Capítulo Único

I AM SENDING YOU AWAY

Ao sair do elevador, Thi tapeou os bolsos do seu uniforme e imediatamente sentiu a angústia roer seus ossos como ratos esfomeados — esquecera em seu dormitório seus fones de ouvido. O jovem parou de andar e se encostou na parede do amplo e iluminado corredor, deixando os outros animados e barulhentos jovens seguirem em direção ao refeitório, onde o jantar seria servido. Checou mais uma vez seus bolsos, tão somente para constatar o que já sabia.

O CEEP, ou Centro de Estudos Espaciais de Pequim, gigantesco e hiper tecnológico, era magnífico o suficiente para abrigar permanentemente centenas de jovens que treinavam e estudavam diariamente com o único intuito se serem bons o suficiente para partirem em alguma das dezenas de missões espaciais que deixavam o solo terrestre todos os anos. Mentes geniais que se espalhavam em diversas atividades durante o dia, porém se reuniam para o jantar em um único local: o extraordinário refeitório central.

Eram muitos sons. Os tênis brancos do uniforme se chocavam com o piso de mármore, as vozes eram altas e as conversas animadas ecoavam. Assobiavam e era possível ouvir a cacofonia de pratos e vasilhas vinda do refeitório. Ainda encostado na parede, Thi levou a mão aos ouvidos e tentou veementemente focar-se em um único e constante ruído — as batidas de seu coração —, no entanto, era difícil. O jantar era sempre o pior momento do dia para ele, mas esquecer seus fones de ouvido do lado oposto do CEEP tornava tudo insuportável.

Thi virou-se, ainda cobrindo os ouvidos, pronto para partir no sentido oposto aos sons, para fugir deles, mas então sentiu dedos finos cobrirem seu pulso e puxarem ligeiramente sua mão. Com delicadeza, um par dos pequenos fones de ouvido foram empurrados entre seus dedos, o que o fez erguer os olhos por um curto instante antes de baixá-los novamente. De relance, viu um olho castanho, outro verde. Heterocromia. Benjamin Liu.

Tudo durou poucos segundos e logo Thi viu os tênis de Benjamin — os únicos com desenhos de canetinhas coloridas — desaparecerem na multidão de jovens. Conectou os fones de ouvido emprestados em seu celular e respirou fundo, sendo um dos últimos a se dirigir ao refeitório, onde as gigantescas filas de jovens vestidos de branco pareciam com serpentes píton albinas, arrastando-se longamente, mas dessa vez, silenciosas sob a melodia de Vivaldi.

••••

A verdade era que Thi não passava de um menininho franzino e excluído. As pessoas não o compreendiam; não entendiam porque era tão difícil para ele se expressar com palavras, ou brincar com as outras crianças, ou, até mesmo, estar em um ambiente com muitas luzes e sons. Ouvia os adultos comentarem com seus pais: diziam que ele não era educado, não respondia quando era chamado e jamais sorria. Fora um bebê estranho e era uma criança incompreendida.

Tudo mudou quando tinha oito anos de idade e Thi fez uma excursão escolar ao planetário de Pequim. A cúpula arredondada mostrava o céu, sem nuvens, brilhante e magnífico, em detalhes perfeitos e magicamente impactantes. Os corpos celestes estavam ali, tão próximos que parecia ser possível tocá-los com a ponta dos dedos, porém tão longe e complexos que se perder entre eles era fácil — ser arrastado para a vastidão incompreendida do universo.

A astronomia não conseguia explicar tudo aquilo, nenhuma ciência conseguia demonstrar como o universo funcionava ou como tinha se formado. Pela primeira vez, Thi se sentiu inteiro, acolhido, abraçado, compreendido. As estrelas o envolveram como o manto de Merlim, aquecendo-o de dentro para fora em uma conversa silenciosa. O universo estava ali o tempo todo, mas finalmente o menino conseguia vê-lo plenamente — e ser visto. Eram parecidos, mas distintos.

E então as estrelas e Thi se tornaram um só. Todo o seu interesse como criança e adolescente foram canalizados para a grande vastidão incompreendida, que domava o interior caótico do jovem menino. Era da janela de seu quarto que observava as noites estreladas pelo telescópio, de sua cama que imaginava andar pelo espaço sideral e de sua cadeira na escola que estudava todos os assuntos que a astronomia envolvia.

