capítulo 01 | a infinita noite dos teus olhos

O cheiro salgado e a brisa faziam Hongjoong se sentir em casa. Ele esteve no mar desde que se conhecia por gente, ou seja, todos seus seis anos de vida. Seu pai o levava com frequência quando saía com o pequeno barco de pesca da família, e Hongjoong adorava ficar observando a água, os peixes e o céu enquanto seu pai se preocupava com o sustento da casa, cantarolando músicas antigas ou contando histórias para ele enquanto trabalhava. Aqueles eram, definitivamente, seus dias favoritos.

Foi em um desses dias que ele o viu.

O dia estava nublado, ameaçando chuva desde que eles saíram da vila com o barco de pesca, como de costume. Em dias como aquele, que o mar estava imprevisível, seu pai o deixaria com sua mãe ou com alguma vizinha, mas a epidemia de gripe fez com que boa parte das pessoas estivessem ocupadas tentando se recuperar e ninguém estava disposto a receber uma criança naquelas condições. Então, seu pai o levou, e Hongjoong fez o que pôde para ficar quieto para que ele pudesse acabar o trabalho mais rápido e deixar o mar inquieto para trás. Mas as coisas não foram como o esperado.

Hongjoong observava a água como de costume enquanto seu pai puxava a rede vez após vez, com pouco sucesso, o que o deixava frustrado. Ele viu, pelo canto do olho, quando um peixe surgiu ao lado do barco e o seguiu com os olhos enquanto ele nadava em volta da embarcação, secretamente torcendo para que ele entrasse na rede de seu pai. O peixe desviou e sumiu embaixo do barco, e o garoto o procurou pelo mar agitado.

Seus olhos vasculharam a água de seu lugar, sentado do lado oposto ao que seu pai pescava, mas a água turva limitava sua visão e ele achou que não o encontraria mais. Mas ele encontrou algo muito mais interessante.

Um par de olhos o observava ao longe.

Olhos negros, quase tão escuros quanto a noite, brilhavam sob a água, e Hongjoong sentia as engrenagens de sua cabeça procurando uma explicação para como uma pessoa chegou até ali e como ela não foi percebida até aquele momento. Ele olhou para o pai, tentando descobrir se ele também via, mas ele não dava indício de perceber a presença estranha sob as correntes que ficavam cada vez mais fortes.

Hongjoong voltou a olhar para a água, mas o par de olhos havia sumido, assim como o peixe, e ele se perguntou se não estava começando a ver coisas demais por causa do tédio. Mesmo com a suspeita de que estava vendo coisas onde não tinham, ele continuou procurando. Podia ser um peixe grande, um tubarão ou uma lula. Mesmo que os olhos parecessem humanos demais para ser qualquer um desses.

Seu momento de distração teve um custo.

Em um minuto, ele estava sentado no barco, e no seguinte, estava caindo quando uma onda mais forte bateu no casco de madeira. Seu pai se assustou com seu grito, mas não foi rápido o suficiente para segurá-lo e ele caiu, sendo levado pela correnteza bem mais forte do que parecia olhando de cima.

Centímetro por centímetro, ele foi afastado do barco e do pai, sem forças para fazer nada além de assistir o olhar de desespero e angústia que ele lançava em sua direção.

Sua visão ficou cada vez mais turva e embaçada à medida que a água entrava em seus olhos, dificultando a percepção de seu entorno. Ele não via mais o barco e, alguns minutos depois, ele não via mais nada conforme pontos pretos surgiam em sua visão. Hongjoong não ouvia nada além do zumbido constante em seus ouvidos, abafando qualquer outra coisa além de seus próprios pensamentos de pânico e desespero.

Ele tentou nadar, tentou manter a cabeça acima da superfície, mas seus movimentos se tornaram fracos e descoordenados com o cansaço e o medo. O gosto salgado da água dominava seu paladar e ele sentia a náusea aumentando a cada gota que ele engolia contra sua vontade. Hongjoong tremia com o frio e sentia como se estivesse recebendo agulhadas no corpo todo.

Seu cérebro estava falhando com ele.

Hongjoong não conseguia pensar, não sabia o que fazer, e a exaustão só aumentava seu desespero conforme ele perdia as forças tentando manter a cabeça sobre a água. Aos poucos, ele sentiu os pontos pretos aumentando e sua consciência oscilando. Ele sabia que não conseguia mais lutar com a correnteza que só ficava mais forte.

