01

Por volta das uma e meia da madrugada, as ruas de Seul estavam quase desertas. Nesse horário havia apenas alguns grupos de jovens transitando em busca de diversão, trabalhadores noturnos, e Kim Minjeong, que seguia calmamente pela rua principal que ia do Teatro Nacional até a ponte Bampo.

Minjeong vinha de um ensaio com a orquestra do teatro, e cometera o erro de recusar uma carona até em casa. Como não conseguiu um taxi, seu amigo Sunghoon se oferecera para acompanhá-la, mas Minjeong percebeu que ele estava bem mais interessado em continuar conversando com Chaewon, por quem nutria uma quedinha secreta. Nessa noite, ele finalmente parecia ter conseguido atrair a atenção dela.

Minjeong se sentiu incomodada com a ideia de atrapalhar os planos do amigo. Embora aceitasse que relacionamentos não fossem para ela, gostava de ver seus amigos felizes por suas conquistas. Sendo assim, iinsistira em voltar sozinha para casa e agora se pegava caminhando, com a ajuda da bengala, em direção ao pequeno apartamento na zona residencial situada na outra margem do rio.

Mal sabia que a decisão de recusar uma carona para casa iria mudar sua vida completamente.

Seus amigos deduziam equivocadamente que ela perdera grande parte da visão devido a um problema congênito e, portanto, por educação, ignoravam o fato. Ela ficava grata pelo silêncio, já que por trás do problema havia um segredo sombrio que não queria revelar.

Minjeong nunca se considerou incapaz. Considerava-se levemente deficiente. Tinha total consciência das limitações causadas pela baixa visão, mas apesar dos desafios diários conseguia levar uma vida relativamente tranquila.

Algumas mulheres talvez tivessem tido receio de andar pelas ruas de Seul tarde da noite, mas não Minjeong. Ela raramente chamava atenção, com exceção de quando se apresentava com a orquestra do teatro. Na verdade, as pessoas muitas vezes trombavam ou esbarravam nela como se fosse invisível, travando um contato físico muito além do normal.

Devia ser por causa do seu visual mais casual. Aos olhos de muitos, ela era atraente, mas suas roupas folgadas e tênis nem sempre realçavam isso. Os longos cabelos castanhos viviam soltos de maneira natural. Em comparação com as muitas mulheres bonitas e bem-vestidas que viviam em Seul, ela não se destacava.

Os olhos, porém, eram inesquecíveis: únicos, profundos, com um tom de castanho que brilhavam naturalmente. Infelizmente, ninguém nunca se dava o trabalho de reparar neles, já que viviam escondidos atrás de óculos escuros. Não que Minjeong se sentisse à vontade com a ideia de chamar atenção. Usava os óculos para se distanciar das pessoas, e os trocava, quando necessário, por óculos que de fato auxiliavam sua visão.

Enquanto se aproximava da Ponte Bampo, resmungou consigo mesma por não ter levado um guarda-chuva. O céu estava ainda mais escuro por conta das nuvens carregadas e uma chuva fina começava a cair denuncinado a aproximação do inverno. Minjeong decidiu não procurar abrigo e apenas seguiu em frente, como fazia tudo o mais na vida: com grande determinação.

Ouviu vozes de aspecto alterado se aproximando da ponte na sua frente. Sem se deixar deter pela chuva, falavam alto, com as vozes roucas. Não era incomum ver gente embriagada no centro da cidade, mas Minjeong diminuiu o passo. Sabia muito bem como os bêbados eram imprevisíveis.

Segurou com mais firmeza o estojo do violino e continuou andando em direção à ponte. Foi nessa hora que chegaram as cantadas, e a seguir, como era de esperar, dois sujeitos cruzaram a rua para aproximar-se dela. Minjeong respirou fundo. Estava afastando-se dos pontos de comércio em direção ao longo vão da rua vazia que havia antes da ponte. A noite estava nublada e escura, mas pelo menos havia luzes e, de vez em quando, passava algum carro.

