🍺 CHICO MOEDAS - Parte 1
2995 palavras
O Rio de Janeiro continua lindo, mesmo a última vez que eu tenha pisado os pés aqui tenha sido em 2022.
O Rio era o lugar preferido da minha família para qualquer programa que você imaginar. Meu pai era carioca apaixonado, e o erro dele foi casar com uma paulista igualmente apaixonada por sua cidade. Mas num acordo eles combinaram que viriam para o Rio sempre que fosse para descansar.
Quando eu tinha 17 anos, em 2017, meu pai comprou um apartamento, cansado de viver alugando hotéis.
Mas na minha opinião ele tá aos poucos querendo vir morar aqui, mesmo.
Encaro através da janela do carro, admirando a linda praia da Boa Viagem, enquanto seguíamos caminho para o condomínio.
Eu amava o Rio, mas hoje eu ainda não queria estar aqui.
— Ainda é o mesmo Rio de Janeiro, Cecília. — Meu irmão fala me tirando dos meus pensamentos — Tá pensando em que? — Ele se aproxima e fala baixo — Se seu amigo ainda lembra de você agora que tá famoso?
Ele é um ano mais novo que eu, mas às vezes parece ser um adolescente de 15 anos.
— Vai procurar outra pessoa pra encher a porra do saco, Matheus.
— Olha a boca! — Minha mãe grita, do banco da frente.
— Para de perturbar sua irmã, Matheus. — Meu pai diz, antes de parar o carro na entrada do condomínio.
Eu amava o Rio de Janeiro. Mas hoje eu queria estar em São Paulo.
Entramos no apartamento, arrumado e cheiroso.
— A Magal veio hoje de manhã organizar, ficou ótimo — Minha mãe comenta, observando o apartamento.
— Ela podia vir almoçar com a gente domingo, saudades da Magal — Eu amava vir para o Rio e comer os docinhos da Magal, ela começou só como uma diarista no apartamento, contratada pelo condomínio, mas se aproximou muito da nossa família.
— Sim! Vou convidar ela e a Mari para almoçarem com a gente, excelente ideia! — Minha mãe fala enquanto pega o celular para mandar mensagem.
Me jogo no sofá, torcendo para que a rotina de viagem seja diferente. Eu realmente não estava afim de sair de casa hoje, eu não queria encontrar ninguém, eu só queria dormir o quanto antes.
— Quero todo mundo pronto 18h pra gente sair cedo pro espetinho — Meu pai comenta, entrando no banheiro e me fazendo lembrar que essa família nunca muda uma rotina.
Respiro fundo, jogando a cabeça para trás. É óbvio que meu pai não quebraria o ritual sagrado de toda primeira noite no Rio ser no Bar da Orla.
Caminho até meu quarto e encaro meu visual no espelho. Até que estava bom para uma noite no barzinho, meu vestido praiano azul claro tinha sido uma ótima escolha. Decido manter a roupa e começo a fazer uma maquiagem no meu rosto, aproveitando que ainda eram 17h.
Enquanto aplico o rímel, minha mente vagueia para os tempos mais simples, quando o Rio era apenas um lugar de férias despreocupadas. Naquela época, a cidade tinha um brilho especial, um encanto que parecia imortal. Mas hoje o sentimento familiar era uma merda.
Matheus bate na porta do quarto e entra sem esperar resposta, como sempre faz. Ele se joga na cama, ocupando metade dela, e começa a mexer no celular.
— O que foi, Matheus? — pergunto, tentando não parecer irritada, mas falhando miseravelmente.
— Nada, só queria ver se você já estava pronta. — Ele me lança um olhar de lado, com aquele sorriso que sempre me irrita e diverte ao mesmo tempo. — E, claro, saber se você vai ligar pra ele...
Reviro os olhos. — Você não cansa dessa história, né?
Ele ri. — Não. Mas, falando sério, você vai ver ele? É que eu queria uma foto, vai que eu consigo uma fama também, né?
— Vamos, todo mundo pronto? — A voz do meu pai ecoa pela casa, interrompendo a conversa e eu agradeço por isso. Ele parece mais animado do que nunca. Talvez esteja feliz por estar de volta ao seu lugar favorito no mundo.
Descemos juntos para encontrar nossos pais já prontos na sala. Minha mãe sorri ao me ver e elogia meu vestido, enquanto meu pai faz um comentário engraçado sobre como eu "finalmente" estou pronta na hora certa.
A escolha do meu pai era sempre a mesma, todas as vezes. Ele tinha um carinho especial pelo Bar da Orla. Diz que aqui ele viveu as memórias mais marcantes da vida dele e principalmente com a minha mãe.
Até que era um lugar bonito e eu admito que o espetinho daqui é fabuloso.
