12

Minjeong se encontrava em silêncio, sem saber o que pensar enquanto processava a declaração de Jimin. Nem sequer sabia qual era a reação adequada a se ter em um momento como aquele.

– Você é uma doente.

– Não sou, não. – A irritação de Jimin era visível. – Minha saúde é perfeita.

– Acho que canibalismo significa doença mental. Não pretendo tratar isso de modo casual, porque está claro que você precisa de ajuda. E de um nutricionista.

Apesar de não estar tentando ser engraçada, Minjeong se pegou rindo de nervoso. Jimin não achou graça. Passou por ela, deu a volta na mesa e abriu uma das gavetas laterais.

Minjeong deveria ter aproveitado a oportunidade para fugir da biblioteca, mas ficou curiosa para ver o que ela estava fazendo. Até perceber que ela estava pegando uma adaga.

Era uma arma antiga e nada pequena, com cabo de prata.

– Para que é isso? – Ela começou a recuar para longe dela.

– Vou desafiar sua opinião em relação ao sobrenatural. Recomendo que fique. Vai querer ver o que vai acontecer.

A musicista continuou a se mover na direção da porta, mas sem tirar os olhos dela.

– Minjeong – chamou ela.

Minjeong estava prestes a tocar a maçaneta da porta quando a viu pousar a mão esquerda sobre a mesa. Sem deixar de encará-la, ela ergueu a adaga e a cravou nas costas da mão.

Minjeong deu um grito.

– Ai, meu Deus! O que você está fazendo?

Sem pensar na própria segurança, correu para a frente.

Viu o sangue escorrer do ferimento na mão dela.

A expressão de Jimin era impassível.
Ela não havia gritado. Nem sequer esboçara reação.

Com um puxão forte, retirou a adaga. O barulho foi nauseante.

– Por que fez isso? Você vai sangrar até morrer! – Minjeong avançou na direção dela, mas ela a afastou.

Com um lenço, limpou o sangue do meio de sua mão e a ergueu na frente dela, com a palma virada na sua direção. A adaga devia ter estilhaçado os ossos ou talvez não tivesse atingido osso algum. Ela não conseguiu ter certeza.

– Puta merda.

Jimin deu a volta até seu lado da mesa e ficou em pé na sua frente.

– Observe com atenção – falou, em tom de ameaça.

Instantes depois, a ferida começou a fechar. Minjeong ficou olhando enquanto um filme leitoso se formava sobre o buraco. Tendões e pele pareceram se reconstituir por cima desse filme bem diante dos seus olhos.

Ela moveu a mão para expor tanto as costas quanto a frente. A ferida tinha sumido. Pensando que fosse uma ilusão, Minjeong segurou a mão dela e a examinou com atenção.

Correu o dedo pela palma. A textura era de pele, e não de uma prótese. Nem sequer conseguiu ver uma cicatriz. A mesa exibia uma grande e funda incisão. Ela ergueu o rosto.

– Como você fez isso?

– Posso repetir a experiência, se você quiser. Poderia repetir mil vezes, mas o desfecho será sempre o mesmo. Não sou humana; sou uma vampira.

Minjeong soltou a mão dela e tentou correr para a saída. Ela a impediu.
Em seguida, ergueu as mãos com as palmas viradas na sua direção.

– Minjeong.

– Não chegue perto de mim! – Ela disse recuando alguns passos.

– Tenho certeza de que a revelação é um choque, considerando as ideias pré-concebidas que você tinha. – Jimin se aproximou. Movimentou-se sem pressa, de modo quase relaxada. – Mas se você tentar se acalmar, eu lhe conto mais.

A aproximação dela fez Minjeong se encolher. Depois de alguns minutos, porém, a curiosidade foi mais forte.

– Aquele homem pretendia me matar. É isso que vocês fazem?

– Não. Alguns tolos se deixam levar pelos instintos. Os civilizados dentre nós se alimentam de humanos, mas tentam não matá-los. Os humanos são uma fonte renovável, embora não seja a principal.

Jimin fez um gesto em direção à cadeira em frente a mesa.

– Você deveria se sentar.

Minjeong balançou a cabeça.

– O que você me deu?

A Princesa respirou fundo.

