∞ 3 - O DISTRITO 80

A FORMA RÁPIDA E ENERGÉTICA COMO MASHIRO SE LEVANTOU DA CADEIRA FEZ COM QUE VÁRIAS CABEÇAS SE VIRASSEM PARA ENCARÁ-LA.

A tenente estivera acompanhando o rastreador o dia todo à espera de que ele indicasse qualquer deslocamento, mas nada ocorrera. Nenhum movimento.

E quando ocorrera não passava de uma movimentação sem destino claro.

Agora, basicamente duas horas antes do fim de seu turno, a rastreador indicava um destino específico.

Mashiro correu uma mão pela face e um som que era um misto grunhido de frustração e de raiva deixou seus lábios.

Se mais alguém ouviu — e provavelmente ouviram, não era o tipo de pessoa que tentava ser discreta —, preferiu não se pronunciar. Não era incomum que se comportasse daquela forma, sobretudo quando um caso esbarrava em seu horário de almoço ou de saída.

Fora proibida de se aproximar do Distrito 80, a menos, é claro que tivesse ordens expressas para tanto.

Era um alívio que Mashiro nunca tivesse se importado em obedecer à determinadas ordens.

Com uma pressa que fez com que algumas pessoas olhassem para o relógio, preocupados com a hora, ela pegou sua jaqueta e as chaves do carro e se apressou para deixar a Divisão.

Na entrada, como se subitamente se lembrasse de algo, limpou a garganta e anunciou:

"Preciso resolver umas coisas pessoais." E olhando para um senhor de aproximadamente cinquenta anos, parcialmente careca e com um bigode escuro de personalidade, acrescentou, "Umesada-san, a divisão é sua. Diz pro Hisagi-kun não me ligar."

"Por quê? Aonde você vai?"

Quando Mashiro se virou, encontrou Shuuhei na entrada da Divisão, segurando dois milkshakes de matcha.

"É pra mim?"

Shuuhei assentiu, completamente hipnotizado pelo sorriso de puro deleite e gratidão que ornava os lábios dela.

"Awwww já disse que te amo hoje?"

Ele se engasgou por um momento e depois teve que pigarrear aliviar o rubor que ameaçava tomar suas bochechas.

Mas Mashiro não o teria visto nem se se esforçasse muito, pois, com o canudo pressionado entre os lábios, ela já deixava a Divisão num ritmo apressado.

Shuuhei esticou a mão para pará-la, mas pareceu pensar melhor e retraiu os dedos antes que pudesse tocá-la.

A regra de ouro para lidar com Mashiro era sempre estar atento aos limites corporais. Embora ela não tivesse problema em demonstrar afeição por ninguém, contato físico era sempre iniciado por ela. Se alguém a tocasse sem que ela assim o desejasse, era como ver o tempo fechar subitamente e um vendaval e subsequente temporal dominar o céu outrora ensolarado.

Acreditava que tal comportamento fosse resultante de seus anos como paciente do Hospital Psiquiátrico. Mas talvez ela simplesmente só gostasse de ter seu espaço pessoal respeitado.

Sacudiu a cabeça e optou por chamá-la.

"Kuna-san, aonde você vai?"

"Embora," respondeu de forma impaciente. Estava apressada. Adorava Shuuhei, mas detestava como ele era muitas vezes lento para entender suas urgências. Por exemplo quando ele reclamava de almoçar às 11 horas.

Não importava que restaurantes costumeiramente servissem almoço a partir das 11h30. Se ela estivesse com fome, almoçaria às 09 horas se fosse preciso.

"Mas eu voltei com um caso."

Mashiro quase revirou os olhos.

"Pede ajuda pro Umesada-san."

Shuuhei parecia completamente abatido. Conseguira o tal caso de última hora e achava que Mashiro adoraria ter uma oportunidade — desculpa — de voltar àquele lugar.

Pelo visto, conseguira decepcioná-la de novo.

Talvez devesse, de fato, procurar o sargento Umesada e passar a ele as informações do caso — ainda que detestasse o companheiro de trabalho e a forma como ele observava as mulheres da Divisão e se portava como se estivesse acima delas; como se ter uma tenente mulher diminuísse, de alguma forma, a Nona Divisão. Mas achava que o mínimo que podia fazer era lhe dar todas as informações e deixar Mashiro decidir por si.

"Caso de Dano Orgânico. Duas mortes, uma delas morte real. Ao que parece, as vítimas tinham sido injetadas com Sinamorfesterona."

Ela quase respondeu com um Duh, óbvio que é um caso de Dano Orgânico, bobinho, ou não seria nosso, mas preferiu ficar quieta. Sua expressão deve tê-la denunciado, pois a expressão dele foi ficando mais e mais decepcionada ao ver seu desinteresse.

"Ocorridas entre ontem e hoje, no Distrito 80."

Como alguém que deseja intermediar, pois todos sabiam o quanto Mashiro odiava ter trabalho que não a interessava empurrado para ela, Umesada se levantou da cadeira e se pronunciou:

"Eu te ajudo, Hisagi-san."

A verdade é que todos sabiam — e Shuuhei sabia melhor do que ninguém — que ele só queria resolver um caso deixado de lado por Mashiro para depois dizer, com sua costumeira arrogância, que pagar o salário de uma tenente preguiçosa como ela era desperdício de dinheiro.

"Onde mesmo?" Mashiro perguntou, face iluminada com súbito interesse.

"Distrito 80, na Zona Norte."

"Tá. Eu pego."

