∞ 9 - A TATUAGEM

Tradução: 

Kintsugi: além de ser uma técnica que consiste em reparar peças de cerâmica com ouro, é também uma filosofia de vida. 

"JÁ FALEI PRA ME BOTAR NO CHÃO, IDIOTA!"

Se a situação fosse diferente, caso se encontrassem na Seireitei de outrora, Kensei teria atirado Mashiro no chão sem nenhuma cerimônia.

Mas, a contragosto — porque o conflitante desejo de jogá-la pela janela e de cuidá-la era enorme —, ele a colocou no chão.

Com um bocejo, ela limpou uma palma no tecido áspero de sua calça jeans e a aproximou do leitor posicionado onde deveria haver uma maçaneta. A porta se abriu com um click e, ainda cambaleante, ela adentrou a diminuta sala de estar.

Dessa vez, Kensei não fez questão de ajudá-la, ainda que permanecesse perto o suficiente.

Quando Mashiro se atirou sobre o sofá e desamarrou o curativo improvisado que ele fizera, seus olhos se estreitaram.

Eu disse que a gente deveria ir pro hospital, sua marmota louca quase o escapou, mas o som dela estalando os dedos e o encarando com os lábios pressionados numa linha reta o fez abandonar qualquer linha de pensamento e encará-la em silêncio.

Não era como se essa discussão fosse levá-los a algum lugar — não que alguma já tivesse ido mais longe do que a cama — e Kensei estava exausto. Além do cansaço físico, havia a exaustão psicológica. Havia, afinal de contas, muito a se considerar.

A forma como ela o encarava como se ele fosse o homem mais inútil da terra, fez com que ele arqueasse uma sobrancelha em irritação.

"O nano-band-aid, idiota!"

Se antes havia irritação em sua expressão, agora esse sentimento estava mesclado à confusão. Sabia o que era um band-aid e imaginava que o nano-band-aid fosse uma versão mais tecnológica e melhorada do curativo, mas não era como se ele estivesse familiarizado com a disposição de tudo em seu apartamento.

"Diz então onde eu encontro essa merda, mulher!"

Como se chocada — não pela resposta, mas por algo que ele não saberia precisar —, ela sacudiu a cabeça e se levantou do sofá e o empurrou de sua frente, desaparecendo em algum cômodo.

Quando ela retornou, já havia uma espécie de band-aid quadrado, de uma tonalidade azul quase transparente, colado sobre o corte em sua coxa e outro, menor, em sua garganta.

Uma toalha branca cobria a parte de cima de seu corpo e foi com certa surpresa que ele reparou nas alças do sutiã alaranjado.

"Eu vou tomar banho."

"Você precisa limpar esse corte antes."

Mashiro o encarou novamente como se ele fosse o ser mais burro do universo. Mas de repente suas sobrancelhas se franziram no alto de sua testa e ela suspirou de forma cansada.

"Ah isso?" Ao olhar para baixo a seus braços se moveram de forma automática, abaixando a toalha no processo; o contorno de seus seios ficou mais visível. "O nano-band-aid já desinfecta a ferida e aplica antibiótico na corrente sanguínea." Ela lhe deu as costas, sacudindo uma das mãos de forma displicente. "Às vezes eu esqueço que você é um idiota que não sabe nada desta realidade."

Uma veia faltou saltar em sua testa diante do comentário ofensivo, mas o trecho sobre esta realidade capturou sua atenção.

"Agora vê se bota uma água pra ferver e faz ao menos um lámen pra mim."

De costas para ele, ela apenas bocejou e murmurou algo como ai, to morrendo de fome.

De forma automática, como se fosse sua segunda natureza — e o era, ao menos no passado —, ele adentrou a pequena cozinha e abriu a geladeira. Com exceção de potes de sorvete e alguns nikuman de carne de porco, não havia quase nada na geladeira, e o que havia não era algo que pudesse ser aproveitado numa refeição de fato nutritiva.

Kensei encarou o avental pendurado na parede e até pensou em vesti-lo — talvez pudesse emular os velhos tempos; tinha uma esperança tola de que, de alguma forma, pudesse fazer Mashiro se lembrar —, mas desistiu.

Aquele avental pertencia a outra pessoa agora e ele bem se lembrava do quão temperamental ela ficava quando alguém tocava nos pertences de pessoas que lhe eram queridas.

E Kensei sabia que Shuuhei e Mashiro agora tinham um vínculo que se não fosse igual, era semelhante ao deles.

O fato de que aquela maluca não parecia se importar com o fato de seu temente usar um avental que fora dele por anos significava que ela não se lembrava.

Com um suspiro cansado, ele retirou a jaqueta e a atirou sobre uma das banquetas posicionadas na frente do balcão. Com a torneira ligada, começou a lavar as mãos e os antebraços. Afinal, a última coisa da qual precisava era daquela marmota brega reclamando porque a comida tinha gosto de sangue.

O barulho de seu ONI tocando e o brilho que se apoderou de seu olho direito o distraiu. Kensei desligou a torneira e pensou em dar o comando de voz para atender, mas ao checar a identidade de quem ligava, desistiu.