Ele sentia suas energias se esvaindo e se preparou para desistir, para parar de lutar, quando olhos negros surgiram em sua visão mais uma vez antes de Hongjoong sentir alguém o segurando pelas axilas, o puxando em direção à superfície. Ele tentou respirar, mas era tarde demais. Seu corpo não suportava mais e os olhos pretos foram a última coisa que ele viu antes de perder a consciência.

Quando Hongjoong acordou, ele estava em terra firme, a areia da praia se agarrando em suas roupas molhadas e um grupo de pessoas o rodeavam enquanto ele tentava se situar. O rosto de seu pai invadiu sua visão, cheio de alívio, e nada mais importava.

Ele estava em casa.


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Hongjoong viu os anos passarem depois do acidente. O rosto infantil amadurecendo enquanto sua vida se encaminhava.

Com o tempo, ele trocou as casas pequenas de sua vila de pescadores pela cidade grande, se mantendo o mais longe do mar que conseguiu, ainda assombrado pelas lembranças de seu corpo sem forças sob a água. Ainda que todos os detalhes estivessem vivos em sua memória mesmo depois de anos, Hongjoong se convenceu de que chegou sozinho à praia.

A cidade o apresentou um caminho que ele nunca imaginou para si mesmo enquanto estava confinado à sua pequena vila: a música. Não que eles não tivessem música, mas tudo consistia em músicas tradicionais que os pescadores ensinavam para seus filhos ao longo das gerações. A capital mostrou a ele um tipo diferente de música.

Música pelo bem da diversão e do entretenimento, música que ajudava as pessoas a passarem por momentos difíceis, música que curava. E, assim, ele descobriu sua paixão e vocação, dedicando cada segundo disponível para aprender mais e mais, para se tornar cada vez melhor.

Seus esforços alcançaram resultados e, em poucos anos, Hongjoong se tornou um cantor e compositor amado pelo público e pela mídia, idolatrado pela crítica. Sua equipe cresceu e ele chegou ao ápice de precisar de seguranças para andar pela cidade. Foi assim que ele conheceu San e Jongho, seus seguranças que, com o tempo, se tornaram seus amigos, tornando toda a vida exaustiva de uma celebridade muito mais manejável.

Hongjoong estava reunido com San e Jongho, decidindo o melhor plano de segurança para o próximo show, quando saiu a notícia que mudou o resto de sua vida.

Seu apartamento, grande e elegante, acomodava o trio na sala, onde um tablet descansava sobre a mesa de centro com a planta da arena em que ele se apresentaria. Ideias iam e vinham e o som da televisão era a única coisa que soava além das vozes. Nenhum deles estava prestando atenção no noticiário e Hongjoong tinha uma xícara de café recém passado em mãos, quando a âncora falou algo que chamou sua atenção, fazendo com que ele deixasse de ouvir o que San dizia sobre os seguranças locais e quantos contratar.

"...As criaturas, encontradas esta manhã próximo ao litoral sul, viajavam em um grupo com oito indivíduos. Houve luta durante a captura e dois dos seres foram mortos no conflito. Os outros seis foram levados pelas autoridades para investigação e pesquisa."

San parou de falar ao perceber que a atenção de Hongjoong estava em outro lugar. As imagens eram horríveis. Um navio puxava uma rede com um ser que só era humano da cintura para cima, abaixo disso, uma cauda se debatia, tentando se livrar das redes e voltar para o mar enquanto a criatura gritava com uma voz humana o suficiente para ser perturbador de ouvir.

Hongjoong sentiu sua respiração ficar presa na garganta enquanto uma por uma das seis criaturas eram tiradas da água, antes de a imagem continuar com um blur que embaçava os corpos das duas que não resistiram, também levados para ter seus corpos estudados. Ele sentiu seu estômago embrulhar com o entendimento de que tipo de vida eles teriam pela frente e o que os esperava.

Ao mesmo tempo, uma lembrança surgiu mais vívida do que nunca, olhos negros como a noite sob a água, e a xícara caiu de sua mão com o choque, porque Hongjoong entendeu. Ele descobriu como ele foi parar na praia, o que o levou até lá, embora não soubesse exatamente quem. Até onde ele sabia, a criatura — o sereiano — que o salvou podia ser macho ou fêmea, eles podiam nem ter sexo definido. Mas independente disso, ele foi salvo por uma daquelas criaturas e agora eles estavam sendo presos, porque seres humanos não suportavam a possibilidade de não entender alguma coisa.

Ele se sentia eufórico e desacreditado ao mesmo tempo e tanto San, quanto Jongho, o olhavam preocupados enquanto ele parecia hipnotizado pela tela, por aquelas imagens. Um dos sereianos capturados tentava chegar a um dos corpos com gritos de agonia e toda a cena era humana demais para Hongjoong continuar assistindo ao sofrimento e a perda.

