Capítulo 5 - Dante
Assim que meu despertador tocou tive a sensação de que seria um dia cheio. E, sinceramente, como eu gostaria que estivesse errado; agitação era o que menos queria nesse momento.
Levantei lentamente da cama deslizando meus pés para o chão, e suspirei lentamente, pondo meu rosto entre minhas mãos.
— Que sono... — resmunguei baixinho para mim mesmo.
Não estava com energia alguma para ir trabalhar, muito menos para sair da cama ou fazer o mínimo de esforço, mas eu precisava ter responsabilidade agora que tinha uma carteira assinada, então levantei e joguei uma água no rosto, conseguindo ver meu reflexo no espelho.
Deveria cortar os cabelos, estavam começando a passar da linha de meus ombros. O castanho acobreado já clareava ao longo das pontas meio secas e quebradiças agora levemente úmidas. Tinha algumas olheiras que finalmente estavam começando a diminuir e a palidez da minha pele já nem me assustava mais. Claro que seis meses dentro de casa iriam me deixar pálido.
O que nunca iria me acostumar eram as cicatrizes pelos meus ombros e peito em meio às muitas sardas que subiam pelas minhas costas, que encarei quando retirei a blusa. Cicatrizes que nunca ficaram claras, resquícios daquele dia.
Talvez eu devesse voltar a me exercitar...
Por fim, meu celular vibrou numa chamada e apenas me arrastei até ele, mal prestando atenção em quem estava ligando.
— Alô? Dante? — A voz me fez acordar para a realidade mais rápido que uma flecha. — Filho?
— Ah, oi mãe... — murmurei baixinho com a voz embargada, notando sentir uma fisgada começando pelo pulso e indo até o cotovelo. Encostei o celular com o ombro e segurei meu pulso, massageando levemente ao longo da cicatriz.
— Meu bem, eu te acordei? Me desculpe, deveria ter ligado mais tarde — ela se adiantou com um tom tristonho, e suspirei, pegando o celular, pondo no viva-voz e jogando-o na cama.
— Não, eu já estava acordado. O que houve? — fui direto ao assunto. Desde quando ela se preocupava em ligar às sete da manhã?
— Hoje, mais tarde, você teria um tempo para vir até a empresa? — ela perguntou e estranhei. Não havia nada que eu fosse procurar lá.
— Por que? — franzi o cenho após engolir duas cápsulas do meu querido antidepressivo companheiro de todos os dias que ganhei junto com o combo do marco de mentalmentre instável em meu histórico médico.
— Preciso checar os estoques dos novos instrumentos da coleção desse ano, e um deles é um piano, gostaria da sua opinião — declarou e fui descendo pelas escadas após pegar o celular, conectando um fone bluetooth.
Respirei fundo. Não queria ser grosseiro, ela parecia estar de bom humor, mas eu também tinha que traçar meus limites.
— Mãe, porque eu olharia o piano? — questionei incisivo. — Não sou expert no instrumento em si, não sei dizer a qualidade só olhando, e você sabe bem que não vou tocar.
— Então por que não vem me acompanhar? Sua irmã está ocupada com o trabalho dela, se estiver disponível não custa nada vir aqui, podemos sair para comer algo depois, o que acha? — pediu e, mais uma vez, suspirei, pegando uns restos de comida chinesa que Aurora trouxe para mim ontem para esquentar.
Ela estava tentando passar mais tempo comigo, não custava nada...
— Que horas? — finalmente falei e quase consegui visualizar a expressão feliz dela apenas pelo som que ela soltou.
— Às 18:00.
Tentei buscar qualquer desculpa que me impedisse de ir e repassei mentalmente minha agenda... fora o trabalho diário, tinha uma consulta amanhã com o psiquiatra, mas se era às seis:
— Saio do trabalho às cinco. — Segurei a tigela na mão, me escorando no balcão ao lado do micro-ondas.
— Venha quando desocupar — ela concluiu. — Apenas venha! — E desligou.
Apesar de uma inquietação crescendo em meu peito, ainda soltei um sorrisinho de lado. Um pouquinho... vou apenas ver os pianos com ela, sejá lá o que estiver tramando, são apenas os pianos e um jantar, nada demais, nada que já não fizesse antes. Só vou sair com minha mãe.