Thi se tornou um pequeno gênio das ciências exatas e dominava cálculos físicos complexos antes mesmo de começar a universidade. Estudava tudo, desde as teorias envolvendo buracos negros às ondas eletromagnéticas que vinham dos corpos celestes, e dedicava cada segundo de sua vida para o propósito de sair da Terra e se aproximar das estrelas. Era um prodígio e logo foi notado pelo CEEP.

Desde então, estivera ali, naquele gigantesco Centro. Nos primeiros anos, era preparado como todos os outros para uma missão espacial, no entanto, seu sonho logo explodiu em milhões de pedaços, como o primeiro núcleo de energia que criara o universo a partir do big bang.

Um exame médico e tudo estava acabado. O corpo de Thi era defeituoso e isso o impedia de partir em uma arriscada viagem espacial. Teria que ficar para sempre preso a Terra, distante daquilo que mais amava, observando de longe enquanto foguetes subiam ao céu uma vez a cada dois meses levando pessoas "não defeituosas".

Ele não sabia o porquê de estar pensando na sua doença enquanto andava pelo vazio e silencioso corredor que levava ao melhor lugar do CEEP: a biblioteca. O espaço era distante e pouco utilizado, afinal, quem ainda lia livros quando existiam tantas outras formas de adquirir conhecimento? A biblioteca era mantida mais por razões históricas e morais do que por ser um local útil.

Vazia. Meio iluminada. Tranquila. A biblioteca tinha se tornado a segunda casa de Thi e ele passava seu tempo livre ali, longe dos barulhentos dormitórios. Pôde respirar abertamente ao passar pela porta e seguiu entre as altas prateleiras de livros em direção à parede lateral, feita inteiramente de vidro. Ali, uma pequena porta dava acesso a varanda aberta, que se estendia ao redor da biblioteca.

Em noites de verão, aquela varanda era movimentada, no entanto, na época em que estavam, com o outono caminhando lentamente para o inverno, Thi costumava ser o único a aparecer por ali. Ninguém gostava do frio noturno de Pequim, mas, bem, isso foi antes, já que nas últimas semanas ele tinha sido obrigado a dividir a varanda com Benjamin Liu.

Em uma noite de lua cheia, Benjamin simplesmente estava ali quando Thi chegou. O outro garoto estava sentado no chão, tinha um caderno de desenhos aberto sobre o colo e um estojo com tintas aquarela jazia perto de seus tênis coloridos por canetinhas. Benjamin pintava tranquilamente, a ponta do pincel deslizando sobre o papel, encharcando-o de cores e formatos.

Thi ficara tão surpreso ao não estar sozinho na varanda que tropeçara em seus próprios pés. Obviamente aquilo atraíra o olhar bicolor do outro jovem.

— Ah, olá, Gênio. — Benjamin dissera, chamando-o pelo apelido que era conhecido.

Naquela noite, Thi não o respondera. Focara sua atenção para o belíssimo céu estrelado, para a imponente lua cheia, e ignorara o fato de que outra pessoa estava ali. A varanda era voltada para um canto mais isolado do CEEP, então eram poucas as luzes, permitindo uma visão perfeita do céu noturno, o que o atraía todas as noites. Sentia-se sereno — ele e o universo conversavam silenciosamente.

No entanto, desde aquela noite de lua cheia, jamais ficara sozinho novamente. Todas as noites, quando chegava, Benjamin Liu já estava ali, com suas tintas aquarelas, seu uniforme desarrumado e seus tênis pintados. Dizia algumas palavras, sorria e então deixava Thi sossegado com as estrelas, o que, definitivamente, era muito bom.

Depois de semanas, Thi percebeu que não ia mais para a varanda apenas para ter a perfeita visão do céu noturno. Tinha se acostumado a não estar mais sozinho, a ter o som constante da respiração de Benjamin como trilha sonora para seus pensamentos, a ouvir a voz rouca sussurrando enquanto lhe dizia algumas poucas palavras. Parecia que os dois garotos possuíam um acordo silencioso de se encontrarem ali após o horário do jantar, já que Benjamin sempre estava ali antes.

Aos poucos, Thi se sentiu confortável, compreendido. O outro garoto parecia entendê-lo, mesmo quando falava pouco, evitava os olhares ou se sentia incomodado por sons altos; não se sentia julgado quando se distraía com as estrelas, ignorando todo o restante ao seu redor, inclusive Benjamin. Em toda sua vida, nunca se sentira bem ao redor de outras pessoas, mas com aquele garoto era diferente.

Por isso, Thi ficou confuso e assustado ao chegar na varanda e não ver sinal algum do outro garoto. Normalmente, ali estariam as estrelas e Benjamin, mas apenas as primeiras brilhavam no alto. O que poderia ter acontecido?