Ao invés de continuar assistindo, ele olhou para seus seguranças.

— Eu tenho que fazer algo por eles. Isso é cruel demais.


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Hongjoong tentava não se deixar distrair pela quantidade de informação que invadia seus sentidos. Os lustres cintilantes do salão de baile, as decorações opulentas e os convidados vestidos em trajes elegantes sobrecarregavam sua visão do salão de festas espaçoso e bem iluminado. A porta, pequena em comparação com a grandiosidade do salão, ficava embaixo de um cruzamento de duas escadarias que levavam ao segundo andar. Do lado oposto à porta, uma cortina preta e extremamente cumprida cobria algo que, teoricamente, ninguém sabia o que era, mas todos estavam reunidos ali para ver, de qualquer forma. Hongjoong tinha um palpite do que o esperava e, se estivesse certo, cada entrada, saída e detalhe era importante, então tanto ele quanto San se mantinham em alerta enquanto andavam pelo salão, cumprimentando pessoas com sorrisos educados.

Ao centro do salão, mesas foram enfileiradas com comidas e bebidas à vontade, e cada um deles pegou uma taça com alguma coisa que nenhum deles sabia identificar — e também não importava, porque não passava de uma tentativa de manter as aparências.

Música suave ecoava pelo espaço em conjunto com conversas e risadas das pessoas agrupadas, alguns casais se arriscaram a dançar enquanto outros observavam e se mantinham no canto mais afastados, procurando pela privacidade longe dos holofotes. Hongjoong ajeitou a gola de seu terno de veludo azul marinho, proporcionando uma sensação de tato e requinte enquanto ele mantinha San em sua linha de visão, pelo canto do olho, uma presença constante ao seu lado. O ar estava perfumado por fragrâncias florais e aromas exóticos dos perfumes dos convidados, assim como pelo cheiro dos pratos servidos pelo salão.

Hongjoong continuou seu caminho, distribuindo apertos de mão e sorrisos até encontrar o anfitrião, um homem na casa de seus 50 anos, com uma barriga que se destacava no terno preto. O rosto, envelhecido, trazia um sorriso satisfeito ao reconhecer a presença de Hongjoong, negando a mão que ele o ofereceu para puxá-lo para um abraço que não cabia na categoria de pessoas que mal se conheciam, como era o caso deles, e Hongjoong sentiu San ficar tenso ao seu lado.

— Kim Hongjoong — disse ele, a voz alta atraindo atenção dos convidados. — Bom ter você presente. Espero que o que você veja hoje sirva de incentivo para que você aceite assinar o contrato — finalizou, com uma piscadela.

Hongjoong forçou um sorriso educado.

— Senhor Kang. Espero que sua surpresa não me desaponte, eu vim de longe por ela.

Kang Rihyuk riu, uma risada estrondosa e barulhenta, levando uma das mãos a um dos ombros de Hongjoong, como se eles fossem grandes amigos.

— Não se preocupe. Não importa o que você ache que é, o que eu tenho a mostrar é muito mais interessante — retrucou o homem, apontando para a cortina preta como se pudesse ver através dela. — Ninguém aqui está preparado para o que está por vir.

Antes que Hongjoong pudesse responder, o anfitrião foi atraído por outra pessoa, deixando-o para trás com San, e ele respirou aliviado.

Rihyuk vinha tentando fazer com que Hongjoong assinasse um contrato com sua gravadora desde que suas músicas independentes começaram a fazer sucesso de maneira orgânica. Aos poucos, elas foram alcançando mais e mais pessoas, até que Hongjoong tivesse uma base de fãs numerosa e admiradores por todo o mundo, lotando shows e quebrando recordes.

— Eu definitivamente não gosto dele — falou San, em voz baixa, para que apenas Hongjoong escutasse. Ele não podia concordar mais. — Vamos nos posicionar mais perto da cortina. Se o que estiver atrás dela for o que a gente pensa que é, vai ser melhor se nós conseguirmos analisar de perto.

Hongjoong assentiu e os dois avançaram pelo salão, se posicionando perto das mesas com comida, como se estivessem apenas conversando casualmente, onde a visão da cortina preta era mais privilegiada.

Quando Yunho captou rumores de que Rihyuk tinha um sereiano em sua posse, Hongjoong e sua equipe ficaram dias sem saber como proceder quanto a isso ou como confirmar a informação. Até que o próprio CEO o convidou para um de seus bailes extremamente exclusivos com o pretexto de que havia algo que, uma vez que Hongjoong visse, tornaria impossível para ele negar a proposta de assinar o contrato.