Não queria falar com seu ex-tenente. E a última coisa da qual precisava era se irritar mais ainda com o pentelho que salvara há alguns séculos no Rukongai.

Com um menu em mente, ele colocou água para ferver e começou a picar os legumes — já tendo atirado no lixo boa parte dos que se encontravam estragados —, enquanto cozinhava os nikuman no vapor.

Cozinhar era uma atividade que Kensei considerava quase terapêutica. No começo, logo quando foram exilados no Mundo Real, não passava de uma obrigação, mas com o passar dos anos, a atividade obrigatória se tornou um hobby e uma forma de se distrair das vontades de seu Hollow — ainda que ele raramente pudesse cozinhar sozinho, pois Mashiro sempre estava ao seu lado, sempre perguntando...

"O que você tá fazendo?"

Assim como sua companheira de trabalho, Shuuhei abandonou a viatura policial entre as ruas estreitas do Primeiro Distrito e resolveu percorrer o caminho até a casa de Mashiro de metrô.

Estava de cabeça cheia.

E a última coisa da qual precisava era de uma multa de trânsito ou de causar um acidente antes que pudesse verificar se ela estava bem. Para sua sorte, a casa dela ficava a dois quarteirões de uma estação metrô — meio abandonada, é verdade, e com uma vizinhança acostumada com assaltos e venda de droga.

Shuuhei ajeitou a alça da bolsa com sua Kusarigama no ombro esquerdo e voltou a segurar a barra de ferro do metrô. Embora geralmente pudesse se equilibrar sozinho, estava muito focado em seus pensamentos para acompanhar a movimentação do trem.

A mão direita traçou com um cuidado quase fantasmagórico a tatuagem em seu rosto. Desde que podia se lembrar, tinha aquela cicatriz no lado direito da face — que ele sequer sabia como adquirira; talvez em sua tenra infância, antes mesmo que pudesse adentrar o orfanato, de onde só saíra aos 18 anos, com uma bolsa para estudar jornalismo numas melhores Universidades de Edo —, e as memórias de como adquirira aquela tatuagem com o número 69 eram anuviadas para dizer o mínimo.

E agora que pensava no significado dela...

...simplesmente não conseguia se lembrar — se é que existia um significado.

Saber que aquele foragido — um completo desconhecido que irrompera em suas vidas repentinamente; ou nem tão repentinamente assim, a julgar pelo vídeo que encontrara no dia anterior — tinha a mesma tatuagem que ele o abalara profundamente.

Shuuhei sabia que não o conhecia.

Ao menos achava que não o conhecia.

Mas havia algo... algo no fundo de sua mente que talvez indicasse o contrário. Algo presente na hesitação para puxar o gatilho. Embora fosse esquentado, Shuuhei tentava ser o mais sério e justo o possível — a polícia existia para assegurar que a justiça fosse feita, afinal de contas — e a tremedeira que se apoderara de seus braços, impedindo-o de atirar num homem que claramente representava um perigo para a sociedade o fez se perguntar se...

Se nada.

Não havia nada.

Estava conjeturando absurdos.

Mashiro e aquele tal de Muguruma Kensei podiam se conhecer, mas não havia nada que justificasse plausivelmente a suposição de que eles dois também se conheceram no passado. Sua hesitação não passava de covardia — do medo sem igual que se apoderava dele sempre que segurava uma arma — fosse sua Kusarigama ou a Nemex.

Aquelas tatuagens iguais não significavam absolutamente nada. Não passavam de uma infeliz coincidência.

Ele próprio não sabia a razão pela qual tatuara aquele número em seu rosto e até onde sabia, o foragido — a julgar por seus hábitos no Distrito da Luz Vermelha — podia muito bem ter tatuado a posição sexual em seu abdômen.

Shuuhei sacudiu a cabeça ao perceber que quase se esquecera de descer na plataforma mal iluminada. Ainda que não passasse das três da tarde, a estação carecia de iluminação decente — o que não era arrumado, ele sabia, para facilitar a ação de pequenos criminosos na área. Conseguiu desembarcar antes que as portas se fechassem, mas sua bolsa quase ficou presa.

Antes de chegar à casa de Mashiro, precisava passar na farmácia e comprar os remédios que ela tomava para dormir, pois conhecendo-a como a conhecia, era óbvio que ela se esqueceria de comprar uma nova cartela antes que a atual acabasse.

Ajeitando a alça da bolsa nos ombros, Shuuhei deixou a estação e, olhando de um lado para o outro, atravessou a rua no sinal vermelho para os pedestres. Só esperava que no momento em que chegasse na casa dela, o foragido já tivesse ido embora.

"O que você tá fazendo?"

Antes que ela pudesse levantar a tampa da panela, a faca pousou sobre sua mão, interrompendo a ação tola num gesto completamente automático.

Mashiro o encarou com o famoso biquinho que ele conhecia muito bem.

Kensei deu de ombros. Depois de séculos, aquele comportamento não mais o comovia — nunca comovera, pra ser bem sincero, mas conseguia irritá-lo de tal maneira que ele sempre a deixava se queimar com o vapor, com o óleo quente ou com a água fervendo.

