Prólogo - Dante

A luz fraca da noite penetrava pelos vitrais, tremeluzindo enquanto a penumbra sóbria vagueava timidamente pelo ambiente. Aquele mesmo cheiro inebriante de madeira lustrada e metal inundava o salão, enquanto meus olhos repousavam sobre o banco de mogno escuro.

Eu estava ali de novo, mas, dessa vez, acho que foi a última.

Me sentei junto ao piano, dedilhando o que consegui de melodia simples apenas com a mão esquerda, iniciando aquele mesmo frenesi, aquela mesma euforia, me convidando para mergulhar, para que eu entregasse minha alma àquela canção, mas eu já não era bem vindo ali.

Em meio a escuridão meus espectadores silenciosos me julgavam, seus olhares fuzilantes caiam sobre mim com lamúrias de desprezo. Eu não pertencia mais àquele lugar. O meu show particular, em que apenas as paredes eram testemunhas, fechou as cortinas.

Não era mais a minha sinfonia.

Mais cedo tivemos uma discussão. Performances canceladas, burburinhos absurdos, um pulso quebrado. Aquela mulher já não precisava mais de mim.

Claro, quem diabos precisava de um pianista que não podia tocar?

Então finalmente aceitei o fim do meu último concerto. Levantei daquele banco, passei os dedos pela madeira escura do piano de cauda e, entre passos lentos, maquejados, fechei a porta atrás de mim.

A escadaria regada a luz da cidade tilintava enquanto, pé ante pé, eu subia observando por aqueles vitrais a paisagem tão sonora, ensurdecedora, com um sorriso melancólico, encarando o horizonte de altos prédios que se projetava ao longe. Ah, minha Monte da Alvorada...

O vento bagunçou meus cabelos quando aquela paisagem se abriu e alcancei o terraço; "o mundo que não para", refleti ao suspirar e encarar a minha mão imobilizada em um apoio até que finalmente sentei-me à beirada, enquanto observava o lago Oliva refletir todas aquelas luzes coloridas.

O cheiro do outono e da fuligem invadiu minhas narinas quando o vento soprou. Daquele prédio que me permitia ver tudo o que tinha decidido deixar para trás, vislumbrei o que tinha decidido ser a última sinfonia da minha vida.

Cômico como desistir era fácil... não... era triste e solitário, doloroso... havia algo dentro de mim que ainda lutava para que eu seguisse, mas, ao olhar novamente para minha mão, todas as memórias dos últimos dias me invadiram e a insanidade que controlei com o som do piano me atingiu como um meteoro.

Me pus de pé num ímpeto, sentindo o vento bater contra mim ainda mais forte, ainda mais furioso.

A última página do meu livro de 25 anos, aquele maldito dia que parecia não acabar... eu o faria acabar. Então deixei a brisa me levar no momento em que meu corpo se desequilibrou.

A memória do dia em que decidi dedicar minha vida ao piano surgiu na minha mente como um relâmpago, uma fagulha de esperança. Um sorridente garoto de longos cabelos pretos abraçava eufórico a sua mãe, enquanto a mulher assinava um contrato. As vezes acho que foi um contrato com o demônio. O contrato que me roubou a felicidade.

No lugar onde tudo começou a dar errado, eu decidi que iria dar um fim. Um pequeno jovem prodígio que teve suas asas cortadas, tinha a audácia de querer voar no céu que tanto admirava, e iria voar no céu que admirava. O som do piano, daquilo que abandonei, ecoou alto na minha mente, junto ao gosto da decepção.

O amargo gosto de ter um sonho estilhaçado como um espelho. Eu não tinha forças para juntar esses pedaços. Eu não queria colar eles.

Meu último concerto seria aqui, voando para o céu, ouvindo o som que mais amava e mais repudiava, o piano, ressoando alto na minha mente, na sinfonia de uma cidade agitada.

Enquanto o vento soprava as minhas roupas, me sentia ser libertado; de todas as minhas decepções, do peso de ter que continuar... me senti como se eu estivesse realmente voando.

Então eu fechei os olhos e aproveitei o doce gosto da liberdade, que foi abruptamente substituído pelo terror e o medo, daquilo que eu havia desistido, junto com a dor da colisão... a dor que indicava que tudo iria acabar...

Então eu abri meus olhos, tremendo, e vi o olhar de um tigre, brilhando em dourado como mel, com uma expressão de terror, os longos cabelos bagunçados e as mãos imundas de todos os tipos de cores.

O que deveria estar rasgando minhas página em branco, lentamente se tornou a dor que preencheria elas no mais tardar, e, finalmente, cai na inconsciência.

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