Todos se voltaram para encará-la, atônitos.

"Achei que você fosse embora mais cedo, Kuna-san?"

Mashiro deu de ombros.

"Mudei de ideia." Virou-se para deixar a Divisão, sem se importar nem um pouco com o olhar semicerrado de Umesada. "Vamos, Hisagi-kun."

Petrificado, Shuuhei a encarou boquiaberto.

"Hisagi-kun?"

Mashiro se aproximou dele e deu dois tapinhas leves em seu queixo.

"Fecha a boca, Hisagi-kun. Tá parecendo um peixe morto." E com isso pegou a mão dele e o puxou para fora da Divisão. De forma natural, seus dedos se entrelaçaram, o que fez com que ele subitamente parasse. Com o movimento brusco, Mashiro se chocou contra ele.

"K-Kuna-san?"

Ela o encarou com uma expressão que era parte dúvida e parte preocupação.

"Huh? Você tá bem, Hisagi-kun?" Sem quebrar a proximidade ou parecer se importar muito com ela, Mashiro tocou sua testa. Por um momento, ele achou que seu nariz fosse sangrar, sobretudo quando ela se apoiou na ponta dos pés e suas faces ficaram muito próximas. Ele conseguia sentir o aroma de matcha em sua respiração; por um segundo, quase se esqueceu de como respirar. Seus olhos se escureceram ao ver os lábios cheios dela a centímetros dos seus. "Seu rosto tá muito vermelho."

Shuuhei piscou duas vezes.

E deu dois passos para trás.

As sobrancelhas de Mashiro se franziram por um momento.

"Eu tô bem, Kuna-san."

"Tem certeza?"

Shuuhei assentiu.

Os dois caminharam para o carro de polícia. Dessa vez, ela deslizou para o volante e ele sequer se preocupou em discutir.

Seu coração estava disparado, batendo feito um louco contra suas costelas.

Tocou o nariz para checar se havia algum mínimo sangramento no momento em que Mashiro estava distraída elevando o carro à via aérea.

Quase suspirou em alívio quando percebeu que não era o caso.

"Hisagi-kun, seu milkshake vai derreter."

Huh...

Milkshake era a última coisa com a qual estava preocupado. Ainda assim, ele envolveu os lábios ao redor do canudo e se deixou esquecer, por um momento, da proximidade aterrorizante e excitante que compartilhara com sua co-tenente.

Mas o gosto da matcha o fez se perguntar se os lábios de Mashiro teriam o mesmo sabor.

Sacudiu a cabeça.

No que diabos estava pensando?

"Huh... Então, os corpos encontrados tinham Sinamorfesterona."

Ela o encarou com as sobrancelhas franzidas.

"Você já disse isso."

"Disse?" Shuuhei coçou o pescoço. "Hugh!" Estava fazendo papel de idiota. "É que..."

"Você tá realmente bem, Hisagi-kun?"

Embora tivesse rido levemente, o som a deixar sua boca foi completamente sem humor.

"Uhum. Tô sim."

Nada convincente.

As próximas palavras de Mashiro apenas confirmavam isso.

"Se você tá dizendo..."

Com isso, ela ligou o som do carro e se endireitou na poltrona de forma mais confortável, ligando a função autopiloto enquanto os dois esperavam o trajeto de quase meia hora se completar.

Shuuhei abriu o porta-luvas e pegou seus óculos escuros, deslizando-os sobre a ponte do nariz.

Aproveitaria esse tempo para clarear sua mente. Só Kami sabia o quanto ele precisava disso.

Kensei quase sorriu quando avistou quem o seguia.

Tão logo deixara o Ryokan, não pode evitar sentir que algo não estava certo. Seus músculos estavam tensos e algo fizera os pelos em sua nuca se arrepiarem. E não tinha nada a ver com o tempo acinzentado e o vento característico do outono.

O monstro dentro de si se mexeu, ansioso por qualquer tipo de ação. Mas Kensei o controlou com firmeza.

Em breve.

Embora conhecesse pouco daquela nova realidade — e das drogas atualmente consumidas, seu único vício sempre fora cigarro e Mashiro, o monstro dentro de si teria adicionado e dessa vez teria recebido um aceno de concordância de Tachikaze, caso a Zanpakutou estivesse ao seu alcance —, ele sabia que aquela droga — qualquer que fosse seu nome; já esquecera — não funcionaria nele. Não quando seu corpo era templo para um Hollow.

Não quando ele era parte Hollow.

Passara parte de sua vida vendo Hollows como monstros dos quais shinigami precisavam dar cabo e, no fim, tornara-se um. Infernos, passara parte de sua vida no Mundo Real tentando se livrar de seu Hollow, até aprender que se livrar dele era a mesma coisa que se livrar de si mesmo. Então aprendera a controlá-lo.

Todos eles aprenderam.

A única que nunca aprendera a controlar — pois nunca precisara — o monstro interior era Mashiro, porque diferente de todos eles, ela sempre o aceitara. Mashiro sempre se aceitara e sempre aceitara todos eles.

Kensei, por outro lado, não podia se dar ao luxo de confiar num monstro que descartava toda a lógica e se apegava aos instintos, que se alimentava de ódio e se deleitava com a luxúria. Não podia confiar em uma voz interior que clamava por Mashiro, que o fizera ver Mashiro, pela primeira vez, como algo além de uma companheira de longa data.

Sua única opção era aprender a controlá-lo. Mas quanto mais tentava segurar as rédeas, mais arredio o monstro interior ficava.