A oportunidade perfeita.

Jongho passou por eles, mas nenhum dos três deu qualquer indício de que eles se conheciam, ele estava ali simplesmente para o caso de eles precisarem de suporte. Jongho era o contato deles com o resto da equipe.

Sem aviso, a música parou e as luzes se apagaram, deixando apenas um holofote sobrando. A luz apontava para Rihyuk em pé no cruzamento das escadas, com um microfone em mãos e um sorriso largo no rosto. Hongjoong e San se entreolharam antes de prestar atenção no que o anfitrião tinha a dizer.

— Meus amigos, sejam bem vindos! — começou ele. — Espero que estejam aproveitando a noite. Convidei cada um de vocês dizendo que veriam algo que não se compara a nada que já tenham visto. Eu sou um homem de palavra e sei que a essa altura vocês devem estar se consumindo de curiosidade — continuou. — Pois bem, não vou mais deixá-los esperando.

Ao terminar de falar, ele apontou com um gesto exagerado para a cortina e as luzes se acenderam na direção do tecido preto, que foi ao chão com um barulho abafado pelos arquejos de espanto.

A queda da cortina revelou um aquário grande, sua altura cobria os dois andares do salão e a largura toda a parede. O aquário não tinha muita coisa além de algas, aparentemente artificiais. Não tinha peixes, corais ou moluscos, apenas um sereiano que se sustentava majestosamente balançando a cauda na água.

Hongjoong podia jurar que seu coração parou dentro do peito com o que viu.

O tritão tinha cabelos negros como carvão, que ondulavam com o movimento da água. Seu rosto, com traços delicados que acentuavam sua beleza, estava endurecido. Mas o que realmente deixou Hongjoong sem palavras foram os olhos.

Olhos tão escuros quanto uma noite sem estrelas. O olhar penetrante encarava cada um dos presentes com tanta intensidade que fazia parecer que eram todos seus inimigos. O ódio frio congelado em sua expressão enquanto ele os observava de volta sem se encolher diante dos olhares admirados, amedrontados e incrédulos.

O torso nu apresentava alguns hematomas e cortes aparentemente cicatrizados, como se ele tivesse colidido com o vidro várias vezes, e os pulsos tinham marcas de correntes. Da cintura para baixo, onde se esperaria encontrar pernas, escamas tão azuis que poderiam ser pretas se entrelaçavam e brilhavam de acordo com o lugar que a luz batia.

O reconhecimento acertou Hongjoong tão forte quanto um golpe físico, porque ele vinha lembrando desses olhos desde que descobriu sobre a existência de sereias e tritões, sonhando em ver esse tom mais uma vez e ter a chance de agradecer quem quer que tenha salvo sua vida. Mas não daquela forma, não com ele preso em um aquário exposto como um animal de zoológico.

Hongjoong cerrou os punhos ao lado do corpo e San apertou a mandíbula, o corpo tenso ao lado dele, enquanto os dois observavam o tritão no aquário.

Eles sabiam que teriam que decidir um plano de ação, porque Hongjoong o tiraria daquele aquário nem que tivesse que quebrar o vidro com as mãos nuas.


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Hongjoong queria dizer que ele se manteve calmo, que eles montaram um ótimo plano e o tritão estava em segurança, mas não foi o que aconteceu.

Poucos minutos depois, Jongho aproveitou a distração das pessoas focada no tritão exposto para passar e lançar um sinal entre eles. San fingiu que precisava usar o banheiro e os dois sumiram entre os grupos de pessoas.

O tritão mal se mexia, ainda encarando as pessoas, mas seu rosto mudou do ódio para uma expressão em branco, que não entregava nada, como se ele se recusasse a dar qualquer coisa para alimentar a curiosidade alheia, e Hongjoong sentiu um senso de orgulho que ele não sabia explicar de onde surgiu. Os olhos deles se encontraram e o tritão franziu a testa, como se algo o intrigasse, mas logo desfez a expressão, voltando a se manter inexpressivo.

A volta de San foi calma, como se ele realmente só tivesse saído para ir ao banheiro, mas Hongjoong o conhecia bem o suficiente para reconhecer os pequenos indícios de ansiedade enquanto ele se movia.

San parou ao lado dele.

— Ele vai ser movido amanhã à tarde para um laboratório. Jongho ouviu Rihyuk falando sobre isso com um dos sócios. Nós não temos tempo para elaborar muito.

Hongjoong teve que se controlar muito para não se expressar.

— Então a gente vai ter que improvisar.