— Aquele não é o seu amigo lá do condomínio? Como é o nome dele mesmo? Vivia lá em casa... — Meu pai pergunta para mim, apontando para o moreno platinado em uma das mesas perto do palco, junto com os outros amigos dele e o Casemiro, enquanto a gente se apossa de uma das mesas — Chico! — Exclama — Nossa, pintou o cabelo, mas reconheço de longe aquela cara de pilantra.
— Sim. É o Francisco. — Digo, olhando para ele e notando que ele me encarava de longe, tomando um gole de cerveja.
— Não vai falar com ele? — Meu pai fala, agora focado no cardápio que ele com certeza sabe de cor.
— Ele tá conhecido demais agora, não quero sair em páginas de fofoca. — Falo ainda o encarando.
Chico e eu nos conhecemos desde quando meu pai comprou o apartamento. A gente se encontrava as vezes na piscina, o que nos rendeu muitas conversas que fez com que fôssemos nos aproximando, até que aconteceu o que todo mundo sabia que aconteceria. O charme carioca venceu.
Criamos um combinado: se estivéssemos solteiros, quando eu viesse de férias, era certo que seríamos a dupla um do outro. Eu nunca passava mais de 3 semanas aqui, então foi um acordo até que legal.
Mesmo sabendo que estávamos livres para namorar em qualquer momento da vida, eu não imaginei que eu sentiria tanto ciúme assim quando vi no meu Instagram uma foto dele com a Luísa. Eu lembro que chorei ridiculamente na noite em que ele postou foto com ela, me sentindo uma idiota. Como eu poderia chorar por alguém que nunca quis um compromisso comigo? Como eu poderia chorar por algo que eu mesma sugeri? Eu sabia os riscos.
Mas o problema era que ele levava muito a sério nosso combinado, então mesmo que fôssemos um do outro por 3 semanas, eram as melhores 3 semanas que a gente podia oferecer um para o outro.
— Ele já deve estar desidratado de tanto que você seca ele — meu irmão falou baixo, em deboche. Reviro o olho e volto a focar em minha família.
Encaro meu celular em minha perna, que havia vibrado com uma mensagem
Chico: não contou que vinha esse ano, tá misteriosa é?
Dou risada notando que a última conversa que tivemos foi em dezembro de 2022. Nenhum dos dois teve interesse em mandar mensagem um para outro quando ele começou a se ocupar namorando a Luísa, e sequer quando o namoro dele terminou. Eu lembro o tanto que eu tentei mandar mensagem, mas não tive coragem. Revirei nosso chat a noite inteira, no dia em que vi a foto, ouvi os áudios e eu só conseguia sentir mais raiva. Lembro o tanto que quis ligar e xingar ele dos pés a cabeça... Mas não éramos nada.
Eu não podia fazer nada.
Não digito nada, apenas o encaro de leve desviando o olhar para o cantor do palco. Sinto o celular vibrar mais uma vez, me roubando a atenção.
Chico: Ah, qual é. Vai me evitar? O que eu fiz?
Ignoro novamente e olho para ele que me encara balançando a cabeça, como se perguntasse o que estava acontecendo.
Eu não queria ser infantil, mas eu não conseguia olhar para ele sem sentir raiva. Eu queria bater nele, chorar e perguntar por que, de todas as pessoas desse Rio de Janeiro, eu fui me apaixonar justo por ele?!
Tento me concentrar na música ao vivo, mas a presença de Chico me distrai. Ele está ali, a poucos metros de mim, e toda a nossa história não resolvida me pesa como uma âncora. Respiro fundo e decido que preciso me acalmar. Minha família parece estar se divertindo, e não quero estragar a noite deles.
— Preciso de uma bebida. — Murmuro, levantando-me. — Já volto.
Caminho até o bar, sentindo os olhos de Chico me seguindo. Peço uma caipirinha e enquanto espero, sinto alguém se aproximar. Olho para o lado e vejo Chico, com aquele sorriso que sempre mexeu comigo.
— Cecília finalmente em terras cariocas! — Ele inicia, com um tom casual, como se fôssemos velhos amigos que não se veem há tempos - o que talvez fosse verdade. — É engraçado pra você me ignorar quando volta assim toda bonitona? — Ele tenta se aproximar para um abraço, mas eu me afasto, virando-me para a frente do bar.
Dou uma meia risada com seu comentário mas não respondo.
— Fez o que esse tempo todo? — Pergunta se aproximando novamente, com mais cuidado. Consigo sentir o cheiro do seu perfume no ambiente o que me traz um mix de emoções.