Dessa vez, a última coisa da qual precisava era que ela chorasse em sua orelha porque queimara as narinas com o vapor quente — como já acontecera tantas vezes no passado — só porque não podia esperar a comida ficar pronta.

Mashiro removeu a mão da tampa da panela e revirou os olhos.

"Quanto tempo ainda vai demorar?" perguntou, enfiando a cara na geladeira dessa vez. "Tô morrendo de fome!"

Estar morrendo de fome e Mashiro era pleonasmo. Aquela marmota tinha um buraco negro no lugar do estômago.

Com um suspiro derrotado — depois de obviamente reclamar que ele havia jogado muita coisa fora —, ela fechou a geladeira, segurando duas latas de cerveja nas mãos. Ela abriu uma lata e a colocou ao seu alcance enquanto bebericava a própria bebida em silêncio.

Terminando de picar os legumes, Kensei a encarou. Para sua surpresa, ela não trajava mais nada além de uma regata azul colada ao corpo e uma calcinha preta de algodão.

"Ei, pervertido! Meus olhos tão aqui em cima."

O estalar de dedos fez com que ele voltasse a atenção para as panelas.

"Põe alguma roupa então, sua maluca."

Mashiro sacudiu a cabeça e se afastou.

"Põe alguma roupa você, seu pervertido!"

Aquele tipo de bate-boca o teria irritado em outras épocas. Agora, a situação não mais o afetava. Era a confirmação de que não importasse a realidade, Mashiro era Mashiro e ele era... bem... ele próprio.

De seu lugar, ele a ouviu se sentar no sofá. Nem meio minuto depois, uma espécie de grunhido o fez desviar os olhos das panelas e encará-la. Sentada numa posição que parecia extremamente desconfortável, ela corria uma espécie de agulha sobre o corte em sua coxa, fechando-o; o tal do nano-band-aid jazia aberto sobre a pequena mesa de centro.

Ele secou as mãos num pano e se aproximou, observando com curiosidade o processo. Sob a agulha, uma linha esbranquiçada surgia. Kensei não pode deixar de reparar que sobre as pernas torneadas algumas cicatrizes, das quais ele desconhecia a história, sugiram.

No passado, ele conseguia traçar com os dedos cada cicatriz que ornava o corpo esguio e contar a história por trás de cada uma delas. Estavam juntos há tanto tempo que saber todos os pormenores da vida de Mashiro era sua segunda natureza.

Seus lábios se firmaram numa linha reta enquanto a observava fechar o próprio corte. Suas mãos, fechadas em punho ao lado de seu corpo formigaram. Dentro do bolso de sua calça Tachikaze jazia, completamente inútil. O sentimento se espalhou pelo peito de Kensei. Ele flexionou as mãos, sentindo aquele formigamento percorrer a extensão de seu antebraço. Se tivesse seus poderes de volta, poderia curá-la com um simples kidou.

Era verdade que seu nível de kaido estava longe do da Capitã Unohana, ou mesmo de Hachi, mas seria mais do que o suficiente para fechar aquele corte sem que uma nova cicatriz marcasse a pele de Mashiro.

Por um momento, ele teve vontade de atirar Tachikaze pela janela, mesmo ciente de que tal ação seria um completo desrespeito ao espírito de sua Zanpakutou que estava presente em sua vida há tanto tempo quanto Mashiro. Afinal, qual era a utilidade de uma arma que, mesmo com sua shikai ativada, não podia lhe conferir poder algum?

Kensei gostava de acreditar que era um homem prático e a filosofia do kintsugi não era uma das que lhe agradavam pessoalmente. Se algo não funcionava, deveria ser jogado fora.

Foi tirado de sua contemplação quando um novo grunhido o alcançou. Dessa vez, Mashiro estava diante do espelho, tentando — sem sucesso — correr a agulha-laser sobre o corte em sua garganta.

Sacudiu a cabeça negativamente. Era óbvio que aquilo não tinha a menor chance de dar certo.

"Me dá isso."

Quando ela fechou a mão sobre o objeto, como se de certa forma não confiasse nele — e com certa razão, afinal ele não fazia ideia de como manusear aquilo —, Kensei tomou a agulha-laser e caminhou de volta para o sofá. Mashiro o seguiu a contragosto e se deixou afundar em meio às almofadas.

Ele se sentou ao lado dela e revirou a agulha entre os dedos, como se testasse seu peso ou como se, com aquele mero movimento, pudesse desvendar todos os segredos presentes no objeto. Uma das mãos dela pousou sobre a sua, que jazia vazia, e com um suspiro cansado, ela a guiou para a própria nuca. Os dedos de Kensei deslizaram sob os cabelos esverdeados, firmando-se na base da cabeça dela, de forma a oferecer algum suporte, enquanto ela se inclinava levemente para trás, desnudando a garganta.

"Basta apertar esse botão aqui e percorrer o corte com a ponta da agulha," disse, num tom quase professoral. "Ela faz todo o trabalho sozinha."

A instrução pronunciada de forma totalmente atípica quase o fez desejar que ela tivesse adicionado um seu idiota ao fim da frase, sobretudo quando um silêncio quase constrangedor se seguiu. Ele se inclinou para mais perto, mas a posição em que estavam sentados no sofá os deixou extremamente desconfortáveis. E sem ter o completo manejo do objeto em suas mãos, ele temia aprofundar o corte, ao invés de fechá-lo.

