✩ único: eu posso te destruir
NOTAS INICIAIS
✩ Olá, mores, como estão? ♡ Espero que bem! Eu estava super ansiosa pra postar essa história, não via a hora de chegar o dia sajksakjasjk, e finalmente chegou! Yayyy ~
✩ Essa oneshot foi escrita para o Amigo Secreto do ImperioAllHina. Maior prazer do mundo participar, e eu espero muito que a minha amiga secreta goste. Eu tirei a Maria, também conhecida como MSchinder. Miga, eu tentei meu melhor pra atender o seu pedido de "policial". ♥
✩ É importante eu dizer que tem muita coisa inventada da minha cabeça, então relevem aí o que tiver de errado sobre polícia, detetive e como isso funciona, ok? Também, agradeço imensamente a AlwaysKoya por ter me dado uma luz com esse plot, senão num teria saído hehehehe.
✩ Se ainda não conhecem, siga o Projeto ImperioAllHina. Somos um grupo dedicado a aumentar o número e a qualidade de histórias com a Hinata como protagonista.
✩ INSTAGRAM: devilwishess
✩ BOA LEITURA ♥
O som insistente de água pingando fez com que Shikamaru despertasse do seu cochilo vespertino. Precisou lutar contra a preguiça para se levantar e fechar a torneira da pia da cozinha adequadamente. O rapaz coçou a parte de trás da cabeça e bocejou de forma demorada; ele limpou o canto dos olhos e foi até a geladeira, onde pegou uma garrafa d'água antes de rumar na direção das escadas.
Shikamaru Nara era o que poderia ser chamado de gênio da computação, mais precisamente, o Deus dos Hackers. Seu rosto era um mistério para pelo menos noventa e nove por cento das pessoas e ele sempre fazia o melhor para despistar qualquer um que chegasse muito perto de descobri-lo. Seu trabalho não era lá um dos mais seguros do mundo, considerando que constantemente era contratado para derrubar sites governamentais e até mesmo se infiltrar em inteligências de outros países.
Ele era procurado em pelos menos quinze lugares diferentes, mas se alguém dissesse que Shikamaru era algum tipo de criminoso extremamente maligno e cruel, provavelmente estaria tomando conclusões precipitadas. Okay, o que fazia era realmente ilegal, só que o Nara tinha uma política absoluta em somente aceitar trabalhos que fossem no mínimo éticos. Nunca se envolvia em nada que envolvia terrorismo ou que pudesse colocar a vida de outra pessoa em risco propositalmente. Nada de tráfico, assassinato, prostituição.
Com um suspiro cansado, o hacker se sentou na cadeira acolchoada de frente para um dos computadores. Já que as cortinas do cômodo estavam fechadas — ainda que não passasse de duas da tarde, ele notou —, a única luz do cômodo era proveniente dos inúmeros monitores ligados; sendo que a maior parte deles eram por onde Shikamaru garantia sua própria segurança. Por ali, mantinha sob vigilância potenciais inimigos, como a polícia de Konoha, por exemplo.
— Problemático — resmungou para si mesmo quando checou os registros de um caso sobre ele, chamado Nas Sombras. Eles estavam chegando mais perto do que nunca, mas que diabos...? — Parece que a polícia contratou alguém mais inteligente dessa vez.
Já estava acostumado com as autoridades no seu pé, só que o fato de não terem sequer uma pista de como ele se parecia, facilitava bastante a vida dele. Isso, sem dúvidas, fazia com que não precisasse se preocupar tanto toda vez que saia de casa — não era como se o fizesse muito de qualquer forma. Só que a grande questão, era que dessa vez, eles estavam mais perto do que nunca e isso significava que ele precisava agir se não quisesse problemas — como colocar sua identidade em risco, por exemplo.
Sabendo de tudo isso, Shikamaru deixou um gemido de desgosto escapar e suspirou em seguida, inconformado. Se havia uma coisa que ele era além de muito inteligente, isso era, sem dúvidas, preguiçoso. E só de pensar no trabalho que teria e o tanto de cochilos que perderia, sua cabeça já começava a doer.
Infelizmente, os problemas dele não se resolveriam sozinhos, e foi por isso, que ele começou a colocar a mão na massa.
✩
OK.
Shikamaru tinha um plano. E mais rápido do que tinha achado ser possível. Deitado no sofá com o notebook no colo, um copo de refrigerante de um lado e um pacote de batata chips do outro, ele revisou o plano pela quinta vez a procura de brechas.
A polícia de Konoha tinha recentemente feito uma seleção para as vagas de detetive, e no meio dos três aprovados, estava Hinata Hyuuga. Com base na sua pesquisa, antes disso, ela tinha sido uma policial exemplar por longos cinco anos: sem nenhuma falha, vinda de uma família renomada. E isso significava que ela tinha credibilidade, tudo que ele precisava para que sua história fosse comprada e pudesse se livrar daquele bando de patéticos de uma vez por todas.
Claro que tinha a escolhido para fazer parte do seu plano por isso, mas também havia outro motivo muito forte: os números dela eram super interessantes. A pontuação dela em tiro ao alvo era excelente, além disso, tinha gabaritado a prova escrita ao entrar na polícia — e para detetive! —, sem contar que o número de casos bem sucedidos chegava a ser inacreditável. Não precisava ser muito inteligente para saber que a probabilidade de sucesso de um caso não dependia inteiramente da polícia, havia diversos fatores envolvidos e a maior parte deles envolvia a consciência humana que poderia ser bem problemática de vez em quando.
Por isso, o nível de sucesso dela era no mínimo esquisito. Shikamaru poderia até chutar que era como se Hinata soubesse do que aconteceria antes de acontecer. Pelo menos setenta e cinco por cento dos casos dela envolviam crimes cibernéticos, que levava a polícia a coisas bem maiores, como tráfico humano e prostituição. Sendo que a maioria acontecia bem ali, embaixo do nariz deles.
Embora estivesse muito intrigado, não achou nada fora da curva nos registros dela, o que realmente a fez perfeita para o seu plano. Havia um risco — muito pequeno — que fosse descoberto, só que pela primeira vez em muito tempo, risco era algo que Shikamaru estava disposto correr. Só assim para ter paz um pouco de paz para sempre pelo menos.
O pacote de batata já estava vazio quando ele levantou do sofá, satisfeito com o rumo do próprio trabalho. Tudo que precisava agora era de um banho, dali uma semana, começaria a fazer uma das coisas que mais odiava: esforço. O seu único consolo era que seria por uma boa causa.
✩
Havia poucas coisas que Hinata não gostava; uma delas era dirigir. Se ela pudesse evitar o terrível engarrafamento constante de Konoha, com certeza estaria o fazendo. Mas agora que ela finalmente tinha sido promovida a detetive, e ainda não tinha um parceiro, dirigir acabava sendo inevitável se quisesse chegar no horário nos lugares. Infelizmente o transporte público também sofria bastante com o intenso fluxo de carros, e isso significava que para ser pontual, teria que acordar muito cedo.
E bem, apesar de ser uma pessoa matutina, preservava bem as suas oito horas de sono diárias e não seria agora que começaria a negligenciar tal pequeno prazer de sua vida. Então, com um suspiro conformado, Hinata desceu do carro depois de estacioná-lo de forma perfeita em sua vaga e seguiu para o prédio enorme do Departamento de Polícia de Konoha. Cumprimentou alguns colegas à medida que entrava, sempre com um sorriso gentil, pois sabia que aquele trabalho não era nenhum pouco fácil — e ninguém merecia lidar com mau-humor logo pela manhã!
Ao sair do elevador que dava no quinto andar do prédio, a primeira pessoa que viu foi Kiba vindo em sua direção, segurando um par de pastas, na outra, um copo de café — que ela sabia ser café com leite —, seu olhar geralmente amigável, estava duro. Hinata estranhou e andou mais depressa para alcançá-lo logo.
— O que aconteceu? — Foi a primeira coisa que ela perguntou assim que estava próxima o suficiente do amigo. — Você está bem?
— O nosso sistema foi invadido pela madrugada e está tudo a porra de um caos — resmungou. — Os técnicos estão tentando dar um jeito, mas pelo que fiquei sabendo, a coisa tá feia. Por isso, a gente tá precisando trabalhar igual antigamente, meio sem tecnologia, sabe como é.