E naquele universo estranho — com rostos conhecidos, mas pessoas desconhecidas —, ele não teria muita escolha a não ser confiar nos instintos de seu Hollow.

Ele era, afinal de contas, a razão pela qual Kensei estivera vivo por tanto tempo — a razão pela qual conseguira sair do coma e deixar o Instituto de Pesquisa — a razão pela qual ele e Mashiro estavam juntos — ou estiveram.

Inalou com força.

Mas não ignorou o aviso de seu monstro interior.

Alguém o seguia.

A princípio, ele achou que talvez fosse Mashiro. Mas ela não tinha motivos para segui-lo — ela sequer se lembrava dele, muito embora seu Hollow discordasse — e caso o fizesse, seria de forma menos súbita.

Não era como se ela tentasse ser discreta. Os cabelos esverdeados e o usual lenço laranja eram uma combinação dificilmente esquecível ou fácil de perder mesmo numa multidão.

Não.

Era alguém diferente.

Ao invés de pegar o autotáxi, resolveu andar pela cidade sem um destino específico em mente. Com as mãos enfiadas nos bolsos de sua jaqueta de couro, percorreu dois quarteirões, observando sempre, de soslaio, se continuavam a segui-lo.

Mas foi só quando ele decidiu parar diante de uma loja de lenços — sem saber se essa fora uma decisão consciente ou não — que ele conseguiu pegar um vislumbre de quem o seguia.

Kira Izuru.

Kensei aproveitou para acender outro cigarro e o encarou diretamente nos olhos.

Se o melancólico tenente da Terceira Divisão o reconheceu, nada foi demonstrado em sua face. Ao menos nos poucos segundos que ele conseguira vislumbrá-la, pois logo ele adentrou uma loja e desapareceu de seu campo de visão. Por um momento, não pode evitar se perguntar o que Kira exercia nessa nova realidade, pois estava claro que detetive particular não era uma delas.

Ele não parecia prestes a abordá-lo, mas também não parecia querer que seu alvo percebesse tão rapidamente que estava sendo seguido.

Estava claro que Kira o seguia a mando de alguém.

Restava saber quem.

Mas embora a curiosidade — e irritação — de Kensei fosse grande, ele decidiu que deixaria o antigo tenente fingir que estava fazendo um trabalho decente. Afinal, não era como se Kira representasse alguma ameaça, pois, para começo de conversa eles sequer estavam no mesmo nível.

O Hollow reclamou.

Ansiava por ação.

Mas Kensei não estava prestes a bater em alguém em via pública, sem ganhar nada por isso e sujeito a ser preso novamente ou pagar uma multa — vai-lá-saber-com-que-dinheiro.

O monstro queria ação.

Certo.

Era exatamente isso que Kensei lhe daria.

Em breve.

E com grana em jogo.

O Distrito 80 era diferente de tudo que ele já vira naquela cidade — do pouco que vira, porque não era como se tivesse visto muito, para ser sincero.

Já era final da tarde quando Kensei finalmente conseguira chegar à casa de lutas comandada por Zaraki Kenpachi. Apesar de ainda não ter escurecido, parecia-lhe óbvio que o lugar era mal frequentado. Entre usuários de drogas — virtuais e reais, aparentemente o consumo de drogas no mundo virtual, que viciava o cérebro, mas não exatamente afetava o corpo como as drogas sintéticas, era famoso nessa nova realidade — prostitutas e gangues — com integrantes que o encaravam com uma sede de sangue que ele se sentia tentado a reciprocar —, a vida noturna no Distrito 80 parecia deveras animada.

Na porta de entrada da mansão, alguns membros do antigo Décimo Primeiro Esquadrão atuavam como guardas, mas ao invés de performar revistas, eles recolhiam dinheiro, como se existisse uma espécie de ingresso para entrar na casa de lutas.

Ou melhor...

Olhou para cima. Uma faixa holográfica, cujas letras faltavam, apresentavam o nome Clube da Morte e uma quantidade de valor inicial grafada com uma espécie de símbolo de dinheiro que ele não reconhecia.

Arqueou uma sobrancelha diante do nome e se aproximou, com as mãos nos bolsos da jaqueta e um cigarro pendendo de sua boca — o último; fumara em poucas horas um maço inteiro. Quando ele estava prestes a passar pela entrada, um dos seguranças colocou a mão sobre seu ombro, impedindo-o de cruzar os portões gigantescos e maciços.

"Aonde você acha que vai, amigão?"

Deu de ombros.

"Lutar."

"Nome?"

Aparentemente, havia uma lista prévia de quem lutaria ou não naquela noite. Kensei retirou o cigarro da boca e exalou longamente. A fumaça do cigarro entrou pelas narinas do pseudo-segurança, fazendo com que ele tossisse e o encarasse com uma raiva porcamente contida.

Típico oficial do Décimo Primeiro Esquadrão.

Botando o cigarro entre os lábios, pensou se deveria dar seu nome verdadeiro ou inventar algum pseudônimo qualquer. Havia aquele receio no fundo de sua mente de que a força policial fosse capturá-lo, mas lhe parecia altamente improvável que algum oficial da lei sequer pisasse nesse lugar.

Parecia altamente improvável que algum policial se atrevesse a cruzar o antigo Capitão Zaraki.

Até onde pudera perceber, basicamente todo mundo da Seireitei mantinha a personalidade nesse novo mundo. Ukitake era um intrometido educado — preocupado com o bem-estar e o conforto de todos, mas ainda assim um enxerido. Shuuhei continuava naquela vidinha patética de continuar arrastando asa por uma mulher que não parecia lhe corresponder.

