[29] Luna

Boa leitura:

Quando abriu os olhos, a primeira coisa que Jisung viu foi seu alfa sentado perto da cômoda. O caçador estava lendo um pequeno livro, tão distraído na leitura que não percebeu que o ômega havia acordado. Jisung pensou em chamá-lo, mas não conseguiu. O livro era nada menos que o exemplar que ganhou de Taehyung, sobre navegação. 

Jackson odiava navios e piratas, e agora se encontra entretido com um livro que fala justamente sobre. Mas essa atividade não foi a única coisa que chamou sua atenção. Em cima da cômoda tinha um bolo, e Jisung levou um tempo para entender que era porque se tratava de seu aniversário. Ele pretendia observá-lo só um pouco mais em sua leitura, mas não conseguiu resistir:

— Esse bolo é pra mim?!

Jackson sobressaltou na cadeira e deixou o livro cair. Ele limpou a garganta e disfarçou o interesse no objeto caído, pegando o livro e o jogando de qualquer jeito dentro de uma gaveta.

— Sim. — Ele parecia um pouco tímido quando murmurou: — Eu que fiz… 

— O quê? — Jisung fingiu que não ouviu.

— Eu fiz…

— Fez o quê? 

O ômega segurou o riso quando Jackson o olhou de um jeito sério e reprovador. Mas por fim, ele fechou os olhos, suspirou e repetiu:

— Eu fiz esse bolo pra você.

— Sozinho? 

Jisung sentou na cama observando o doce. Estava com uma boa aparência, ele até podia ouvir o bolo sussurrando em seus ouvidos: “Jisung, devora-me”.

— Celina me ajudou. Ela ensinou como faz, mas eu fiz sozinho.

O ômega nunca imaginaria que aquele caçador inicialmente rude e de atitudes frias, faria um bolo no dia de seu aniversário. 

— Não vai experimentar? — Jackson perguntou, ansioso.

Jisung assentiu com a cabeça, descendo da cama quase caindo quando se jogou contra ele, abraçando seu alfa com bastante força. 

— Obrigado! — Ele o beijou algumas vezes.

Posteriormente, Jisung pegou uma fatia generosa, com as mãos — até porque ele não se importava com talheres há muito tempo — e sem mais delongas, deu a primeira mordida. Não havia palavras para descrever o que ele sentiu naquele momento. Não era capaz de articular uma única frase. Ele só conseguia lutar contra a vontade de vomitar.

— Como está?  

Do ponto de vista que o ômega estava, parecia até piada essa pergunta, mas pelo jeito que Jackson o olhava, Jisung acreditou que ele saiba o quão horrível o bola esteja.

— Indescritível. — Jisung respondeu, enquanto tentava comer aquilo. Porém, seus pensamentos eram: “Horrível, horrível, horrível, horroroso. Um espanto. Me faz mal.” — Por que você não experimenta também?

O ômega partiu outra fatia e o serviu. Foi um pouco maldoso de sua parte, mas Jisung esperou ansioso quando ele deu a primeira mordida. Sua reação não deu outra. Diferente do ômega, Jackson cuspiu na mesma hora.

— Está horrível! — Ele mesmo disse. — Que coisa nojenta. Não come isso!

— Mas você fez com tanto carinho.

— Aquilo não era açúcar? — O caçador refletiu sozinho, estudando o bolo que sobrou.

— Meu amor, você não sabe a diferença entre sal e açúcar? — Jisung o puxou pela mão e apoiou a outra em seu rosto. — Deixa eu tirar esse gosto peculiar da minha boca, com seu sabor de menta…

Jackson gostou da ideia e retribuiu o beijo. Aquilo foi como um bálsamo, até nutriu as forças do ômega.

— Eu tenho mais uma coisa para você — Jackson revelou.

— Mais uma? — Jisung pediu mentalmente que não fosse outro bolo. Sorri nervoso e tentou soar alegre e ansioso: — Oba...

— Não é outro bolo, não se preocupe. — O alfa riu, captando seu recreio. Jackson abriu a gaveta da mesa de cabeceira que ficava do lado em que dormia, e retirou de dentro uma pequena caixa retangular.