– Para salvar sua vida, eu lhe dei sangue de vampiro.

– Você fez o quê? – guinchou ela.

Jimin ergueu as mãos como se quisesse acalmá-la.

– Esse sangue tem determinadas propriedades capazes de manter vivo um ser humano.

– É impossível. – Ela murmurou para si mesma. – Devo estar tendo um pesadelo.

Antes de ela perceber o que estava acontecendo, Jimin já estava a sua frente.

– Minjeong – falou com uma voz firme, erguendo uma mão para tocar seu rosto. Quando seus olhares se cruzaram, ela prosseguiu em voz baixa. – Eu já disse que não vou machucá-la. Juro.

Sua voz e a expressão em seu rosto pareciam sinceras. Minjeong respirou fundo e torceu para que ela não estivesse mentindo deliberadamente.

– Pensei que vampiros fossem frios. – Ela disse, desvencilhando-se da mão dela. – Sua pele é mais fria do que a minha, mas não chega a ser gelada.

– Uma parte da mitologia a nosso respeito foi propagada por nossos inimigos. Parte dela nós perpetuamos, na esperança de confundi-los.

Minjeong a encarou.

– Quer dizer que vocês têm inimigos?

– Todo predador é a presa de alguma coisa.

– E o predador de vocês é o quê?

– O que não... quem. E essa é uma história para outro dia. – Ela parecia impaciente.

– Você parece humana.

– Já fui humana. Meu corpo foi aperfeiçoado. Sou mais rápida, mais forte e não envelheço. Ainda me alimento e respiro e como você viu, eu me curo rápido.

– Você também pode andar sob o sol. Pensei que vampiros não sobrevivessem a luz do dia, mas você ficou no sol quando entrou no meu quarto.

Jimin inclinou-se para a frente e baixou a voz.

– Essa é uma exceção que você faria melhor em esquecer.

Ela ergueu as mãos antes de baixá-las para o colo.

– Como tudo isso é possível?

– O seu erro é supor que o sobrenatural surge sem causa. Não é assim. Ele obedece a determinadas regras, segue determinados padrões. Para resumir, as propriedades sobrenaturais de um vampiro vêm da escuridão.

Minjeong fez uma careta.

– Na minha aula de biologia não estudamos a fundo a transformação de um ser humano em vampiro, mas vai ver a minha escola era conservadora.

Os traços de Jimin se suavizaram em um sorriso. Ela deu uma risadinha.

– Faz muito tempo que não rio. – Ela a encarou com um olhar de admiração.

Minjeong fez muita força para não revirar os olhos. Então algo perigoso e terrível lhe ocorreu. Ela a encarou com ar preocupado.

– Se você me deu sangue de vampiro, isso quer dizer que eu também vou virar vampira?

– Não, por causa disso não. A transformação tem que ser feita pelo vampiro detentor do sangue. Mas foi por conta do sangue que seu ferimento na cabeça se curou. Já a sua deficiência visual é obviamente antiga, e é por isso que irá voltar. Quanto mais antigo o ferimento, maior a quantidade de sangue necessária para curá-lo, mas menos permanente a mudança. Como você perdeu a visão?

– Essa é uma história para outro dia – respondeu Minjeong em um tom igualmente incisivo antes de se concentrar nas próprias mãos ao lado do corpo, ambas fechadas com força. – Quer dizer que a minha visão vai ficar como estava antes?

– Vai. Para curar sua visão de modo permanente, você teria que virar vampira. Mas pode curá-la temporariamente se continuar ingerindo sangue de vampiro.

A expressão dela mudou. Jimin pareceu pensativa, como se estivesse esperando alguma coisa.

A musicista sentiu mais do que uma pontada de arrependimento. Tinha gostado da mudança em sua condição. Gostava de ter uma visão saudável, que funcionava direito e sem limitações.

Gostava tanto que estava quase pronta para pedir a Jimin que lhe desse o que fosse preciso para curá-la.

Perceber isso a deixou com frio.

– Por que você parece se importar tanto comigo?

A Princesa pareceu surpresa com a pergunta.

Estendeu a mão e segurou o rosto de Minjeong; seu olhar se fez suave.