— Hã, entendi — ela murmurou em resposta, de repente, pensativa.
— E, hãn, Hinata — Kiba chamou a atenção dela depois de bebericar o líquido quente —, o chefe está te esperando. Parece que ele tem um caso pra você.
— Certo, obrigada, Kiba. Nos vemos depois — despediu-se dele com um breve aceno e seguiu pelo corredor, na direção da sala do chefe.
Como Kiba tinha dito, tudo estava realmente um caos. Os detetives presentes andavam de um lado para o outro sem parar. E apesar de ainda ser cedo, os telefones não paravam de tocar — não era como se o crime descansasse, de qualquer forma — e ela conseguia sentir como todos pareciam tão tensos. A aura no ambiente não era uma das melhores. Sentindo-se meio incerta, Hinata mordeu o lábio inferior quando finalmente alcançou a sala do chefe Fugaku e bateu na porta duas vezes para anunciar sua presença e depois entrar.
— Bom dia, senhor — desejou educadamente.
Fugaku estava sentado na mesa, esta que estava abarrotada de diversas pastas de tamanhos e cores diferentes.
— Hyuuga, na hora — ele disse sem olhá-la nos olhos. — Tenho um caso para você. — Assim que disse isso, ele deixou os papéis que estavam em suas mãos de lado e procurou uma pasta pesada, que estava escondida sob outras, tirando-a dali. Deu uma folheada nela antes de estender na direção da detetive. — Aqui. Sei que você é muito boa em crimes cibernéticos, e creio que conseguirá resolver isso sem um parceiro. Os recursos estão liberados, use-os à vontade. — De repente, a expressão de Fugaku soou meio divertida, embora sua voz continuasse muito séria: — No limite do possível, claro, creio que esteja ciente da situação do setor.
— Sim, senhor — Hinata respondeu prontamente e sorriu só um pouquinho por conta da formalidade claramente forçada dele.
— Dispensada — ele resmungou, voltando a dar atenção para o que fazia antes da chegada dela. Não sem antes dar uma discreta piscadela em sua direção.
Ela balançou a cabeça e saiu do recinto. Seguiu em direção a sua mesa, que era uma das únicas que tinha se mantido perfeitamente organizada. Hinata sentou na cadeira dura para analisar o conteúdo da pasta com cuidado e atenção. Ali tinha alguns relatórios extremamente detalhados sobre uma possível organização criminosa que tinha tentado invadir o banco de dados do porto de Konoha.
Enquanto passava os olhos pelos papéis, não pôde deixar de achar esquisito aquele tipo de caso ter tantos detalhes. Tinha recém admitido o cargo de detetive, mas antes disso tinha sido policial — e seu pai também foi um excelente detetive! —, o que a fazia ter muita ciência que Konoha ainda não era o tipo de lugar que tinha tecnologia ou conhecimento o suficiente para lidar bem com crimes desse gênero. Os que foram resolvidos — a maioria por ela! — foram com muito custo e devido a uma investigação de meses, às vezes de anos.
Além disso tudo, um pequeno detalhe tinha chamado sua atenção: aquele caso existia por causa de uma denúncia não-anônima! Seus lábios se mexeram suavemente quando ela sussurrou o nome da pessoa:
— Shikamaru Nara.
Claro que não pôde deixar de ficar impressionada, afinal, outra coisa muito comum sobre crimes cibernéticos, era que — pelo menos em Konoha — os encarregados desses casos sempre começavam do zero, sem nenhuma pista, ou quase isso, Hinata pensou ao morder o lábio inferior devagar.
Depois de ler com mais afinco todas as informações que continha ali, os olhos passearam pelo resto do documento até acharem um número de telefone que pertencia ao delator do caso. Hinata tirou o celular do bolso e discou o número rapidamente, esperou com paciência até que ele atendesse.
Um. Dois. Três. Quatro.
Nada.
Ela desligou e insistiu, ligando uma segunda vez.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco...
— Alô?
— Bom dia — Hinata murmurou. — Preciso falar com Shikamaru Nara. É você?
Um bocejo longo e bem preguiçoso soou do outro lado da linha. Hm, pelo jeito, a pessoa tinha acabado de acordar.
— Sou eu, no que posso ajudar? — respondeu, bem sonolento.
— Aqui é do Departamento de Polícia de Konoha — começou — e preciso falar com você sobre um caso aberto recentemente. Podemos nos encontrar? Sou a detetive Hinata Hyuuga.
— Tudo bem, às 13h no Hokage Restaurante, pode ser? — A detetive anotou o nome do lugar em um post-it bem rápido. — Terá uma reserva no meu nome.
— Certo, obrigada pela atenção, Senhor Shikamaru. — Sem esperar por uma resposta, Hinata desligou o celular e respirou fundo. — Hokage Restaurante, huh?
Embora o nome fosse um pouco familiar, ela não se lembrava de já estar nesse lugar em algum momento da sua vida. Ainda no celular, fez uma breve pesquisa para confirmar o endereço e depois se levantou da cadeira. Com os poucos dados que tinha, faria uma breve pesquisa sobre seu novo e peculiar caso.
✩
Beleza. A primeira parte do seu plano tinha acabado de ser um sucesso, Shikamaru pensou, satisfeito e com muita preguiça. Tinha levado bem menos tempo do que ele tinha achado. Invadir o sistema da polícia de Konoha tinha sido moleza! Levou o tempo necessário para que ele fizesse pequenas modificações em certos processos e inserisse referências sólidas sobre si mesmo para que não houvesse nenhuma desconfiança de que ele era um respeitável cidadão daquela cidade.
Agora ele era um promissor trabalhador na maior e melhor empresa de segurança da cidade, que tinha visto e escutado coisas esquisitas no porto de Konoha, no dia que uma possível quadrilha tentou roubar dados de um dos maiores polos econômicos dali. Claro que como um cidadão de bem, não teve outra oportunidade a não ser denunciar o ocorrido — já que o porto era regido pelo próprio governo.
Hinata Hyuuga não tinha um parceiro e ele era a única — e continuaria sendo — testemunha do caso. A ajuda dele seria mais do que essencial para resolver aquele problemão e ele se encontrava ansioso para revelar o verdadeiro plano. Quando ela tinha ligado ainda naquela manhã, despertou-o de um cochilo tão bom que ele teria até ficado um tiquinho irritado se não fosse algo do seu interesse.
A voz da detetive era muito suave e educada, combinava muito com a foto que tinha visto na ficha dela. Ainda que Shikamaru não fosse muito do tipo que suasse frio de nervosismo e ficasse louco de ansiedade, podia admitir para si mesmo que uma parte de si continuava muito curiosa para encontrar aquela mulher frente a frente. E esse era o maior motivo para que não conseguisse manter o pé quieto debaixo da mesa e ficasse batendo em um ritmo constante no chão.
Ele era um cara bem pontual, só que ainda assim, chegou vários minutos mais cedo do que deveria no restaurante de um dos seus poucos amigos, Chouji Akimichi. Não era um lugar super chique e tal, mas era um excelente restaurante, com uma comida deliciosa, que ficava bem no centro de Konoha. As pessoas dali conheciam ele, o que tornava muito fácil montar a imagem de que ele era simplesmente um trabalhador comum que gostava de almoçar fora de vez em quando.
Sentado em uma mesa mais discreta no canto do restaurante, Shikamaru levantou o olhar entediado de um guardanapo que rabiscava ao escutar o som de passos se aproximando. Encontrou um par de olhos claros sobre si e se ajeitou na cadeira estofada direito, ficando ereto demais.
— Boa tarde, Shikamaru Nara, certo?
— Detetive — ele murmurou o cumprimento e abaixou a cabeça de leve.
Discretamente, observou-a rápido: pessoalmente ela parecia mais alta do que os seus 1,63m, os olhos dela eram ainda mais incríveis cara-a-cara do que em foto; ele não se lembrava mesmo em que ocasião poderia ter visto aquele impressionante tom perolado que dançava até um tom muito adorável de lavanda bem clarinho. O cabelo preto-azulado era longo e estava amarrado em um apertado rabo de cavalo no topo de sua cabeça, deixando apenas alguns fios de sua franja — que parecia grande demais e ameaçava cair sobre seus orbes — caindo pela testa. Hinata não era exatamente magra, ele notou, ela era baixa e corpulenta, obviamente tinha músculos de sobra — bem mais do que ele, provavelmente, Shikamaru pensou, meio divertido, já que nunca tinha sido um bom parâmetro para nada fora da sua área de atuação.