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O resto do baile passou em um borrão para Hongjoong, que tentava completar o máximo de preparativos possíveis sem dar indícios de sua tentativa de resgate.

Na falta de tempo e opções, Yeosang se infiltrou no salão e tentava conseguir informações para usar quando eles voltassem de madrugada. Sinceramente, nenhum deles sabia como ele fazia isso, mas ele tinha uma lábia que fazia inveja a todos os outros.

Yeosang passou por eles algumas vezes, sempre acompanhado por alguém diferente e envolvido em uma conversa educada, enquanto Jongho observava o aquário de todos os ângulos que conseguia, procurando saídas e entradas. San e Hongjoong se concentravam em atrair a atenção das pessoas para que os outros dois pudessem fazer o que precisavam.

Hongjoong se ofereceu para cantar algumas músicas, fingindo ser uma homenagem para Rihyuk e, embora a maioria estivesse interessada em continuar observando o tritão, um pequeno grupo se aproximou para assistir.

Eles ficaram nisso até tarde da noite e Hongjoong fez questão de fazer um pequeno estardalhaço enquanto ia embora, se despedindo de Rihyuk como se ele tivesse cada intenção de assinar um contrato com a gravadora. Ele até tentou avisar alguma coisa para o tritão, deixá-lo alerta, mas não quis correr o risco de levantar nenhuma desconfiança.

Então, ele foi embora com San e, para todos os efeitos, embarcou em um avião uma hora mais tarde.


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Sob o véu da noite, o salão se erguia majestoso, iluminado pelas luzes artificiais, enquanto Yeosang os guiava pelo espaço usando as informações que conseguiu durante o baile. O grupo avançava pelos lugares onde ele sabia que a segurança seria mais fraca até o terceiro andar do salão, que permaneceu fechado durante a festa porque, segundo o que eles descobriram, era onde estava a abertura por onde o tritão foi colocado e era alimentado durante o tempo em que estivesse ali.

A cortina voltou a ser erguida no salão, cobrindo o aquário, enquanto a equipe de limpeza se ocupava em tirar as mesas do banquete, a última tarefa necessária antes que eles pudessem dar o trabalho como concluído. San, Hongjoong e Jongho seguiam Yeosang a passos leves pelas escadas de serviço, enquanto o resto do grupo os esperava em uma van estacionada nos arredores, prontos para intervir se fosse necessário.

Com um gesto silencioso, Yeosang indicou a última entrada que dava para um corredor escuro. Um a um, eles avançavam, seus corpos camuflados na escuridão. San, com movimentos rápidos e precisos, tomou a liderança, por precaução, na porção final do caminho, relaxando quando eles finalmente deixam o salão para trás.

O corredor não era grande. Hongjoong percebeu que era simplesmente o teto do aquário e tomou ainda mais cuidado para não fazer barulho, sabendo que a equipe de limpeza estava logo abaixo, vendo pela brecha entre o aquário e cortina que qualquer movimento mal calculado exporia a presença deles. No final do corredor escuro, uma porta parecida com uma escotilha dava acesso ao interior do aquário. Os quatro se sentaram ao lado da porta, seus sentidos em alerta máximo, atentos a qualquer som ou movimento que pudesse denunciá-los.

Eles ficaram dessa forma por tempo indeterminado até que as luzes do salão se apagaram e tudo ficou silencioso. Jongho começou a trabalhar, então, usando de sua posição para hackear as câmeras, mantendo sua invasão em segredo. Com as câmeras sob controle e a certeza de que ninguém além deles estavam no prédio, Hongjoong acenou com a cabeça e San acenou de volta.

A porta se abriu com um gemido, revelando o grande volume de água e o tritão que dormia enrolado na própria cauda, uma cena que Hongjoong teria considerado fofa se a situação permitisse. O cheiro de água salgada invadiu o olfato deles e o movimento o acordou. Ele não demorou para perceber que não estava sozinho, encarando o grupo com um olhar desconfiado.

— Ei — Hongjoong chamou a atenção do tritão, que olhou para ele. O reconhecimento brilhou nos olhos negros. — Você pode vir até aqui? Nós queremos ajudar.

O tritão não parecia convencido, mas algo deve ter contado a favor deles porque, em alguns segundos, a cauda o impulsionava para cima, fazendo a água ondular e espirrar quando ele colocou a cabeça para fora. Hongjoong tentou não se deixar afetar pela forma como ele era ainda mais bonito de perto, mesmo sob a luz fraca.

— O que você quer dizer com me ajudar?