Não que Kensei fosse muito diferente dele.

Só o irritava que seu tenente sofresse de uma paixonite aguda por sua mulher.

"Muguruma Kensei," respondeu, trazendo o cigarro para os lábios mais uma vez para uma nova tragada.

"Seu nome não consta na lista de oponentes de hoje."

Os seguranças se encararam por um segundo até que um deles comentou.

"Muguruma Kensei... O foragido, não é?"

Merda.

Aparentemente, a polícia chegava em qualquer lugar nesse novo mundo. Ou ao menos as notícias chegavam.

Kensei deu de ombros.

"E você diz que veio aqui pra lutar?"

A resposta veio rápida, "Pra ganhar."

Porque, afinal de contas, não era como se ele tivesse outra opção. Precisava de dinheiro e aquele era o lugar mais seguro — apesar de todas as contradições que essa palavra evocava naquele contexto — para conseguir o valor do qual precisava.

Não era como se pudesse se arrastar até Mashiro — que sequer se lembrava dele — e pedir dinheiro. E mesmo que ela se lembrasse, não era como se seu orgulho o deixasse depender de quem quer que fosse. Mútua colaboração era diferente de dependência e Kensei aprendera, durante seus anos vivendo com os Vizards no Mundo Real, que não havia problema em confiar nos outros, mas depender estava além dele.

Sua aparente autoconfiança e indiferença fez com que os seguranças se encarassem novamente, um sorriso brotasse em seus lábios, até que um dele balançou a cabeça num sinal positivo.

"Procure o Yumichika-san. Ele vai poder te orientar."

Kensei assentiu.

Mas antes de entrar, ainda pode ouvir um deles murmurar algo como aquele viado de merda vai adorar te ajudar.

"Acorda, Hisagi-kun." A voz de Mashiro fez com que o homem sentado no banco do carona acordasse, assustado.

Ele levou um minuto para entender onde estava e o que estava fazendo, mas quando finalmente ele percebeu que estavam no Distrito 80, Shuuhei removeu os óculos escuros e correu uma mão pelo rosto, como se a ação fosse suficiente para acabar com quaisquer vestígios de sono.

Então abriu a porta e saiu do carro.

Mashiro estava inclinada sobre o porta-malas, katana já posicionada em suas costas, presa no lugar por uma faixa branca que cruzava a extensão de seu peito, segurando entre as mãos uma pequena lâmina de combate.

Chegava a ser engraçada a aversão que sua companheira de trabalho nutria por armas de fogo. Shuuhei, por sua vez, embora não se importasse em recorrer a uma lâmina de vez em quando, sentia-se mais à vontade segurando uma arma de fogo em mãos.

A seriedade com a qual ela encarava a lâmina e a virava entre os dedos com praticada reverência chamou sua atenção. Era altamente improvável que Mashiro dispensasse aquele tipo de atenção a qualquer coisa que não pudesse comer.

Numa tentativa de humor — que quase o fez se arrepender de ter nascido —, ele comentou, "Esperando encrenca?"

O som de sua voz pareceu assustá-la.

Os dedos dela se fecharam com mais veemência ao redor do punho arroxeado da lâmina. Segundos depois, ela o encarava com um sorriso desconfortável no rosto.

"Ah... isso?" perguntou, guardando a lâmina dentro do bolso interno de sua jaqueta laranja — Shuuhei se perguntava como ela ainda se atrevia a usar aquela jaqueta de cor tão berrante mesmo após os gritos que tomaram do Comandante Geral Yamamoto.

Não precisava nem se esforçar para se lembrar da dor de cabeça que tivera no outro dia após aquela reunião.

"Não é nada."

Shuuhei deu de ombros, mas estava pouco convencido. Mashiro fechou o porta-malas e a seguiu pela intersecção de ruas estreitas, desviando de pessoas dos mais variados tipos — bêbadas, drogadas, potenciais criminosos — que cruzavam seu caminho.

"Tem valor sentimental?" perguntou, batendo seu ombro levemente contra o dela. Seu gesto de camaradagem, que geralmente era recebido com algum comentário jocoso ou com um empurrão que o desequilibraria, a fez congelar no lugar.

Shuuhei se voltou para ela e a encarou com preocupação a anuviar seus olhos acinzentados. Será que havia cruzado algum limite?

"Kuna-san?"

"Quê? Não!" Ela o encarou como se ele tivesse mais de três cabeças. "É só uma lâmina velha."

Ele comprimiu os lábios.

Ao virarem a próxima esquina, os dois adentraram a cena do crime. A mensagem ECPD – NÃO CRUZE rolava pela faixa holográfica e oficiais clareavam a área, pedindo que transeuntes se afastassem.

Talvez fosse melhor não comentar. Tinham um trabalho a fazer.

E a julgar pela forma como a expressão de Mashiro fechou completamente ao avistar o Tenente Omaeda da Segunda Divisão, essa seria uma noite de trabalho absurdamente tensa.

Conseguir uma vaga no rol das lutas daquela noite fora mais fácil do que Kensei esperava. Difícil mesmo fora ter que aguentar as insinuações de Yumichika e os olhares atravessados de Ikkaku. Aparentemente, neste universo também, os dois não tinham se resolvido.

