Capítulo 8 - Louise

— Ah, o clima estava bem agradável, para o início da primavera — Agatha segurava a lata de cerveja enquanto se impulsionava para trás, balançando a cadeira.

— Espero que tenha trazido presentinhos — exigiu Daniel quando colocou a petisqueira na mesa de centro com diversos tipos de tira gosto, ficando muito esperançoso segurando o encosto da cadeira a sua frente.

— Eu trouxe sim — ela deixou a lata na mesa e se esticou para alcançar sua bolsa, tirando de dentro dois embrulhos, entregando o primeiro para Daniel, um pacotinho pequeno e bem enfeitado que ele apalpou e arqueou as sobrancelhas.

Como um prenúncio, Keito chegou com um olhar consternado, segurando um grande balde de gelo com mais bebidas que quase o derrubou ao lado da mesa de centro. Se curvou para Agatha e fez bico.

— Não ganho presente? — perguntou.

— Eu sou seu presente — sorriu sacana, dando-me o reflexo de apenas olhar para Daniel e gargalhar enquanto ele também me encarava.

Eles eram um casal injustamente bonito. Agatha com seus traços fortes, pele bem bronzeada e cachos longos... Tinha boas curvas apesar de não ser exatamente o que a sociedade chamaria de magra. E Keito... bem, Keito... poderia ser facilmente confundido por um galã de novelas asiáticas.

Depois de uma bela babação, Agatha acenou para que Daniel abrisse seu presente de uma vez e ele, com um sorrisinho divertido, apoiou o peito nas costas de sua cadeira e abriu o pacote.

Tinha uma bolsinha - aparentemente - preta e, dentro dela, uma caneta de tinteiro junto a um chaveiro de uma máquina de datilografia.

Ele a encarou, incrédulo, e ela gargalhou.

— Não podia estereotipar ainda mais um escritor? — resmungou, entrando na onda dela, e ela quase o chutou.

— Estereotipado com produto internacional, sinta o cheiro do sonho americano — brincou, puxando o ar exageradamente com as mãos.

— Longe de mim, tenho orgulho nenhum em babar sonho dos outros — retrucou, mas, ao sentar, mimicou um agradecimento.

Eles se viraram para mim, que estava na pose de um camarão, sentada numa cadeira suspensa na única parte coberta do terraço, bebericando a cerveja enquanto os via gritar. Soltei um sorrisinho amarelo, estendendo as mãos em busca do meu presente.

Agatha não conseguiu conter a risada e me entregou um pacote do tamanho de um livro grande. Era pesado. Franzi o cenho e ela, ficando em silêncio, sinalizou que eu abrisse.

Me endireitei na cadeira e rasguei o papel que o envolvia, revelando uma caixa de metal clara, e me apressei para abrí-la.

Era uma paleta de aquarelas. Sorri para ela e fiz um biquinho sofrido.

— Meu pior estilo... quer que eu pinte mais aquarelas? — questionei com a voz mansa, mas ela caiu na gargalhada, fazendo meu bico aumentar. — Está me zoando?

— Não, bobinha, estou lhe dizendo para treinar, suas aquarelas são lindas, você precisa ter mais confiança nelas — ela revelou, e eu fiz careta. — Você gostava tanto delas na faculdade, é uma pena que tenha parado.

— Não me vem com essa, sempre acabam numa mancha marrom horrível — voltei a fazer bico, dessa vez de descontentamento. — Eu era assim até mesmo antes de ficar cega.

— Não, não! Teste umas e poste em suas redes sociais, você vai ver! — incentivou animada demais e Daniel, com uma expressão congelada, finalmente se envolveu na discussão:

— Eu fui estereotipado e ela ganhou um incentivo? Desde quando você tem favoritos? — reclamou, pegando um pedacinho de queijo.

— Ela me entrega as obras dela no prazo, você está com um capítulo atrasado há um mês — o sorriso na face dela só a deixou mais sinistra, e nunca vi a felicidade no rosto de Daniel murchar tão rápido. — Lembre-se que você é o motivo para termos uma parte editorial vinculada à galeria, se não vai trabalhar com diligência vou lhe demitir.

Daniel levou a mão ao peito, indignado, pronto a começar a reclamar e listar todos os motivos da sua importância na renda final da nossa empresa, mas eu o parei, arremessando a embalagem do presente em seu colo.

— Ela está me dizendo para trabalhar mais — retruquei, indignada, fazendo um bico, e foi a vez de Agatha ganhar um olhar consternado.

— Agora eu sou a chefe maldosa?

— Sim, você é — completei.

— Eu estou sempre ajudando meus funcionários a evoluir como pessoas mais capazes! — assumiu pomposa como um pavão armado, pondo as mãos na cintura e arrumando a postura.

