08

Com a experiência adquirida ao longo dos séculos, Jimin acreditava que coincidências eram raras. Foi por isso que acelerou a Triumph o mais depressa que pôde em direção ao prédio de Minjeong.

Era possível que outra mulher tivesse conseguido escapar de um dos seus por estar usando um talismã. Mas queria se certificar de que ela estava segura. Na verdade, estava prestes a fazer algo do qual se arrependeria, embora tomasse cuidado para esconder seus movimentos. Não queria chamar ainda mais atenção para ela, e com certeza não queria que ninguém soubesse que algumas relíquias não tinham efeito sobre a si própria.

Hyunjin e seus aliados teriam taxado as táticas da Princesa de paranoicas e desnecessárias, mas havia um motivo para o seu Conselho ter durado tanto tempo. Um motivo pelo qual o seu principado era seguro, enquanto outros mundo afora eram ameaçados ou mesmo destruídos. Ela guardava os seus segredos.

Os humanos não podiam combater algo cuja existência ignorassem. Com certeza não podiam reunir os inimigos do Conselho sem sequer saber da existência do conselho.

Houvera um tempo em que ela e os da sua espécie eram bem conhecidos na Europa, e não viviam escondidos. Então a Peste Negra chegou e envenenou seu estoque de alimento. A população de seus semelhantes diminuiu: alguns foram destruídos em seu estado famélico e enfraquecido, outros deixaram a Europa rumo a partes do mundo não atingidas pela catástrofe.

Então surgiu a Ordem dos Caçadores, um grupo misterioso formado por seres humanos, mas com poderes sobrenaturais limitados. A Ordem tentou erradicar a sua espécie, e travara uma guerra contra eles. Ao fim da guerra, nenhum dos lados ganhou, mas ambos alegaram vitória. A frágil trégua que se seguiu entre o submundo e a Ordem exigiu que os primeiros passassem a viver na clandestinidade, em obscuras sociedades secretas. Qualquer exposição pública era um perigo.

Com a ascensão da modernidade e o triunfo da ciência em relação ao sobrenatural, relatos em primeira mão de encontros com seres dessa espécie se transformaram em histórias, e as histórias acabaram se transformando em mitos. A Ordem só intervinha para proteger a população do que vivia escondido no meio dela quando provocada. Os conselhos faziam o possível para não provocá-la atraindo qualquer atenção.

Assim sendo, a Princesa protegia sua cidade com afinco, a ponto de matar para garantir sua segurança. Qualquer um dos seus que ameaçavam esse mundo deveria ser severamente punido.

E no meio de tudo isso se encontrava Minjeong...

Ela estacionou a motociclista a algumas quadras do prédio da musicista e subiu em um dos prédios.

De onde estava, pôde ver a polícia. Uma área em frente ao prédio de Minjeong tinha sido isolada, e haviam sido montadas tendas para evitar a chuva.

Atendo-se às sombras, pulou até o chão nos fundos dos prédios e andou até o de Minjeong. Destrancou a porta de trás e entrou depressa para se abrigar da chuva. A escada estava iluminada, mas deserta.

Passou as mãos pelos cabelos escuros e no rosto para tirar o excesso de água enquanto avançava pela escada. Na realidade, desejava e não desejava, com a mesma intensidade, falar com ela.

Queria despertar nela o senso de urgência em sair da cidade, mas queria também se certificar de que estava segura e que não havia fornecido nenhuma informação à polícia. Eram objetivos difíceis de alcançar sem falar com ela e, como Jimin reconheceu a contragosto, sem assustá-la.

Ao salvar sua vida naquela noite, não fazia ideia de que a sua própria existência iria mudar, e de que seria obrigada a socorrê-la repetidas vezes Para sua própria segurança e para a segurança de seu principado, ela precisava lidar com essa situação da única forma que não gostaria. Em poucos minutos, estava em frente ao apartamento dela, destrancou a porta e entrou.

Passou pela cozinha, emitindo de propósito alguns sons abafados. Queria anunciar sua chegada, mas de modo suave, para não amedrontá-la. Pelo que pôde ouvir de seus batimentos cardíacos e respiração, ela estava acordada.

Quando avançou em direção ao quarto, ela começou a se mexer.

– Você está ferida? – sussurrou Jimin.

Sabia que a resposta era não. Podia sentir isso farejando seu sangue, claro, mas o cheiro estava discreto. Ela não tinha ferimentos, e tampouco havia indicação de lágrimas.

