Capítulo 3 - Mesa para dois

Devo dizer que ter um homem a puxar a cadeira para nos sentarmos, a escolher o melhor vinho da carta para nós e a nos tecer elogios galanteadores durante o jantar é verdadeiramente irresistível. Eu a sentir-me tremendamente desadequada ao local adornado com lustres de diamantes pendurados no teto, com meu simples vestido verde de alças, e o homem a pintar-me como a mulher mais encantadora e bonita que já teve o prazer de conhecer. Claro que era exagero dele, eu sabia que ele mentia descaradamente, mas isso fazia parte do jogo. É suposto o homem ideal nos fazer sentir especial, mesmo que sejamos apenas mais uma.

Não vou dar uma de modesta. Meus belos cabelos ruivos, meus enormes olhos verdes e meus lábios bem preenchidos não passam completamente despercebidos. E apesar de ser baixa e minha pele demasiado alva, eu me considero bela. Meu ex-namorado me chamava de fada! Uma relação que começou errada desde o início, quando pensei que poderia transformar meu melhor amigo de infância em algo mais... íntimo. Aceitei que minha história clichê não era aquela, quando percebi que nossos beijos eram mais raros do que chuva no Verão. Acho que até meus pais se beijam mais e eles não são propriamente o melhor exemplo para casal romântico.

Cutuquei com o garfo o bicho estranho que tinha no prato. Eu nem sabia como comer aquela coisa. Santiago garantiu que era o melhor prato de lagosta da cidade. E insistiu bastante para que o provasse. Decidi não lhe dizer que não gostava lá muito de criaturas marinhas, muito menos de as comer! Aliás, para mim, era o mar no horizonte e eu em terra. Sempre que ia à praia, que já eram raras as vezes por ter uma pele tão sensível, eu me mantinha na toalha e, se pudesse nem molhar os pés, melhor. Claro que o calor, por vezes, era de tal modo insuportável, que lá ia eu chapinhar na água como as crianças mais pequenas, bem à beirinha, sem me aventurar a entrar nos mistérios ocultos do mar. Era assustador pensar num monte de peixes estranhos a nadar à volta das nossas pernas, sem nós darmos sequer por isso.

Espreitei a forma hábil como o meu príncipe conseguia tirar carne do animal sem sequer pestanejar e tentei, ao máximo, imitar seus movimentos graciosos. Ao fim de umas boas tentativas, lá consegui arrancar algo que fosse comestível.

− É bom, não é? – questionou Santiago.

Eu olhei para o meu prato, que mais parecia um campo de batalha, e decidi que não valia a pena o esforço. A lagosta era fresca e tenra, era como sorver o gosto do verão, mas não era a coisa mais sensacional que havia comido. Preferia mil vezes um bom bife, que mesmo que rijo como uma sola de sapato, seria certamente mais fácil e rápido de comer do que aquilo.

− Hum-hum – disse simplesmente, voltando a investir sobre o animal inerte. Estava com fome e não queria ficar ali a noite toda.

Confesso que cheguei a pensar que era um daqueles restaurantes gourmet que colocam um pedaço de carne do tamanho de uma unha sobre um traço de puré de uma cor linda, mas duvidosa, com um molho qualquer por cima e pronto! Mas a lagosta ainda era grande e, sabendo onde procurar, ela até que tinha carne o suficiente para deixar meu estômago satisfeito.

Santiago era um pouco tímido e pouco conversador, o que lhe dava um certo charme. Contundo, eu sabia muito bem puxar assunto e, quando ficava entusiasmada, falava pelos cotovelos. Então, enquanto assassinava a lagosta já morta, encetei uma conversa tranquila para descobrir pontos em comum com a alma, que eu já dava como gêmea. Tínhamos algumas coisas em comum como a necessidade de organização, a ambição profissional, o comprometimento, a responsabilidade e o sentido de ética e justiça. Chegou um ponto da conversa que eu iria jurar que minhas palavras estavam a sair pela boca dele, o que foi um pouco assustador, confesso. Nos filmes sempre retratam essa cena como um fenómeno extraordinário. Mas eu só conseguia pensar que o "Edward" me estava a ler os pensamentos e que no final da noite me iria sugar o sangue como aperitivo!

Com algum esforço, consegui abstrair-me desse pensamento perturbador e quebrei o silêncio desconfortável que se havia instalado entre nós:

− E o que você faz nos tempos livres?

− Pesco.

Um pedaço da lagosta saltou-me da boca para o prato e desatei a rir. Quando percebi que ele não se juntava a mim, fitei-o abismada.

− É sério – assegurou, afrouxando um pouco a gola da camisa. "Será que eu estou a fazê-lo sentir-se asfixiar? Tenho que medir melhor as minhas palavras e suavizar minhas reações", decidi, já com medo evidente em perdê-lo, mesmo antes de o ter tido. – Ser neurocirurgião é um trabalho muito stressante, a pesca é meu refúgio. Apesar de não me sobrar muito tempo livre, sempre que posso vou pescar.

− Depois você come? Digo, os peixes? – Tentei disfarçar minha repulsa, mas não estava nada fácil. Santiago se dedicava a arrancar do mar os tais segredos ocultos de que tanto eu fugia. Nesse ponto, não podíamos ser mais opostos.

"Porém, no meio de tantas coisas em comum, isto é apenas um pormenor insignificante", conclui tentando acalmar meu coração alarmado.