Agarrou-se à grade de proteção da varanda e suspirou. Estava frio e o vento corria forte, levando embora as nuvens e deixando para trás o céu estrelado limpo e nítido. As constelações formavam desenhos, porém chegava a ser triste imaginar que a maioria daqueles corpos celestes luminosos não existiam mais. A luz demorava tanto para viajar até a Terra que milhares de anos podiam se passar entre o momento em que uma estrela entrava em supernova até os olhos humanos poderem sentir falta do ponto luminoso no universo.

Será que Thi via apenas estrelas mortas? Elas não existiam mais, porém ainda brilhavam. Isso significava que ainda tinham vida, de certa forma, não era? Seriam as pessoas da mesma forma? Poderiam partir, mas não partir de verdade? Serem como estrelas e seus atos repercutirem por anos e mais anos? Se sim, como Thi repercutiraria no futuro?

Talvez como um cientista incrível, que ajudara milhares de pessoas em suas missões espaciais, porém jamais fora capaz de participar de uma pessoalmente. Ou talvez apenas como mais um pobre jovem doente. Nada tão especial quanto uma estrela após sua supernova, com certeza. Nada tão especial quanto Benjamin Liu também.

Benjamin. Nada nele era único, ordinário. Era um brilhante engenheiro mecânico, mas amava pintas aquarelas em seu tempo livre; era judeu, com mão brasileira e pai chinês, mas não acreditava em nenhum Deus; era corajoso e amava esportes radicais, mas tinha medo de cachorros. Ele era uma combinação extraordinária que Thi descobrira aos poucos.

— Thikhamphon. — Ouviu a voz ofegante de Benjamin chamá-lo e apenas baixou o rosto enquanto o outro invadia a varanda. Inesperadamente, seu coração bateu de forma esquisita. — Desculpe, estou atrasado.

Benjamin se encostou na grade de proteção ao lado de Thi, ofegante e com o cabelo ainda mais desgrenhado que de costume. Não tinha seu bloco de pintura nas mãos, porém sorria abertamente, como se ver Thi fosse a melhor coisa de seu dia.

— O céu está sem nuvens. — Respondeu, batucando os dedos e observando qualquer coisa exceto os olhos bicolores de Benjamin.

— Falando nisso, descobri que seu nome significa, literalmente, "céu". — Benjamin comentou e era possível ouvir o sorriso em sua voz. — Thikhamphon, o céu. Isso foi escolha da sua mãe, não é? Ela é tailandesa.

— Não é uma tradução única. Muitas palavras significam "céu" em tailandês. — Resmungou.

— Tudo bem, mas eu conheço só essa.

Thi apenas assentiu e batucou os dedos. Depois que descobrira seu nome, Benjamin havia deixado de chamá-lo de "Gênio" ou apenas "Thi", preferindo usar a palavra inteira quando se falavam. Era a única pessoa no mundo a fazer isso, o que não ajudava a controlar os estranhos rodopios que surgiam com cada vez mais frequência em seu coração.

— Aqui. É seu. — Thi resmungou, puxando de seus bolsos o fone de ouvido que Benjamin lhe emprestara mais cedo. Sem olhar para o outro, estendeu a mão aberta.

— Fique com ele. — Benjamin fez um leve carinho na palma da mão de Thi, atraindo sua atenção para o local. Gostava quando era tocado. — Me devolva quando eu voltar.

Franzindo o cenho, Thi levantou o rosto. Benjamin o encarava sem sorrir, uma expressão séria que não era possível compreender, mas que se distinguia claramente do costumeiro sorriso.

— Voltar?

— Não tive coragem para te contar antes, me perdoe. — Continuou com os carinhos leves na palma da mão. — Sou parte da próxima missão, Thikhampon.

Aquilo chocou Thi, quase tanto quanto o dia em que recebera a notícia que jamais poderia fazer uma viagem espacial. Afastou-se do outro garoto e passou a batucar com velocidade seus dedos sobre a grade de metal, o som ecoando tão rapidamente quanto as batidas de seu coração.

A próxima missão? Aquela que partiria em dois dias? Benjamin fazia parte dela há meses, como nunca tinha comentado nada sobre aquele assunto? Ergueu os olhos para as estrelas, porém até mesmo elas pareciam surpresas, sem qualquer resposta satisfatória para Thi. Pela primeira vez, o universo não conseguia confortá-lo — pelo contrário, era aquela vastidão incompreendida que estava levando embora a única pessoa com quem se sentira minimamente ligado em toda sua vida.

