Betina: Parte VI

O Halloween chega. Nem acredito que já estou há quase um ano em Recanto das Pedras, e, muito menos, há quase um ano com alguém. Olhando em retrospectiva, parece insano pensar em quem eu era naquele primeiro dia, quando apareci pelada pro Nic. Que mimo de história pra contar pros netos, hein?!

Alguns amigos da Micaela vão dar uma festa temática, no exato mesmo clube onde tudo começou. Acho cafona combinar fantasias, porém, quando conto para o Nicolas que estou pensando em usar um visual a là Morticia Adams, ele compra a ideia e decide ir de Gomez.

E se tem um casal que é tudo de bom, e nem um pinguinho cafona, é esse. Não pretendemos copiar os dois exatamente, nos apegamos mais ao conceito como um todo.

No dia, uso um vestido preto midi, de alcinha, com decote coração, mega justo e com uma fenda na perna. Aliso o cabelo ao máximo e o reparto no meio. Me maquio usando base e pó um tom abaixo da minha pele, pra parecer um pouco mais pálida. Desenho minhas sobrancelhas mais marcadas do que de costume.

Faço um contorno primoroso, afinal, a atriz que interpretava a Morticia tinha as maçãs do rosto bem proeminentes. Capricho especialmente nos olhos, contornando-os de preto e colando cílios postiços tamanho gigante. Finalizo com o icônico batom vermelho da personagem. Nunca uso salto alto, portanto, arremato o look com uma sandália baixa de tiras, super glamurosa.

Demoro horas pra me arrumar. Colo até longas unhas postiças pintadas de preto. Quando estou quase terminando, mando uma mensagem para o Nic, dizendo que ele já pode vir. O encontro na porta, com os cabelos penteados pra trás, firmados com bastante gel, um terno de risca de giz (onde ele arrumou isso?), com gravata borboleta de cetim e uma rosa vermelha saindo da lapela.

Ele tira uma segunda rosa vermelha de detrás das costas, e me entrega, me oferecendo o braço em seguida. Andamos empertigados, como se estivéssemos desfilando. Nic realmente entra no personagem, por isso, faço o mesmo. Ele até me rodopia e me lança para chão, segurando-me no último minuto, antes de me beijar. Como numa cena de filme.

Somos a sensação da festa. Todo mundo para pra elogiar nossas fantasias, e meu ego vai lá pra cima, afinal, não tive todo esse trabalho pra nada. Em algum ponto, eu e Nic encontramos nossos respectivos amigos e nos separamos, cada um indo passar um tempo com a sua própria galera.

Micaela está vestida de líder de torcida zumbi. Não sei como, mas ela fez a coisa toda ficar super sexy.

— Quem diria, minha prima, cem porcento antipiranhagem, com a saia mais curta de todos os tempos!

— Tina, Tina, esse ano a gente aprendeu bastante uma com a outra! — Ela responde, e brindamos com nossos copos personalizados especialmente para a festa.

Nós duas fofocamos bastante, comemos e bebemos, dançamos juntas e com as pessoas ao redor. Reencontro Nic, e nos separamos outra vez. Por fim, preciso ir ao banheiro. Tanto fazer xixi quanto dar uma retocada.

— Vou no banheiro — aviso à Micaela.

— Ta bom — ela grita por cima da música.

Mal cruzo a porta e já dou de cara com um monte de tecido preso nas costas de alguém.

— Desculpa. — Falo.

A pessoa se vira, e não fico nem surpresa ao dar de cara com ninguém menos do que Lucas, o Babaca. Devo ter entrado no banheiro errado. Viro para sair, mas ele me puxa pelo braço.

— Sabia que a gente ia se encontrar de novo. — Ele diz, emanando cheiro de alcool. — Você bebeu muito, foi?

Não. Não tomei nada alcoólico. Puxo meu braço com força, e até consigo soltar, mas ele acaba me pegando de novo, com a outra mão. Com o braço livre, faço a primeira coisa que consigo pensar: grudo os dedos na bochecha dele como se fossem garras, e puxo, arranhando o mais forte que consigo.

— Sua puta! — Ele diz, mas funcionou, pois solta meu braço para apertar a ferida. Consigo ver o sangue brotando entre seus dedos.

Percebo agora que ele está vestido de super-herói da velha guarda, com a cueca por cima da calça e uma capa comprida. Aproveito esse segundo de vulnerabilidade e, sem pensar muito, puxo a barra da capa, num movimento rápido como a luz.

Enrolo o tecido em meu braço. Quando termino de enrolar, puxo com muita força. Vejo a cordinha da capa entrando na carne do seu pescoço.

— Eu vou te ensinar a nunca mais falar merda pra mim! — Grito, louca de ódio.
Ele leva as mãos no tecido, tentando afrouxar o aperto.

— Solta! — Pede, arfando. Seu rosto está começando a ficar vermelho.

— Vamos deixar uma coisa bem clara, ok? Além de puta, eu sou doida. E você não vai querer me ver no meu pior dia. Me deixa em paz, agora e pra sempre, ou eu juro que eu te mato!

