de certificar-se bem.
Quando viu a figura que se encontrava do outro lado, desejou ter sido mais cuidadosa. Não era Jimin, embora aquele mulher fosse tão sombria quanto. Longos cabelos castanhos escuros. Rosto impassível. Olhos de um castanho intenso.
No rosto da desconhecida apareceu uma expressão de surpresa ao olhá-la fixamente, mas pareceu sobrepor-se imediatamente.
– Senhorita Kim Minjeong? – Tinha uma voz profunda, mas amistosa, e ao sorrir, brilharam umas presas sutis. Ela nem sequer se sobressaltou. Maldição, estava se acostumando a esse estranho mundo.
– Sou Uchinaga Aeri, uma amiga de Yu Jimin. – Ela lhe estendeu a mão. – Pode me chamar de Aeri.
Minjeong aceitou o cumprimento, sem saber muito bem o que devia dizer.
– Estou aqui para proteger você essa noite. Estarei fora se necessitar de algo. A mulher... vampira deu a volta e
dirigiu-se à varanda.
– Espera – disse ela, surpreendendo a si mesma. – Entre, por favor.
Aeri deu de ombros.
– Tudo bem.
– Quer algo para beber? – Perguntou Minjeong quando ela entrou na sua sala. Não sangue. Por favor, não diga sangue.
Ela sorriu de forma singela, como se soubesse o que estava pensando.
– Não, obrigada. Estou bem.
– Ah, claro. Acredito que sim.
Depois de tudo, era anfitriã de uma vampira. Quando em sua tão complicada vida imaginou que algo assim fosse acontecer.
Aeri a observou atentamente.
– Uma longa noite?
– Não pode nem imaginar – replicou ela, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
– Talvez sim. – A vampira se sentou em uma poltrona, com tanta elegância que mais parecia estar em um trono. Minjeong se perguntou se todos da espécie de Jimin agiam dessa forma.
– Me alegro de finalmente conhecê-la. Minha senhora me falou muito de você.
– De verdade?
– Estava muito orgulhosa de você. E precisa saber... que fez tudo aquilo para protegê-la, não porque quisesse a machucar.
– Isso foi o que ela me disse.
– Fez boa amizade com ela?
– Com a Jimin?
– Sim.
Sentiu que suas bochechas se ruborizavam, e se dirigiu à cozinha para que ela não visse sua reação. Pegou uma garrafa de água na geladeira e bebeu alguns goles.
– Ela é... como descrevê-la? – Tratou de pensar em uma boa resposta.
– De fato, acredito que sei.
Ela retornou.
– Estava pensando em preparar o jantar...
– Não se incomode com minha presença – disse Aeri em tom baixo. – Não estou aqui para atrapalhar sua rotina.
– Sabe? Pensava que os vampiros só bebiam sangue.
– Não. Contém nutrientes necessários, mas também necessitamos de alimento.
– E o que diz do alho?
– Um pouco interessante. – Aeri disse, recosta-se na poltrona, parecendo a vontade. – Eu adoro nas torradas com um pouco de azeite de oliva.
Céus. Aquela mulher estava parecendo quase simpática. Não, isso não podia ser. Com seus penetrantes olhos, ela examinava continuamente as janelas e a porta de vidro, como se estivesse vigiando os arredores. Minjeong soube, sem sombra de dúvidas, que se visse algo que não gostasse se levantaria daquela poltrona em um milésimo de segundo. E não seria para revisar as fechaduras, mas para atacar.
Respirou fundo. Pelo menos sua presença a relaxava... até certo ponto.
– Você parece diferente da Jimin – deixou escapar ela.
– Ninguém é como minha senhora.
– Eu imagino.
– Ela é uma força da natureza – disse Aeri, inclinando-se para a frente. – É letal, sobre isso não há dúvida. Mas não existe ninguém que possa a proteger melhor que ela, caso decida fazê-lo. Embora eu acredito que já decidiu.
– Como sabe isso? – sussurrou Minjeong, perguntando-se o que lhe teria contado Jimin.