No fim das contas, ser um foragido — e sua aparência, tudo era sobre aparência com Yumichika —, o ajudara a conseguir uma luta para aquela noite. Caso provasse ser uma boa atração — e Yumichika deixara bem claro que tinha altas expectativas para ele —, poderia conseguir mais lutas nos próximos dias e, quem sabe, virar o lutador principal.

Kensei não tinha a menor intenção de virar um lutador profissional. Estava desesperado por dinheiro e aquela parecia ser a solução mais fácil e viável, dado o fato de que ele estampava cada holojornal disponível na cidade.

Naquela noite, seu oponente seria ninguém menos do que o antigo tenente Abarai Renji. Só havia duas regras básicas e elas eram claras: 1) quanto mais violência, mais dinheiro os oponentes recebiam e 2) morte real era proibida.

Pelo que Ikkaku explicara, caso o lutador que recebesse maior valor das apostas ganhasse, o valor seria rachado com a Casa, que ficaria com 70% do valor. Já se o ganhador fosse aquele que recebesse o menor valor de apostas, ele receberia todo o valor das apostas feitas sobre o outro lutador.

Aparentemente, Kensei estava com sorte, porque quase ninguém apostaria nele; era um completo desconhecido, enquanto Abarai Renji era a sensação da Casa.

Que pena para o tenente do Sexto Esquadrão.

Não tinha nada contra ele — além do incidente em que Renji resolvera revelar, já muito bêbado, para todos num bar da Seireitei, seu recente relacionamento com Mashiro não havia motivos para detestá-lo; como ele descobrira era um grande mistério, talvez pela tenente fofoqueira do Décimo Esquadrão, afinal não era segredo para ninguém que ele e Matsumoto saíam para beber sempre que possível, ou talvez pela própria Mashiro que não se importava nem um pouco com o escrutínio alheio —, mas precisava vencer e ele não teria problema nenhum em quebrar o pescoço de Renji se fosse preciso.

Não era como se tivesse algum problema para bater em pivetes.

Além de não receber um centavo sequer, o tenente da Sexta Divisão ainda precisaria de uma nova capa — acreditava que era assim que chamavam novos corpos nessa nova realidade.

Kensei alongou o pescoço e olhou para o homem à sua frente na arena. O público entoava palavras de ordem e apoio ao tenente. Alguns poucos pareciam torcer por ele.

Yumichika estava certo, afinal de contas.

"Bem-vindos ao Clube da Morte!"

A voz infantil de Yachiru ecoou na arena. Kensei olhou para cima, até encontrar a origem daquele tom irritante. Sentada no ombro do antigo Capitão Zaraki, a criança de não mais de sete anos comandava a atenção de todos na casa de lutas. Ou talvez fosse a figura do antigo Capitão da Décima Primeira Divisão, que, já ocupando o camarote de maior destaque na Casa de Lutas, ainda ocupava uma espécie de trono feito de caveiras de seus inimigos — se elas eram reais ou não, ninguém saberia precisar.

Deveria ser ilegal deixar uma fedelha como ela entrar numa casa de lutas. Mas talvez já fosse e Zaraki simplesmente não desse a mínima para a legislação vigente.

Aos poucos, a multidão pareceu se aquietar, mas era óbvio que todos estavam no limite, aguardando, ansiosos, pela apresentação dos lutadores. Para alguém que mal passava da altura de seu joelho, Yachiru sabia manipular a expectativa dos expectadores como uma verdadeira expert.

"Hoje teremos uma luta muito, muito... mas muito especial mesmo no nosso Clube da Morte. Não é Ken-chan?"

Kensei quase quis rolar os olhos.

Já estava perdendo a pouca paciência que tinha enquanto Yachiru enrolava. Zaraki murmurou algo — quase tão impaciente quanto ele e quase tão ansioso por ver sangue quanto ele — num tom imperceptível. Isso, ou as batidas frenéticas de seu coração não o deixavam ouvir muito mais do que o sangue bombeando em suas veias.

Yachiru bateu palmas e encarou a multidão que berrava, enlouquecida, com a introdução.

"De um lado, a nossa estrela... Abarai-kun!"

Diante dos olhos de todos presentes na arena, uma explosão de cores surgiu no holopainel central. Além de um vídeo de Renji lutando, informações sobre seu peso, altura e estilo de luta surgiram na tela. O vídeo terminava com o antigo tenente colocando a katana sobre os ombros e uma expressão de pura arrogância dominava seu rosto tatuado.

Diante dele, Abarai soltou um som que era em parte um che de resignação — afinal, Yachiru se dirigira a ele como se eles fossem melhores amigos, e não com o devido respeito geralmente reservado a um dos lutadores mais importantes da Casa — e soberba. Não era todo dia que uma multidão ensandecida berrava seu apelido com tanto furor.

"E do outro..." Ela bateu as palmas novamente, deliciada. Na tela, uma imagem de Kensei surgiu. Mas não havia nenhum vídeo dele... e as informações projetadas no holopainel foram fabricadas, pra dizer o mínimo. Ou tiradas da mente criativa de Yumichika. "...Do outro... Ken... Ken... Kensei-kun? Posso chamar ele de Ken-chan também, Ken-chan?"

A multidão explodiu em gargalhadas.

Kensei pressionou os lábios numa linha reta. Zaraki deu de ombros, como se não desse a mínima por dividir o apelido carinhoso com outro e só quisesse que a luta começasse o quanto antes.

Abaixo de seu nome completo, o holopainel projetou aquela alcunha que mais do que detestava: O FORAGIDO.