Ele concorda com veemência. Ouço um “crec” e o tecido se rasga, soltando Lucas, que cambaleia e cai de joelhos pra frente. Ele massageia o pescoço, desesperado em busca de ar.

Não satisfeita, seguro a cueca da sua fantasia e puxo com toda a minha força, no cuecão mais bem dado e mais merecido da história. Logo em seguida, saio correndo. Corro como se a minha vida dependesse disso.

🎃🎃🎃

— Nic, temos que ir. — Digo para ele, esbaforida.

— Aconteceu alguma coisa?

Faço que sim. Meu olhar está suplicante. Ele entende, e saímos sem nos despedir de ninguém, às pressas, quase correndo. Naquele dia, Ricardo ia dormir na casa da namorada, portanto, eu e Nic podíamos dormir juntos também, na casa dele.

Só paro de correr quando estamos dentro de seu quatro, com a porta e o portão trancados. Só então conto tudo para ele, sobre como eu quase matei alguém. No começo do relato, Nic me olha com uma expressão alarmada, mas quando termino, ele começa a rir. Ri tanto, que se dobra ao meio.

— Não acredito que você deu um cuecão nele! Ai, meu diafragma!

A adrenalina ainda corre nas minhas veias, meu sangue ainda está fervendo, portanto, não consigo rir junto. Apenas olho para ele, apavorada.

— Nicolas, é sério! E se esse cara dá parte de mim pra polícia, ou sei lá?

— E contar pra todo mundo que levou um cuecão de você? — Ele continua repetindo isso e rindo cada vez mais alto.

— Talvez ele deixe essa parte de fora, ué.

Nic para de rir um pouco, e olha para mim. Uma mechinha de seu cabelo se soltou, e cai graciosamente por sobre sua testa.

— Não vou deixar esse filho da puta fazer mais nada com você, entendeu? Nem que eu tenha que ir atrás de cada menina que ele assediou na escola, pra depor a seu favor.

Nesse minuto, como se o universo estivesse me mandando um sinal, uma notificação apita no meu celular. É a Micaela, me enviando uma foto. Abro, e vejo nada mais nada menos que a imagem humilhada de Lucas, de joelhos, vermelho que nem um pimentão, com a cueca enfiada no rabo.

Vejo que a Mica está digitando e espero. Em alguns segundos, a seguinte mensagem chega:


“Você tava demorando muito no banheiro, fui te procurar e achei algo muito melhor!”


Mando um áudio dizendo que sei tudo sobre o assunto, mas que não posso falar agora. Prometo conversar com ela direito no dia seguinte, e imploro para ela não mandar essa foto para mais ninguém. Ela me jura que não vai. Aliviada, viro a tela do celular para o Nicolas, que recomeça a rir, e ri tanto, que lágrimas descem de seus olhos.

— Você gosta de um mal feito, né? — Digo, mas acabo caindo na risada também.

— Que dupla você e a Micaela fazem — ele diz, ao se recompor o suficiente para falar. — Vocês deveriam virar uma dupla de justiceiras, ou coisa assim. — Ele se levanta e me envolve num abraço, exatamente como fez no primeiro dia, no chuveiro. — Você está salva agora. Se ele prestar queixa, vamos enviar essa foto pra deus e o mundo. Imprimir e panfletar por aí.

Quero acreditar no que Nic diz, que estou mesmo salva, mas no fundo sei que essa foto só acrescenta uma prova concreta a uma possível queixa contra mim. Sei que, na prática, assim como da primeira vez, é o Lucas o detentor de todas as armas para me incriminar.

Não tenho prova nenhuma de que ele me assediou, somente a minha palavra. Ele tem arranhões, um pescoço que com certeza vai ficar roxo, e uma foto. E mesmo se eu conseguisse realmente o depoimento de todas as meninas, mesmo se eu, ou alguma delas, tivesse prova concreta, provavelmente nada aconteceria. Nada nunca acontece com um homem.

Ainda assim, pelo menos por essa noite, me permito acreditar que eu venci. Me permito imaginar que a preciosa masculinidade de Lucas será a sua própria ruína, e que ele vai realmente preferir esquecer toda essa história do que ser humilhado em público. Ponho o assunto de lado.

Desabotoo o blazer do Nic devagar, fazendo todo um charme. Lanço para ele meu olhar mais manhoso. Sigo nesse ritual elaborado de desenlaçar, desabotoar, despir. Quando ele está só de cueca e meias, viro de costas e me esfrego um pouco nele, que corre as mãos pelo meu corpo.

É bem bonito o jeito como nossos corpos embalam um ao outro, se movimentando com toda a calma do mundo, quase dançando. Ele afasta meu cabelo e respira em meu pescoço. Fecho os olhos e saboreio o arrepio. Em seguida, beija minhas costas desnudas, minha nuca, minha orelha.

Viro de frente outra vez, e ele corre a mão pela lateral do meu corpo, até encontrar minha perna sob a fenda do vestido, que puxa para si e enrosca em sua cintura. Com as pontas dos dedos, alisa minha pele para cima e para baixo. Depois, sustenta meu quadril, e, num impulso, me pega no colo.

Caminhamos para a cama. E o resto é história.

Fim

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