Aeri pigarreou, mas não mudou de assunto.
– Ela a escolheu.
A musicista franziu o cenho.
– Jimin não é do tipo que se afeiçoa a humanos – disse Aeri. – O simples fato de eu estar aqui agora, significa que ela a escolheu.
– Me escolheu como?
– Sua companheira.
Minjeong a encarou, completamente surpresa. Sentiu-se tentada a enchê-la de perguntas, mas decidiu permanecer em silêncio.
– Não se importa? – Perguntou Aeri – De se tornar a companheira dela.
Não queria responder a isso. Uma parte sua se pegava pensando em como seria estar com Jimin, mas a outra sentia-se muito mais segura estando como sempre tinha estado. Sozinha.
– Você tem uma? – Perguntou. – Uma companheira?
O rosto da vampira se iluminou com devoção.
– Você já a conhece, chamasse Ningning. Comprometemo-nos pouco depois da sua transformação. Foi uma verdadeira sorte que nos apaixonássemos. A verdade é que se a tivesse conhecido na rua, a teria escolhido. Foi uma questão do destino, não acredita?
– Às vezes, também funciona para nós – murmurou ela.
– Sim. Alguns dos meus tomam mais de um parceiro, mas eu não posso imaginar estar com outra pessoa. Evidentemente, essa é a razão pela qual minha senhora me escolheu.
Minjeong arqueou uma sobrancelha.
– Perdão?
– Alguns dos meus tem parceiros dos quais bebem, mas não têm laços emocionais. Nada evitaria que eles... – ela deteve-se e voltou a se recostar na poltrona. – Bom, dado que você é...
– Sou o que?
Minjeong deu-se conta de que apenas conhecia a si mesma, e nesse tema estava disposta inclusive a receber sugestões de estranhos.
– Atraente. Minha senhora não quis colocá-la nas mãos de nenhum outro, porque se sentissem tentados a ultrapassar os limites com você, se envolveriam em graves problemas.
Aeri deu de ombros.
– Bom, e um grupo dos meus é realmente perigosos. Não me ocorreria deixar uma humana a sós com eles, muito menos uma pela qual sentisse algo.
Ela não estava segura de querer conhecer nenhum dos outros.
– Jimin já teve alguma companheira? – Perguntou.
Aeri balançou a cabeça.
– Acredito que é melhor que fale com ela sobre esse tema.
Aquilo não era precisamente um não.
Um estranho sentimento de desilusão se instalou em seu peito. Respirou fundo. Droga. Estava mesmo se sentindo atraída por Jimin, beijaram-se duas vezes, e sua cabeça estava um caos. Isto vai doer, pensou enquanto olhava para as mãos em seu colo. Quando as coisas ficassem difíceis entre elas, ia doer bastante. Apesar do que lhe falara da última vez que se viram.
As duas permaneceram em silêncio enquanto Minjeong refletia sobre os rumos inesperados que sua vida estava levando.
– Precisa de ajuda com o seu jantar? – Perguntou Aeri, despertando-a dos seus pensamentos. Ela se levantou, sentindo um pouco de fome.
– Não, está tudo bem. Posso cuidar disso sozinha.
– Tem TV à cabo? – Ela perguntou indicando com a cabeça a televisão.
A musicista lhe deu o controle.
– Claro que sim. E se não me engano, esta noite há uma maratona de Godzilla pela TBS.
– Interessante – disse a vampira, cruzando as pernas. – Sempre me coloco do lado do monstro.
Ela sorriu.
– Eu também.
\[...]
Pouco antes do nascer do sol, sentada atrás da sua mesa no escritório, a Princesa releu o documento que Ningning tinha lhe entregado há alguns dias.
À sua Majestade, a Princesa de Seul
Saudações.
Foi com alegria que recebemos a sua missiva. Como sempre, o Principado de Icheon acolhe de bom grado a amizade do poderoso Principado de Seul. Nós afirmamos nossa firme lealdade a esse grande e importante aliado.