A voz grave e rica soou pelo espaço pequeno enquanto o grupo observava o tritão, sendo observados de volta com desconfiança, iluminado pelas luzes azuis do fundo do aquário.

— Nós queremos te tirar daqui, mas não sabemos como fazer isso — Yeosang respondeu. — Nós planejamos até a parte da invasão.

— Por que vocês querem me ajudar?

Hongjoong o olhou nos olhos, querendo passar sinceridade enquanto respondia.

— Porque o que estão fazendo com você e com os seus é errado, e alguém tem que fazer alguma coisa para impedir. Eu não me importo de ser essa pessoa. Nenhum de nós, na verdade.

O sereiano continuou a avaliá-los, como se pudesse chegar a uma conclusão apenas olhando, antes de sua expressão se suavizar levemente. Ele alternou o olhar entre os quatro antes de se impulsionar nas bordas da porta para se sentar entre eles, assustando-os levemente, enquanto a cauda ondulava de um lado para o outro na água, hipnotizando Hongjoong com o brilho e a beleza das escamas azul-escuro.

— Eu sou Seonghwa e aceito a ajuda de vocês.

Hongjoong respirou aliviado.

— Eu sou Hongjoong, esses são San, Yeosang e Jongho. — Apontou para cada um. — Tem alguma forma de te tirar daqui?

Seonghwa ficou pensativo.

— Eu posso me transformar em humano, mas eu estou fraco e não vai durar muito tempo. Nós vamos ter que ser rápidos.

San assentiu, sem se importar com nada além de como isso afetaria a fuga deles, enquanto Hongjoong tentava acalmar as engrenagens em sua cabeça, que não paravam de girar para entender como isso funcionava.

— É o suficiente. Se conseguirmos chegar ao lado de fora, nossos amigos podem nos buscar.

Seonghwa concorda com a cabeça.

— Hã... eu trouxe algumas roupas — Jongho falou, chamando a atenção de todos. — Eu não sabia se era de fato uma possibilidade, mas todos os filmes de sereia que eu assisti dizem que vocês se transformam e ficam nus. Nós não queremos atrair atenção sendo presos por atentado ao pudor, imagino eu.

Ele segurava uma muda de roupas depois de tirá-la da bolsa que usou para carregar os aparelhos usados para hackear o sistema de segurança.

Era um plano e teria que servir, então Hongjoong concordou e Seonghwa começou a se transformar, fazendo sua cauda ser substituída por um par de pernas. A primeira coisa que ele percebeu foi que Jongho estava certo e o tritão estava nu, se apressando a desviar o olhar das partes íntimas muito humanas enquanto o ajudava a se vestir com as roupas.

Hongjoong o ajudou a se levantar, passando o braço pela cintura dele para apoiá-lo, ao perceber que ele mal conseguia se manter de pé.

— Talvez agora não seja a melhor hora para falar isso, mas eu nunca precisei usar minhas pernas antes — confessou Seonghwa.

Eles riram levemente e San se apressou para apoiar Seonghwa do outro lado.

Levou mais tempo do que Hongjoong gostaria, mas eles conseguiram sair do prédio, com Jongho na frente deles, conferindo nas câmeras se o caminho continuava livre, e Yeosang atrás fazendo o controle de danos para limpar as gotas de água e evitar deixar qualquer evidência para trás.

A van já estava esperando por eles na frente do salão e Yunho manteve a porta aberta para que eles entrassem, lançando um sorriso reconfortante na direção do tritão quando eles passaram por ele.

Yeosang fechou a porta atrás dele e Yunho deu partida, deixando para trás o salão de festas e afastando Seonghwa de sua prisão.

Eles não tinham um plano além de tirá-lo de lá, mas a parte mais difícil eles haviam conseguido.


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Eles levaram algumas tentativas para conseguir uma posição confortável, mas eles chegaram lá. Yunho era o motorista da vez, Yeosang foi com ele no carona, enquanto San, Jongho e Hongjoong iam atrás com Seonghwa.

Eles estavam na van por quase meia hora quando Seonghwa começou a se contorcer e, poucos segundos depois, a roupa rasgou e a cauda apareceu no lugar das pernas. Repentinamente, o espaço entre os bancos de trás ficou apertado, mesmo em uma minivan que era maior do que um carro de passeio comum. Yunho se assustou e tirou o carro um pouco da estrada, voltando ao controle logo em seguida.

Seonghwa olhou para as roupas rasgadas.

— Desculpe.

— Bom, isso é alguma coisa — comentou Yunho, estacionando em uma área mais escondida.

— Consegue se transformar de novo, Seonghwa? — Yeosang perguntou, olhando para trás.