Tentei me convencer disso enquanto mastigava o arroz com frango gelado, em pé, ao lado do forno micro-ondas aberto, encarando o piano na sala de música, segurando o talher igual um imbecil.
Deixei a tigela dentro do forno, pus poucos segundos e alcancei um pouco de molho e suco. Poderia fazer como um ser humano normal e tomar um café, comer um sanduíche, frutas com iogurte ou sei lá o que, mas teria que prepará-los e não estava com cabeça para isso agora.
Enquanto comia, agora sentado à mesa, fiquei repassando o cronograma do dia, resmungando baixinho os horários... teria que ir até a casa daquela mal educada pegar a pintura, mas esperava que ao menos não houvesse algum conflito e que ela mantivesse o mínimo de senso de sociedade e respeito mútuo.
Quando terminei, fui me arrumar. Não sabia o que fazer com o cabelo então optei por um rabo de cavalo. Quanto às roupas, fui simples, nada extravagante, uma calça jeans escura pantalona folgada que precisei por um cinto, uma blusa de manga e gola branca e um colete de crochê marrom com um cardigã de mesma cor.
Olhei bem para a cicatriz em meu pulso direito e fiz um biquinho, já que, pela blusa ser mais folgada, ficava à mostra. Não queria deixar isso nem para eu mesmo ver, então a cobri com uma faixa preta, pondo uma também no outro pulso em nome da estética e da boa simetria.
Finalmente fui para a galeria.
A parte da manhã foi tranquila, mas ninguém me falou como eu deveria preencher a droga do formulário de ontem, por mais que eu perguntasse. Só podia ser uma piada de mal gosto, ou um costume interno de deixar os secretários novos sofrerem nas mãos de uma pintora furiosa por motivo algum.
Até tentei pedir algum auxílio ao diretor, mas ele esteve fora o dia inteiro. A maldita curadora, que não conseguia de forma alguma gravar a desgraça do nome, também apenas sorriu para mim e me disse para perguntar diretamente para a Shy Dye.
Queria que minha interação com ela não passasse de um cumprimento educado, uma apresentação, no máximo, pegar o quadro, colocar no meu carro e voltar para a galeria, mas aparentemente fui enfiado numa brincadeirinha e todos desta maldita galeria estão fazendo um teste de paciência!
Suspirei enquanto fazia um café, felizmente havia uma prensa francesa à nossa disposição e um pó de... média qualidade. A chaleira elétrica, era tudo de fato prático, mas não me agradou muito. No fim, era café.
Era quase meio dia e eu sairia para a casa dela em alguns instantes, seguindo unicamente o GPS, já que também teria que ir sozinho ao abatedouro.
Respira fundo, Dante, crimes não podiam ser cometidos hoje. Talvez eu só estivesse pensando demais, ela poderia nem ser tão ruim assim, talvez só estivesse tendo um dia ruim ontem, nada para se preocupar...
O lugar era ali perto, conseguiria ir até mesmo a pé, mas passaria inevitavelmente por aquele lugar e subiria uma enorme ladeira se quisesse dar a volta no quarteirão, então escolhi o óbvio enquanto manobrava com o carro.
— Terceiro andar... — eu resmungava enquanto subia as escadas devido ao elevador interditado daquele prédio que, mesmo após uma aparente recém reforma, ainda parecia um tanto decadente, meio desconexo da imagem mental que eu tinha de uma artista famosa.
Apartamento 304, toquei a campainha, esperei.
Ouvi um som alto de colisão ecoando dentro, e a porta, após alguns instantes de tentativas de ser destrancada, foi aberta me revelando uma moça com um cabelo assanhado entre suas ondas castanhas muito volumosas, olheiras enormes e com roupas coloridas, não apenas por sua própria estampa de corações padronizados na diagonal, tanto no casaco quanto da calça, mas sim pelas inúmeras manchas de tinta.
Ela me encarou de cima a baixo e fez careta.
— Não quero saber da palavra do Senhor! — e tentou fechar a porta.
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