À medida que eles se aproximavam, Minjeong ouviu um deles comentar sobre sua condição e como isso facilitaria as coisas. Resistiu ao impulso de recuar.

– Eu gostei do seu cabelo castanho – disse o mais alto quando se aproximou dela. – Importa-se se o tocar?

Minjeong sabia que não podia parar. Pelo tom de voz, os homens a sua frente pareciam recém formados de alguma universidade vindo de uma comemoração, mas não queria correr nenhum risco. Além disso, a intenção deles ali estava nitida para qualquer pessoa.

– Quer que eu a leve a algum lugar? – Perguntou de novo o mesmo homem. – Meu carro não está longe. Sério, por que não vem conosco?

Sorriu abertamente e deu uma piscada a seu amigo, como se com aquele tipo de falsa simpatia fosse levá-la para a cama instantaneamente. O seu companheiro riu e a rodeou, seu ralo cabelo negro saltava a cada passo que dava.

– Sim, venha brincar conosco! – disse.

– Acho que ela quer.

Minjeong apertou o passo, mas eles logo a interceptaram, rodeando-a como lobos em volta de uma presa fácil.

– E agora? – Perguntou o moreno, olhando para os outro.

– Agora nós vamos brincar. – O homem mais alto, obviamente o que liderava a situação, sorriu para Minjeong. Então arrancou a bengala da sua mão e a jogou na rua.

O outro agarrou o estojo do violino e o arrancou de sua mão.

– Devolva isso! – gritou ela, partindo para cima dele.

Exultante, o homem jogou o estojo do violino para seu companheiro por cima da cabeça dela.

Minjeong não podia entrar naquele joguinho, mas também não podia correr. Sua deficiência não lhe permitia. Sabia que, se tentasse pegar a bengala, eles simplesmente a pegariam do chão e possivelmente a jogariam no rio. Virou-se e começou a se afastar deles, em direção à Ponte Bampo.

Um dos homens descartou o estojo do violino dela.

– Espere aí – disse.

Minjeong tentou andar mais depressa, mas já estava andando o mais rápido que sua condição permitia. O homem foi atrás e a alcançou em três passos.

Assustada, ela virou o rosto. Nesse instante, seu calçado enganchou em uma rachadura na rua e ela tropeçou. A dor subiu por suas mãos e braços quando ela tentou aparar a queda.

O homem mais alto se aproximou e a segurou pelos cabelos. Ela gritou quando ele a puxou até colocá-la de pé, agarrou seus cabelos e os enrolou na mão.

Minjeong respirou fundo, tentando encontrar algum jeito de fugir e se perguntando se havia alguém nas proximidades para ajudá-la, mas o clima frio havia afugentado aos pedestres para os locais com aquecedor. Não havia ninguém ao redor. Em questão de segundos, ele a arrastou pela rua até um beco tão estreito que ela quase conseguia tocar as paredes com os dois braços esticados.

Minjeong lutou como uma possessa, chutando e lançando murros, e quando acertou um bom golpe no olho dele, ele soltou um palavrão, e ela se desvencilhou. Tentou afastar-se o mais rapidamente possível, andando a esmo sobre o pavimento, enquanto o fôlego se amontoava em sua garganta.

De repente, ele se assomou acima dela, agarrando seu braço e puxando-a de frente para ele. Sem aviso, arrancou-lhe os óculos e esbofeteou-a com força, cortando-lhe o lábio. Sentiu o sabor do sangue na língua e, uma dor pungente.

– Se fizer isso de novo, cortarei sua língua. – Os olhos do homem ferviam de ódio e luxúria enquanto a agarrava pelos cabelos e a arremessava contra a parede.

Minjeong grunhiu, e uma dor irradiou de sua cabeça.

O mundo girou e começou a diminuir de velocidade enquanto um dos homens empurravam seu peito contra a parede e imobilizavam seus braços. O líder se postou atrás dela e levantou sua blusa com as duas mãos.