– Porque você me interessa. Já faz muitos, muitos anos que ninguém chama minha atenção.

Minjeong não podia fingir que não gostava daquela voz branda ou do modo como ela a tocava, como se a achasse realmente atraente.

Não a conhecia bem o suficiente para saber se estava ou não mentindo. Era possível que aquilo fosse alguma brincadeira doentia, e ela não passasse de um pião em um jogo maior.

O beijo da véspera lhe parecera sincero. Mas Minjeong já tinha sido enganada antes, de modo que não confiava nos próprios sentimentos.

– O sexo para os vampiros é igual? – Ela se afastou dela.

Jimin deixou a mão cair junto à lateral do corpo e franziu o cenho.

– Igual a quê?

– Igual ao que é para os humanos.

– Eu não saberia a melhor forma de definir isso – respondeu ela em tom frio.

Sua atitude não dava margem a perguntas, então ela decidiu não questionar a ambiguidade da afirmação.
Mas guardou a pergunta na mente para depois.

– Os vampiros se alimentam uns dos outros?

– Sim.

– Por que um vampiro se alimentaria de outro vampiro?

– Para criar um vínculo. Podem haver motivos políticos ou práticos para isso. O sangue de um humano pode fortalecer um vampiro, mas a força não dura muito. Para não adoecer, temos que nos alimentar de nossa própria raça.

– Você é vinculada a alguém?

– Não. – Ela se afastou dela com um movimento abrupto. – Preciso revelar que, quando um vampiro e um humano viram amantes, o humano fica sobrepujado pela experiência e se torna viciado nela. Em alguns casos, o humano implora para virar vampiro. Em outros, o vampiro não consegue se controlar e mata o humano.

Ela fez uma pausa para observar a reação dela.

Minjeong a encarava horrorizada. Ela se apressou em explicar.

– Você precisa saber que sou o que chamam de antiga... faz séculos que sou vampira. Tenho mais poder do que os outros e muito mais controle. Você está segura comigo.

Minjeong riu sem achar graça.

– Segura? Nada do que você me disse até agora faz eu me sentir segura. E obrigada pelo convite, mas não estou interessada em ficar com você.

Jimin sorriu, um sorriso vagaroso e sensual.

– Você diz uma coisa, mas seu corpo diz outra.

– Não posso fazer nada em relação à biologia.

– Nem eu – Jimin se aproximou, mas não a tocou. Sua boca parou bem perto. Minjeong esperou, imaginando que ela fosse beijá-la.

Ela não o fez.

A musicista inspirou profundamente. Ainda assim, ela não se moveu.

– Minjeong – murmurou. O movimento de sua boca fez seus lábios se tocarem, mas só por um segundo.

Num impulso, Minjeong esticou o rosto para beijá-la.

Jimin ficou surpresa com a atitude, mas retribuiu e pôs-se a mover a boca fechada por cima da sua, sem querer interromper a conexão. Quando ela assumiu o controle do beijo, Minjeong se desequilibrou e segurou os braços dela para se apoiar.

A Princesa a projetou para trás, quase a arremessando pela sala, até Minjeong sentir as costas tocarem uma das estantes. Mesmo assim, não desgrudou os lábios dos seus.

Jimin levou uma das mãos até o espaço entre sua cabeça e a prateleira para aninhá-la. Para protegê-la.

Ela reconheceu o movimento como o que de fato era e abriu a boca. Na mesma hora, a língua dela começou a brincar com a sua. Jimin tinha um gosto diferente. Com a língua, Minjeong sentiu que sua boca era fria, seus movimentos relaxados, mas decididos.

Então os lábios dela se afastaram.

Ela abriu os olhos e a viu observando a porta.

– Estamos prestes a ser interrompidas.

– Interrompidas?

Assim que a palavra saiu da boca de Minjeong, alguém bateu à porta.

– Entre – falou Jimin.

A porta se abriu. Ningning apareceu.

– Perdão, minha senhora. Chegou um recado urgente.

– Ponha em cima da mesa.

Se Ningning ficou surpresa com a proximidade das duas mulheres, soube esconder isso bem. Ela depositou uma pasta sobre a mesa.

– Algo mais, minha senhora? – Ignorando Minjeong, olhou apenas para Jimin.