Mashiro estalou a língua e se moveu, escapando de seu alcance. A mão dele pousou sobre o encosto do sofá, ainda próximo do rosto dela. Ela o encarou de forma crítica e comentou, "Não vai rolar. Você precisa chegar mais perto."

Quando ele a encarou com uma sobrancelha arqueada, sem entender como eles poderiam ficar mais próximos do que já estavam, ela posicionou uma das pernas ao lado do quadril dele e dobrou a outra. A mão direita encontrou a dele, guiando-a de volta aos cabelos esverdeados. Agora os dois estavam exatamente como ela queria — mais perto. Próximos o suficiente para que a respiração dele se misturasse a dela.

Fechou os olhos por um momento, tentando controlar a vontade de beijá-la que se apoderou de si. Mas pareceu uma tarefa particularmente difícil, sobretudo quando ela deslizou a mão sobre seu braço, percorrendo a extensão de sua pele com uma leveza que ele reconhecia de seus momentos íntimos.

Reforçou o aperto sobre a base da nuca dela e sobre os fios esverdeados. Mashiro ofegou com sua ação e mordeu o lábio inferior. Kensei decidiu ignorá-la, inclinando a cabeça dela num ângulo em que o pequeno corte ficasse visível. Seus olhos se estreitaram. Ainda que não se tratasse de um corte de grandes proporções, parecia-lhe mais profundo do que fora levado a acreditar.

Sob a ponta da agulha-laser o corte foi se fechando pouco a pouco e uma linha esbranquiçada foi surgindo. Ele arriscou um breve olhar para a expressão dela e seu aperto sobre o objeto se suavizou. As sobrancelhas franzidas não eram exatamente um indício de dor — Mashiro não fazia a menor questão de esconder quando algo a machucava —, mas de ligeiro incômodo.

Quando terminou de fechar o corte, seus dedos percorreram a extensão da cicatriz de forma quase fantasmagórica. Seu peito foi preenchido com uma mescla de sentimentos conflitantes: havia culpa — afinal, só havia uma nova cicatriz por conta dele —, havia raiva — afinal, ela só estava com ele por conta daquele desgraçado do Aizen — e havia alívio.

Cicatrizes constituíam diversos significados, mas o mais importante deles indicava sobrevivência. E apesar de seu ódio por Aizen ser imenso e de sua culpa se igualar à raiva e ao rancor que nutria pelo Primeiro Ministro Planetário, Mashiro estava viva.

E isso era o suficiente.

Com o objetivo de olhar as panelas em mente, ele removeu a mão da nuca dela. Mas seus dedos se encontraram no mesmo momento em que seus olhos. E a forma natural como eles se entrelaçaram fez com que Kensei se esquecesse de qualquer pensamento e se inclinasse para beijá-la.

A respiração de Mashiro engatou, mas ela não fez nenhuma menção de se afastar.

Ao contrário, a forma como ela se inclinou em sua direção e como os dedos apertaram os seus levemente foi toda indicação que Kensei precisava para roçar seus lábios contra os dela.

O toque foi algo tão fantasmagórico e tão hesitante que nenhum dos dois ousaria chamar de beijo.

Com um grunhido irritado e impaciente, Mashiro mordiscou o lábio inferior de Kensei, forçando-o a entreabri-los para aceitar a carícia exigente.

Os olhos dela se fecharam imediatamente, as pálpebras pressionadas com força, enquanto as mãos se soltaram das dele para percorrer os braços poderosos antes de alcançarem os ombros e a nuca e enveredarem pelos cabelos brancos.

Todo e qualquer pensamento lhe fugiu da mente no momento em que a língua dela encontrou a dele num emaranhado apaixonado.

Kensei inalou pelas narinas com sofreguidão. Seus olhos — provavelmente dominados pelos tons preto e dourado — também se fecharam. E ele devolveu o beijo com a mesma volúpia e intensidade.

Com a mente em branco, tudo o que restava em seu peito era a indescritível sensação de, finalmente, estar em casa.

Porque ele descobrira — e levara muitos anos, séculos até — que o Nono Esquadrão era seu emprego, uma divisão que ele comandava — que lhe era muito caro, é verdade, mas ainda assim apenas um emprego —, que a Soul Society e Seireitei eram lugares; um lugar em que ele residia e trabalhava — um lugar cheio de corrupção e traição e de pessoas que não valiam seu tempo —, mas casa era família. E não importava onde estivessem — tempo e espaço —, Mashiro era sua única constante.

Um lembrete imperecível e persistente de que fossem seus dias bons ou ruins, ela estaria ao seu lado.

Em seu dicionário particular, Mashiro era sinônimo de casa. Sua casa. Mashiro era sua família.

As mãos dele, até então imóveis, tocaram o rosto dela num gesto tão suave e vacilante que ele não pode evitar se perguntar se suas mãos estavam, de fato, tremendo ou se ele estava apenas alucinando.