Minjeong não tinha chorado. Orgulhou-se desse fato.

Parou por um instante e a ouviu se esforçar para respirar o mais silenciosamente possível, mas sem conseguir.

Entrou no quarto.

Assim que seus pés cruzaram a soleira, ela pulou de trás da porta e brandiu alguma coisa na direção dos seus joelhos.

Jimin deu um pulo para se esquivar.

Ela soltou um palavrão e tornou a golpear em vão, projetando-se para a frente sobre os pés desequilibrados.

Quando a Princesa tornou a pisar o chão, arrancou da mão dela o que parecia ser sua bengala e a partiu ao meio com um estalo alto e irado. Jogou os dois pedaços do outro lado do quarto e ignorou o barulho quando eles bateram na parede. Então a puxou para junto do seu corpo até elas ficarem frente a frente.

Passou alguns instantes a encará-la. Tê-la nos braços lhe proporcionava uma distração tangível, assim como seus belos olhos castanhos.

– Me largue! – Ela se debateu e empurrou seus ombros.

– Vim ver se você estava ferida. Pelo visto, não está.

– Já disse para me largar! – guinchou ela, empurrando-a e chutando-a com todas as forças. Jimin soltou um palavrão bem alto, segurou-a com mais força e a levantou do chão.

Agora as duas estavam próximas, muito próximas. Ela podia sentir seu hálito no rosto e, caso se movesse uns poucos centímetros, seus lábios iriam se unir.
Por instinto, fez um movimento em direção à boca dela.

– Você voltou – conseguiu dizer a musicista, com a respiração entrecortada.

– Sim, Minjeong.

– Está me machucando.

A Princesa parou e observou aquela boca sedutora.

Tornou a colocá-la no chão e afrouxou o abraço, mas não a soltou. Seus braços continuaram a envolvê-la, apertando seus corpos um contra o outro. Pegou-se inspirando seu cheiro; não era particularmente interessante. O doce aroma de seu próprio sangue estava misturado ao sangue dos antigos que Jimin havia injetado no seu corpo. A Princesa nunca achava esse cheiro muito atraente.

Ela afastou os cabelos do seu rosto. Minjeong virou a cabeça.

– Não toque em mim.

Ela então a soltou.

Minjeong tentou se afastar dela o quanto pôde. Seu ritmo cardíaco havia diminuído um pouco e a respiração se estabilizado, mas ela ainda exalava o cheiro do medo.

Havia olheiras sob seus olhos. Parecia exausta.

– Você me intriga – sussurrou Jimin, mais para si mesma do que para ela.
Tornou a se aproximar, levando a mão ao seu rosto.

Minjeong ficou espantada ao constatar como seu toque era reconfortante. Imaginou que era por estar abalada depois de quase ter sofrido um atentado, e que não havia nada de especial na maneira como aquela mulher a tocava. Poderia ter sido qualquer uma, qualquer boa alma que a tivesse acudido.

Com delicadeza, Jimin a conduziu em direção à cama. Quando ela se sentou, posicionou-se de modo que pudesse ficar a frente dela.

– Aconteceu uma coisa nos arredores hoje à noite. Você viu? – Ela tentou soar casual.

A musicista estremeceu.

– Vi.

– Ficou com medo?

O coração dela se descompassou, o que equivalia a um sim.

– Você vai me matar? – sussurrou Minjeong.

Jimin sorriu de lado.

– Se eu quisesse fazer isso, você já estaria morta. Não teria me dado o trabalho de lhe emprestar a relíquia. Nem estaria aqui agora.

Minjeong respirou fundo.

– O homem que me atacou, foi sobre isso que você me alertou?

– Não era um homem. – A resposta da Princesa foi rápida. – E não, eu não imaginava que um dos meus fosse ter tamanha audácia dentro da minha cidade.

– Na sua cidade?

– Na cidade – corrigiu Jimin depressa.

– Se não era um homem, o que era então?

– Algo extremamente perigoso.

– Existem outros?

– Sim, mas eu os mantenho sob controle. Aquele que você viu deu um jeito de desobedecer minhas ordens e vai pagar por isso.

A adrenalina corria pelas veias da musicista. Jimin sentiu seu cheiro e ouviu como seus batimentos cardíacos se aceleraram.

– Ele me viu primeiro. Por que não atacou?

A Princesa franziu o cenho.

– Achei que seria óbvio. Por causa do que você está usando em volta do pescoço.

Minjeong revirou os olhos.

– Que bobagem.