— Estudei, Francisco. E você sabe disso. — Nossa última mensagem foi eu explicando que não viria ao Rio por estar em outra cidade fazendo faculdade, mas não contei que tranquei ano passado e não vim porque não queria ver ele.
— Não me chama assim... — Diz sorrindo e olhando pra mim, sua mão tocando meu braço me fazendo virar para ele.
O barman entrega minha bebida e logo agradeço, mas continuo ali. Olhando enfim nos olhos do moreno.
— Senti saudade, sabia? — Ele fala baixo.
— Não viaja, Chico — Dou uma risada, antes de beber um gole da caipirinha em minha mão.
— Ah, Cê. Não diz que tá chateada assim por causa do...
— Não. — Falo cortando-o.
Sim. Eu tava. Era bobagem, mas eu tava, mesmo sabendo que a gente nunca teve nada de verdade. Eu pensei que eu saberia olhar para ele sem sentir todo ciúme daquele dia, mas eu não consigo. Eu estava muito chateada por saber que ele começou a sair com alguém sem sequer pensar em me contar.
— Tá namorando, então? — Ele diz encarando meus olhos.
— E se eu estiver? — Falo encarando seu rosto, mantendo-me séria.
Ele ri, me fazendo sentir um gelo na barriga — Não acredito. Sequer postou uma foto no Instagram.
— Também nunca postei com você. — Concluo, me preparando para voltar para a mesa.
— Então tá namorando? — Pergunta agora mais sério e surpreso.
— Manda um beijo pro Cazé, saudade dele — Falo, antes de sair, não respondendo sua pergunta.
Quando chego de volta à mesa, minha mente ainda está girando com a conversa com Chico. Tento focar nas conversas ao redor, mas a tensão interna é quase visível no meu rosto.
Minha família continua a se divertir, rindo e conversando sobre os planos para os próximos dias. A atmosfera leve ajuda a suavizar um pouco a sensação desconfortável que eu carrego. Meu pai está entusiasmado com as histórias que conta, e minha mãe está animada com a ideia de ver a Magal e a Mari.
Levanto os olhos e vejo que Chico me encarava, antes de desviar o olhar e beber sua cerveja, enquanto seus amigos riam. Suspiro fundo e só consigo pensar em como eu queria estar em casa agora. Como eu queria não estar no mesmo ambiente que ele.
O tempo parece se arrastar, e logo a atmosfera no bar começa a mudar conforme a noite avança. As pessoas estão começando a se dispersar, e a energia do lugar parece diminuir. Meu pai sugere que é hora de ir embora, e todos concordam com um aceno de cabeça.
— Vamos, pessoal. — Diz meu pai, levantando-se da mesa. — Está ficando tarde.
Levanto-me também, tentando não parecer tão aliviada por estar deixando o bar. Olho uma última vez para Chico, e nossos olhares se cruzam brevemente. Há uma expressão de dúvida e um leve sorriso em seus lábios, mas eu não consigo decifrar o que ele está pensando.
Uma vez no meu quarto, fecho a porta e me encosto contra ela, permitindo que o cansaço se acomode em mim. Rever o Chico proporcionou sentimentos que eu não imaginava que sentiria. Eu me sentia uma idiota.
Não consigo evitar antes de sentir a primeira lágrima cair no meu rosto.
Droga, Francisco Veiga. Eu fui me apaixonar logo por você?
Acordo cedo no dia seguinte, apesar de uma noite turbulenta. Acordar no Rio sempre teve um charme especial, mas hoje eu me sinto um pouco deslocada. O apartamento da família continua sendo um lugar acolhedor, e o cheiro de café fresco que vem da cozinha me dá um breve conforto. Visto minha roupa de corrida e saio do quarto.
Vou para a cozinha e encontro minha mãe preparando o café da manhã, enquanto Matheus está sentado à mesa, mexendo no celular. Meu pai está fora, provavelmente dando uma volta para se atualizar com a vizinhança.
— Bom dia, filha! Acordou cedo — Diz enquanto mexia os ovos — Só assim para você e seu irmão levantarem antes das 9h.
— Bom dia, mãe. — Respondo, tentando espreguiçar-me e esconder o cansaço. — Que cheiro bom de café!
— Senta logo pra comer, antes que esfrie.
Me sento e começo a comer enquanto Matheus continua imerso no celular.
— Larga esse troço, menino! — Digo enquanto bato os dedos na tela do celular e dou risada da cara de ódio que ele faz.
— Eu tava em uma ranqueada!! — Deixa o celular na mesa, com raiva.
— Sua ranqueada tinha que ser comendo esse pão aí na sua frente, isso sim. — Dou uma mordida na torrada com geleia. — Vou correr um pouco na orla — Falo para minha mãe, indo até a geladeira pegar uma garrafa de água.