Depois de tantos anos — séculos; quatro séculos se passaram — era bem provável que aquilo — o beijo apaixonado, o cheiro adocicado dos cabelos esverdeados que penetravam suas narinas, a sensação da pele suave sob a ponta de seus dedos — não passasse de uma ilusão.

Quando ela interrompeu o beijo o encarou de forma intensa, com a respiração entrecortada, ele deixou suas mãos caírem ao lado de seu corpo e a encarou de volta, expectante.

"Mash—

O nome — não mais do que um murmúrio entrecortado, uma espécie de prece, num tom de absoluta veneração — morreu prematuramente em sua garganta.

Ela o empurrou pelos ombros contra o estofado, montando em seus quadris e tomando seus lábios de forma ávida e exigente meio segundo depois.

As mãos de Kensei percorreram toda a extensão das costas dela, pressionando-a contra si até que não houvesse nitidez sobre onde um acabava e o outro começava.

Os seios foram comprimidos da forma mais deliciosa contra o peitoral musculoso dele. E os quadris dela começaram a se mover contra os dele de forma displicente e inteiramente enlouquecedora.

De sua parte, havia algo no fundo de sua mente — o mínimo de consciência e raciocínio lógico que lhe restavam, que ainda não foram completamente tomados pela luxúria e pelo desejo abrasante do Hollow — que lhe dizia para se afastarem e conversarem feito os adultos que eram.

Mas com Kensei e Mashiro não havia espaço para meio-termo ou hesitações insignificantes: ou era tudo ou era nada. Muito frequentemente era sempre tudo.

A forma como os dedos dela deslizaram em seus cabelos brancos, puxando-os com paixão e afundando sua cabeça contra o estofado o remetia a uma dominância que era inteiramente típica de sua relação — com ele sempre sendo dominado, feito o perfeito escravo das vontades dela que era — e totalmente Mashiro.

Seus próprios dedos se encontraram deslizando para dentro da regata que ela trajava e acariciando a pele suave. Trançando o contorno da cintura diminuta até alcançar as costelas.

Quando Kensei interrompeu o beijo para percorrer com os lábios a extensão da alvíssima garganta, demorando-se no pulsar acelerado da artéria, Mashiro inclinou a cabeça ligeiramente para trás e gemeu.

O movimento dos quadris arredondados sobre os dele se intensificou. Um som rouco reverberou contra a garganta dela e a respiração de ambos ficou mais acelerada. As mãos largas passaram a desnudá-la no mesmo ritmo em que os lábios ávidos escorregavam sobre a clavícula proeminente.

Quando Mashiro arqueou as costas, seus pequenos seios preencheram não apenas as mãos dele, como também os lábios que alcançavam, finalmente — felizmente — seu destino.

"Ken-sei...hmmmm..."

O som de seu nome escapando por entre os lábios cheios num gemido entrecortado — abafado, rouco, sôfrego — e que outrora teria servido como uma espécie de força motriz, teve o efeito completamente oposto.

O movimento de seus lábios sobre a pele desnudada foi interrompido. E uma das mãos que estavam sobre os quadris arredondados, coordenando os movimentos dela com maestria, estacionou.

Kensei descansou a cabeça contra o ombro dela, inalando com força.

O sangue borbulhava em suas veias e seu coração estava tão acelerado que ele não conseguia ouvir outra coisa que não fosse o órgão batendo contra suas costelas. Um arrepio perpassou sua espinha quando as unhas dela percorreram sua nuca, antes que os dedos se emaranhassem em seus cabelos brancos e ela puxasse sua cabeça para trás.

Kensei sabia o que ela faria a seguir.

Só não sabia se teria forças para impedi-la.

Ou mesmo se queria impedi-la.

Antes que Mashiro pudesse beijá-lo novamente, ele sacudiu a cabeça e se levantou do sofá.

As pernas dela automaticamente se enlaçaram ao redor de sua cintura e os braços ao redor de seu pescoço. A forma como os olhos naturalmente castanhos — mas igualmente tomados pela coloração preta e de um tom dourado derretido — brilharam com luxúria fez com que ele sacudisse a cabeça novamente.

"Não."

Ela o encarou como se ele fosse um extraterrestre ou o homem mais idiota do universo — e, na realidade, era exatamente como ele se sentia naquele momento — e abriu a boca para dizer alguma coisa.

"Não," ele a interrompeu antes mesmo que ela pudesse formular sua reclamação. O costumeiro biquinho fez com que uma certa sensação de autocontrole tomasse conta de seus pensamentos e esvanecesse a névoa de luxúria que parecia ter dominado seu cérebro.

Queria-a.

Desejava-a.

A ereção que pulsava de forma incômoda dentro do desconfortável tecido de sua calça jeans era indicativo suficiente de que nem meio milênio fora suficiente para dissipar o desejo que nutria por ela.

Mas não podia simplesmente se deixar levar pela luxúria quando sequer sabia o que ela sentia por ele, quando suas ações pareciam ser motivadas por uma espécie de gratidão barata ou pela simples adrenalina que ainda corria forte em suas veias após aquela manhã conturbada.