Benjamin se aproximou e passou a bater os dedos sobre a grade de proteção, produzindo um som constante, porém muito mais lento e calmo que as batucadas intensas de Thi. Aos poucos, deslizou os dedos até a agitada mão de Thi, repetindo o lento ritmo sobre a pele até que ele parasse seus movimentos e focasse sua atenção no que o outro garoto fazia.

Os toques leves e contínuos acalmaram o coração de Thi, que respirou pesadamente.

— Thikhamphon. — As batucadas suaves dos dedos de Benjamin subiram, percorrendo o braço, o ombro e a bochecha, parando somente no queixo de Thi, quando forçou-o a erguer o rosto. — Não quis que se sentisse triste porque eu posso ir e você não.

— Você tem 0,24% de chances de morrer. — Respondeu, desviando o olhar. — Eu tenho 37% de chances de morrer.

— Isso não significa que seu sonho é menor que o meu.

Thi sentiu seu corpo pesado e o ar parecia irrespirável. Balançou a cabeça e deu um passo para frente, colando-se a Benjamin e pousando suas mãos sobre o peito do outro exatamente onde estava seu coração. Pôde sentir o forte tum tum tum sob a ponta de seus dedos.

— O seu está certo. — Disse. — Funciona como deveria.

Aquela era a dura e cruel verdade. Benjamin não tinha nenhum problema, os átrios de seu coração abriam e fechavam como deveriam e o órgão conseguia pulsar o sangue por todo o corpo sem qualquer tipo de dificuldade. Ele tinha o físico de atleta e um coração perfeito, por isso podia entrar em um foguete e partir para o espaço, enquanto o coração defeituoso de Thi poderia parar de funcionar caso fizesse o mesmo. Ficar na Terra era uma questão de sobrevivência.

— Ele está batendo de um jeito bem errado agora. — Benjamin respondeu.

— Mas seu coração está em ótimas condições. — Resmungou, ainda sentindo as batidas fortes sob suas mãos.

— Meu problema de coração é diferente do seu, Thikhampon. — Benjamin entrelaçou seus dedos aos de Thi, as mãos juntas sobre seu coração. — Ele está doendo agora porque eu gosto de você e vou ficar seis meses sem te ver.

Thi virou para as estrelas. O que elas diriam sobre aquilo? As sensações eram sempre gostosas quanto estava perto de Benjamin e os frios na barriga aconteciam todas as raras vezes que se cruzavam no CEEP. Durante o dia, era quase impossível se verem, já que tinham designações muito diferentes, em locais distantes no Centro, no entanto, nas poucas vezes que se viam, Benjamin parecia lê-lo sem que precisasse dizer uma palavra sequer.

Mais cedo naquela noite, quando sentira os fones de ouvido serem colocados em sua mão por Benjamin, sentiu-se protegido. Thi não entendia nada sobre sentimentos, já que seu único relacionamento duradouro fora com as estrelas, porém desconfiava que o que sentia por Benjamin se enquadrava naquelas coisas que as outras pessoas chamavam de "amor". Seria possível?

— Seis meses. — Sussurrou Thi. — 99,76% de chance de você voltar.

— Eu gosto muito de você, entende isso? Desde a primeira vez que te vi no CEEP.

— Aqui? — Apontou para baixo, indicando a varanda.

— Não. — Benjamin respondeu. — Fui da sua turma de iniciação. Entramos na mesma época e, enquanto todo mundo só se preocupava em fazer amizades, você sorria para as estrelas. Seu sorriso sempre foi lindo e eu pintei ele muitas vezes.

— Aquarelas minhas? — Inesperadamente, Thi sorriu.

— Um monte delas, na verdade. Muitas vezes, pintei elas aqui e você não notou. — Benjamin fazia carinhos em sua pele enquanto falava.

Naquele momento, Thi se sentia como uma galáxia: muitas coisas aconteciam dentro de si ao mesmo tempo. Parecia patinar nos anéis de Saturno ou flutuar em zero G, mas ainda tinha os pés bem firmes sobre a Terra. Aquelas emoções eram brutais, explosões solares de extensões colossais que ocorriam em casa uma das pequenas moléculas do corpo de Thi.

— Eu... gosto. — Sussurrou em resposta. — Gosto das aquarelas.

— Ainda bem. — Benjamin soltou as mãos de Thi e tocou de leve seu queixo. — Você pode olhar para mim?