Seonghwa olhou para a própria cauda, parecendo analisar a situação.

— Não. E não sei quando vou conseguir. Eles não me alimentavam direito e a transformação consome muita energia. Quando não estamos bem metalmente, a transformação também não acontece — Seonghwa respondeu. — Em resumo, estou preso na minha forma original por tempo indeterminado.

Jongho observou por algum tempo.

— A gente precisa decidir o que fazer. Tirar você de lá foi a primeira parte, mas nós não necessariamente temos uma segunda.

— Sem um plano para o depois? — Seonghwa perguntou incrédulo.

San riu levemente.

— Não foi a ideia mais inteligente, mas nós estávamos sem tempo. Eles queriam te levar para um laboratório amanhã e nós não teríamos mais como ajudar.

— Entendo, mas o que... o que vai acontecer comigo, então? — Seonghwa indagou preocupado. Hongjoong não pôde deixar de se sentir pesado com a culpa por algo que ele nem fez.

Humanos podiam ser tão cruéis que era nojento.

— Sinceramente, nós estamos longe do litoral, então chegar lá com você preso nessa forma sem chamar atenção vai ser quase impossível — Hongjoong respondeu. — Mas eu tenho uma opção que pode servir até você conseguir se transformar.

— Sou todo ouvidos.

— Eu tenho uma casa modificada para receber sereianos que nós resgatamos, é a nossa base e onde a gente passa a maior parte do tempo. Você pode ficar lá até conseguir suas pernas de volta e nós te levamos ao litoral quando isso acontecer.

Ele não precisava saber que seria o primeiro a utilizá-la.

Seonghwa ficou pensativo, mas todos ali sabiam que não havia muito que pudesse ser feito, eles não tinham uma opção melhor.

— Eu não conheço vocês e eu não ficaria na companhia de humanos se tivesse outro jeito — confessou —; mas não tem, então eu aceito.

Hongjoong respirou aliviado por ele aceitar a ajuda e assentiu para Yunho, que retribuiu antes de dar partida no carro, dessa vez com um destino decidido.


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O caminho até a base levou mais tempo do que eles estavam acostumados porque Yunho estava fazendo o máximo para evitar qualquer ponto de parada, sabendo que Seonghwa não tinha documentos caso um policial pedisse e, claro, se a cauda não fosse acionar o máximo de alertas vermelhos possíveis. Eles não tinham jurisdição para esse tipo de situação, mas isso serviria para, no mínimo, colocá-los no radar das pessoas de quem eles fugiram.

A viagem seguiu silenciosa, enquanto Hongjoong tentava não surtar com o que tinha feito.

Decidir fazer alguma coisa e fazer alguma coisa, de fato, eram coisas muito diferentes e, embora eles tivessem feito todos os preparativos para chegar a isso, Seonghwa era o primeiro sereiano que eles tinham oportunidade de ajudar de verdade.

Ele tinha avisado o resto do grupo de que eles estavam chegando, então a casa já estava iluminada. Carregar Seonghwa com uma cauda deu mais trabalho do que San e Jongho gostariam de admitir, ele sabia, mas eles conseguiram. Eventualmente.

A base era uma casa grande o suficiente para que os sete vivessem confortavelmente e com espaço inutilizado, então o caminho até a área onde a piscina ficava era, na verdade, um trajeto grande, e Yeosang fazia turnos com os outros dois para ajudar a carregar o tritão. Com o esforço em conjunto, eles chegaram lá.

A área da piscina não era um lugar que eles iam com frequência, a não ser pelos dias de manutenção. A piscina era funda demais para qualquer um deles utilizar sem perigo, mesmo os mais altos, e Hongjoong prezava pela segurança de seus amigos, então o espaço passava a maior parte do tempo vazio. Tudo foi construído com o dinheiro que sua carreira bem sucedida gerava, além disso, a fama dele servia como uma cortina de fumaça para o que eles faziam, ou melhor, planejavam fazer com uma casa como aquela. Até aquele momento, o mundo jurava que o cantor Kim Hongjoong morava em um complexo residencial de luxo no centro da capital, e eles pretendiam que as coisas continuassem assim.

O bom de ser rico era que todo tipo de maluquice era visto como desculpa para jogar dinheiro fora, principalmente se contratasse as pessoas certas, então ninguém estranhou quando o projeto da casa contava com uma piscina de dezenas de metros de profundidade ou com a quantidade de quartos. Para quem fez o projeto, isso era só Hongjoong sendo uma celebridade excêntrica como muitas eram, e ele não se preocupou em corrigir a informação.