– Quanta ignorância – rebateu Jimin em tom irritado. – Vocês modernos vivem a sua própria versão da Idade das Trevas, e descartam qualquer coisa que não conseguem entender. Se a relíquia não o deteve, que diabo foi então?

Minjeong fechou a boca de forma abrupta, sem saber o que dizer. Jimin relaxou a postura e baixou a voz.

– Você está em perigo, e o perigo é real. Hoje à noite você quase foi atacada, mas não teve nenhuma crise. – Seu tom traía um levíssimo viés de admiração. – Achei que você não estivesse entendendo o verdadeiro perigo que está correndo. Agora sei que não é verdade. Estou começando a pensar que talvez tenha coragem.

Ela se remexeu, pegou um travesseiro e o abraçou junto ao peito.

– Por que você está aqui?

O sorriso de Jimin se apagou.

– Como eu disse, vim ver se você estava bem.

– Por quê?

– Por que você não obedece e sai da cidade – disparou ela.

– Você me deu uma semana. Esperava que fosse cumprir sua palavra.

– Isso foi antes de você ser atacada na frente do seu prédio e chamar atenção indesejada. A que nível de perigo as coisas precisam chegar antes de você decidir ir embora?

Agora Jimin havia perdido a paciência.
Virando as costas para ela, caminhou em direção à porta.

– É provável que ele seja capturado em breve, mas não posso afirmar com certeza.

Minjeong abraçou o travesseiro com mais força.

– Por quê você está tão preocupada com a minha segurança?

Jimin permaneceu em silêncio.

– Tem que haver um motivo. – Minjeong se virou na direção dela. – Não tenho dinheiro. Não tenho nada de valor. O que você quer?

Várias respostas ocorreram a Princesa, mas ela não estava disposta a cogitá-las. Nem a confessá-las.

Chegou mais perto da cama e adotou um tom mais casual.

– Talvez eu esteja fascinada por esses seus olhos castanhos.

Minjeong balançou a cabeça.

– Agora sei que está mentindo. Por que não me diz quem é e o que realmente quer?

O olhar da Princesa a fitou com tanta intensidade que ela não foi capaz de desviar.

– Quero que você saia da cidade.

– Você parece saber bastante sobre o que se passa em Seul. Alguma coisa aconteceu comigo na semana passada. Eu perdi a memória e... as coisas mudaram.

– Eu sei – disse ela baixinho.

– Me conte o que aconteceu. – Minjeong largou o travesseiro e foi até a beirada da cama. – Por favor.

Jimin cerrou os dentes.

– Não.

– Tenho o direito de saber. Você tem que me contar. – A expressão dela revirou as entranhas da Princesa.

– Me prometa que vai sair da cidade, e eu conto tudo o que quiser saber.

Minjeong ficou de pé.

– Se eu estou com a relíquia, e ela pelo visto está funcionando, por que precisaria ir embora?

– Você por acaso perdeu a noção? – rosnou Jimin.

– O homem que me atacou era o mesmo que matou os outros?

Jimin gelou.

– Que outros?

– O Seul Journal noticiou que acharam vários cadáveres mais abaixo no rio.

Ela estreitou os olhos.

– Quando?

– A notícia saiu hoje, mas não tive tempo de ler.

Com a mente em disparada, Jimin se afastou dela até o outro lado do quarto. Não sabia sobre os cadáveres, e sua raiva por ter sido pega de surpresa foi quase sem limites.

– Por que você não procura a polícia? – Perguntou Minjeong, intrigada.

– Não tenha a pretensão de dar conselhos sobre coisas que você não entende!

Sem se deixar abater pelo tom raivoso, a musicista continuou:

– Não quer denunciá-los, mas está disposta a enfrentar os outros para me proteger? Por que eu deveria acreditar em você?

– Não precisa acreditar em mim. – Ela baixou a voz até ela virar um rosnado. – Saia da cidade e pronto.

– Você me deu a relíquia para me ajudar. Me avisou sobre os outros. Hoje, ouviu falar do que aconteceu e veio ver se eu estava bem. É evidente que não quer que eu me machuque. Se você é poderosa o suficiente para saber o que está acontecendo na cidade, também deve ser para me ajudar. – sussurrou ela. – Por favor, não me faça ir embora

Jimin passou alguns instantes em silêncio, observando-a: o rosto levantado com a pele lisa e os traços perfeitos, os longos cabelos castanhos. Era linda, inteligente e corajosa. Algo semelhante à admiração começou a crescer dentro de seu peito, aquecendo-o.

