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Após o curto período de luto pela morte da minha dignidade naquele dia, recebi diversas mensagens de familiares e amigos em "solidariedade" pelo ocorrido. Lógico que todos sabiam porque minha mãe tinha avisado a todos que eu passaria na TV naquele dia. Ela só tinha esquecido de avisar a mim.

Tudo bem, não é culpa dela. Eu também não havia perguntado qual era meu trabalho especificamente, mas era porque eu tinha certeza que minha família sabia qual era minha profissão. Para ser franca, eles sabem, só que incluíram uma competência a mais no meu currículo.

Durante a noite toda minha mãe e eu conversamos sobre eu voltar amanhã para trabalhar e, mesmo ela dizendo que não era preciso, eu sabia que era. Os equipamentos ortopédicos do meu pai eram caros demais e precisávamos do salário que era muito bom, por sinal.

Decidi que voltaria e minha mãe me emprestou um terninho que ela usava em ocasiões formais, acho que nos anos 90, mas serviu, por isso, usei no dia seguinte, além de colocar uma maquiagem no rosto. No lugar dos croquis calcei uma sapatilha e tentei ajeitar os cabelos da melhor forma possível.

Depois de conversar por telefone com minha terapeuta, que disse que eu deveria encarar aquilo como um desafio e uma nova oportunidade, fui trabalhar, ainda que com medo.

Ao chegar no prédio, olhares de dó se misturavam com pequenas risadas abafadas, me fazendo borbulhar de raiva e vergonha. Qual é, será que ninguém pode errar uma vez? Ou duas? Ou três? Eu realmente odiava aquele lugar.

Outra vez subi até o quinto andar e, atrás de uma longa mesa corporativa, com longos cabelos perfeitamente alinhados, uma postura reta e um ar elegante, estava uma mulher de uns vinte e três anos, falando para as câmeras, simpaticamente.

— Helena. Helena Duarte. Ela é a âncora do jornal. Das duas edições. — ouvi alguém falar ao meu lado. Me virei e vi que era a mesma jovem que "arrumara" meus cabelos no dia anterior.

— Ah sim... — respondi vendo-a se despedir com o fim do jornal.

— Ela é tudo o que queremos ser, não?

— É sim. — falei em devaneio. Realmente, era aquele tipo de mulher que eu sonhava em ser. — É agora que eu entro?

— O quê? Não! Você está mesmo perdida. Você só apresenta às segundas, quartas e sextas. Está cobrindo uma jornalista de licença.

— Por que eu sou a última a saber de tudo?

— Você não assinou um contrato?

— Assinei, mas... Foi tudo na correria. Tive que imprimir lá em Niterói e mandar para o correio no mesmo dia. Mal li. Então, o que vou fazer?

— Bom, agora você pode ver sua pauta semanal e ensaiar sua entrada no ar. — ela disse, em tom de brincadeira.

— É, acho que eu deveria fazer isso mesmo.

Então, a partir daquele dia, intercalei minha rotina da seguinte forma: às segundas, quartas e sextas usamos terninho e sapatilha; às terças e quintas usamos moletom e croquis. Olímpia se tornou uma amiga naquela lugar, a única que me ajudava a memorizar os nomes das cidades vizinhas e apontar na direção certa na tela verde.

Eu nunca ia às reuniões de happy hour porque, digamos, o pessoal não era lá essas coisas em termos de simpatia. E a Helena, descobrir mais tarde, tinha se formado aos vinte e dois anos e já estava prestes a migrar para uma emissora da capital. Tinha um futuro e tanto pela frente.

Já eu, dividia meu tempo entre meu emprego temporário, pequenos afazeres domésticos, cuidados do meu pai e a horta. Sim, eu era um completo desastre. Em menos de quatro meses, já não havia uma roseira viva e os pés de couve estavam todos cheios pulgões. Eu tentava, mas essa definitivamente não era minha vocação.

Quanto às minhas aparições no telejornal, ficaram menos piores, mas ainda ruins; nenhum surto como o do primeiro dia, mas frequentemente eu errava uma coisa ou outra.

Alguns engraçadinhos ainda me chamavam de "garota do quengo" na rua, mas nada que um ou dois palavrões não resolvessem.

Com a ajuda da fisioterapia, meu pai voltou a se movimentar com cuidado em cinco meses, o que lhe perdia voltar às consultas e permitiu também que minha mãe voltasse a dar aulas. O último mês de trabalho passou voando, porque intensifique a escrita do meu Projeto Final da faculdade e fazia mais coisas em casa do que estava acostumada.

Agora, oito meses depois do surto e seis meses depois do meu apagão, ainda não estou pronta para voltar. Graças aos céus conseguimos arcar com as despesas nesse tempo e agora as coisas estão melhores. Isso me deixava menos preocupada.

Sim, eu tenho vinte e oito anos, sou uma mulher adulta e não sei o que fazer. Não vou chegar aos trinta como gostaria; talvez tenha que voltar a morar com meus pais depois da formatura; talvez eu demore a conseguir o emprego dos meus sonhos; talvez eu seja o tipo de atriz que não segue o roteiro Hollywoodiano. Mas é isso. Se tem uma coisa que eu aprendi é que cada um tem seu tempo.

E que eu nunca serei apresentadora de televisão.

Já entrando no carro para voltar a Niterói, ajeito as malas e me despeço do meu pai.

— Tchau pai, se cuida!

— Tchau "garota do quengo"! — ele ri e me dá um abraço. — Se cuida.

Enquanto estou na estrada conversando com minha mãe, percebo que estou no caminho certo, claro, com alguns surtos e percausos. Voltando para a selva de pedra, que é a Universidade, e preparada para enfrentar os monstros que vêm pela frente.

Pensando bem, talvez seja melhor eu visitar o retiro budista antes de encarar o mundo novamente.

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