— Não demora muito, hein? — ela respondeu. — E não se esqueça do protetor solar!
— Pode deixar!
Saí do apartamento, sentindo o frescor matinal do Rio de Janeiro. A brisa leve e o cheiro do mar me deram um ânimo extra. Coloquei meus fones de ouvido e comecei a correr, aproveitando cada passo para tentar deixar para trás a confusão de sentimentos da noite anterior.
A orla estava relativamente tranquila, com alguns poucos corredores e ciclistas. O sol ainda não estava forte, e o clima estava perfeito. Conforme corria, tentava focar na paisagem e na música, afastando os pensamentos sobre Chico. Mas, inevitavelmente, a mente volta a ele. Às nossas conversas, às risadas, a forma como sempre pareceu que conhecíamos um ai outro como a palma da mão, e à maneira como ele me olhou na noite passada.
— Eu preciso parar de pensar nele — Murmuro a mim mesma, aumentando o ritmo da corrida. Acelerando, comecei a sentir meu corpo respondendo ao esforço, e a mente começou a se acalmar
Após uns bons 40 minutos correndo, decidi parar um pouco para recuperar o fôlego e fazer alguns alongamentos. Olhei para o mar e respirei fundo, deixando a vista me tranquilizar. Aos poucos, fui me sentindo mais leve. Talvez o Rio ainda pudesse ser um lugar de paz para mim, apesar de tudo.
Voltando para o condomínio, me senti renovada. A corrida fez exatamente o que eu esperava: clareou minha mente e me deu uma nova perspectiva para o dia. Aperto o botão, esperando o elevador, quando noto Chico vindo até o mesmo lugar, com uma sacola nas mãos.
— Fala sério... — Falo para mim mesma, apertando o botão mais vezes.
— Sabe que apertar o botão até ele quebrar não faz o elevador chegar mais rápido, né? — Ele diz sorrindo ao meu lado.
Reviro os olhos, tentando não demonstrar o incômodo — Eu sei, Chico.
— Se eu não conhecesse você, eu até diria que está tentando fugir de mim — Diz encarando os números que mostram os andares do elevador, antes da porta abrir. — Agora você acorda cedo pra correr, é? Lembro quando seu cardio era diferente... — Comenta rindo, fazendo-me arrepiar, dando um passo mais próximo do elevador notando que estava chegando ao térreo.
Entramos no elevador juntos, e o silêncio que se segue é quase palpável. Sinto a proximidade dele, o que torna mais difícil ignorar os sentimentos confusos que ele provoca.
— Sabe, Cecília, eu estava pensando... — Ele começa, sua voz baixa e suave enquanto se aproxima um pouco mais. — A gente poderia sair hoje. Como nos velhos tempos.
Sinto um arrepio percorrer minha espinha enquanto ele fala. — Chico, não acho que seja uma boa ideia.
Ele sorri, aquele sorriso charmoso que sempre me derretia. — Porra, é óbvio que você não tá namorando, Cê. Você nunca viria ao Rio sem seu namorado.
— Você não me conhece mais, Francisco. Nenhum de nós é a mesma pessoa de antes, vamos concordar? — Me distancio dele, encarando os números que demoravam demais para passar.
Ouço ele suspirar, ainda longe de mim. Aparentemente desistindo, o que me chateia um pouco. Eu não queria ele perto, mas uma parte de mim também não queria ele longe.
— O que aconteceu? Foi por que eu não te mandei mensagem? Por causa da Luísa? — Aquele nome me dava arrepios — Porra, Cecília. Eu tenho o direito de pelo menos saber qual merda eu fiz.
Viro para ele, encarando seu rosto, enquanto sinto o elevador parar — Você não teve um por cento de consideração comigo? Não passou pela sua cabeça mesmo sequer me avisar se estava conhecendo alguém? Porra, Chico. A gente era amigo, antes dessa merda toda. Você sequer me deu feliz aniversário enquanto fingia que eu não existia. O Cazé me manda mensagem toda semana e até tentou limpar sua barra, mas não rolou — Aquelas palavras são como uma bofetada no rosto dele. Ele fica parado, a expressão mudando de surpresa para culpa, mas eu não quero ver mais nada. — Eu quero que você vá se fuder, Moedas.— Dou meia volta e saio do elevador, com passos largos.
Quase chegando ao apartamento, ouço passos atrás de mim. Viro-me encontrando o moreno me seguindo.
— Que porra, Chico!
— Calma! — Fala levantando uma das mãos em rendição — Eu não tô querendo te irritar, sua mãe só me chamou pro almoço... Não sabia que ela não tinha avisado.
Eu vou me matar.
Oração hoje 23:99 pra eu não demorar mil anos pra soltar a continuação, amém?
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