− Raramente consigo apanhar algum – confessou entre gargalhadas. – Mas quando consigo, sim, levo-os para casa e a Rosa, minha empregada, cozinha-os. Por norma, são refeições que me dão um prazer especial por saber que foi com meu esforço e perseverança que aquele peixe chegou ao meu prato.

Revirei os olhos àquele instinto primitivo dele. Bom, nas histórias, a caça aparece, muitas vezes, como um passatempo válido para o príncipe e aquilo não era algo assim tão diferente. E se pensar em Twilight... Melhor não ir por esse caminho! "Por que é que o raio do Edward não me sai da cabeça hoje?"

Optei por focar na "empregada", um caminho mais seguro.

− Você tem empregada e tudo, hein?

− Tem que ser. – Ele sacudiu os ombros. – Não tenho muito jeito para passar as minhas próprias camisas a ferro. E nem sequer vou mencionar minhas capacidades culinárias... Até porque não as tenho.

Ambos caímos na risada. O riso dele, contido e grave, era por toda a situação caricata que o hobbie dele havia proporcionado. Já o meu, bem alto e um pouco artificial, era de puro alívio.

Tapei a minha boca com o guardanapo constrangida pelo meu histerismo desadequado ao local em que me encontrava. Eu sentia alguns olhos, das mesas adjacentes, completamente vidrados em mim.

− Ainda nos vão expulsar – sussurrei para não incomodar o silêncio aborrecido do restaurante. Nem os talheres se ouviam. "Estas pessoas acaso são robots?"

− Relaxa. – A mão dele atravessou todos os obstáculos sobre a mesa só para afagar a minha. Internamente, agradeci ao decorador do espaço, que tinha escolhido mesas suficientemente curtas para permitir aquele tipo de proximidade. – Não estamos a fazer nada de errado.

Anui. Ele é que tinha experiência com aquele tipo de pessoas e espaços, tinha que acreditar nas suas palavras.

Pousei o guardanapo de cetim e me assustei ao me deparar com todo o meu batom esparramado nele. Meus lábios carnudos tinham que estar evidenciados para que o homem não resistisse aos meus encantos e sentisse desejo de me beijar durante toda a noite. Para, no final, acabar frustrado ao voltar para casa com as mãos a abanar. Esse desespero por um beijo era mais do que necessário para que ele me voltasse a convidar para sair.

− Com licença, eu tenho de... − A frase ficou-me entalada na garganta, quando minha mão apenas palpava o ar à volta do meu assento.

Claro que, com toda aquela confusão e forma abruta como fui retirada do carro, havia acabado por me esquecer da bolsa. E o que mais me preocupava não era estar sem batom para me retocar, mas a ideia de um certo homem nada confiável andar a mexer nas minhas coisas naquele preciso momento.

− Esqueci-me da bolsa no carro. Tenho que a ir buscar – comuniquei apressada, já me levantando do lugar.

− Mas isso é assim tão importante agora?

− Uma mulher não vive sem a sua bolsa. Se você não sabia, passou a saber.

Voltei-lhe costas, para não ter de me justificar mais e acabar metendo os pés pelas mãos. Não lhe podia dizer que o motivo de minha pressa era meu medo do depravado estar lá fuçando meus nudes. Ok, eu não tinha nudes, mas a minha vida toda estava naquele celular! E ele poderia ser voyeur, fazer uma cópia das minhas chaves de casa, e me ir observar enquanto eu dormia. E, não, isso não é assim tão cor-de-rosa como fazem parecer em Twilight.

− Flora, não se está esquecendo de nada? – Espreitei para trás e o vi balançando umas chaves no ar.

− Claro, que cabeça a minha!

Saltei na direção das chaves e as agarrei como se meu tempo estivesse a ser cronometrado e eu estivesse a ponto de perder a corrida. Voltei costas, de novo, para meu príncipe (valores mais altos se levantavam no momento) e arqueei as sobrancelhas, pronta para a batalha.

− Flora. – Suspirei exasperada ao ouvir ele me chamando novamente. "Será que ele não entende que é questão de vida ou de morte?", talvez fosse um pouco exagerado, mas foi isso mesmo que eu pensei. Ainda assim, ele era meu futuro marido, tinha que lhe dar um desconto. Relaxei os músculos e girei 180º, já me sentia uma verdadeira louca a andar ali, de um lado para o outro. – E onde exatamente você está indo?

− Claro, o GPS! – Bati na minha própria testa. Os imprevistos sempre me deixavam num estado de irracionalidade impressionante. A lerdeza me atacava forte e feio sempre que eu deixava de estar em controle da situação. – Eu sabia, só estava a ver se você estava atento – proferi a primeira desculpa que me veio à mente. Convenhamos que a minha criatividade é de invejar qualquer um!

− Não quer que eu vá lá por você? – ofereceu-se, enquanto abria a aplicação no celular. E ainda bem que o pedido veio, senão iria começar a duvidar do cavalheirismo dele. Puxar a cadeira e abrir a porta do carro não eram suficientes, se ele nem pestanejasse sequer com a ideia de eu ir para a rua a meio da noite guiada por um simples GPS.

− O descuido foi meu e a bolsa é minha. Eu vou lá num instante. – Agarrei no celular dele, que, sem surpresa alguma, era um topo de gama, e espreitei para o pontinho que piscava no visor. – Aqui diz que são menos de cinco minutos a pé. Volto já.

E corri, rezando para que o patife (potencial stalker) não tivesse encontrado a minha bolsa.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top