Zaraki limpou a garganta, impaciente, e a multidão se calou. Yachiru voltou a empostar a voz.

"Quem sairá vitorioso da luta de hoje? Abarai-kun, o nosso macaco? Ou o Ken-chan, o foragido?"

Ela bateu palmas mais uma vez. As luzes nos holopaineis se apagaram, bem como todas as demais na casa de lutas, antes que apenas focos de luzes periféricos rodeassem a arena. A multidão parecia aguardar, numa eterna ansiedade que parecia permear o ar, que a luta começasse.

Uma explosão de cores clareou o painel.

E Renji atacou.

Apesar de não estar preparado para o primeiro e intempestivo golpe, Kensei o interceptou com relativa facilidade. Renji se afastou, voltando para os arredores da arena.

A multidão berrou. Os gritos eram sobretudo de apoio ao tenente diante de si. Ninguém o apoiava. Ainda. Mas ele não estava ali para receber apoio. Tinha um único objetivo: ganhar.

Ele limpou o suor das mãos na bermuda que trajava e flexionou os dedos, antes de voltar sua atenção para o homem à sua frente.

Apesar de segurar uma katana nas mãos e trajar um sorriso arrogante, Renji não passava de um pivete que não tinha a menor chance contra ele. Mas ele não se deixaria enganar pelas aparências. Enquanto se preparava no banheiro, Kensei ouvira histórias de como além de injetarem a droga que Ukitake tinha comentado mais cedo, muitos lutadores tinham seus corpos modificados para incorporar determinadas tecnologias que garantiriam suas vitórias nas lutas — ou ao menos uma luta mais eletrizante.

Ele não tinha nada disso a seu favor — quer dizer, tinha a droga, mas além daquele efeito vergonhoso e incômodo, não acreditava que a substância fosse deixá-lo mais forte. Ao invés disso, ele tinha um monstro interior.

Que estava louco para dominá-lo.

Talvez, em outra realidade, utilizar seu Hollow para vencer uma luta fosse trapaça, mas ele não dava a mínima. E talvez, em outra circunstância, ele fosse esperar mais um pouco antes de deixar o controle lhe escapar, mas precisava ganhar aquela luta o quanto antes.

E de toda forma, não era como se estivesse particularmente inclinado a machucá-lo.

Embora Kensei fosse gostar de tirar aquele sorriso arrogante da boca do antigo companheiro de Gotei Treze.

Olhou para baixo, observando com intensidade o jogo de pés de Renji. O problema da maioria daqueles que se distinguiam na forma de combate zanjutsu, como o tenente da Sexta Divisão, é que raramente eles se preocupavam em se desenvolver e se aprimorar na modalidade hakuda.

Para o azar de Renji, Kensei era formidável nas duas formas de combate.

E ele tinha a chance perfeita de acabar com aquela luta nos primeiros minutos. No segundo golpe desferido contra ele. Seria muito fácil segurar a katana pelo cabo e impedi-lo de completar seu ataque.

Vira Renji lutar mais de uma vez, então era fácil saber que ele confiava demasiadamente no poder de sua Zanpakutou, deixando sua guarda aberta para quem quer que pudesse se aproximar.

Usualmente, sua Zanpakutou cobriria sua guarda sem nenhum problema. Mas nesse mundo Zanpakutou não tinham poder e aquela não passava de uma katana comum.

Ainda assim, ele só se esquivou do golpe e esperou que Renji viesse até ele de novo.

Gritos de reprovação foram ouvidos na arena. Outros começaram a torcer por ele.

Movendo o pescoço de um lado para o outro, ele arrastou a ponta da katana no chão e soltou um som que se assemelhava ao seu costumeiro Che.

Ele pareceu pensar um pouco melhor em como desferir o ataque dessa vez. Mas, novamente, deixara sua guarda aberta. O que fez com que Kensei perdesse a pouca paciência que tinha.

Ao invés de se esquivar, entrou no campo de alcance da katana, antecipando o movimento de Renji e o desequilibrando por um mísero segundo que resultou como mais do que suficiente para que ele desferisse um primeiro soco contra o plexo solar de seu oponente.

Quanto este se curvou, completamente sem ar, Kensei aproveitou para socá-lo sob o queixo.

O impacto do golpe foi tão forte que a cabeça de Renji voou para trás e ele perdeu completamente o equilíbrio.

O público berrou, extasiado.

Sangue voou da boca do antigo tenente.

Mas Renji não caiu no chão.

Não tinha problema.

Tinha ao menos mais quinze minutos para finalizar essa luta. Tempo mais do que suficiente para vencer e ensinar uma lição a Renji — porque aparentemente apanhar de outro Capitão não fora suficiente para ensiná-lo a não deixar a maldita guarda aberta.

Kensei flexionou as mãos.

Adrenalina corria em suas veias, fazendo seu coração bater mais rápido e bombear o sangue com uma precisão e velocidade incríveis. Seus músculos praticamente cantavam, contentes, por finalmente serem utilizados para o propósito pelo qual existiam.

Aos poucos, seus sentidos ficavam mais claros, como se até então ele estivesse entorpecido pela droga que lhe injetaram.

Renji tocou o queixo.

"Che, você é melhor do que eu esperava." Cuspindo o sangue presente em sua boca no chão, ele levantou a katana e a apontou para Kensei, "Mas eu não vou perder pra você, fora—

Dessa vez, antes que seu oponente pudesse terminar a frase e ao invés de esperar por um ataque desastroso que só o deixaria irritado, ele preferiu se adiantar. Colocou os punhos numa posição que indicava que ele o atacaria na parte superior do torso, o que fez com que o Renji levasse os próprios braços para proteger aquela área, deixando as pernas completamente desprotegidas. Acabou novamente surpreendido quando a sola do pé de Kensei se chocou contra seu joelho.