Além de inteligente, a detetive Hyuuga era uma mulher muito bonita.
— Posso me sentar? — ela pediu e afastou a cadeira quando ele assentiu silenciosamente. — Aqui parece um lugar legal.
— Sim, é agradável — concordou ele, vendo que ela queria quebrar o gelo. — Vou pedir uma água, quer alguma coisa?
— O mesmo — respondeu rapidamente, sem hesitar.
Karui, a esposa de Chouji, não demorou mais do que alguns minutos para atendê-los e se retirar, não sem antes lançar um olhar desconfiado para Shikamaru, que apenas deu de ombros.
— Então, Senhor Shikamaru...
— Apenas Shikamaru — ele pediu ao interrompê-la delicadamente.
— Certo, Shikamaru. — Bebeu um gole de água gelada. — Eu preciso que você me conte exatamente sobre o que viu e ouviu no porto na sexta-feira passada.
O rapaz se inclinou ligeiramente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Fingiu estar se esforçando para se lembrar dos detalhes exatos. Sabia exatamente o que precisava dizer, e mesmo que não tivesse estado lá, também sabia o que tinha acontecido. Dificilmente as coisas escapavam dele.
— Era troca de turnos, geralmente pego os da madrugada — começou no seu melhor tom pensativo —, depois de alguns minutos, um carro parou e dele desceu uma moça bem arrumada, carregando uma mala, parecia recém-chegada na cidade, porque pelas câmeras vi ela conversando com algumas pessoas na calçada.
— Hm, continue — Hinata pediu quando ele parou subitamente. Tinha tirado um bloquinho de notas do bolso de sua jaqueta e anotava tudo que ele falava, bem rápido.
— Depois de alguns minutos ela entrou no porto e ficou sentada esperando, sozinha. — Shikamaru tirou o celular do bolso e precisou de somente alguns segundos para colocar um vídeo e estender o aparelho para Hinata. — E então isso aí, aconteceu.
Atenta, Hinata prestou atenção no vídeo. Nele, um carro preto de luxo parava próximo da mulher — que logo ela notou ser estrangeira — e a forçava a entrar dentro dele de forma muito violenta. Em seguida, o vídeo avançava um pouco mais, seguindo o percurso do carro para não tão longe, ainda por dentro do porto. Algo fez com que ela prendesse a respiração por um momento: o carro parava ao lado de um container, e mesmo que a câmera que gravasse aquilo estivesse razoavelmente longe, a Hyuuga conseguiu ver nitidamente que havia outras pessoas ali dentro, onde a mulher foi jogada bruscamente.
Isso já era horrível por si só, só que outro detalhe a deixou ainda mais impressionada: um homem desceu do carro, vestido de forma elegante — um smoking belíssimo —, e não demorou mais do que um segundo para que ela o reconhecesse. Seria impossível não reconhecer, afinal, era Kakuzu, um influente e importante senador de Konoha.
Ela olhou para Shikamaru, incapaz de esconder o seu choque. Afinal, no relatório não falava absolutamente nada sobre aquilo. Toda a informação falava sobre como uma quadrilha tinha tentado aplicar um golpe no banco de dados do porto de Konoha — o que poderia prejudicar a economia da cidade sem nenhuma dúvida. Sua única função seria rastrear e descobrir quem eram os membros da organização criminosa e prendê-los.
Aquilo ali era outro nível. Tráfico humano? Por si só, esse tipo de crime já precisaria de uma equipe completa e meses de investigação, pensou desgostosa. Mas tráfico humano envolvendo uma pessoa muito influente, como um político? Era algo grandioso e horrível demais para uma detetive só.
— Creio que não estarei errada em supor que você não mostrou isso para mais ninguém. — Foi a primeira coisa que Hinata disse depois de dois longos minutos de silêncio. Shikamaru assentiu ao recolher o celular. — E que se você tem esse vídeo no seu celular, é porque ele não deve existir mais no sistema principal, estou certa?
Ele assentiu outra vez e Hinata suspirou, cansada, como se tivesse corrido milhares de quilômetros. Aquele homem parado na sua frente, era alguém muito corajoso, porque ele não tinha garantia nenhuma de que aquela informação estaria segura nas mãos dela. Na verdade, mais do que isso, quase nada garantiria que a segurança dele próprio não estaria em risco ao ter aquele tipo de informação. Queima de arquivo não era algo tão fora da realidade assim. Sem o vídeo, se descobrissem que ele tinha visto aquilo, já seria motivo o suficiente para que Shikamaru fosse assassinado. Com o vídeo então...
O Nara a observou atentamente, porque era muito óbvio que Hinata estava pensando. Nenhum dos dois era ingênuo o suficiente para pensar que a polícia era completamente limpa, havia maçãs podres em todos os lugares. E isso significava que se "aquele caso" caísse nas mãos de um detetive corrupto, tudo seria varrido para debaixo do tapete e Shikamaru seria morto, sem sombra de dúvida.
Óbvio que, também, Shikamaru não estava lá e que não existia nenhuma quadrilha querendo roubar dados do porto de Konoha. Até aquele momento, em que estava na frente dela, o hacker jamais tinha se exposto tanto. E embora ele não fizesse nem um pouco o estilo de cara que fazia justiça com as próprias mãos, havia certas coisas que não podia ignorar — e o momento só tinha vindo a calhar.
Ainda olhando para Hinata fixamente, ele percebeu que a detetive tinha acabado de tomar uma decisão. Principalmente quando ela quebrou o silêncio em um tom muito determinado:
— Shikamaru, a partir de agora, você vai estar sob minha proteção.
✩
A primeira coisa que Hinata pensou quando deixou Shikamaru entrar em seu organizado apartamento, era que ela estava, sem dúvidas, ficando louca. Tinha plena ciência de que assumir um caso de tamanha responsabilidade como o que estava fazendo naquele exato momento, só significava uma coisa: tinha perdido a razão.
Muitos diriam que ela não seria a referência de pessoa racional, porque, claro, sempre tinha se importado demais com o que os outros pensavam para isso; mas apesar de tudo, poderia afirmar com plena convicção que tomou a decisão de trabalhar naquele caso quase sozinha, de modo inteligente.
Ainda não conhecia todos os seus colegas de trabalho, mas pelo menos na época que ainda era uma policial comum, desde o começo soube reconhecer quem eram aqueles que não faziam jus a posição de proteger o povo. Orgulhava-se de ter conseguido derrubar alguns deles ao longo de sua jornada da forma mais discreta que conseguiu, entretanto, isso não significava que era uma exterminadora da corrupção dentro da corporação.
Uma parte de si queria muito contar tudo para o seu chefe, Fugaku tinha sido parceiro do seu pai por muitos anos e ele fazia parte da família, praticamente. E talvez fosse por isso que Hinata resolveu não contar: preferia se arriscar sozinha do que condenar o homem que era quase um segundo pai para ela e que tinha uma família grande e unida. Já bastava que Hiashi tivesse morrido fazendo o que amava, não queria isso para o Senhor Uchiha também.
O que, sem dúvidas, a consolou, era saber que possuía inteligência o suficiente para dar um jeito naquilo, por mais perigoso que fosse. Poderia levar tempo, claro, só que não era impossível. Ela agradeceu quando Shikamaru não demonstrou nenhuma resistência a ideia de ficar numa espécie de programa de proteção à testemunha não oficial.
— Você não poderá entrar em contato com ninguém que conhece por um tempo — Hinata explicara de forma solidária.
— Tudo bem — Shikamaru respondera soando pouquíssimo preocupado. Se ela soubesse que não tinha praticamente mais ninguém para se preocupar com ele, claramente se sentiria menos mal. Só que claro que o rapaz não mencionou isso.
Essa parte ele também já tinha previsto. Seria estranho se ele não fosse obrigado a entrar em um programa de proteção. Mais do que ninguém, Shikamaru sabia bem com quem estava se metendo. Kakuzu já tinha tentado contratá-lo mais de uma vez para o seu negócio sujo, coisa que ele recusou todas, é claro.