Com gestos brutos, seus dedos subiram pela pele nua até se fecharem em volta do sutiã. Ele apertou seus seios e fez uma piada grosseira. O amigo parecia encorajá-lo, mas Minjeong não conseguia mais entender as palavras que diziam.

Teve a sensação de estar debaixo d’água. Sua cabeça latejou, e ela inspirou com um arquejo, tentando não engasgar no sangue que escorria pela garganta.

O homem se encostou nela por trás. Levou a mão até o cós da roupa de Minjeong.

Ela se debateu quando ele começou a desabotoar sua calça jeans.

– Pare! Por favor. Por favor.

\[...]

Os gritos arrastados, desesperados, de uma jovem chegaram aos ouvidos da Princesa. Ao longe, pôde sentir a aproximação de Aeri, sua conselheira, e de Ningning, sua assistente. Outros de sua espécie não estavam muito longe.

Ela apressou o passo, em busca de localizar a fonte da safra mais doce que cheirava em muitos séculos. O aroma lhe pareceu quase conhecido, tanto que seu desejo já estimulado se misturou à nostalgia. Um sentimento ao qual ela não tinha qualquer desejo de se entregar.

Sua astúcia e prudência muito tinham lhe valido, permitindo-lhe sobreviver enquanto outros tinham sido despachados para qualquer que seja a vida eterna que abominações como ela mereciam. Ela não agia sem cautela, e foi por isso que parou no beiral de um telhado e olhou para o beco lá embaixo. A rua estreita estava iluminada por um único poste de luz. Ela viu uma jovem sendo segurada por dois homens, um dos quais estava prestes a molestá-la.

Teria sido simples para a Princesa roubar a vítima de seus agressores e levá-la embora, depois descer com ela para outro beco escuro e tomar o que tinha de mais precioso.

Fechou os olhos por um instante, inspirou profundamente e foi tomada por uma lembrança: vários corpos jogados a esmo sobre o chão, roubados da sua existência, e o sangue deles a clamar por ela...

Vingança.

Sua necessidade por alimento foi substituída na hora por algo maior, que passara muitos séculos sendo alimentada pela raiva e pelo arrependimento. O sobretudo negro de inverno que ela tomara tanto cuidado ao vestir esvoaçou com a brisa fria, quando ela pulou do telhado.

– Mas o que... – O homem morreu antes mesmo de conseguir completar a frase, com a cabeça arrancada do corpo e jogada longe, casualmente, como se fosse uma bola de futebol.

O outro homem soltou a jovem e tentou correr, mas a Princesa o pegou sem dificuldade e o despachou para o inferno com um simples torcer de pescoço.

Quando se virou para observar seu prêmio, descobriu que ela havia caído no chão, e sentiu o doce e pungente cheiro de seu sangue no ar. Parecia desacordada; tinha os olhos bem fechados e o rosto contundido.

– Uma verdadeira beleza – ela sussurrou, agachando-se ao seu lado.

A jovem abriu dois intensos olhos castanhos e a encarou através das gotas de chuva.

– Uma garota. Que decepção. – Uma voz feminina quebrou o silêncio. – Pelo cheiro, pensei que fosse uma criança.

Ao se virar, Jimin se deparou com quatro de seus cidadãos parados ali perto: Jisu, uma mulher de cabelos loiros compridos, Hyunjin, Aeri e Ningning. Todos tinham rostos pálidos, e todos olhavam na direção de Minjeong com uma expressão ávida, mas não sem antes se curvar para sua mestra.

– Como um espécime desses passou despercebido? – Jisu chegou mais perto; sua postura era refinada, elegante. – Vamos com isso então. Ela tem idade suficiente para ser dividida sem dificuldade. Não provo uma safra doce assim há bastante tempo.

– Não. – A voz da Princesa saiu baixa. Com um movimento quase imperceptível, ela se interpôs entre a jovem e os outros, impedindo que eles a vissem.