— Era a única coisa que me sobrou dele, mas quero que fique com isso.

Curioso, Jisung abriu a caixa e  deparou-se com uma luneta. Ela parecia um pouco antiga e gasta, mas tinha alguns detalhes muito bonitos. Ele a testou e ainda parecia tão eficiente, como se estivesse sendo usada pela primeira vez. 

— Foi do meu pai. — Jackson  revelou. Um tempo depois, diante do silêncio do ômega, ele comentou: — Sei que deve estar acostumado com presentes mais valiosos…

— Esse é o presente mais valioso que já recebi — Jisung o cortou. Estava com os olhos marejados. — É claro, junto com a Katana do Yoongi. 

— Não tem ninguém nessa casa, ou o quê? Cadê todo mundo? — Ouviram passos subindo as escadas, segundos depois, Baekhyun apareceu na porta. — Humm, bolo!

— Como você invade a casa das pessoas assim? — Jackson perguntou, mas foi ignorado.

— Eu não comeria, se eu fosse você — Jisung avisou. — Jack que fez, não está muito bom…

Baekhyun também ignorou o outro ômega quando este tentou lhe advertir sobre o bolo. Ele parecia estar enfeitiçado pela comida. O encanto em seus olhos não durou mais do que dois segundos, depois que provou um pedaço.

— Puta que pariu, que merda é essa?!

— Eu tentei avisar… — Jisung riu.

— Estão tentando matar quem com esse troço? 

— Foi isso que você veio fazer aqui? — Jackson perguntou. — Se já acabou, pode ir embora.

— Eu vim falar com seu ômega, não com você!

Antes que os dois começassem a atirar objetos cortantes um contra o outro, Jisung tomou a palavra:

— Aconteceu alguma coisa?

— Sua amiga Celina está vivendo com um alfa, e é ele o seu agressor. 

— Vou matar ele.

— Você não vai matar ninguém — Jackson se intrometeu. — Vai ficar na sua, treinando pra sua missão. Celina é uma adulta, se ela quiser ficar nessa situação o problema é dela. É uma escolha dela.

— Ela pode estar com dificuldades pra enxergar isso. Está sofrendo, mas não consegue deixá-lo — Jisung argumentou. — Todo mundo sabe como é difícil pra um ômega viver em nossa sociedade, principalmente estando sozinho. Ela encontrou nele algum conforto, e se acostumou a viver assim.

— As pessoas também têm suas próprias vidas e suas próprias escolhas. Você não pode interferir nisso — Jackson afirmou, e se levantou pegando o que sobrou do bolo. — Vou jogar isso no lixo.

— Cuidado para não se jogar por engano — Baekhyun brincou. Jackson revirou os olhos e assim que saiu do quarto, o ômega voltou-se para Jisung: — Eu estou com você nessa. Sobre ajudar a Celina.

— Obrigado, Baek! Sabia que poderia contar com você.

— Não precisa agradecer. Isso não importa… o alfa dela trabalha com entregas, ele está ausente em uma viagem infelizmente. Mas quando ele voltar eu vou cuidar disso.

— Tem certeza? Faremos isso sozinhos? 

— Vai ser fácil.

Jisung assentiu.

— Tem outra coisa que preciso de sua ajuda. Eu quero entrar no gabinete do Lee Seungho outra vez. 

— Para…?

— Há algo lá que eu preciso conferir. 

— Olha… eu disse que odeio regras e tudo mais… — Baekhyun ponderou, antes de continuar: — Mas isso beira a insubordinação. Foi divertido naquele dia, mas não podemos fazer isso de novo. 

— Tudo bem. 

Estava realmente tudo bem em não obter a ajuda dele. Após ter pensado bastante a respeito, Jisung chegou a conclusão de que provavelmente estava se metendo em algo que não devia, isso era quase certeza. Então, resolveu deixar aquilo de lado, por hora, e focar em outra coisa: os seus treinos.