E pelo jeito, a pessoa que o grande senador tinha arrumado, não era boa o suficiente em apagar rastros. Senão jamais teria sido capaz de fazer uma cópia do sistema de câmeras do porto antes que tudo sumisse. O Nara tinha deixado a única pessoa no mundo que ele confiava — o suficiente — responsável por sua casa: Ino Yamanaka. Apesar da amiga ser meio pirada, duvidava muito que ela poderia fazer qualquer coisa para prejudicá-lo.
E foi exatamente por esse motivo que não tinha sido nada difícil simplesmente juntar um pouco dos seus pertences e se juntar a intrigante detetive Hyuuga. Levá-lo para o próprio apartamento não era um passo que ele tinha previsto, isso podia admitir.
— Tem um quarto de hóspedes no fim do corredor — Hinata anunciou depois que fechou a porta. — Tem toalhas limpas no armário dentro do banheiro e lençóis na lavanderia. Me entregue o seu celular, por favor.
Shikamaru arqueou uma sobrancelha quase discretamente. Não por ela ter pedido o celular, claro, mas por ela ter pedido por favor. Com certo esforço, ele ocultou um sorriso condescendente e entregou o aparelho para ela sem sequer hesitar. Hinata o agradeceu em um murmúrio quase inaudível antes de se sentar no sofá de couro marrom e ligar o notebook, que até uns momentos atrás se encontrava fechado em cima da mesa de centro.
Como não tinha levado mais do que algumas mudas de roupa e dois pares de sapatos, o rapaz não demorou nenhum pouco a arrumar suas coisas pelo organizado quarto de hóspedes. E enquanto ele fazia isso, Hinata trabalhava em fazer uma cópia do vídeo para o seu notebook. Nesse meio tempo, percebeu que o banco de dados da polícia já tinha sido restaurado e acessou o sistema dali mesmo.
Ela olhou para o corredor mais do que um par de vezes antes de digitar Shikamaru Nara e ler tudo que tinha a respeito dele ali. Mais cedo tinha checado nos registros por escrito e não havia absolutamente nada de errado sobre ele. Hinata sorriu um pouco ao ver que ele era um funcionário exemplar.
"Claro que é", pensou e mordeu o lábio inferior.
A detetive fechou a janela de pesquisa quando notou que ele tinha acabado de sair do quarto e vinha em direção a sala.
— Você pode ficar à vontade — Hinata começou falando baixo —, a cozinha fica à direita e o banheiro aqui atrás. No prédio tem uma piscina, mas pelo menos por enquanto, você não deve sair daqui de jeito nenhum.
Shikamaru deu de ombros.
— Não sou fã de piscina — disse como se isso já fosse o suficiente para garantir que ele não iria a lugar nenhum.
Ela já tinha voltado a olhar para a tela do computador quando a voz dela preencheu o recinto:
— Então, Shikamaru, você poderia me dizer exatamente o que você faz? — Seus olhos claros sequer fizeram menção de encará-lo. Continuou digitando algo no notebook enquanto esperava por uma resposta.
Sentado no sofá de frente para ela em uma postura muito confortável, o Nara deixou a cabeça tombar no encosto e respondeu:
— Técnico de Segurança do Governo. Sou responsável pela manutenção das câmeras e de todo sistema delas do porto de Konoha.
— Acredito que isso significa que você entende muito bem como funciona esse tipo de tecnologia então. — Dessa vez, Hinata parou de digitar para encará-lo e ele levantou a cabeça. Seus olhares se encontraram demoradamente.
Algo na forma que ela o olhava fez com que Shikamaru pensasse que Hinata estava sendo sarcástica. Como não podia ter certeza, ele se limitou a assentir de leve com a cabeça, não ousando a dizer mais nenhuma palavra. Ele sempre tinha acreditado que os olhos de uma pessoa diziam muito sobre ela; não conhecia Hinata além do que tinha pesquisado sobre ela — sua personalidade, gostos extremamente pessoais, traumas e detalhes de toda sua vida —, entretanto, havia algo nos orbes intensamente perolados que o fazia acreditar piamente que ela era uma boa pessoa.
Quase se sentia mal por estar a usando.
"Pelo menos é por uma boa causa", ele pensou, na tentativa de consolar a si mesmo.
Shikamaru desviou o olhar, e durante esse tempo, Hinata não pôde deixar de perceber como ele não parecia ser do tipo escorregadio. Ele não evitou nenhuma de suas perguntas e não pareceu hesitar na resposta de nenhuma delas. Além disso, ele tinha uma postura muito relaxada e preguiçosa, coisa com qual ela não estava muito acostumada, sendo muito sincera.
Tinha crescido cercada por homens extremamente rígidos — Hiashi, Fugaku, Sasuke, Neji —, a única exceção era Itachi e mesmo assim não tinha convivido com ele o suficiente. Até a postura do Nara era de alguém que tinha a cara de levar a vida muito tranquilamente.
Agora, quando parava para prestar atenção mais atentamente aos detalhes do rosto dele, Shikamaru era bem atraente com seus olhos castanho-escuros estreitos — que poderiam ser facilmente confundidos com pretos —, nariz pequeno e arrebitado, queixo pontudo e sobrancelhas perfeitamente desenhadas. Ela tinha reparado como ele constantemente franzia os lábios finos, a expressão preguiçosa combinava com o ar despretensioso que suas orelhas furadas e o rabo de cavalo trazia.
Talvez ele fosse somente alguns anos mais velho do que ela.
Antes que fosse pega observando demais, Hinata voltou os olhos para seu notebook, não se importando com o silêncio que caiu sobre eles.
✩
Tinha sido extremamente fácil convencer Fugaku que ela precisaria trabalhar de casa no seu mais recente caso. Possuía a desculpa da falta de equipamentos decentes no departamento ao seu favor. A única coisa que precisava fazer era entregar relatórios semanais para o seu querido chefe e tudo estaria bem.
Bom, estaria tudo certo se aquele fosse o caso original. Então meio que Hinata precisou dar uma forjadinha de leve nos relatórios para que as coisas não saíssem completamente do seu controle. Quase três semanas tinham se passado e durante todo esse tempo, ela tinha dado um jeito de reunir informações sobre Kakuzu do jeito mais discreto que conseguiu, até que fosse necessário colocar um plano mais ousado em prática.
Hinata não precisou de muito tempo para descobrir que Shikamaru era muito inteligente e que, juntos, trabalhavam incrivelmente bem. Em um caso normal, era óbvio que um civil não poderia se intrometer tanto como ele fazia, só que desde que ela não tinha muitas opções e a ajuda dele sempre agregava em algo, não iria negar.
— Ouviu alguma coisa interessante? — Shikamaru perguntou ao entrar na sala segurando duas xícaras: uma de café preto para si e uma de chá verde para ela.
— Nada fora do comum. Obrigada — agradeceu assim que pegou uma das xícaras. Ela assoprou o líquido devagar antes de bebericar um pouco. — O de sempre: ele anda subornando outros políticos para que eles fiquem quietos sobre a lavagem de dinheiro.
Ela franziu as sobrancelhas, irritada.
— Tenho certeza que uma hora iremos encontrar algo — Shikamaru garantiu usando seu tom mais otimista.
Hinata ocultou um sorriso bebendo mais um gole de chá. Era engraçado como as suas emoções mudavam tão rápido quando estava perto dele. Eles tinham conseguido hackear o computador da sala de Kakuzu através de um e-mail pouco inocente — ela fez um carente só de se lembrar do conteúdo — e garantido acesso ao microfone, então toda vez que o aparelho estava ligado, os dois conseguiam escutar tudo que se passava no recinto. Com as gravações que eles tinham, o senador já poderia ser condenado por corrupção, só que ambos sabiam que isso não era o suficiente. Ele precisava pagar pelo que estava fazendo as pessoas.
— Me pergunto se aquele dia foi uma exceção ele ir pessoalmente no porto — murmurou pensativa. Ela tinha ido no lugar exato que aquele container estava, mas não havia mais nada lá. As pessoas já tinham sido movidas e como esperado, também não havia mais nada em nenhuma câmera dali. Nenhum rastro. — Me parece muita imprudência se expor daquele jeito, mesmo que fosse de madrugada...
— Hm — Shikamaru concordou em um murmúrio e bebeu o café devagar.
