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Nós víamos em todos os filmes, líamos em todos os livros, escutávamos em todas as canções e, mais abertamente, verificávamos em todos os panfletos de propaganda espalhados pelas cidades: Tibbutz era o Paraíso na Terra.

A primeira nação a erradicar a fome, a desigualdade, o analfabetismo, a violência. Foi a única a decretar erradicação total de doenças infecciosas graves. As estatísticas mostravam que havia zero porcento de pessoas com Síndrome de Down, zero porcento com autismo e zero porcento com qualquer tipo de deformidade ou deficiência.

Um mundo perfeito. Sem limitações.

O que nós não sabíamos, no entanto, é que junto com as doenças e debilidades, Tibbutz eliminava aqueles que as portavam. O pacote completo: para um mundo perfeito, é necessário eliminar o incômodo. O elemento fraco. O imperfeito.


Nós combinamos de nos encontrar às quatro da manhã perto das videiras na base de uma montanha, bem entre os lagares de pedra, alguns dos quais datavam mais de seiscentos anos de existência. Ainda não passei pela experiência de preparar o vinho tradicional de Tibbutz. Isso só iria acontecer em alguns meses, na época da colheita. Isto é, se eu passasse pelo processo seletivo e fosse aprovada. De alguma forma, isso me parece cada vez mais impossível agora.

Eu me troco depressa em casa, lavo o rosto e corro até o ponto de encontro pouco antes das quatro. Quando chego, os três irmãos já me aguardam, posicionados num semi-círculo sob a luz do luar, de pé, com braços cruzados e pernas abertas, de forma teatral.

O primeiro a se manifestar é Simsom Kravz, o mais velho entre eles e o único homem em toda a Tibbutz a usar uma barba cheia. Ele está no meio, entre os outros dois, e me chama pelo nome enquanto ainda me aproximo, pisando com cuidado no campo desnivelado, repleto de gravetos e pedregulhos.

— Hadassa, Hadassa. Cuidado, garota. É num ninho de vespas que está entrando.

Espero que esteja falando metaforicamente. Continuo andando, mesmo enquanto tudo em mim me diz para fugir. O que diabos estou fazendo aqui? É só na Tinker que consigo pensar. Na garotinha saltitante que cuidava de mim. Minha única amiga em todo o país. E que agora está à beira da morte.

— A gente consegue ajudar a Tinker? — clamo de volta. Minha voz ecoa entre os lagares. — É só o que me importa.

— Isso vai depender de você — Simsom responde. — Do quanto está disposta a arriscar.

Paro quando chego ao centro do semi-círculo que formam e cruzo os braços também, forçando-me, ao máximo, para demonstrar uma coragem que não tenho. O quanto estou disposta a arriscar?

A única coisa que tenho para arriscar: minha vida.

— Qual é o plano? — pergunto.

— Primeiro diga se está dentro ou fora — o irmão barbudo insiste. — Não podemos nos expor para alguém que não está comprometida com a causa.

Olho para os lados e percebo que, enquanto eu e Simsom nos portamos com quase uma solenidade, os outros dois irmãos parecem entretidos e prestes a rir.

— Não. Primeiro me expliquem o que aconteceu com a Tinker — exijo, concentrando-me no rapaz que vira do outro lado do poço.

— Um acidente — Simson responde. — Uma tragédia.

— Então, está dizendo que nenhum de vocês a empurrou? — insisto, ainda sem ser capaz de retirar os olhos de Sander.

Ele apenas balança a cabeça, me encarando de volta, e sorri seu meio-sorriso irônico. Não consigo decidir quem seria o pior nessa história: Raah, com seu desespero conformado e defensivo em relação ao indefensável ou Sander, com seu senso de justiça perverso e indiferente. Esse é um país e uma cultura que definitivamente nunca serei capaz de compreender.

— Por que faríamos isso, Hadassa? Nosso principal interesse é salvá-la. Qual é o seu?

Com hesitação, desvio o olhar de Sander e me concentro em Simson. Seu rosto está sério e contrito, o que me passa a impressão de que está realmente investido no assunto. Ainda não sei se estou plenamente convencida, mas sinto que não tenho muitas outras opções. Só sei que preciso fazer algo e não posso fazer nada sozinha. Queira ou não, dependo dos Kravz agora.

— Estou dentro — digo, finalmente, após alguns segundos incertos.

Seus ombros relaxam visivelmente neste instante e ele suspira. Os irmãos olham uns para os outros e descruzam os braços. Tenho a impressão de que não planejaram o que fazer a partir daqui. Toda a dramaturgia em seus movimentos esvanece, e eles parecem repentinamente incertos.

— Então qual é o plano? — pergunto, tentando considerar todas as possibilidades. — Envolve matar alguém? Vamos explodir o Centro Hospitalar?

Simultaneamente, os três explodem em gargalhadas. Simsom tem uma risada mais grave e intensa que a dos outros, como se ela escapasse de dentro do seu estômago.

— Nós aceitamos acolhê-la em nossa casa porque vimos um potencial em você, Hadassa — é a primeira vez que Sieger se pronuncia e eu já tinha até quase esquecido que estava ali.

O irmão mais novo é o mais estranho de todos, com um rosto fino e avermelhado, as bochechas do rosto salientes e cabelos cor de cobre espetados. Mas, embora seja o mais novo, é também o mais alto, ao menos uns dez centímetros mais alto que Simson.

— Não precisaríamos da sua ajuda se tudo que quiséssemos fosse um ato terrorista.

— Terrorista? — Ergo uma sobrancelha. — Estamos tentando salvar a vida de alguém.

— Não é assim que a Cúpula irá enxergar isso. A definição de "alguém" deles difere da nossa — Sander interrompe, dando de ombros, de um jeito conformado. — Qualquer ato violento seria propagado como uma agressão ao Estado por parte de radicais. E eles só sairiam ainda mais fortalecidos disso.

— Vocês estão preocupados com a reputação de vocês, é isso? — questiono, incrédula. — Com uma causa política?

— Nossa preocupação é sermos espertos. Queremos fazer algo efetivo. É como as coisas funcionam em Tibbutz. — Sander coloca as mãos nos bolsos e caminha lentamente até mim.

— Está bem — concluo, seguindo o rapaz com o olhar, tentando discernir o que quer fazer. — Então, vamos direto ao ponto. Qual é o plano?

— A primeira coisa que você precisa entender, Hadassa, é que existem dois tipos de pessoas nesse mundo: as que vivem dentro de uma cultura e as que fazem o que for necessário para mudá-la. — Ele faz uma pausa para efeito e gesticula com uma mão, destacando cada palavra. — Custe o que custar — conclui.

No momento em que está bem diante de mim, Sander abre um enorme sorriso. Se a situação não fosse tão imprópria e ele não se comportasse de forma tão bizarra, poderia, em alguma dimensão paralela, ser até considerado uma pessoa agradável.

— Qual é o plano? — repito uma última vez. Por mais interessante que seja esse discurso filosófico, estou começando a perder a paciência.

— Lembra que eu disse que você ficou muito bem com aquele vestido? — ele sussurra alto.

— Sim. — Afunilo os olhos, ligeiramente desconfiada.

— Bem... — Sander eleva uma mão ao queixo e o coça, com seu meio-sorriso gozador. — Chamemos isso de sua arma secreta




E aí, pessoal, o que estão achando? O que acham que vai acontecer a seguir? FALEM COMIGO x)

Se eu perceber que tem bastante gente acompanhando, no mais tardar amanhã já tem capítulo novo! (Dependendo, até hoje mesmo!) 

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