Eles seguiram caminho enquanto Yunho desviou para buscar os dois membros da equipe que não estavam presentes fisicamente no resgate.

Após uma sequência de corredores, encontrava-se a piscina. O fundo mal era visível graças à profundidade, mas Hongjoong sabia que era decorado pelos mesmos arabescos e ladrilhos contidos na lateral. A superfície da água salgada, cristalina e calma como um lago, refletia a luz dos primeiros raios de sol que entravam pelas amplas janelas de vidro.

Ao redor, alguns sofás impermeáveis estavam espalhados, mas não tinha nada além disso porque, embora Hongjoong soubesse o que faria com uma piscina tão grande, ele não sabia nada sobre sereianos de maneira geral, não sabia como deixá-los confortáveis, então não pôde fazer muita coisa além do que já tinha. Talvez Seonghwa estivesse disposto a ajudá-lo com isso enquanto estivesse ali. Ninguém saberia melhor do que ele o que precisava de melhorias.

Hongjoong tomou o cuidado de fazer uma piscina com acesso à área externa, caso os sereianos quisessem tomar sol ou apenas admirar o jardim, deixando também um espaço coberto. Ele não sabia como eles reagiriam a nada disso, mas ele gostava da ideia de eles poderem escolher.

Naquele momento, era apenas uma piscina, mas Hongjoong queria ser otimista que Seonghwa ajudaria a transformá-la em algo que pudesse oferecer um bom abrigo para outros na mesma situação que ele.

San e Jongho colocaram Seonghwa na água com cuidado, e todo o grupo observou enquanto o tritão se acostumava, dando algumas voltas hesitantes ao longo da piscina antes de ir explorar mais. Eles observavam encantados como a cauda se movia, impulsionando Seonghwa na direção que ele queria ir, e Hongjoong tentava não se deixar afetar pela forma como tudo tornava-o ainda mais bonito aos seus olhos, a forma como o cabelo molhado caía sobre o rosto ou os raios de sol que faziam parecer que ele era algum ser divino.

Seonghwa ainda estava nadando quando Yunho apareceu, acompanhado de Wooyoung e Mingi, que soltaram arquejos surpresos ao ver o tritão na piscina.

— Não que eu não acreditasse em vocês quando Hongjoong ligou, mas tem mesmo um tritão na nossa piscina — falou Wooyoung, fazendo o grupo rir enquanto ele foi até a borda e se agachou, ficando mais próximo do sereiano. — Oi, eu sou Wooyoung.

— E eu sou Mingi.

Seonghwa ficou acanhado com rostos novos, mas se apresentou mesmo assim antes de olhar para Yunho.

— Eu ainda não sei o seu nome.

Yunho abriu a boca em entendimento porque, de fato, ele não não tinha se apresentado. Entre a fuga, a transformação repentina e o resto da viagem, esse detalhe acabou esquecido.

— Yunho. Meu nome é Yunho.

Seonghwa concordou com a cabeça antes de olhar para Hongjoong quando ele coçou a garganta para conseguir a atenção dele.

— O resto você já conhece, nós queremos ajudar o máximo possível, então... — Mingi entregou o que ele pediu que arranjasse quando ligou para eles mais cedo. — Isso é um celular e você pode entrar em contato com qualquer um de nós com ele se precisar de alguma coisa.

O resto do grupo se dispersou depois de se despedir do tritão pela noite, deixando os dois sozinhos no espaço. Hongjoong se agachou na borda como Wooyoung fez, ensinando a Seonghwa o básico de como usar o celular e se dando por satisfeito quando ele pareceu se virar bem sozinho.

— Mas não vai dar algum problema tão perto da piscina?

— É a prova d'água, então pode usar onde e como você se sentir mais confortável.

Seonghwa se preparou para responder, mas foi interrompido por um bocejo.

— Desculpe.

Hongjoong sorriu, prendendo o próprio bocejo.

— Não se preocupe, você está cansado e o dia já está amanhecendo. Amanhã a gente continua — respondeu ele. — Boa noite, Seonghwa.

— Boa noite, Hongjoong.

Com isso, Hongjoong saiu em direção ao próprio quarto, tentando não pensar muito em como de fato tinha um tritão na piscina deles.

───── continua...

Notas da autora

Espero que tenham gostado, anjos ❤️

Essa fanfic foi escrita para o ciclo do sunivers13  e está postada também no spirit, que você pode encontrar o link no carrd na minha bio.

Agradeço a _slytherinchild pela capa e jupteryoon pela betagem.

Um beijão, meus amores, e até o próximo capítulo ❤️

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