Outra coisa: Hinata ainda não tinha tanta certeza de como funcionava o esquema do senador. Por causa disso, sentiu-se muitíssimo inclinada a, enfim, pedir ajuda a algum detetive de confiança. Só que a ideia de deixar vazar informações que poderiam comprometer o caso trazia arrepios violentos ao seu corpo.
— Eu acho que chegou o momento de fazer um movimento mais... — Hinata falou em voz alta depois de um tempo e mordeu o lábio inferior antes de completar: — Perigoso.
O Nara encontrou o olhar dela, intrigado.
— O que você quer fazer?
— Acho que devíamos colocar uma escuta no carro e na casa dele. Precisamos descobrir como ele faz para atrair as vítimas. — Pensativa, mordeu a parte interior de sua bochecha. Um hábito de quando estava pensando demais ou nervosa. — Aquelas pessoas devem estar desesperadas, preciso me apressar se quiser resgatá-las a tempo, Shikamaru.
Ele não pôde deixar de notar como o lábio inferior dela tremeu ligeiramente em um claro sinal de angustia. Devia imaginar que ela sendo uma detetive estaria perto de um ataque de raiva em saber que havia pessoas em perigo precisando da ajuda dela.
— Acho que é uma ideia muito perigosa sem nenhum reforço. — Quando ela o encarou com as sobrancelhas arqueadas, apressou-se em continuar: — Mas não vejo porque não fazer se isso for ajudar o seu caso ir para frente. Só precisa de um plano que seja minimamente seguro. — Já tinha convivido com Hinata o suficiente para saber quando ela ia interrompê-lo, por isso, terminou ao dizer: — Você sabe que se acontecer algo com você, há uma grande chance que esse caso jamais se resolva. Não temos nenhuma garantia que isso não possa parar em mãos de alguém corrupto ou com menos força de vontade do que você.
Hinata ficou o encarando por um tempo que pareceu toda uma eternidade. Por segundos, teve a ligeira impressão que tinha se perdido nos olhos castanhos tão escuros de Shikamaru. Ele a encarava de volta com tanta intensidade, que a detetive conseguiu se esquecer de quem era. Conhecia aquele sentimento muito bem: tensão. E isso não poderia ser uma boa coisa... Pelo menos não naquela situação.
Engolindo a saliva com dificuldade, ela pensou que já era tarde demais para voltar atrás naquela bagunça. Meio que já tinha quebrado as regras ao ter colocado Shikamaru dentro de seu próprio apartamento e ter o deixado contribuir tão ativamente com aquele caso. E mais do que isso: também tinha permitido que ele fizesse parte da sua vida pessoal. O que não era uma das coisas mais éticas a serem feitas por conta de sua posição.
Admitia, com certa vergonha, que se habituara a ter ele por perto, mesmo quando Shikamaru ficava em absoluto silêncio enquanto ela trabalhava. Em muitos momentos, ele estava tirando um cochilo preguiçoso no sofá quando não a ajudava com algo. Não pôde deixar de ficar surpresa quando descobriu que o Nara era muito paciente, já que não tinha reclamado nenhuma vez de precisar ficar confinado ali por mais de duas semanas. Nunca demonstrou estar à beira da insanidade, muito pelo contrário, se fosse para ser bem sincera.
Uma parte de si encontrava-se absolutamente atraída por ele, mesmo que fizesse muito esforço para esconder. E a outra — a mais sã — se manifestava como a voz da razão em sua cabeça, dizendo-lhe para tomar cuidado com ele. Hinata já possuía mais do que um par de experiências para entender o que podia acontecer quando se confiava tão cegamente em outra pessoa.
Suspirou.
— O que foi? — Shikamaru perguntou, as sobrancelhas franzidas de desconfiança.
— É um risco que vou precisar correr. Eu tenho um plano — anunciou com veemência. — Vou precisar da sua ajuda.
Enquanto a olhava de forma demorada, Shikamaru sentiu como se naquele ponto, fosse incapaz de negar qualquer coisa a ela. Durante o tempo em que eles estavam ali, juntos, tinha desenvolvido certo afeto por Hinata. Ela era gentil e engraçada, além de muito inteligente e bonita. Não tinha como sequer ficar entediado ao redor dela. Ele também se pegou muito admirado pela aura justiceira que dançava ao seu redor. Nunca tinha visto tamanha determinação em alguém antes e isso, de certa forma, tinha o deixado muito aliviado.
De vez em quando se sentia um pouco mal consigo mesmo quando se lembrava do que tinha o levado até ali. Não se considerava um vilão, mas fora egoísta o suficiente para só sair da sua zona de conforto quando envolveu sua própria segurança. Embora estivesse longe de concordar com um crime tão desumano como tráfico de pessoas, nunca tinha se considerado forte o suficiente para lutar contra isso sozinho. E agora tinha Hinata, que o fazia com unhas e dentes sem nunca pensar duas vezes.
Certamente, Hinata Hyuuga era uma pessoa muito mais do que admirável.
— Vamos lá. — Não pôde evitar de terminar com um bocejo. — Tenho certeza que isso será bem problemático.
Como se fosse para confirmar o que tinha acabado de dizer, Hinata lhe ofereceu um sorriso travesso.
✩
Shikamaru respirou fundo e massageou as têmporas. Devia ter imaginado que o plano de Hinata envolvia algo muito inconsequente e senil. Suspirou, de novo, pela quinta ou sexta vez em somente cinco minutos. Inspirada por uma vibe meio 007, o plano dela consistia em se infiltrar no prédio do Senado, mais precisamente na garagem, para instalar as escutas no carro particular de Kakuzu.
Seria ridiculamente fácil se a garagem em questão fosse de um condomínio de luxo ou de um órgão menos importante do governo. O problema era que Hinata era somente uma e embora ele tivesse plenas garantias das próprias habilidades, não gostava nenhum pouco da ideia de a detetive entrar ali sozinha, sem nenhum reforço, para fazer o plano dar certo.
Ele tinha se limitado a franzir o cenho quando ela se provou muito habilidosa em forjar um cartão de acesso e se infiltrar no sistema do Senado para criar o disfarce perfeito. Certamente esse não era o tipo de coisa que ele esperava de uma detetive. Só que, pelo que aparentava, ainda havia muitas coisas que não sabia sobre Hinata.
Suspirou. De novo.
— Passei. — Escutou a voz de Hinata pelo comunicador em um tom muito brando. Pela câmera escondida em um botão do terninho dela, Shikamaru conseguiu ver que ela caminhava tranquilamente até o elevador que levava a garagem.
Não precisava dizer que também se pegou surpreso quando viu que Hinata tinha aquele tipo de equipamento em casa, não é?
— Já entrei nas câmeras — Shikamaru informou. — A troca de turnos será daqui cinco minutos, quando eu redirecionar as câmeras, te aviso.
— Certo — ela murmurou, já dentro do elevador, sozinha, em uma posição ereta demais.
Lá estava ela, mordiscando a parte interior da bochecha, de novo. Era a primeira vez que se infiltrava em um lugar, estava acostumada a observar de fora sempre, inclusive, era muito boa nisso. Então, não podia evitar de sentir as pernas um pouco moles e ouvir a própria pulsação em seu ouvido. Hinata respirou fundo algumas vezes para se acalmar. Era, de certa forma, emocionante, só que ciência que também era insanamente perigoso. Se alguém a reconhecesse, seria seu fim.
— O guarda está saindo agora da guarita. — A voz calma de Shikamaru invadiu seus ouvidos e isso a ajudou a ficar mais relaxada. — Irei mexer no sistema agora. Você tem cinco minutos. Quando chegar lá, vou destravar a porta pra você.
— Obrigada — agradeceu de forma muito sincera e apressou os passos, procurando pelo veículo correto. Levou cerca de dois minutos até que parasse em frente ao carro de luxo preto, o mesmo que tinha visto no vídeo comprometedor, semanas antes. — Encontrei.
Hinata conseguiu escutar o som dos dedos dele deslizarem pelo teclado rapidamente. Demorou só alguns segundos para que a porta do carro fosse destravada — a tecnologia era algo surpreendente, mas com certeza era mais nas mãos de alguém tão habilidoso como Shikamaru. Sem dúvidas, ele sabia muito mais que um operador comum de uma rede de segurança.
