Capítulo 6 - Uma visita inesperada

− Pensei em ligar, mas visto que você está sem celular... − Santiago passou a mão de forma nervosa pelo cabelo. Eu fitava-o boquiaberta, depois da forma como a noite terminou ontem não pensei que ele estivesse tão desesperado por me ver. – Eu posso ir embora e fingimos que isto nunca aconteceu – acrescentou encavacado ao me ver estática a segurar na porta do meu apartamento.

− Não – respondi de súbito, o puxando logo a seguir para dentro de minha humilde casa. Ele estranhou, mas não resistiu e deixou-se ser conduzido. – Fica à vontade.

Santiago ficou encantado por meu zelo na arrumação e organização da casa. Meu apartamento era um T1 com pouca área, mas já me dava um trabalho danado para deixar tudo impecável. Todo o fim-de-semana eu arrumava um tempo para limpar e martirizava-me, logo a seguir, por ter perdido tantas horas. Tempo esse que poderia ter gasto no Starbucks, tentando encontrar meu príncipe encantado. Mas eu não conseguia evitar, tinha uma certa obsessão por isso. Inquietava-me um pouco a ideia de que minha casa estava a armazenar quilos de bactérias que me poderiam atacar durante a noite. Tinha sido minha mãe a implantar-me essa crença. Em criança ela me obrigava a limpar a casa com ela todo o sábado, porque dizia que ao Domingo as bactérias já seriam tantas que montariam um exército para me atacar no início da semana seguinte. Que rica psicóloga que ela me saiu! Irritava-me que ela me conseguisse sempre manipular como queria. Por causa dela, quase que eu desistia da ideia de vir morar para Lisboa, mas a força de meu pai ajudou-me imenso nesse momento crucial da minha vida. Segundo ele, seria uma oportunidade única de eu crescer e me tornar adulta, e contra esse argumento minha mãe não poderia fazer muito.

Selecionei alguns de meus dvd's preferidos e pedi a Santiago para escolher um para assistirmos juntos. Meu alarme mental tocou quando ele apontou para "La La Land", citando-o como o filme que mais o havia marcado nos últimos anos. Sim, eu amava "La La Land", era a personificação de quem eu era. Eu sempre me esforçava horrores para conquistar meus sonhos e a mensagem final de que nossos sonhos podem, sim, se tornar realidade sempre me tocava na alma. Mas não era um filme que dava um bom presságio para a nossa relação, Mia e Sebastian não acabam juntos no final (peço desculpa pelo spoiler para o extraterrestre que ainda não tenha assistido ao filme).

Porque não escolher "Diário de uma Paixão"? O ator é o mesmo e a mensagem de um romance até o final dos nossos dias era aquilo de que precisávamos naquele momento. Até "O curioso caso de Benjamin Button" teria sido melhor, ainda que eles passem uma vida inteira desencontrados, pelo menos, acabam juntos no final.

No entanto, lá coloquei o filme. Era um romance e isso já estava valendo.

O clima, connosco sentados coladinhos no sofá, estava perfeito para um clichê romântico. Santiago tinha até colocado o braço sobre meus ombros na parte em que "City of Stars" começou a emanar do meu televisor 4k, que fiz questão de comprar em época de saldos. No final, um rasto de água inconveniente e interminável começou a escorrer-me dos olhos. Aquele "E se" me matava toda a vez que assistia. Eu sabia muito bem que nossas decisões tinham consequências, mas me matava a ideia de acabar por trilhar um caminho que me fizesse perder algo ou alguém. Dizem sempre que não podemos ter tudo o que queremos, porém eu me agarrava firmemente à crença contrária. Com o suor do meu trabalho, eu haveria de conquistar o mundo, se tal fosse meu desejo.

− Não é para tanto, é apenas um filme – disse Santiago ao me ver desabada em lágrimas.

O riso dele, ainda que tímido, me incomodou um pouco. Onde estava a sensibilidade do homem? Está certo que tem toda aquela história do macho alfa e tal, mas custava ele se colocar no meu lugar? Ou, pelo menos, fingir que compreendia?

Enxuguei as lágrimas e me afastei do ninho que tinha feito do corpo de Santiago, que, naquele momento, já não me parecia tão confortável assim. Precisava de uns minutos para me recuperar para conseguir voltar a entrar no clima de romance.

