Capítulo 5 - Meu melhor ângulo

Aquela noite não acabou, de todo, como eu tinha sonhado. Fiquei com um tremendo mau humor e, quando Santiago me questionou sobre isso, justifiquei a mudança com uma dor de cabeça repentina. Aleguei que o frio que estava a sentir mais cedo, era um indicador de gripe e pedi que ele me levasse a casa, sem sequer chegarmos à parte da sobremesa.

Não lhe contei nada sobre o sucedido. Era melhor enterrar aquela história de uma vez por todas. Eu não tinha lutado tanto para conquistar meu direito de viver um romance clichê, para vir um cara qualquer deitar tudo por água abaixo. Se eu não falasse mais dele, tudo se iria desvanecer com o tempo e eu poderia voltar a investir, com toda a garra e segurança, na história de amor com meu príncipe. E Santiago até aceitou fácil minha desculpa de ter demorado mais tempo a regressar ao restaurante por ter me perdido pelo caminho.

Na manhã do dia seguinte, entreguei meu celular (melhor, os pedaços dele) nas mãos da equipe de manutenção e reparação de equipamentos tecnológicos da empresa. Ao menos, sabia que eles eram de confiança e tratariam os dados com o máximo de respeito e confidencialidade, caso houvesse a mínima hipótese de aceder a eles (o que eu seriamente duvidava).

− Uma encomenda para você, Flora – anunciou Camila, a moça das entregas da empresa.

Levantei meu rosto do computador, subitamente curiosa. Ela pousou uma pequena caixa branca em cima da minha secretária, com um sorriso conspiratório que eu não consegui perceber.

− Fisgou um verdadeiro gato, hein? – questionou com um entusiasmo desmedido na voz. "De quem ela estava falando?"

Lembrei-me que havia comentado com Santiago que meu celular se tinha estragado no dia anterior. "Deve ser problemas de bateria", justifiquei eu quando ele me pediu se me podia ligar um dia destes. Claro que lhe dei meu número de telefone fixo para não perder a oportunidade de voltar a sair com ele. Até voltar a arranjar um outro, essa teria de ser a alternativa.

"Será que ele me havia enviado um celular de presente?"

Camila ficou em pé à minha frente, a perna direita dela se agitava tanto que até parecia que o presente era para si. Abri os olhos de forma exagerada, mas ela não captou a indireta.

− Não existem mais entregas, hoje?

− Ah. Sim, claro. – Camila começou a andar, mas se lembrando de algo se voltou para trás. − Parabéns. A sorte lhe bateu à porta.

Enquanto a via a sair da sala do departamento, decidi que ela tinha razão. Santiago era um grande achado e eu não podia deixar os sobressaltos de ontem me afetarem tanto.

Me precipitei a abrir a caixa, já pensando na mensagem de texto que ia escrever para lhe agradecer a gentileza. Não consegui evitar associar aquele momento a Christian Grey e Anastasia. Ele sempre lhe enviava prendas caríssimas.

"Será que tem um iphone me esperando dentro desta simples caixa?"

− Um Alcatel? – sussurrei. Suspirei desiludida com o simples modelo de no máximo 60 euros.

No entanto, me recompus rapidamente. Era bom mesmo meu príncipe não ser um Christian Grey. Não fosse ele achar que me poderia comprar. Pior que Santiago nem desconfiava que já me tinha na palma da mão. Bastava ele estalar os dedos que eu ia.

Tirei, de dentro da mala, o cartão de meu celular antigo e o coloquei no novo. Ele tinha um processamento terrível, levou uma eternidade para ligar. Mas isso era um pormenor insignificante, comparado com o que vi quando apareceu, por fim, a imagem de fundo.

Um perfil de costas de um homem completamente nu era uma jogada estranha da marca. Ponderei se seria uma brincadeira de Santiago, porém descartei rapidamente a hipótese. Primeiro que aquele homem era mais encorpado e tinha umas nádegas demasiado redondas e perfeitas. Santiago não poderia ser o melhor em tudo, e, de fato, ficava a dever naquele atributo, tendo uma retaguarda "demasiado lisa", digamos. E, segundo, porque não teria tido ousadia para algo tão descabido.

Recebi uma mensagem e me apressei a abrir:

Senhorita, aceite este celular e minhas desculpas pelo ocorrido. Como prova de minha boa vontade, até deixei uma imagem de meu melhor ângulo como fundo de ecrã para você não ficar com saudades minhas.

Logo a seguir, o telemóvel voltou a vibrar e apareceu no ecrã outra mensagem do mesmo número:

Não envio beijo para que nosso primeiro seja presencial e marcante.

− Mas é um imbecil mesmo – protestei.

− Passa-se alguma coisa? – interrogou Verónica atrás de mim. Devia de estar a passar pela minha secretária quando me ouviu falar sozinha e estranhou. Também não era para menos! Este homem estava a ponto de me levar à loucura.

Escondi o homem nu que me desafiava do outro lado da tela junto ao peito.

− Nada – garanti, espreitando sobre o ombro. Verónica andou dois meses a competir comigo para ganhar uma promoção e desde que perdera nunca mais me engoliu. Estava mortinha para que eu escorregasse e me pudesse dedurar para o chefe. Mas isso não ia acontecer. − Está tudo certo.

Ela agitou os ombros como se não estivesse nem aí e continuou o seu caminho até à sua secretária do outro lado da sala.

Fiquei um longo minuto a encarar novamente as mensagens. Ele estava a pedir por resposta, mas temia que se cedesse a essa tentação, estaria a alimentar um monstro que depois seria difícil de travar.

Nunca pensei que me fosse arrepender tanto de ter deixado os cartões com os meus contatos espalhados naquele alcatrão. Tinha sido muito ingênua por pensar que ele não me ia seguir depois de tudo o que tinha acontecido. Ele havia vindo até à empresa onde eu trabalhava só para fazer com que me entregassem aquele celular. Eu me tinha transformado no seu mais recente entretém. E tirar-me do sério passou a ser sua nova missão.

Tamborilei os dedos no tampo da secretária e cheguei à óbvia conclusão que não conseguiria voltar a ficar concentrada no trabalho senão enviasse uma resposta.

Caro arrumador de carros (ou deveria dizer, destruidor de celulares), se este é seu melhor ângulo está explicado a falta de companhia melhor na fatídica noite em que tive o desprazer de o conhecer. O mínimo que tinha a fazer era mesmo enviar-me um celular de substituição. Só lamento o mal gosto na escolha do equipamento. Aliás, o mau gosto generalizado que demonstra deter.

Dispenso o beijo e futuras mensagens. Passar bem.

Esperei que aquele testamento fosse suficientemente claro e produzisse, de vez, o efeito desejado de o afastar, mas estava redondamente enganada. Tentei ferir o homem onde dizem que dói mais, no ego, mas nem assim!

Já temos nomes carinhosos um para o outro e tudo! Sinto que nossa relação tem pernas para andar. Quanto ao ângulo posso esclarecer melhor a questão, mais tarde. Necessita de dados mais pormenorizados para chegar a uma decisão conclusiva.

Até à próxima mensagem, senhorita.

Atirei o celular para a frente do computador e me debrucei novamente sobre o teclado. Ele que enviasse as mensagens que quisesse, eu jurei para mim mesma, naquele momento, que não voltaria a enviar nem um "ai". Mas tem promessas que são difíceis de cumprir, ainda mais aquelas que fazemos no silêncio protegido de nossa mente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top