Não era incomum que pessoas se deixassem ser dominadas pelo desejo após escaparem da morte por um triz. E ele sabia melhor do que ninguém que Mashiro ficava excitada após uma luta — não raras as vezes mal terminavam uma missão e ela avançava sobre ele, só parando quando não fosse possível distinguir o limite entre seus corpos e ele estivesse — finalmente — enterrado dentro dela.

Era certamente ridículo que um homem de sua idade e com sua vivência estivesse preocupado com o fato de que só houvesse luxúria entre eles, mas antes de ser um homem com impulsos e desejos carnais, Kensei era carente de afeto.

E a última coisa da qual precisava era de ir para cama com alguém que sequer se lembrava dele.

Mas o monstro dentro de si e suas limitações fisiológicas estavam em veemente desacordo.

Kensei correu uma mão pelo rosto de forma cansada e a encarou. Mashiro revirou os olhos e desapareceu dentro do pequeno apartamento. Sua breve ausência não foi suficiente para que o desejo arrefecesse ou para que seus pensamentos clareassem. Ela atirou uma toalha branca contra o rosto dele e apontou para o quarto.

"Vai tomar um banho pra gente poder comer, idiota."

A irritação presente no tom fez com que ele suspirasse, sentindo-se subitamente cansado demais. Poderia discutir, mas ponderou que talvez devesse ouvi-la.

Estava sujo de suor e de sangue e seus músculos doíam com o esforço descomunal.

Precisava, afinal, de um banho.

E pela ereção que ainda pulsava, insistente, precisaria de um banho de água fria literal.

Quando Kensei finalmente emergiu do diminuto, porém bem equipado, banheiro, com a toalha branca ao redor de seus quadris, seus cabelos tinham o mesmo cheiro adocicado do shampoo de Mashiro. Sobre a cama, cujos cobertores jaziam desalinhados, havia uma calça de moletom acinzentada e uma regata preta.

Suas próprias roupas não podiam ser encontradas em lugar algum e o barulho do que ele identificou como uma máquina de lavar advinda de outro cômodo alcançou seus ouvidos.

Sem cabeça para pensar a quem aquelas roupas pertenciam, ele as vestiu, notando que ambas as peças lhe caíram como uma luva. Correu a toalha por sobre os cabelos, secando-os levemente e a deixou sobre o ombro, antes de deixar o quarto.

Ao contrário do que ele esperava e pedira — para que aquela marmota brega e preguiçosa olhasse as panelas —, Mashiro estava atirada no sofá, com o rosto afundado no estofado e um dos braços praticamente tocando o chão. Não era necessário ouvir seu ronco para saber que ela estava dormindo profundamente. Ele se agradeceu mentalmente por ter abaixado o fogo antes de tomar banho, caso contrário, o almoço teria queimado.

Adentrando a cozinha, desligou o fogo e removeu os nikuman da panela. O típico pãozinho chinês estava quase se desmanchando e o macarrão que ele misturaria com os legumes a seguir havia passado levemente do ponto.

Kensei abriu os armários em busca de óleo de gergelim e outros temperos, mas seus olhos foram imediatamente atraídos para um vidro minúsculo. Esquecendo-se completamente de tirar o macarrão da água ainda quente, ele segurou o vidro entre os dedos, testando seu peso.

Quase não havia comprimidos nele, mas a etiqueta indicava o nome do paciente e a dosagem da medicação. Não era a primeira vez que ele se deparava com um remédio hipnótico, mas era certamente uma surpresa encontrá-los na casa de Mashiro. Aquela marmota preguiçosa nunca tivera problema para dormir. Pelo contrário, era capaz de adormecer até mesmo durante as reuniões entre os Capitães e Vice-Capitães, em que total atenção era demandada.

Os dedos dele se fecharam com mais força ao redor do vidro.

Não pode evitar se perguntar o que ocorrera nesses séculos. Novamente, a culpa, a raiva, e a confusão borbulharam em seu peito. Quatrocentos anos haviam se passado. Mashiro agora tomava hipnóticos para dormir e ele sequer sabia a razão. Talvez ele próprio fosse a razão pela qual ela necessitava de tal medicação.

Um sentimento sem igual o tomou por um momento. Kensei devolveu o vidro onde o encontrara e tomou um gole da cerveja que jazia aberta sobre a pia, antes de pegar alguns temperos sem realmente se preocupar em observar a data de validade — porque era totalmente típico de Mashiro manter em sua dispensa itens que já estavam há muito estragados.

Ainda disperso, terminou de preparar o almoço. Estava prestes a acordá-la quando o barulho da porta sendo aberta atraiu sua atenção. De forma automática, seus dedos procuraram por Tachikaze, mas ela estava fora de seu alcance. Pegou, então, a faca que usara para cortar os legumes. Certamente estava longe de ser a melhor opção, mas entre o fio de corte afiado e seus punhos, ele conseguiria se garantir contra quem quer que fosse seu oponente — se é que havia um.

Mashiro sequer se moveu do sofá quando Shuuhei adentrou a sala.