O som do osso se quebrando só não foi ouvido porque gritos indecorosos inundaram a arena. Dentre todos os novos xingamentos — palavras que mesclavam a raiz de antigos palavrões com novos aparatos tecnológicos, resultando em combinações interessantes —, o mais suave foram mesmo caralho e filho da puta.

Quando Renji atingiu o solo, apoiando-se em uma perna — a perna cujo joelho não fora destroçado —, ele acabou deixando sua katana lhe escapar. Ainda com os olhos focados nele — olhos enegrecidos com pupilas douradas — e um sorriso completamente displicente — sorriso esse que só poderia pertencer ao monstro interior, porque Kensei nunca sorria daquela forma arrogante —, ele apanhou a katana do chão e a atirou contra uma das paredes.

A katana voou pela arena, fazendo com que os gritos já altos ficassem atingissem decibéis inimagináveis, até pousar, fincada, contra uma pilastra de madeira posicionada entre o público.

Queria ver Renji se virar sem sua amada espada de brinquedo.

O que lutadores arrogantes e impacientes como o homem à sua frente não compreendiam é que as Zanpakutou é que dependiam dos shinigami e não o contrário. Afinal de contas, não era a espada que fazia o espadachim.

"Che..."

Kensei teria ficado irritadíssimo com aquele som de escárnio a deixar os lábios do tenente enquanto este tentava se levantar. Mas seu Hollow estava se divertindo muito com a situação. Os olhos enegrecidos se focaram em outros ossos que pretendia quebrar.

E mesmo a opção da morte real era extremamente atraente para o monstro dentro de si.

Embalado pelos gritos de Acaba com ele, porra! e Puta merda, deveria ter apostado no foragido!, ele se aproximou de Renji, flexionando os dedos para o próximo — e último — golpe.

Era só uma pena que quando ele estava prestes a acabar com a vida patética do Abarai, a voz de Mashiro tenha capturado sua atenção.

No próximo segundo, quem provava o sabor de sangue era ele.

Com o impacto do golpe, sua cabeça ricocheteou e ele mordeu a própria língua. O gosto férreo dominou seus sentidos por um breve momento, e não fosse pelo Hollow, ele não teria conseguido interceptar o soco desferido contra seu plexo solar.

Com uma mão fechada ao redor do braço de Renji, ele o segurou pela garganta com a outra, levantando-o do chão. Não fosse pelos olhos ilegíveis de Mashiro focados nos seus e pela arma de Shuuhei apontada para si, Kensei teria matado Renji e finalizado aquela luta, levando para casa o maior prêmio da noite.

Merda.

Tudo aconteceu tão rápido que ele mal conseguiu acompanhar com a devida clareza. Mas, num momento, ele controlava a vida de Renji entre seus dedos, no outro tinha uma arma apontada para si.

E um segundo após isso, Yumichika pressionava uma katana contra a nuca de Mashiro.

De seu lugar na arena, Zaraki não se moveu. Olhava a cena toda com uma expressão quase entediada — era óbvio que ele se divertira segundos atrás com a virada repentina da luta. Sentada em seu ombro, Yachiru deixou de bater palmas e colocou as mãos sobre os lábios para vaiar a presença dos dois policiais.

Se Mashiro estava preocupada com a ação, ela não deixou transparecer. Mas Yumichika se fez ouvir da mesma forma: "Abaixa essa arma ou a sua namoradinha vai sair daqui sem o cartucho dela."

Kensei soltou seu oponente, deixando-o cair no chão. Seu Hollow tinha em mente uma pessoa mais interessante para matar. Duas. Porque Shuuhei não soltara a arma.

Policialzinho de merda.

Mas também não era preciso. Tão logo o braço dele tremera levemente — indicando indecisão e, como Kensei suspeitara, medo de sua própria arma —, Mashiro agira.

Novamente, o problema da maioria dos usuários de zanjustu é que eles dependiam demais de armas. E em sua arrogância, não conseguiam ler o corpo de seu oponente. Sendo ele parceiro de Mashiro por mais séculos do que conseguia se lembrar, acompanhar e antecipar os movimentos dela era como uma segunda natureza para ele.

Então não foi surpresa alguma quando ela girou o corpo levemente — ainda que isso tenha feito com que a ponta da lâmina riscasse seu pescoço e arrancasse algumas gotas de sangue no processo; ela sempre fora uma oponente igualmente formidável e descuidada — e o acertou por baixo da axila com o cotovelo.

Com o impacto do golpe, Yumichika se curvou levemente e foi obrigado a dar dois passos para trás.

Sons de aprovação e palmas ecoaram na arena. Mas não duraram muito tempo. Zaraki se levantou de sua cadeira e gritou um alto e claro Vazem daqui, seus merdas antes de se dirigir até os policiais.

No mesmo momento, Shuuhei deixou de apontar a arma para ele e a direcionou para Ikkaku, que se adiantava para sacar a katana da bainha. Ele aproveitou para sacar outra arma e apontá-la para Yumichika. Mashiro, sacara a própria katana e apanhara a que caíra no chão.

Kensei aproveitou que ninguém mais prestava atenção nele para fugir. Antes de sair, ele pensou em estender uma mão para Renji, para ajudá-lo a se levantar, mas decidiu que ele não valia o esforço.