O humano sobre o qual a senhora pergunta está de fato residindo em nosso território. Na data da redação desta carta, ocupa um quarto de hotel no centro residencial.
Seria uma honra lhe entregar esse humano de presente. Ou então, se preferir, podemos dar cabo dele da maneira que a senhora requisitar e lhe enviar o corpo.
Caso essas alternativas não sejam do seu agrado, a senhora tem nossa permissão para entrar em Icheon e caçá-lo. Por favor, faça-nos a gentileza de nos avisar com antecedência sobre a sua visita, pois gostaríamos de recebê-la de modo condizente com uma figura da sua importância.
Sempre sua fiel aliada, subscrevo-me, Jeon Somi
Princesa de Icheon
Jimin jogou o documento escrito a bico de pena sobre a mesa.
Sua situação estava bem mais complicada agora do que quando havia escrito a Somi pedindo permissão para espionar Kim Seokjin no território dela.
Não havia esquecido o publicitário, mas conhecia as leis relativas a incursões ilegais e não estava disposta a arriscar uma guerra com um de seus mais importantes aliados por causa de um reles intrometido.
Agora que tinha a permissão de Somi, poderia ir lá rapidamente, investigar Seokjin e voltar para o seu principado, tudo na mesma noite. Mas por alguma razão não sentia mais tanto interesse nisso e também não podia deixar sua cidade naquela situação, com a presença de caçadores.
Tampouco iria deixar Minjeong agora que havia conhecido o prazer de sua boca.
Sua boca.
O plano de fazer dela sua companheira tinha desandado. Embora fosse verdade que não amava ninguém havia muitos séculos, sentia alguma coisa pela jovem, e esse sentimento estava começando a se aprofundar. Antes, tinha esperanças de que as duas pudessem explorar sua atração mútua, e de que algo entre elas fosse surgir e florescer.
Estava redondamente enganada.
A felicidade com a qual ela havia reagido à sua proposta de voltar para casa a deixaram mais do que incomodada. Sabia que estava longe de ser nobre, mas sentia orgulho de ter tido uma atitude nobre, pelo menos dessa vez.
Ela a havia libertado.
Mas não tinha a menor intenção de abandonar seu plano de seduzi-la. Na realidade, o desejo por ela aumentara exponencialmente.
Quando enfim a tivesse em seus braços...
Jimin se conteve para não fantasiar. Enquanto o sol brilhasse, precisava clarear os pensamentos por meio da meditação e do descanso. Ou pelo menos até quase a hora do pôr do sol, quando então poderia subir ao alto da torre de Seul e admirar a vista da sua cidade.
Era verdade que podia andar sob o sol, mas achava isso um pouco desconfortável. Como todos os vampiros, precisava descansar durante o dia e limpar a mente.
Entre os de sua espécie havia uma suspeita de que a loucura acometia os que não limpavam a mente de modo adequado e com regularidade; algo a ver com o peso da imortalidade fazer o lado racional falhar. Se havia uma coisa da qual Jimin precisava como Princesa, era de seu lado racional.
A Ordem dos Caçadores havia enviado uma incursão a cidade. Eles haviam escapado ao grupo de busca e assassinado dois jovens perto da estação ferroviária, drenado todo o seu sangue e jogando os corpos decapitados sobre os trilhos do trem.
Como era seu costume, os caçadores tinham levado as cabeças. Se uma cabeça de vampiro fosse deixada próxima ao corpo, as duas partes tinham tendência a se unir novamente, o que reanimava a criatura. Os caçadores sabiam que poderiam obter um preço mais alto pelo sangue do vampiro caso este fosse vendido junto com a cabeça, provando assim sua autenticidade.
Estremeceu ao pensar no que os caçadores fariam com Minjeong caso tomassem conhecimento de sua presença. Era por isso que, durante uma caçada, poucas horas antes, na companhia de Jisu e dos outros, certificara-se de enviar Aeri para manter a jovem em segurança.
Torcia para que as coisas pudessem permanecer assim.
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