Balançou a cabeça para se livrar do pensamento, não era hora para isso. Então, a Hyuuga pegou o ponto de escuta de dentro de uma caixinha pequena, que estava guardada dentro do bolso interno do seu terno. O ponto dava para ser confundido com um brinco, desde que não passava de um pontinho preto no seu dedo. Teve todo o cuidado de grudá-lo bem debaixo do painel, onde sabia que era impossível encontrá-lo por ser tão pequeno. Colocou outro debaixo do banco traseiro.
— Hinata, temos um problema.
— O que aconteceu? — ela perguntou assim que fechou a porta do carro com mais força que o necessário.
— Você precisa sair daí, agora! — ele grunhiu, realmente preocupado. — Kakuzu e seu secretário já estão no elevador, a caminho de onde você está.
Ela olhou ao redor. Em um estacionamento tão amplo, seria difícil simplesmente sair caminhando sem ser notada.
— As câmeras ainda estão funcionando? — quis saber. Viu as portas do elevador se abrindo quase em câmera lenta e se abaixou atrás de um carro.
— Não estão.
"Droga! Droga! Droga!", Hinata praguejou mentalmente. Era para o senador estar em uma reunião agora, tinha checado a agenda dele mais de uma vez durante a semana.
Sabia que seria no mínimo suspeito se ela saísse andando fingindo indiferença. Não podia deixar Kakuzu e o secretário verem seu rosto, seria arriscado demais e colocaria seu disfarce em perigo. Sem pensar muito e com nenhuma alternativa de saída, Hinata se enfiou debaixo do carro ao lado, encolhendo-se o máximo que dava. O cheiro forte de gasolina e graxa invadiu suas narinas e ela se sentiu um pouco tonta.
Os passos se aproximavam cada vez mais e a detetive rezou para que nenhum dos dois homens andasse muito para a direita, onde certamente teriam ângulo para vê-la ali embaixo. Como explicaria estar debaixo de um carro? Tinha certeza que dizer que era mecânica ou do esquadrão anti-bomba não convenceria a ninguém.
— Aquele Sarutobi maldito, filho de uma puta! — Escutou o som da voz grave, que pertencia ao senador. — Como ele se atreve a me ridicularizar daquele jeito!
Hinata prendeu a respiração quando percebeu que os dois homens estavam a poucos metros de distância.
— Preciso tirá-lo do meu caminho! Agora! — Kakuzu sibilou de forma ameaçadora. — Essa lei absurda sobre a vigilância no porto vai acabar com nosso negócio! Acabar!
— Não se preocupe, daremos um jeito no velho e o restante esquecerá desse projeto em um piscar de olhos. Precisamos falar com Hidan sobre a atualização mais recente, a remessa nova chegará essa semana.
A detetive teve o pressentimento que eles não falavam de objetos. A porta do carro foi aberta e depois batida com muita força, para em seguida o carro arrancar da vaga, deixando-a completamente sozinha outra vez. Hinata deixou o ar escapar pela boca, respirando aliviada. Tinha sido por muito pouco. Saiu de debaixo do carro e bateu levemente na própria roupa para tentar se livrar da sujeira que estava impregnada no seu terninho.
Então, já sabia que, provavelmente, mais pessoas seriam traficadas ainda naquela semana. Precisava descobrir com urgência em que dia exatamente. Hidan, Hidan, Hidan, Hinata repetiu mentalmente. O nome era muito familiar. Tinha certeza que já tinha escutado em algum lugar.
— Hinata? — A voz de Shikamaru a trouxe de volta para a realidade.
— Estou bem — garantiu ela em voz baixa e começou a andar na direção das escadas. — Quantos minutos tenho?
— Dois.
— É o suficiente. — Apressou o passo e alguns segundos depois, já tinha alcançado a escada e subiu, sumindo dali, quase como se fosse um fantasma.
Quando ela voltou para o próprio carro, estacionado a vários quarteirões do Senado, Shikamaru respirou aliviado ao constatar que o implante do ponto de escuta tinha sido um sucesso e, mais importante: que Hinata estava bem e segura.
✩
Já era noite quando Hinata agradeceu o entregador de pizza e lhe deu o dinheiro certinho, para depois fechar a porta com mais força que o necessário. Shikamaru estava sentado no sofá, assistindo televisão, mas seus olhos pareciam muito vagos, como se não estivesse realmente prestando muita atenção.
Em silêncio, Hinata depositou a caixa de pizza na mesa de centro e abriu depois, tirando uma enorme fatia. Cutucou Shikamaru com o indicador para mostrar que a comida já tinha chegado, desde que ele se mostrava estranhamente distraído.
Os olhos escuros se fixaram nela e depois na pizza, ela só disse algo depois de já ter o visto pegar uma fatia e mordido um pedaço generoso.
— Não consigo me lembrar de onde conheço esse nome — Hinata confessou, frustrada. — Hidan.
Shikamaru deu outra mordida na fatia para esconder sua expressão de irritação. Ele conhecia Hidan, era um hacker, igualzinho a ele, com a única diferença que este estava pouco preocupado com qualquer coisa ligada a moralidade. Devia ter desconfiado que ele era a pessoa que tinha se juntado a Kakuzu, não poderia negar que Hidan era muitíssimo habilidoso.
Entretanto, o que o irritava no momento, era não saber como dar uma luz para a detetive ao seu lado, sem quebrar o próprio disfarce — ou algo assim —, porque era improvável que uma pessoa comum soubesse tanto a respeito de um hacker dessa forma... A não ser que também fosse um ou tivesse o mínimo conhecimento sobre essa área.
E, bem... Ele era Shikamaru Nara, um cara comum, um cidadão honesto de Konoha. Pelo menos tinha sido essa imagem que vendeu para Hinata.
Agora, como poderia ajudá-la sem se comprometer? Também: isso era mais importante do que salvar pessoas sendo vítimas de tráfico? A pizza desceu seca por sua garganta.
— Vou pegar refrigerante — Hinata anunciou, como se estivesse lendo os seus pensamentos. Voltou alguns minutos depois, com dois copos em mãos, estendeu um para ele: — Aqui.
— Obrigado. — Tomou um gole da bebida, que desceu rasgando por sua garganta. Ou talvez fosse somente culpa, como poderia ter certeza?
— Me lembrei de onde conheço esse nome. — Os olhos perolados estavam fixos na televisão quando Hinata disse isso. Ele precisou de todo o seu autocontrole para não demonstrar surpresa. — É um desenvolvedor de aplicativos de namoro.
Para confirmar o que tinha dito, Hinata pegou o celular da mesa de centro e estendeu para ele alguns segundos depois. Um aplicativo estava aberto na página de informações.
— É o nosso cara — ela completou diante do silêncio. — Agora que paro para pensar, é perfeito, não acha? Aquela moça do vídeo era estrangeira e era muito bonita. Deve ser muito mais fácil atrair vítimas de fora, porque isso deixa mais difícil para a polícia descobrir.
Ele não demorou a pegar o raciocínio dela, porque era claro: se em uma cidade como Konoha, começasse um surto de desaparecimentos, isso certamente deixaria a polícia muito atenta. Agora, se fosse pessoas de fora, a comunicação entre os países sobre esse tipo de assunto não era tão globalizada para que as autoridades notassem que havia pessoas sumindo.
— Se ele é o desenvolvedor desse aplicativo, não é difícil ele escolher as vítimas. Ele deve ter pleno acesso as informações e chuto que escolhe pessoas que dificilmente alguém sentiria falta se elas desaparecessem — Shikamaru completou e ela assentiu, devagar.
— Vou invadir o sistema desse cara. Se eu conseguir um tracking, descobrirei o padrão e saberei quando as próximas vítimas estarão em Konoha.
O hacker não se atreveu a perguntar se ela sabia como fazer isso, porque a resposta estava muito clara. E agora fazia muito sentido que seus casos tivessem uma taxa altíssima de resolução, porque Hinata tinha um talento fora do comum para farejar provas.
Nas horas que se passaram, a Hyuuga tinha saído sem avisar para onde ia, só pediu para que ele não se preocupasse, porque voltaria pela madrugada. E Shikamaru, que normalmente era tão desinteressado pelas coisas alheias, não conseguia parar de se perguntar onde diabos Hinata estava e o que ela estava fazendo. Estava longe de ser uma pessoa religiosa, mas mesmo assim, praticamente rezou para que a detetive voltasse em segurança. Quando pensava em algo acontecendo com ela, sentia um aperto desconfortável no peito.
