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O sol escaldante de Niterói nem se comparava ao tempo nublado e chuvoso que fazia no interior do Espírito Santo.

Ao sair do carro dos meus pais só consigo pensar em como vim parar aqui. Para ser honesta, eu sabia.

Convenhamos que, aos vinte e oito anos de idade, não somos mais tratados como jovens, livres e selvagens, principalmente quando se está desempregada e ainda não concluiu seu ensino superior. Mas, em minha defesa, devo dizer que o motivo do meu atraso em terminar o curso foi minha dificuldade em me concentrar, um intercâmbio no Chile, crises fortes de ansiedade, festas universitárias em excesso, problemas familiares e extremo desajuste em lidar com números, uma bela contradição para quem escolhe cursar Meteorologia, não?

Porém, após oito anos entrando e saindo do departamento de Meteorologia da UFRJ e longas discussões com o Conselho sobre a situação precária da minha vida acadêmica, estou prestes a me formar: daqui seis meses estarei apresentando o famosos TCC e, aí sim, serei levada a sério no mundo adulto.

Estou em pânico.

Há dois meses atrás, período final de provas e trabalhos, eu estava prestes a surtar e a sair igual a um Beyblade pelo campus, batendo em todos que eu encontrasse pela frente, principalmente professores e alunos chatos.

Por que, raios, eu tinha que escolher um curso que exige tudo o que não posso dar? Por que eu amava aquilo, mesmo me fazendo sofrer? Será que aquilo valeria à pena? Será que esses oito anos foram jogados no lixo?

O surto era real.

Graças aos céus, tenho amigos incríveis que me ajudaram a segurar a barra e uma ótima terapeuta, que me aconselhou a dar um tempo de tudo e ir para um retiro espiritual em um templo budista no Rio. Ótima ideia. Estava disposta a fazer as pazes com o Universo.

Mas parece que ele não estava tão disposto assim.

Exatamente duas semanas depois de eu ter decidido ir para o tal retiro, recebo uma ligação da minha mãe, dizendo que meu pai estava internado, com suspeita de hérnia de disco, o que foi comprovado após os exames. Devo ressaltar que meu pai tem cinquenta e cinco anos e trabalhou por dezenove como agrônomo em uma grande empresa de Vitória, mas de uns tempos pra cá tem dividido seu tempo entre cuidar da sua pequena plantação em um terreno onde temos nossa casa e consultas à grandes fazendas. Problemas na coluna eram frequentes, mas dessa vez era sério, seria necessário intervenção cirúrgica, fato que mobilizaria grande parte da familia.

Minha mãe, bióloga de formação, é professora, por isso precisaria pedir licença para cuidar do meu pai que ficará em casa por seis meses em absoluto repouso. As licenças concedidas aos professores do Estado  são bem injustas, já que eles não têm direito ao salário integral — que já é baixíssimo —, e sem as consultas, meu pai também não terá um salário, contando apenas com as economias que ambos juntaram durante a vida. Não é uma quantidade pequena, mas tendo que arcar com remédios, contas e sustentar duas filhas na Universidade, o dinheiro some em questão de segundos.

E é aí que entro. Tenho mais duas irmãs: a mais velha está em Sydney com o marido e duas filhas, então fica difícil ajudar numa hora dessas; a mais nova tem dezenove anos e está no segundo ano do curso de Medicina, com um excelente desenvolvimento acadêmico (muito diferente do meu) e também não seria justo interrompê-la agora; e temos a mim, vinte e oito anos, sem rumo na vida e prestes a me formar. Eu realmente não deixaria meus pais na mão em uma hora dessas, por amá-los e por tudo o que fizeram por mim. Seria egoísta da minha parte, e egoísta é uma coisa que eu já fui bastante.

Então, aqui estou. Um dia antes do meu primeiro dia em um emprego que minha mãe conseguiu falando com a amiga da madrinha de um dos responsáveis pelo jornal local.

Minha mãe me ajuda a tirar as poucas malas de dentro do carro e corremos para dentro de casa, enxarcadas e com os pés cheios de barro. Meu pai está reclinado sob uma poltrona confortável na sala assistindo uma série famosa nos anos 80. O cheirinho de madeira é acolhedor e tudo em casa traz um ar de paz.

— E aí, filhota! Tudo "de boas"? — meu pai pergunta enqunto o abraço. Esqueci de dizer que ele gosta de interagir com o que ele chama de "juventude".

— Pare de falar como se tivesse dezesseis anos, Daniel. — minha mãe intervém. Abro a boca para falar que nem adolescentes falam assim, mas deixo quieto.

— Tudo sim, pai. E o senhor? Muitas dores?

— Algumas, mas estou louco pra voltar a cuidar da nossa horta. Falando nisso, pode cuidar dela nesse tempo?

Franzo o cenho com a pergunta. Nunca tive uma boa relação com plantas, mas acho que pode ser uma boa terapia. Aceito a proposta e começo a levar minhas coisas para meu quarto. Converso com minha mãe e agradeço por ela não comentar sobre meu peso, minha aparência e minha idade, em como eu deveria estar prestes a casar, essas coisas. Ela era sensível e humana demais para isso.

Já estava tarde, por isso, logo tratamos de jantar, ao redor do meu pai que não parava de contar piadas com o trocadilho do bico de papagaio. Lavei as louças depois disso e ajudei a levar meu pai para o quarto.

— Boa noite, querida. Amanhã será um grande dia!

— Boa noite, mãe! Boa noite pai! Com certeza será. — respondi.

Por que será que eu não acreditava em minhas próprias palavras?

Subi para o quarto e tentei dormir, pois não estava acostumada a deitar com as galinhas, como dizem aqui. Depois de um tempo, só me lembro de imagens de Buda, papagaios e um canudo aparecerem na minha mente.

980 palavras

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