Kensei soltou a faca de volta na pia e o encarou com os olhos estreitados. Parte de si — talvez o monstro, talvez ele próprio; na ânsia de dispensar o ciúme, natural e horroroso ao mesmo tempo, era preferível dizer que o sentimento de possessividade pertencia ao Hollow — desgostava do fato de seu antigo vice-capitão ter acesso irrestrito à casa de sua namorada. Ele não pode evitar se perguntar se os dois moravam juntos. E ainda que não houvesse nenhuma indicação de objetos pessoais de outro homem — com exceção daquelas roupas que trajava, mas essas certamente não cabiam Shuuhei, que apesar de alguns poucos centímetros mais alto, era de constituição magra —, ele não pode controlar seus pensamentos.

Outra parte estava aliviada por não ter que enfrentar mais ninguém naquele dia. Seu corpo — cujos músculos estavam basicamente atrofiados após tanto tempo de cativeiro naquele tanque de gel flutuante — estava em frangalhos. E seu psicológico não aguentaria caso Mashiro fosse ferida novamente por sua causa.

Ele se arrependeu de tal pensamento tão logo os olhos acinzentados de Shuuhei encontraram os seus. Em alguns passos, o seu antigo tenente cruzou a sala e o agarrou pelo tecido da camiseta. Por um momento, tudo que Kensei conseguiu ver foi o punho direito erguido em riste, prestes a atingir seu rosto.

Seus olhos se estreitaram.

Se quisesse, poderia interceptá-lo. Mas pela tremulação que tomou conta do braço de seu ex-tenente ele soube que não precisaria fazer nada. Pois, como sempre, Shuuhei vacilou.

Apesar da irritação por ter sido pego de surpresa, a sombra de um sorriso curvou seus lábios. Kensei usou a mão esquerda para se livrar do aperto sobre sua camiseta e o empurrou para longe. Com o impacto de seu movimento, Shuuhei foi obrigado a dar dois passos para trás, cambaleante.

Com uma expressão de completa fúria, ele sacou sua Nemex e puxou o gatilho.

Ciente de que ele não teria coragem de atirar — já passaram por aquela novela tantas vezes nos últimos quatro dias que ele já perdera a conta —, Kensei tomou um gole de sua cerveja, saboreando-a, antes de dar dois passos adiante e posicionar a testa diante do cano da arma de fogo.

Quatrocentos anos haviam se passado e Shuuhei — para seu desgosto e impaciência, pois parecia que seu tempo juntos como Capitão e Tenente e seus treinos, inclusive com o apoio de Mashiro, não serviram de nada; enquanto seu superior direto, ele sentia que havia fracassado — ainda permanecia sendo o bundão de sempre que tinha medo da própria arma.

"Já terminou sua ceninha?" perguntou, a voz um tanto mais alta. Percebeu que a pouca paciência que tinha para lidar com Shuuhei se acabara há quatrocentos anos, na Seireitei de outrora. "Nós dois sabemos que você não tem coragem de atirar, moleque."

Shuuhei mordeu o lábio inferior. Sentia-se dividido entre a raiva e a frustração. As palavras daquele foragido apenas inflamaram os dois sentimentos. Mashiro era a pessoa mais preciosa em sua vida e por conta dele — e tão somente dele — ela estivera em perigo naquela manhã. A raiva o fazia ter vontade de atirar em seu cartucho cortical — e dane-se as consequências por matar um homem que estava sob a proteção do Primeiro Ministro Planetário —, mas havia algo no fundo de sua mente que não o deixava soltar o gatilho.

A frustração nascida de sua inabilidade de prosseguir com o que ele sabia ser o correto a fazer — tirar aquele homem de seu caminho podia ser considerado errado diante da lei, mas era o caminho moral a se seguir — o irritava em demasia.

"Fique longe da Kuna-san, seu desgraçado!"

Sua voz, certamente mais firme do que o dedo que tremia sobre o gatilho, contrastava com sua atitude.

A mão de Kensei pousou sobre a dele, dando-lhe um solavanco no braço, como se para forçá-lo a atirar.

Os dois estavam tão concentrados um no outro que ninguém percebeu que Mashiro acordara. Sentada no sofá, ela coçou os olhos antes de encará-los com as sobrancelhas franzidas em confusão. Quando conseguiu focar na cena à sua frente, sua face foi contorcida em uma careta de irritação.

"Vamos, moleque, atira."

Por um momento, o coração dela quase parou. No próximo segundo, os dedos se firmaram ao redor do cabo de Tachikaze e ela a arremessou. A Zanpakutou, presa eternamente na forma de sua shikai, fincou-se na parede, entre o rosto dos dois. A ação fez com que ambos desviassem a atenção para ela e se afastassem.

Shuuhei abaixou a Nemex.

Mashiro se levantou do sofá e caminhou até onde Tachikaze jazia, presa na parede, e os empurrou de seu caminho, antes de recuperar a Zanpakutou.

"Que inferno vocês dois! Eu tava dormindo!"

Kensei flexionou os dedos da mão direita. Era como se ainda pudesse sentir a pele suave de Mashiro contra a palma de sua mão.

Quando ela os separou, ele decidiu que não havia mais motivo para continuar no diminuto apartamento. Shuuhei claramente viera para tratar de assuntos de trabalho e não compartilharia — sob nenhuma hipótese — informações com ele. Ela própria parecia reticente quanto a sua presença.