Nesses raros momentos eu quase via um lapso de cores voltando ao mundo; eu quase podia sentir um calor no meu peito e os sorrisos dos meus amigos ganhando cor, mas era apenas uma ilusão.

Então a expressão de Agatha logo voltou ao normal, parecendo ter pescado um tema melhor na mente.

— Aliás, conheceu o novo secretário?

— Sim, conheci, ele foi buscar o quadro novo hoje mais cedo, mas sinceramente, o que tinha na cabeça, Kei? Ele não sabia de quase nada! — discursei, cruzando os braços até um pouco irritada, mas o diretor apenas deu de ombros e fez uma volta para sentar ao lado de Agatha.

— E o que você fez? — Daniel perguntou.

— Eu o ensinei o básico... melhor que eu ensinasse assim não teria que fazer eu mesma — expliquei voltando com meu bico.

— Oh, conversou com ele então? — Keito arqueou as sobrancelhas, bebericando uma cerveja.

— Não o xingou? — questionou Agatha, dando uma olhadinha rápida para Daniel, que sorriu numa pose vitoriosa.

Eu os encarei como um gume afiado, encarando após ter a confirmação da luzinha de auto consciência de que obviamente Kei não se meteria tanto na minha vida se não fosse pedido desses dois.

— Vocês precisam parar com essa mania de tentar me arrumar pessoas novas — apontei encarando-os com os olhos cerrados e um tom ácido, segurando o frizz do meu cabelo para trás. — Entendo que o que querem, mas não tinha necessidade, podiam ter ensinado ao rapaz ao menos o básico!

— Se a gente tivesse feito isso, estaríamos apenas contribuindo com seu isolamento, Louise. Queremos que saia um pouco da prisão que você mesma se trancou — retificou Agatha, dando um golinho na cerveja.

— Mas ao menos um pouco...

— Se a gente tivesse ensinado a ele um pouco você não teria parado para conversar com ele, não era? — Keito criticou, me dando um olhar afiado.

— Seu conceito sobre ele mudou um pouco, não mudou? — Agatha perguntou.

— Mudou, mas esse não é o ponto!

— Você vai continuar odiando os desconhecidos se não fizer nada para conhecê-los! Cruzes, precisamos de toda uma operação para conseguir alguém novo — a maldita ardilosa que chamava de amiga sorriu, com uma expressão muito satisfeita, e a única coisa que consegui fazer foi suspirar em desistência.

— Então era um plano desde o início?

— Ah, foi uma consequência. Iria promover Kei de qualquer jeito, mas contratar alguém novo foi ideia minha — fiz uma expressão dolorosa, mas Agatha me chamou e segurou minhas mãos. — Aproveite a chance de conhecer alguém novo, Daniel ainda disse que ele é um bom garoto — ela apontou para Daniel, que assentiu com a cabeça.

— Ah, vocês... tudo bem, tudo bem, não vou implicar com ele. Ele é eficiente de todo modo — assumi, voltando a sentar. — Apesar do nome horroroso.

Ficamos em silêncio pelos instantes que nós quatro demos um gole na cerveja.

— Agatha, o ateliê — Daniel mencionou, e ela, após mais um gole longo da bebida, colocou-a na mesa com uma expressão mais séria.

— Aluguei um novo espaço para você — intimou, mas dessa vez fiquei confusa, tentando discernir se era ou não uma piada. — O seu apartamento é muito pequeno, Daniel me falou sobre o cheiro de tinta, é um ambiente insalubre.

— Não vou me mudar — fui firme. Quanto a isso eu seria irredutível. — E você sabe o motivo, não vou sair dali.

— Não acha que seu desempenho pode melhorar num lugar mais espaçoso e iluminado? Seja sincera — provocou Keito.

Minha parte racional me dizia que sim, mas eu não queria aceitar.

— Eu não vou me mudar! — atestei.

— Mais cedo ou mais tarde terá que sair dali — deu de ombros. — Ao menos trabalhe, não precisa dormir e morar lá.

— Eu não vou. Sabe o que aquele lugar significa para mim, eu...

— Louise. — Ela também foi firme. — Se não se importa com sua saúde, se quer se apegar com os mortos, é uma escolha sua. Mas prezo pela qualidade de seus quadros, tenha consciência da sua acromatopsia e vá para um lugar mais iluminado. Apenas te peço isso. Lide como parte do trabalho.

Eu nem ao menos sabia o que dizer. Apesar de saber dos meus motivos, ela ainda assim... eu entendia o porquê de agirem assim, de verdade, mas...

— Agatha, apenas me deixe onde estou, estou bem ali — pedi, quase implorando, mas, pela expressão dela, sabia que implorar não iria resolver nada.

— Tem uma semana para pensar sobre, mas, se não quiser, vou te tirar da exposição de primavera — foi seu ultimato.

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