O fato de que não tinha conseguido passar por cima do próprio egoísmo e dizer que conhecia muito bem Hidan, estava o consumindo aos poucos. Porque ele tinha quase esquecido que estava a usando para salvar o próprio umbigo. Ficar ali com ela, naquele apartamento, criando uma rotina e um vínculo que ele jamais teve com outra pessoa, deixava-o completamente aterrorizado. O que aconteceria quando o caso fosse resolvido? Cada um seguiria para o seu caminho? Ela era detetive, afinal de contas, não poderia exercer seu trabalho com ela por perto.
Por que isso o deixava tão angustiado e o fazia se sentir tão culpado?
Shikamaru sabia a resposta para todas essas perguntas e sentiu-se tolo por querer evitá-las. Era inteligente mais do que o suficiente para entender que tinha cometido o erro de se apaixonar por Hinata.
— Shika? — A voz dela soou hesitante. Estava tão preso nos próprios pensamentos, que mal tinha notado que o alvo do seu mais recente afeto tinha acabado de chegar e encontrava-se parada na porta.
Ele olhou para o relógio iluminado que ficava na parede. Eram 3h44min. Bem tarde. A sala não estava totalmente escura, por conta das cortinas abertas que deixavam as luzes da cidade entrarem de forma muito suave. Então, ele conseguiu distinguir com muita facilidade a silhueta dela enquanto Hinata andava até alcançá-lo, no sofá.
— Por que você não está dormindo? — ela quis saber antes de se sentar ao lado dele. Agora, conhecia-o mais do que o suficiente para saber que ele adorava cochilar. Não foi difícil notar um pouquinho de diversão na voz dela.
— Estava te esperando — admitiu, pouco preocupado em esconder o fato.
Agora que a detetive estava sentada bem ali, a perna dela estava encostada na sua e ele conseguia ver como ela remexia as mãos, inquieta, desejou poder enxergar o rosto dela melhor, encarar os olhos tão bonitos e sinceros, capturar a essência da alma dela e guardá-la para si, como sua lembrança mais preciosa.
— Por que? — Silêncio. — Você estava preocupado?
— Hm — anuiu, voltando a ficar em completo silêncio outra vez.
Normalmente Hinata não se importava quando eles ficavam absolutamente calados. De certa forma, era até reconfortante não precisar preencher o silêncio tagarelando coisas sem sentido. Só que agora, estava, sem dúvidas, incomodada. Tinha plena ciência que mais desconhecia sobre o homem ao seu lado do que realmente o conhecia, entretanto, parecia muito evidente que algo o perturbava.
Um tanto tímida, Hinata secou o suor das mãos na calça que trajava e procurou a mão dele, devagar. Sua visão já tinha se acostumado com a parcial escuridão, então conseguiu ver quando Shikamaru virou a cabeça em sua direção assim que seus dedos se entrelaçaram. Ela engoliu em seco, procurando as palavras certas, sem encontrá-las por segundos que pareceram uma eternidade. Por isso, resolveu ir por outro caminho:
— Amanhã é o dia que eles vão trazer as pessoas até o porto outra vez. — Tremeu um pouquinho, embora não fizesse frio. — Conversei com meu chefe e terá toda uma equipe de reforço para... — Sua voz simplesmente morreu.
— Você conseguiu.
— Nós conseguimos — Hinata corrigiu-o. — Seria ainda mais difícil sem sua ajuda.
— Tenho certeza que você teria arrumado um jeito — Shikamaru retrucou.
— Você não pode apenas aceitar o elogio? — ela fingiu estar irritada, o que arrancou uma risada baixa dele. Seus dedos ainda estavam entrelaçados de um jeito muito carinhoso e íntimo quando, receosa, perguntou: — Você vai estar seguro outra vez.
O coração dele se apertou mais uma vez. Ela não estava ciente de quem ele era e o que isso significava. Estar apaixonado por Hinata não anulava o fato de que era um homem procurado em diversos países.
— Graças a você, detetive Hyuuga — chamou-a formalmente e podia visualizar ela revirar os olhos, brincalhona. — Obrigado.
— Não há de quê, Senhor Shikamaru Nara — devolveu no mesmo tom.
Olhando para ela, o rapaz se perguntou se estaria sendo egoísta demais se pudesse beijá-la somente uma vez? Apenas para guardar como lembrança. Levantou sua mão livre devagar, até tocar Hinata no rosto. Acariciou a bochecha feminina com o polegar, suavemente, os lábios dela se separaram como duas pétalas de rosa: cálida e linda.
Hinata colocou a mão por cima da dele e fechou os olhos por alguns segundos antes de voltar a abri-los. Shikamaru estava muito perto, e ela deixou que o cheiro de tabaco e menta invadisse suas narinas com violência, suas respirações se misturavam e nenhum dos dois conseguiam mais distinguir onde que cada um começava e terminava. Precisou de somente alguns segundos para que ela terminasse com a distância entre eles e encostasse os lábios aos dele.
A mão dele deslizou da bochecha até a nuca feminina, onde segurou firmemente e aprofundou o beijo de um jeito muito calmo. A língua percorreu a linha dos lábios dela, provando-a com uma óbvia adoração, que Hinata sentiu os olhos lacrimejarem. Só depois Shikamaru explorou sua boca, sem pressa, enrolando a língua na dela, tocando-lhe o céu da boca e fazendo-a rir um pouquinho entre o beijo.
Um beijo único e preguiçoso.
Igualzinho a ele.
Os dedos dela se perderam no cabelo dele, trazendo-o para tão perto de si, quase como se quisesse que eles se tornassem um só. E talvez o quisesse. Sem fôlego, eles se separaram por apenas alguns segundos.
— Não diga nada — foi a única coisa que Hinata pediu, antes de beijá-lo outra vez de forma mais sôfrega e entregue.
✩
Quando Shikamaru acordou, Hinata não estava mais ao seu lado na cama de casal. Os lençóis já estavam frios, o que indicava que ela tinha levantado há um bom tempo. Levantou-se e juntou as roupas que estavam em um montinho no chão, vestindo-as rapidamente.
Saiu do quarto e encontrou Hinata sentada no sofá em uma postura tensa demais. Vestia as roupas de trabalho: jeans escuro, botas, blusa branca de mangas longas. A única coisa diferente era o colete a prova de balas com o símbolo da Polícia de Konoha gravado em um emblema elegante no peito esquerdo e nas costas.
Não sabia que a operação seria ainda naquela manhã.
Ciente da sua presença, a detetive olhou-o demoradamente. Embora sorrisse, isso não alcançava os seus olhos tão bonitos. Estava claramente travando uma batalha interna. Ele chutava que já fazia muito tempo que ela tinha sentado ali e ficado parada. Sabia que tinha algo errado, porque a emoção que a atravessava, era no mínimo, palpável.
— Está quase na hora de ir — Hinata comentou, baixinho. Os dedos se apertaram no tecido da calça e ela respirou fundo.
— Vai dar tudo certo — Shikamaru disse, parado no meio da sala.
Ela balançou a cabeça, assentindo. O hacker aproveitou para gravar cada detalhe do rosto dela. Sabia que essa seria a última vez que a veria. Eles não poderiam ficar juntos, tinha plena ciência disso.
Então se esforçou para lembrar como os lábios dela eram cheios, rosados e macios, dos seus olhos grandes e bonitos, naquele tom incrível de pérola que continuava dançando para o de lavanda. Do nariz pequeno e arrebitado. De como ela mordia a parte interior da bochecha quando estava nervosa e de sua risada que parecia um leve tintilar de sinos — e que quando ela perdia a razão, fazia o som de um porquinho sem ar em meio as gargalhadas.
Tinha certeza que se lembraria de tudo isso.
— Não precisa ser a última vez — Hinata murmurou tão baixo que ele teve dúvidas se não estava alucinando. Levantou do sofá, só que continuou parada no mesmo lugar. Repetiu com mais afinco: — Não precisa ser a última vez que nos vemos.
— Hinata... — Shikamaru jamais tinha imaginado que eles teriam aquela conversa. Pretendia simplesmente desaparecer para que aquele momento não chegasse.