– Não. Só isso.

Ningning fez uma reverência, saiu e fechou a porta.

Jimim soltou Minjeong e foi até a mesa. Abriu a pasta e examinou o conteúdo.

– Droga – praguejou e tornou a enfiar o documento na pasta antes de voltar a encarar a musicista. – Passe o dia admirando minha coleção de instrumentos. Tentarei vir encontrá-la hoje à noite.

Minjeong baixou a cabeça, tentando assimilar o que acabara de acontecer. Sentia-se perdida.

Jimin deu três passos para fora da biblioteca, mas então parou. Ao se virar, viu que ela permanecia parada, completamente perdida em pensamentos.

Algo se retorceu dentro do peito dela.

Ela devia estar aflitíssima. Dissera-lhe especificamente ter encontrado a felicidade tocando no Teatro Nacional. Agora estava abrindo mão dessa felicidade e do trabalho que adorava por coisas que nem sequer compreendia por completo.

A sensação em seu peito aumentou; era muito semelhante à dor. Uma sensação desconhecida. Constatou que vê-la assim lhe desagradava. Muito. Fazia muito tempo que não se preocupava com os sentimentos de um humano. Devido à natureza da transformação dos vampiros, muitas de suas emoções e lembranças humanas tinham desaparecido.

Mas ela se lembrava da perda. Lembrava-se da dor que vinha junto com a preocupação por alguém que se amava, mesmo que não amasse ninguém há séculos. Na realidade, julgava a si própria e os da sua espécie incapazes de amar.

Embora não tivesse grande experiência em empatia, foi o que sentiu no momento em que viu a linda e corajosa Minjeong resignada por sua situação.

Olhou para sua mão esquerda e sentiu desprezo pelo que fizera. Minjeong fora ajudá-la mesmo achando que ela era uma canibal. Agora estava parada na sua biblioteca, sem saber o que fazer, porque ela a forçara a essa situação.

Jimin sentiu desprezo por si mesma.

– Minjeong – sussurrou.

Quando ela levantou a cabeça, pensou que fosse ver suas faces riscadas de lágrimas, mas elas estavam apenas vermelhas. Os olhos castanhos estavam marejados, e ela exibia uma expressão desolada. Desolada e contrita.

A dor no peito dela aumentou.

– Mudei de ideia.

– Não! – gritou ela, tomada pelo pânico. Avançou a sala correndo e se postou na frente dela. – Por favor, não volte atrás. Por favor.

Ela balançou a cabeça e ergueu a mão para acalmá-la.

– Resolvi deixar você ir embora.

Minjeong estreitou os olhos, desconfiada.

– Qual é o porém?

Ela balançou a cabeça.

– Não tem nenhum porém.

– Você me trouxe aqui como sua prisioneira. Agora vai me deixar ir embora sem pedir nada em troca? Não acredito. – Ela abraçou o próprio corpo.

O semblante de Jimin adquiriu um ar pensativo.

– Você já foi ferida o suficiente. Não vou feri-la ainda mais.

Jimin fez uma reverência rígida e se virou para ir embora. A musicista segurou seu braço.

– Posso ir para casa?

A Princesa olhou para o próprio braço onde ela a tocava, em seguida cravou os olhos nos seus; viu ali uma expressão esperançosa.

A esperança dela foi como um ferro em brasa na sua pele.

– Você estaria mais segura aqui comigo. Mas não vou obrigá-la a ficar.

Tomada pelo alívio, ela soltou seu braço e levou uma das mãos à boca. Jimin ergueu a mão em sinal de alerta.

– Mas você tem que me prometer uma coisa.

– O quê?

– Que vai aceitar minha proteção. É para sua segurança, eu lhe garanto.

– Contanto que eu possa ir para casa.

Ela baixou a mão.

– Irei providenciar isso imediatamente para você.

– Tudo bem – disse ela, depressa.

– Ótimo. – Jimin afastou uma mecha de cabelo do rosto; uma tristeza muito antiga transparecia em seu olhar. – Aguarde apenas mais um pouco, Minjeong.

Ela se virou em direção à porta.

Minjeong a observou dar alguns passos antes de chamá-la.

– Obrigada, Jimin.

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