− Já volto. Vou buscar algo para petiscarmos. – Me levantei e Santiago ficou rijo e estático no sofá. – Fica à vontade, faz como se a casa fosse tua.

Santiago não se ofereceu para me ajudar e ainda bem que assim foi. Ele não tinha muito jeito para a cozinha, como ele próprio já havia admitido, e eu não sabia ainda o que ia preparar. Ele havia me apanhado completamente desprevenida. Ia jantar uma simples salada, caso ele não tivesse aparecido, mas, naquele momento, isso estava claramente fora de questão. Não tendo lagosta, nem nada minimamente requintado na cozinha, optei por uns canapés simples que meu pai sempre preparava no serviço de catering dele. Eram absolutamente divinais e um sucesso garantido.

Comecei a ouvir "A Dónde Vas" e soube que Santiago já começava a sentir-se à vontade e a explorar a sala. A música, colocada pela estação predefinida que tinha na minha aparelhagem de som, me transmitia a mensagem que precisava ouvir precisamente na altura. Era como se fosse uma mensagem divina, não que eu fosse especialmente crente.

"Por isso peço que tu me possas dar

Uma oportunidade

Prometo não falhar

E onde estiveres eu vou lá estar"

Sorri na cozinha, ainda mais motivada para terminar com muito amor e carinho os canapés.

Ao fim de uns 10 minutos, já tinha uns trinta canapés, bem bonitos e montados, simetricamente dispostos sobre um tabuleiro metálico. Como meu pai sempre fazia questão de realçar: "Os olhos comem mais do que o estômago, e a perfeição na hora da montagem do prato é primordial". Dava mesmo vontade de os comer! Estavam tal e qual como eu os recordava, mas talvez tivesse exagerado um pouco na quantidade.

Equilibrei o tabuleiro, sem qualquer dificuldade, em uma mão apenas para deixar o Santiago impressionado com meu serviço de qualidade. Quando era adolescente, costumava ajudar o meu pai com alguns eventos de verão para ganhar um pouco de dinheiro, por isso estava mais do que habituada, mesmo que já não o fizesse há algum tempo.

−Estou a ver que você já arranjou um celular novo.

Santiago voltou para mim o ecrã ligado com a imagem de um homem nu no fundo. Com o choque, deixei o tabuleiro escorregar da mão e todos os lindos canapés ficaram esborrachados contra o chão.

Tinha sido uma absoluta idiota!

Nunca mais liguei ao celular depois daquela última mensagem e me limitei a largá-lo sobre a mesa da sala assim que cheguei a casa. Não o deixei na mala, porque poderia receber alguma chamada importante e queria poder ouvi-lo a vibrar. Claro que não tinha sido muito inteligente da minha parte nem sequer ter-me dado ao trabalho de mudar a imagem do fundo. Deveria ter calculado que uma coisa destas poderia acontecer!

− Raios! Que descuidada sou – reclamei ao olhar para o chão que ia ter de limpar depois. Mas não estava propriamente a falar do acidente com o tabuleiro.

− Achei a imagem de fundo irreverente – explicou Santiago com um sorriso de lado. "Ele tinha gostado?" Homens! Não há quem os entenda!

Ao menos sabia que ele não tinha espreitado as mensagens. Se o tivesse feito seria certamente o final de uma história que ainda nem havia começado. Ali soube que poderia confiar nele.

− Em falta de um homem real, fico com esse fictício – comentei maliciosa.

− Se é por esse motivo, acredito que não é coisa para durar.

Aquela insinuação era exatamente aquilo que eu queria ouvir. Não sei como, mas eu tinha aquele homem na palma da minha mão. Mais tarde ou mais cedo, teríamos o nosso primeiro beijo. Não seria naquele momento, claro, ainda era precoce demais. Mas o dia haveria de chegar e nós teríamos a nossa oportunidade de sermos felizes para todo o sempre!

"O final de La La Land pode ser bem emocionante e tocante, mas não seria certamente o meu!"

− Você gosta de pizza? – questionei lançando as mãos no ar.

Santiago gargalhou e aquiesceu, por fim. 




Deixo aqui as duas músicas mencionadas no capítulo, espero que gostem. E até ao próximo capítulo!

https://youtu.be/FoAJ3-HzEVQ

https://youtu.be/VFUos9sYbHs

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