O tum tum tum intenso se mantinha sob as pontas dos dedos de Thi. Ele sentia o coração de Benjamin bater com constância dentro de peito e gostava daquilo, então baixou o rosto até ter o ouvido apoiado ali e fechou os olhos. O som era reconfortante e Thi queria guardá-lo em sua memória, assim poderia relembrá-lo sempre que sentisse falta de Benjamin naqueles longos seis meses que passariam separados.

— Thikhamphon. — Benjamin o chamou e repetiu: — Você pode olhar para mim?

Lentamente, ergueu o rosto do peitoral do outro garoto, subindo seu olhar aos poucos até finalmente conseguir fixá-lo nos extraordinários olhos de Benjamin Liu. Um verde, outro castanho, mas ambos brilhantes como espelhos, refletindo todas as estrelas do céu noturno. Cada uma das órbitas era um universo único, com galáxias em tons de caramelo, escurecidas pela pouca luz, dançantes enquanto os olhos de Benjamin traçavam cada um dos pequenos detalhes do rosto de Thi.

E então, Thi percebeu que nem todas as estrelas eram corpos celestes distantes milhares de anos-luz da Terra. Não, algumas estrelas estavam ali pertinho, presas no olhar de outro garoto, que era uma galáxia por inteiro sozinho. Desde a ponta de seu cabelo bagunçado, passando pela pele morena e chegando aos tênis desenhados, Benjamin era uma vastidão complexa — porém não tão incompreensível quanto o universo.

Por isso, Thi foi o primeiro a se mover. Um instante depois, seus lábios recobriam os de Benjamin, um toque que fez ambos ofegarem, um beijo que dizia tudo aquilo que não conseguia verbalizar bem com palavras. Talvez ficar na Terra fosse seu destino, ter uma doença de coração fosse algo bom: ali, com os pés no chão, poderia fazer o máximo para que Benjamin fosse para o espaço e voltasse em segurança, para que os 99,76% se tornassem 100% e eles pudessem se beijar novamente.

Sim, porque Thi gostaria de ser beijado outra vez. Muitas vezes. Os lábios de Benjamin eram macios pressionados sobre os seus e suas línguas se tocavam com delicadeza e incerteza. Os dois se descobriam aos poucos e tudo parecia amplificado, como dois planetas que se colidiam, enviando ondas de energia que repercutiam por todo o universo. Assim era o beijo deles: desastrado, bagunçado, porém tão intenso quanto o sol de verão.

Apoiados um no outro, continuaram a se beijar por muito tempo. Havia tanto a ser dito, tantas dúvidas, mas tanto amor. Encontro de almas e supernovas eram parecidos, afinal, já que aquele beijo continuaria repercutindo na mente de ambos todos os dias que passariam separados, assim como a luz das estrelas continuava a percorrer a galáxia mesmo após a morte delas.

— Thikhamphon. — Sussurrou Benjamin, afastando-se apenas um pouco do beijo e sorrindo abertamente. De imediato, Thi desviou o olhar, mas agarrou o uniforme do outro com as mãos, desejando-o perto. — Você realmente não poderia ter outro nome.

Duas noites depois daquele beijo, Thi estava novamente na varanda da biblioteca, desta vez sozinho. As aquarelas de Benjamin pressionadas contra seu peito e seus olhos voltados para o céu noturno. Mais cedo naquele dia, o foguete levando Benjamin para sua missão espacial na Lua partira, rompendo a gravidade terrestre e adentrando o espaço sideral com sucesso, para o alívio de toda a equipe que ficara na Terra, incluindo Thi.

Aspirou profundamente o ar frio da noite e conectou os fones de ouvido "emprestados" ao seu celular, iniciando uma playlist inédita que Benjamin criara antes de partir. Observou a vastidão incompreendida diante de si e se sentiu novamente acolhido, protegido por um manto de estrelas, quase como se Benjamin o observasse lá de cima e sussurrasse palavras bonitas por entre a letra da música que Thi ouvia naquele momento.

Galáxias, planetas, meteoros, nuvens gasosas, buracos negros, supernovas. Thi sorriu e saiu da varanda, voltando aos lentamente para seu dormitório: descobrira que o universo era um sentimento e que este sentimento estava consigo o tempo inteiro, estivesse olhando para o céu ou não. Amar Benjamin fizera Thi amar a si mesmo, compreendendo-se como jamais achara ser possível.

Afinal, Thikhamphon era seu próprio céu. E todo céu tinha um sol. O seu era Benjamin Liu. 

[3494 palavras]

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