Assim que voltou para o quarto, Jackson comunicou que iria escolher mais alguns serviços para fazerem juntos, e assim expandir os conhecimentos do ômega com missões em campo. 

Enquanto isso, Baekhyun e Jisung seguiram juntos direto para o local de treinamento comum. A  intenção do aprendiz era realmente esquecer a sala do líder da Ordem, mas agora que estava ali, aquele ambiente inteiro o fez perceber que treinar foi uma péssima escolha. Ele queria subir aquelas escadas e atravessar os corredores em busca do gabinete. Conforme lutava contra sua curiosidade e o desejo de fazer o que não devia, estava se perguntando porque diabos ele era tão curioso.

— Baek, será que o Lee está muito ocupado?

— Você deve estar achando que sou burro, né? Quer entrar naquela maldita sala que eu sei. Esquece isso, menino.

— Não é isso — Tentou mentir, mas Baekhyun era esperto. Porém, Jisung era um pouco mais… então, levantou uma questão que tomasse mais da atenção dele: — Há uma movimentação estranha esses dias. Eu quase não o vejo… e essas missões estranhas envolvendo a côrte. Ele pretende se tornar Governador?

— Pff, de onde você tirou isso? O Seungho odeia essas coisas, mas ele se envolve bastante com questões sociais. Ele gosta de ajudar as pessoas. Sabe a ponte que foi destruída? Prejudicou o comércio entre os dois vilarejos, e agora ele que está ajudando na questão. 

— Ah, entendi... — O líder não estava. Era tudo que Jisung queria saber.

— Chega de perguntas. Eu não vi você treinando com seu arco.

O ômega seguiu Baekhyun até certa distância de alguns alvos, e tentou acertar o centro de todos eles. Apesar de possuir uma boa mira, ele ainda não conseguia vencer o ruivo em um duelo para ver qual dos dois fazia mais acertos em menos tempo. Ninguém nunca conseguiu bater o recorde de Baekhyun. Nem mesmo o mais forte alfa lúpus. 

Após o treino de tiro ao alvo, os dois guardaram seus arcos para um combate corpo a corpo. Seguindo muitas dicas que recebeu de Yuri, assim como o treino intenso que praticou em muitas ocasiões com Jackson, Jisung já conseguia, algumas vezes, impedir que o ômega ruivo o levasse ao chão. Baekhyun festejava a cada vez que ele conseguia tal feito. 

Todos que estavam participando de seus treinos, torciam verdadeiramente para que ele superasse seus próprios limites e se tornasse um exímio caçador.

Depois de uma série de lutas, o ômega largou as costas no chão e fechou os olhos, tentando se recuperar. 

— Já está cansado? — Quando abriu os olhos, deu de cara com o rosto de Baekhyun, centímetros acima do seu. — Você ainda não acabou comigo.

— Mas você já acabou comigo — Jisung afirmou, o outro riu. — Você pesa uma tonelada. Não é possível.

— Precisa fixar bem os pés no chão — o caçador indicou se sentando do seu lado. — Você é muito mole, um vento te derruba.

— Você está pegando pesado comigo. Hoje é meu aniversário, poxa — Tentou tocar seu coração, fazendo biquinho. 

— Parabéns — Baekhyun sorriu fofo e no instante seguinte mudou sua expressão para um semblante sério. —  Agora levanta essa bunda preguiçosa daí e vamos mais uma vez.

Jisung riu, mas fez como o caçador indicou. Dessa vez ele obteve mais sucesso durante o combate. Baekhyun era o único que não pegava leve quando estavam treinando, e Jisung não tinha certeza se deveria agradecer por isso ou chorar.

Quando o caçador se deu por satisfeito, finalmente o liberou do treino. Jisung  fingiu estar analisando a lâmina da katana, estudando se ela precisava ser afiada, ao mesmo tempo em que olhava de soslaio, para ter certeza de que viu Baekhyun  seguindo para uma direção oposta à sala do líder. Depois de todo esse sufoco, acreditava que o ômega deveria ter esquecido o seu pedido  para entrar na sala de Seungho outra vez.