De forma muito natural e fluida, Shuuhei e Mashiro se moveram, até que ficassem de costas um para o outro.

"Você tá bem, Kuna-san?" perguntou, olhando-a de soslaio.

"Não seja bobo, Hisagi-kun," ela respondeu com um sorriso no rosto. "Não é como se um cortezinho de nada desses fosse me derrubar."

Shuuhei sorriu de volta, ainda focado nos homens à sua frente. Todos os seguranças formavam uma roda em torno deles e ele se perguntou, pela milésima vez, porque resolvera seguir Mashiro até à casa de lutas quando essa era a provável consequência de sua entrada não anunciada.

Certo...

Zaraki havia usado seus contatos e avisado o corrupto Omaeda do caso no Distrito 80, fazendo com que o homem roubasse as evidências que eles foram recolher.

Pensando bem, Mashiro tinha todo o direito de querer dizer algumas poucas e boas para o gigante de dois metros que parava diante deles. E não era como se ela se sentisse intimidada pelo sorriso maníaco que distorcia a face marcada por diversas cicatrizes.

Com um gesto que o surpreendeu, ela abaixou as katanas — e inclusive devolveu uma para o homem de cabelo chanel que a encarava com mais ódio nos olhos do que deveria ser humanamente possível — e quebrou a formação, deixando-o desprotegido.

"Me espere no carro, Hisagi-kun."

Shuuhei queria se estapear.

A imprevisibilidade das ações de Mashiro não era nenhuma surpresa para quem a conhecia, mas não deixavam de ser menos preocupantes.

Ela bateu em seu ombro levemente e se dirigiu para a área interna da arena.

"Ei, garota! Que porra você acha que tá fazendo?" A voz trovejante de Zaraki não a fez se voltar para encará-lo. Era como se ela não tivesse ouvido.

"Mas você não pode ir entrando assim." Yachiru coçou a testa. "Ou ela pode, Ken-chan?"

Shuuhei moveu o braço de forma a posicionar uma das armas contra o dono da casa de lutas.

"Ela precisa de um mandado de busca e apreensão," Ikkaku respondeu sem muita paciência. "Não é, tenente?"

Antes de responder, ele olhou de soslaio para a figura de Mashiro saindo da arena. Normalmente, ele diria que ela o colocara numa péssima posição, mas admirava que ela tivesse pensado de forma rápida e resolvido um problema de longa data.

"Normalmente sim."

"Então que porra ela tá fazendo invadindo o meu vestiário?" Zaraki perguntou, focando sua raiva completamente nele.

Shuuhei puxou o gatilho.

Agora que Mashiro não estava mais por perto, ele se sentia mais à vontade para usar sua arma, caso fosse preciso.

Era melhor que Zaraki tivesse excelentes contatos, pois dependendo do que Mashiro achasse na área interna da casa de lutas, ele passaria ao menos uns cinquenta anos no gelo.

"Mas já que vocês decidiram dar cobertura para um foragido da polícia, o mandado se torna obsoleto e desnecessário." Quando Yumichika tentou se adiantar num movimento brusco, Shuuhei não teve alternativa a não ser apontar uma das armas contra sua perna e atirar.

Merda.

Odiava quando operações resultavam em tiroteio desnecessário.

Kensei tinha terminado de vestir a jaqueta quando ouvira o barulho de um tiro sendo disparado. O sangue gelou em suas veias.

E seu coração disparou.

Se algum daqueles filhos da puta tivessem atirado em Mashiro, ele viraria aquele lugar de ponta cabeça e faria da vida de Zaraki um verdadeiro inferno.

Sem que ele percebesse, seus olhos foram tomados por uma cor enegrecida e suas pupilas adquiriram a cor dourada.

Seu Hollow fora impedido de saciar sua sede por sangue anteriormente, mas agora não haveria nada nem ninguém que pudesse impedi-lo de matar alguém naquele maldito lugar.

Umedeceu os lábios, sentindo um arrepio de prazer a percorrer sua coluna diante da possibilidade de desmembrar alguém da forma mais violenta e cruel que conseguia imaginar. Mas antes que pudesse sair do vestiário — todo e qualquer pensamento de fuga havia abandonado sua mente no momento em que ele ouvira o barulho de tiro —, a porta se abriu e a figura diminuta de Mashiro surgiu diante dele, com a ponta da katana apontada para sua garganta.

Kensei deu um passo para trás, mas ela se adiantou e deu dois passos para frente, colocando-o contra a parede. A katana ainda pressionada firmemente contra seu pomo-de-adão; caso respirasse, a lâmina perfuraria sua carne.

"Mashiro."

Havia um misto de alívio e em parte de frustração em sua voz, sobretudo quando a ponta da lâmina picou sua pele.

Não era preciso ser muito inteligente para saber que um filete de sangue escorria por sua garganta.

Ele fechou uma mão ao redor da katana, sentindo a lâmina cortar sua palma e a puxou, com uma força que ela não seria capaz de prever, para longe de seu alcance. Com a outra mão, ele puxou Mashiro contra si.

E ele soube, pela forma como ela semicerrou os olhos, que ela só se chocara contra seu peito largo porque assim o desejara.

Kensei abaixou a cabeça e o nome dela, num tom que era quase um sussurro de adoração e de esperança, deixou seus lábios.

"Mashiro."

"Como você sabe meu nome?" Ela sacudiu a cabeça negativamente. "Quem é você?"

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