Ela balançou a cabeça. Não tinha ido à casa dela para admirá-la.

Mudou de assunto de forma abrupta.

– Eu posso lhe dar dinheiro. Use-o para ir embora.

– Não quero seu dinheiro.

– Vai precisar dele.

Minjeong ergueu as mãos.

– Tudo isso deve ter uma explicação perfeitamente razoável. O homem que me atacou estava perturbado. Quem faz parte de uma organização criminosa são você e os outros. Isso está bem claro. – Sua voz tinha mais de um quê de esperança.

– A sua negação é divertida, mas não vai mudar a realidade. – Jimin cruzou os braços em frente ao peito.

– Sou grata pela sua ajuda. Não sei por que o homem ficou incomodado com a cruz que estou usando, mas fico contente por isso. Ele poderia ter me matado. Mas você está errada em relação ao perigo. Não sou ninguém especial, juro. Trabalho no Teatro Nacional, saio com meus amigos. Não conheço nenhum segredo de Estado. Sou só uma pessoa desinteressante e banal que trabalha com música. Só isso.

– Discordo. Mas já passei tempo demais aqui. Se os acontecimentos de hoje à noite não a convenceram a ir embora, não me resta muitas alternativas. – A voz dela foi fria.

– Não vou sair da cidade.

Jimin adotou uma expressão irada.

– Mesmo que isso custe a sua vida?

Minjeong a encarou, com teimosia.

– Não vai chegar a esse ponto.

– Muito bem. Então você vem comigo.

Minjeong gelou, sentindo um misto de surpresa e medo. Ia correr em direção à porta quando um braço a envolveu pela cintura e a puxou para trás. Jimin a segurou junto ao corpo e avançou em direção à porta do apartamento enquanto ela esperneava e gritava.

A Princesa era forte, mas mesmo assim era praticamente impossível sair dali sem chamar atenção com uma mulher que se contorcia continuamente. Ela parou perto da porta.

– Se você não cooperar, as coisas vão se complicar ainda mais – sibilou em tom sério. – É isso que você quer?

– Eu não fiz nada! – Ela se debateu. – Se quer que eu coopere, então por que não me fala a verdade?!

Jimim segurou seus braços, e seus olhos se cravaram nos dela.

– Minjeong, venha comigo.

Ao ouvir seu nome, ela estacou. Não conseguia entender o efeito que aquela mulher tinha sobre ela sempre que o mencionava.

Antes de Minjeong conseguir reagir, Jimin a puxou para fora do apartamento e a conduziu pelas escadas até os fundo do prédio. Quando as duas se aproximaram da sua motocicleta, ela pôs um capacete na cabeça da musicista e a puxou para se sentar na garupa dela. Agarrou-a pelos braços, mas ela resistiu, tentando se desvencilhar.

– Me solte. Eu posso começar a gritar e chamar a atenção da polícia.

– Não vai poder gritar se estiver morta.

Na mesma hora, Minjeong pensou nos homens encontrados mortos. Sabia que iria se arrepender da decisão, mas inspirou fundo e abraçou a mulher pela cintura.

– Segure firme – ordenou esta.

A moto partiu feito uma flecha e quase derrapou perto da praça ao fazer uma curva fechada para a esquerda, contornando-a.

Jimin aumentou a velocidade e atravessou a Ponte Bampo, depois subiu à toda a sinuosa rua que ia dar em Gangnam. Árvores e casas passavam voando enquanto elas faziam as curvas em disparada.

A musicista teve que abraçar Jimin com mais força, mas esta não diminuiu a velocidade.

A moto entrou em uma rua escondida e subiu outra ladeira, desacelerando apenas quando se aproximou de um portão alto de metal. Jimin apertou alguns botões e o portão se abriu.

Ela entrou pelo portão, que se fechou atrás delas, e avançou por um acesso pavimentado que passava por árvores e o que parecia ser um jardim. Pararam em frente a uma garagem de três carros.

Minjeong segurava a Princesa com tanta força que não conseguiu soltar. Ela teve de remover seus dedos da própria jaqueta.

– Entre. Agora. – Ela indicou com a cabeça em direção a entrada da esplêndida mansão de arquitetura moderna. – Ningning vai cuidar de você.

Ela a ajudou a saltar da moto e tirou seu capacete.

– Providencie aposentos para nossa visita – falou para uma jovem que aguardava ali perto.

Jimin então virou as costas para ela e se afastou empurrando a moto até a garagem.

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