– A senhora não nos negaria isso, Mestra. – Hyunjin gesticulou na direção das várias partes dos corpos dos dois homens mortos. – Os outros estão mortos e fedem a maldade.

– Você tem a liberdade de se retirar e ir ao Silent Night se busca diversão. Mas a prioridade em relação à jovem é minha. – Apesar de baixa, sua voz era dura feito aço.

– O seu prêmio é quase um cadáver – disse Jisu. – Dá para ouvir o coração dela falhar.

Em reação a essas palavras, a Princesa se virou na direção da jovem. Seus olhos estavam fechados e a respiração, difícil.

– Que bagunça! – Exclamou Ningning. Ela deu um passo à frente e examinou os corpos dos agressores, chegando perigosamente perto da vítima.

Um rosnado escapou da garganta da Princesa.

A chinesa estacou.

– Perdão, Mestra. – Deu um passo cauteloso para trás. – Não quis ofender.

– Vá cuidar do perímetro, Ningning. Se ninguém quiser os cadáveres, leve-os embora.

A jovem assistente saiu depressa pela rua.

– Nem mesmo uma fera iria querer beber desses corpos. – Todos se viraram para Hyunjin, que examinava os homens mutilados.

Seus olhos se moveram para a líder e ali se detiveram.

– Pensei que minha senhora não matasse por esporte.

– Silêncio, Hyunjin – alertou a Princesa, numa voz ameaçadora.

– Está contestando a quem pertence a presa? – Aeri, braço-direito dela, deu um passo à frente.

Ao som dessas palavras, uma tensão perceptível pesou no ar. Todos encararam Hyunjin, à espera de sua resposta. Este olhou da Princesa para a jovem que sangrava, depois outra vez para ela com seus olhos castanhos calculistas.

– Se nossa Mestra nunca mata por esporte, por que esses homens estão mortos? Ela poderia tê-la roubado facilmente.

– Chega! – Jisu soava impaciente. – Ela está morrendo e você está perdendo tempo.

– Foi nossa Mestra quem sancionou as leis contra mortes indiscriminadas. – Hyunjin deu um passo à frente. Seus olhos relancearam de maneira quase imperceptível para os de Aeri, depois se cravaram nos da Princesa.

Jisu postou-se na frente dele, e sua silhueta pareceu franzina em comparação ao tamanho de Hyunjin.

– Está desafiando a líder da cidade? Está com raiva?

Hyunjin se moveu como se fosse empurrá-la para o lado.

Em uma fração de segundo, a loira segurou seu braço esquerdo e o puxou bem alto nas costas, deslocando o ombro com um estalo nauseante.

– Nunca mais levante a mão para mim, ou vai ficar sem ela. – Jisu o forçou a se ajoelhar e pousou um pé calçado com veludo na base das suas costas.
Hyunjin trincou os dentes.

– Alguém pode tirar essa maldita das minhas costas?

– Jisu. – A Princesa falou baixo, mas em tom de comando.

– Só quero ter certeza de que este cavalheiro entende o que estou dizendo. O linguajar dele é severamente... pobre.

– Saia daqui, sua puta miserável! – rosnou ele, tentando se desvencilhar.

– Com prazer. – Jisu soltou o colega com uma fieira de xingamentos e uma quantidade razoável de ameaças.

Hyunjin se levantou, pôs o ombro no lugar com um grunhido e girou o braço.

– Como eu pareço ser o único interessado nas leis da cidade, retiro a contestação. – Ele fez uma pausa, como se estivesse esperando alguma outra pessoa se manifestar.

Todas ficaram em silêncio.

– Até que enfim. – Jisu tornou a voltar a atenção para a Princesa, que havia chegado mais perto da jovem, com as costas contra a parede. – Sua safra excepcional está no último suspiro. Se for para tomá-la, tem que ser agora. Aceita compartilhar?

Num impulso, Yu Jimin pegou a jovem nos braços e, com um movimento rápido, pulou para cima do telhado, deixando seus cidadãos para trás.

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