Jisung cuidou para passar despercebido enquanto subia e caminhava pelos corredores, até estar novamente diante das portas do gabinete do líder. Permaneceu na pequena área que antecede a sala, disfarçando caso alguém aparecesse. Mas o lugar estava completamente vazio e o ômega aproveitou para abrir a porta e entrar, antes que mudasse de ideia. Tudo estava exatamente do mesmo jeito que ele viu desde a última vez que estive ali. 

Os quadros estavam pendurados lado a lado e a espada gloriosa permanecia na mesma posição. Deixou de lado a vontade de desembainha-la e seguiu até a mesa, onde haviam muitos pergaminhos sobre ela, e algumas cartas com o selo Real. Curioso, de fato, mas não era isso que o interessava no momento. 

Quando ele abriu a gaveta, lá estava o diário de bordo. Jisung passou a mão nas letras prateadas que formavam a palavra “Luna” e logo abaixo, Diário de Bordo, na capa. Não resistiu à curiosidade, abriu na página do meio e leu algumas passagens:

28 de dezembro, 1675

“A tripulação está comemorando o grande saque que fizemos ao navio do terrível Fenn Barba-Ruiva, que, na minha humilde opinião, não passa de um grande babaca...”

4 de fevereiro, 1676

“Encontrei runas lunares no leilão do submundo de Nabuco. É um lugar imundo que eu tenho planos para derrubar. Ainda não sou forte o suficiente, mas um dia vou destruir o comércio nojento que expõe todos os dias centenas de ômegas a um destino cruel…”

Jisung olhou para a porta tentando escutar algum ruído vindo do lado de fora, mas o silêncio continuava e ele voltou sua atenção ao diário, avançando algumas páginas:

13 de maio, 1688

“Sarah plantou tulipas roxas em nosso jardim. São flores extremamente lindas e difíceis de cultivar. Tenho certeza de que no futuro, elas valerão milhões…”

11 de julho, 1688

“Jackson destruiu as tulipas da Sarah, brincando de luta. A Alfa está realmente brava…”

A letra dele era linda e impecável, mas quando pulou para a última página, as últimas palavras saíram tremidas e borradas:

22 de setembro, 1691

“Estou trancado na cabine enquanto eles tentam derrubar a porta. Cometi um erro confiando demais nesses alfas. Eu não tenho medo da morte, mas lamento não poder encontrar o Imperium com você, Jack. Mas lembre-se; enquanto a lua brilhar no céu, eu estarei lá por você.”

Jisung engoliu a vontade de chorar quando ouviu uma certa movimentação do lado de fora. Ele queria ler mais daquele diário, por isso, em uma decisão de última hora resolveu levá-lo consigo. Sua alma quase saiu do corpo quando viu a maçaneta girando e a porta se abrindo. No entanto, ela foi fechada novamente quando ouviu a voz de Baekhyun:

— Como está no dia de hoje, senhor?

— Um pouco atarefado, como pode ver — Lee respondeu com um tom de voz gentil. — Eu acredito que deve ter várias missões esperando por você. Por que não vai até a Samantha e escolhe uma?

— Sim, farei isso. Eu só queria tirar uma dúvida…

Baekhyun desconfiou que o ômega tivesse retornado à sala do líder após a estranha conversa, e estava certo. Ele tentou chegar ao gabinete antes que Seungho, mas o alfa chegou a sua frente. Só lhe restava tentar dar um pouco de tempo para que Jisung pudesse fugir. O ômega respirou profundamente grato e aliviado. Tentou encontrar algum tipo de passagem secreta, mas o medo e a tensão o fizeram desistir. A única saída seria a janela que, inclusive, era bastante alta. 

Debruçou-se no parapeito e conseguiu se equilibrar do lado de fora da janela, enquanto tentava descer pelos apoios improvisados. No momento em que chegou a uma certa distância do chão, ele pulou achando que os arbustos iriam amortecer a sua queda, mas foi recebido por vários espinhos que não hesitaram em rasgar suas pernas. Jisung ignorou o incômodo e seguiu pelas sombras da cidade, escondido das vistas de qualquer um.

Continua...

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