Sem sequer provar do almoço que tinha feito, ele tomou Tachikaze da mão dela — seus dedos roçaram levemente no processo — e pegou sua jaqueta antes de rumar em direção à porta.

Ela não o acompanhou, mas a forma intensa como o encarou foi indicativo de que os dois ainda iriam se encontrar.

Ótimo, Kensei pensou, recostando a cabeça contra o estofado do autotáxi, que alcançava a via aérea, com destino ao escritório do Primeiro Ministro Planetário. Mesmo que o acaso não os unisse novamente, ele tinha a desculpa perfeita para ao menos mais um encontro que não envolvesse a investigação proposta por Aizen. Suas roupas ainda jaziam na máquina de lavar e ele precisaria, em algum momento, voltar para buscá-las.

Não fosse a menor falta de consideração que nutria por aquele desgraçado, ele se sentiria desconfortável de adentrar o mais importante estabelecimento da cidade trajando uma calça de moletom e uma regata — para não mencionar a jaqueta que ainda estava suja de sangue. Mas ele não dava mínima se sua presença fosse manchar a imagem elegante daquele desgraçado.

Ao contrário, a ideia de que pudesse, de alguma forma, irritá-lo, melhorava e muito seu péssimo humor.

Quando o autotáxi parou diante do edifício de mais andares do que se podia contar a olho nu, Kensei acendeu um cigarro e o levou à boca. Estava tão irritado quando deixara a casa de Mashiro — por conta daquele dia infernal, por conta da presença de Shuuhei e do sentimento horroroso que o dominava sempre que pensava na possibilidade de os dois morarem juntos e seus desdobramentos; só de pensar que eles poderiam ter um relacionamento e que ainda assim os dois quase transaram naquela tarde lhe dava dor de cabeça — que intimidara o primeiro transeunte que vira fumando na rua a lhe entregar o maço de cigarro. Ele teria pagado o valor do maço, mas o homem ficara tão intimidado com sua expressão que fugira antes mesmo que ele pudesse dizer algo.

Com uma das mãos enfiadas no bolso da calça, ele exalou a fumaça antes de galgar os degraus que o separavam da entrada do prédio.

Para sua surpresa, não houve a menor resistência quando se apresentou na recepção — apesar de não haver dúvidas sobre os olhares curiosos e julgadores que o acompanharam durante o trajeto até o elevador VIP. Ao que parecia, aquele desgraçado já o esperava.

Kensei jogou o cigarro já apagado na lixeira e acendeu outro tão logo deixou o elevador. Uma das pessoas que cruzavam o corredor o encarou com um olhar desaprovador, mas diante de suas sobrancelhas arqueadas — num claro desafio —, apenas desapareceu o mais rapidamente de suas vistas.

A ideia de ver Aizen o irritava em demasia. Mas Kensei sabia ser um encontro necessário. Havia muitas perguntas que precisavam ser respondidas e, dessa vez, ele não aceitaria nenhuma desculpa esfarrapada.

Não se importava com o fato de ser seguido desde que acordara naquela maldita realidade, mas o irritava de sobremaneira a ideia de que algo pudesse acontecer a Mashiro por sua causa — como já acontecera. Ou melhor: por conta daquele filho da puta engomadinho.

Se relacionar com Aizen sempre fora má notícia, ele sabia muito bem disso. Mas ele certamente não esperava ser atacado em plena luz do dia apenas porque aceitara investigar algumas mortes para o Primeiro Ministro Planetário. Parte de si até mesmo acreditara que aquele ataque fora orquestrado por ele — afinal de contas, não seria a primeira vez que Aizen tentava se livrar dele e daqueles com quem ele se importava.

Flexionou os dedos, sentindo a mão formigar por uma razão completamente diferente. A vontade de quebrar a cara daquele filho da puta era gritante.

Fechou os olhos enquanto exalava a fumaça do cigarro. Precisava, de alguma forma, se acalmar antes de encontrá-lo. Só então, quando estivessem às sós, daria vazão à raiva que sentia. E foda-se a possibilidade de voltar ao tanque. Estava com tanto ódio dele que se voltar para o tanque fosse o preço a se pagar por matar Aizen Sousuke, pagaria por ele de bom grado.

As portas de shoji foram abertas e figura diminuta de Hinamori o cumprimentou com uma mesura educada. Mas seus olhos foram imediatamente atraídos para a figura alta e imponente que surgia atrás dela.

Aizen limpava as lentes de seus óculos com um paninho, antes de colocá-los de volta no rosto.

"A que devo a honra dessa visita, Kensei-san?"

O sorriso que ornou seus lábios largos do Primeiro Ministro Planetário foi suficiente para que ele perdesse a cabeça — e tal qual seu ex-tenente — adentrasse a sala em dois passos tão rápidos que Hinamori teve que se afastar para não ficar em seu caminho.

Mas havia uma diferença gritante entre Shuuhei e ele. Quando Kensei segurou a gola da camisa de Aizen com a mão esquerda, a direita o atingiu em cheio na face. O sangue que trilhou do lábio cortado e manchou seus dedos não foi suficiente para arrefecer sua raiva.

Queria desfigurá-lo! E, por Kami, não pararia até que o sorriso desaparecesse daquela face odiosa. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top