— Eu sei quem você é. — Isso sem dúvidas o pegou desprevenido. A respiração ficou presa e o sangue parecia correr ainda mais rápido entre suas veias. — Nas Sombras. Eu sabia quem você era, desde a primeira vez que nos encontramos — revelou. — E tenho certeza que você sabia quem eu era antes disso.
Embora estivesse muito surpreso, o Nara não era estúpido. Devia ter imaginado que alguém tão inteligente quanto Hinata poderia chegar a essa conclusão. Trabalhando com ela, vendo-a todos os dias, viu como ela era engenhosa. E agora fazia muito sentido que a polícia de Konoha estivesse perto do seu rastro dessa vez. Era ela, o tempo inteiro, era Hinata.
— E mesmo assim, estamos aqui — ele constatou calmamente. — Você quis fazer parte do plano.
— Eu estava curiosa sobre o que você queria — ela admitiu. — Não imaginava o que alguém que ficava nas sombras por tanto tempo poderia querer. — Engoliu a saliva com dificuldade. O canto dos seus olhos pinicava, tinha plena ciência no que estava se metendo desde o começo, então não sabia porque era tão difícil dizer adeus. — Eu sabia quem você era, mas não te conhecia. Agora conheço, sei que não é uma má pessoa.
Shikamaru não estava muito certo disso. Bem como ela dissera, passara muitos anos da sua vida nas sombras, porque era conveniente. Ele não acreditava que servir apropriadamente traria qualquer benefício, não se considerava um anarquista radical, só que tampouco acreditava que as corporações que deveriam trazer justiça estavam livres da corrupção. Quando se conseguia ver tudo que era jogado para debaixo do tapete, ficava mais difícil ter fé em qualquer coisa que não fosse em si mesmo.
— Eu posso te destruir — Shikamaru murmurou. Se eles ficassem juntos e algum dia viessem a descobrir quem ele era, seria o fim de Hinata. A carreira dela seria jogada na lama. Tudo pelo qual ela tinha se esforçado, lutado, desaparecia como pó.
— Eu posso te destruir também — Hinata afirmou e ele tinha certeza que sim. Ela não conseguiu segurar as lágrimas que se acumulavam em seus olhos bonitos. — Mas eu não quero. E é por isso que vou te fazer uma proposta e espero que pense nisso com todo o seu coração.
Os lábios dela tremiam levemente e foi só nesse instante que Shikamaru percebeu que também tremia, com as mãos cerradas em punhos a ponto de as dobras dos dedos estarem esbranquiçadas.
— Se me conhece, sabe que jamais entrarei para a polícia — adiantou-se, prevendo que a proposta seria algo do gênero.
— Não — Hinata negou. — Quero que trabalhe comigo, pra mim. Não precisa me responder agora, apenas... Pense nisso, por favor.
Antes que o Nara pudesse dizer qualquer outra coisa, Hinata juntou o distintivo e as chaves da mesa de centro e o deixou ali, completamente sozinho.
✩
— Por que você está com essa cara de que morreu e ressuscitou umas quinhentas vezes?
Shikamaru levantou a cabeça do sofá apenas para encontrar o sorriso debochado de Ino. Estava finalmente na própria casa outra vez há pelo menos uma semana. Apesar de tudo, era reconfortante estar ali novamente.
— Eu achei que você estaria feliz já que seu plano deu certo. Kakuzu e Hidan foram presos, passou em todos os noticiários, você viu, não é? — Ino perguntou e jogou-se no outro sofá, ao lado dele, de maneira muito despreocupada.
— Vi — o Nara afirmou e voltou deitar no sofá, suspirando.
— Qual é o problema então? — ela quis saber, soando muito interessada. — Ainda está pensando na proposta da detetive bonitona? — Silêncio. Ele odiava e amava sua melhor amiga ao mesmo tempo, ela o lia com tanta facilidade. — Por que você simplesmente não aceita? Achei que você queria paz e se estirar infinitamente por sofás durante um bom tempo.
Ino o encarava com as sobrancelhas arqueadas sarcasticamente.
— Você sabe que não é tão simples assim — Shikamaru retrucou com impaciência, algo não muito usual dele.
— Não é? — O tom dela era provocativo, mas quando continuou, encontrava-se muito mais suave: — Shikamaru, eu sei que você não quer entrar pra polícia por conta do que aconteceu com seu pai — Shikaku fora assassinado por seu próprio parceiro, que era corrupto —, mas essa é sua grande oportunidade, não acha? Pelo que você me disse, a detetive não é ruim, muito pelo contrário, ela faz a justiça acontecer. E é disso que você precisa. Me corrija se eu estiver errada.
Sem resposta, ele afundou o rosto na almofada do sofá. Porque sabia que Ino estava certa. O principal motivo que tinha o levado a traçar um plano para se livrar da polícia, é porque queria um pouco de paz. Tinha juntado dinheiro mais do que o suficiente para viver bem por muito tempo, não gastava tanto, era caseiro, gostava de ficar de preguiça em casa.
Não era um cético quando se tratava de amor, aceitava-o e sabia que existia. Seu único medo era ver alguém que amava tendo um fim nefasto por conta dele. Como poderia garantir que Hinata continuasse intacta se ficasse perto dela?
"Ela não precisa da sua proteção", foi o que uma voz sussurrou bem lá no fundo da sua mente. E Shikamaru sabia que ela estava completamente correta.
— Shikamaru? — Ino insistiu, como se estivesse o chamando por longos minutos. Ele olhou para ele com o cenho franzido. Droga! Divertidamente, ela continuou: — Hahá! É muito fofo você estar apaixonadinho. O que ainda tá fazendo aqui? Dá pra ver na sua cara que você já decidiu e não adianta me olhar assim.
— É impossível discutir com você — o Nara admitiu, por fim, levantando-se. — Vai ficar por aí?
— Vou. Relaxa, não vou colocar fogo no seu cafofo.
— Não era com isso que eu estava preocupado — resmungou mais para si mesmo do que para a amiga. Só depois saiu com um destino em mente muito bem traçado.
✩
As batidas comedidas na porta fizeram Hinata se levantar do sofá para ir atender. Não era muito comum que recebesse visita, principalmente às... 23h42min. Assim que abriu, estancou no lugar, surpresa.
Shikamaru estava parado bem ali na sua frente, a postura relaxada, as mãos enfiadas nos bolsos da calça folgada que usava.
— Posso entrar? — perguntou quando ela o encarou por mais tempo do que seria considerado educado.
— Desculpe, é claro — respondeu e deu espaço para que ele passasse. Fechou a porta em seguida, mas continuou parada ali, enquanto ele andava até o meio da sala, para em seguida virar na direção dela. O coração de Hinata disparou. — Shika?
— Pensei na sua proposta — começou, os dedos se remexiam afobados dentro do bolso. Tudo que queria era abraçá-la com força, mas se controlou. — Vim dizer que aceito. Quero trabalhar com você. Só que eu tenho uma condição.
— Qual? — Hinata se impressionou como a própria voz pareceu irreconhecível.
— Se algum dia houver qualquer possibilidade de alguém descobrir o que eu fazia e que isso vá te prejudicar, você vai me entregar. — Ela mordeu o lábio inferior, com força. Certamente não estava satisfeita, então ele acrescentou e foi quase como um déjà vu: — Eu posso te destruir, mas não quero.
A Hyuuga deixou o ar escapar pela boca, devagar, e começou a se aproximar em passos lentos até alcançá-lo. Parada ali, na frente dele, estendeu as duas mãos em um convite mudo. Shikamaru tirou as mãos do bolso e segurou as dela com cuidado e carinho.
— Eu sei — Hinata sussurrou. — E você não vai. Aceito sua condição e vou me certificar que algo assim nunca aconteça.
A forma que os olhos perolados brilhavam, determinada, fez com que Shikamaru tivesse a certeza de que ela cumpriria com suas palavras. E foi por isso que ele não hesitou em puxá-la para um beijo demorado, a ponto de deixar a detetive completamente sem fôlego.
Era certo que eles podiam destruir um ao outro, quase como uma bomba-relógio. Mas isso, só o tempo poderia dizer, porque tudo que importava agora, era aquele sentimento cálido que invadia cada um dos seus poros.
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