Capítulo 24 - Louise
— Você está bem? — completei ao vê-lo congelar por meio segundo, finalmente me encarando com a expressão murcha. — Depois que se encontrou com aquelas pessoas ficou quieto, estava parecendo meio mal...
Nunca vi a cara de felicidade dele desmanchar tão rapidamente...
— Ah... — seus ombros caíram e logo abri a porta, deixando-o entrar. — Só me lembrou coisas que não queria lembrar.
Pensei que ele iria evadir o assunto, mas foi bem direto, e antes que eu pudesse perguntar outra coisa, continuou:
— Peço perdão se não fui muito proativo com o evento, primeiramente foi um erro ter aceitado ir — explicou, pondo seu novo e precioso café dentro de sua bolsa.
— Por causa do piano? — arrisquei e ele assentiu sem nem olhar para mim.
— Pelo piano, pelo evento, pelo clima... não acho que consigo lidar com isso mais uma vez, quero evitar lugares que antes pertencia, pelo menos por hora — colocou a bolsa no ombro e seguiu pelo corredor.
— Entendi. Deveria ter negado o convite então, não era um evento obrigatório — me adiantei enquanto o seguia e ele suspirou alto.
— Como está o andamento do seu quadro? — perguntou, dando uma olhadinha para dentro do meu quarto, onde deveria estar secando a primeira demão de tinta.
— Terminei as cores base — apontei, dando um sorrisinho pela menção de colorir, e ele balançou a cabeça. — Preciso que seque antes que eu vá para o próximo passo da cobertura.
— Esse está mais... como posso dizer...
— Obscuro? — cheguei ao seu lado e cruzei os braços.
— É. Mais sombrio — completou e eu concordei.
— É o objetivo — acenei, pomposa, e Dante franziu o cenho. — Não há apenas coisas bonitas e coloridas durante o recomeço. Às vezes as coisas precisam ser destruídas e estilhaçadas antes de crescerem de novo — apontei e logo fui atingida pelo simbolismo das minhas próprias palavras. E ao que pareceu, ele também.
— É, tô sabendo — deu um sorrisinho de lado. Seus olhos eram tão obscuros quanto meu quadro. — Vou fazer meu trabalho, se precisar de mim, chame.
Eu devia tentar conversar? Ou... talvez deixar as coisas por hora seria uma ideia melhor? Estava tão animado tomando aquele café, apontando o quão aveludado e frutado era o sabor, e...
Dane-se, quem sabe mais tarde. Vou voltar para meu quadro.
Não havia mais muito o que fazer além de esperar secar onde eu não queria que misturasse a cor, mas se misturasse onde a paisagem derretia talvez desse um degradê legal, então comecei a rabiscar com um pincel fininho molhado em thinner, deixando-o escorrer um pouco.
Eu gostaria muito de dizer que ficou maravilhoso, uau! Que lindo! Que efeito!, mas a verdade é que não notei muita diferença.
Mas iria confiar no meu instinto e continuar meu trabalho, já passando para outro pincel igualmente fino.
Bastante tinta, queria que realmente escorresse e tivesse camadas grossas, ao menos bem ali na divisão entre a paisagem cinzenta e onde tudo derretia.
Os tons de vermelho foram uma boa ideia em contraste ao azul e cinza de onde já havia derretido, onde só haviam cinzas e fumaça. Aquele campo de flores decompostas, onde uma flor mais evidente derretia e sobrava apenas um esqueleto da sua forma... o vermelho entregava toda angústia. Não tinha verde, o verde degradou.
O movimento das folhas das árvores dava a impressão que tentavam fugir da degradação, mas não tinha para onde correr, restava apenas esperar e ser engolido pelo caos e desespero.
Mas, por mais que eu tentasse pensar única e exclusivamente sobre o quadro, eu não tinha como ignorar o que Daniel havia me contado... se ele realmente queria o piano de novo ou o odiava, queria saber, só assim poderia entender.
Então dei passinhos leves até o escritório, onde ele encarava muito fixamente a tela, parecendo ler alguma coisa e seus óculos redondos refletiam as luzes do monitor.
Escorreguei para a poltrona ao lado da estante e ele me seguiu com os olhos.
— O que houve? — perguntou quando sentei e eu crispei os lábios, tentando escolher bem as palavras.
Estava em desvantagem ali, seu escritório tinha pouca luz e ele estava contra a pouca luz que o monitor refletia, me fazendo ter uma visão muito limitada se suas expressões.
Depois de alguns segundos de silêncio, finalmente perguntei:
— Posso fazer uma pergunta pessoal? — ele franziu o cenho e li o que imaginei ser claro desgosto. Podia até dizer que ele tentou disfarçar quando tirou os óculos e os colocou de lado na mesa, mas ele não conseguiu.
— Porque quer saber da minha vida pessoal? — se virou para mim, segurando as mãos e cruzando as pernas.
— Porque você me deixou curiosa — assumi e ele franziu o cenho mais uma vez, então colocou as mãos no joelho e de endireitou - graças a deus ele virou e consegui ver seu rosto melhor, como se esperasse a pergunta. — Você gostaria de voltar a tocar?
Ele suspirou e puxou o lábio pro lado, pensando no que responder, quando soltou o joelho e se curvou um pouquinho na cadeira:
— Hm... Não sei — afirmou resoluto e foi minha vez de franzir o cenho.
— Então porque reage daquele jeito quando o assunto é música? — insisti e a expressão dele começou a ficar mais inalterada.
— Como eu reajo?
Eu pude sentir uma pitada de desafio em seu tom de voz, e tentei encontrar adjetivos para descrever:
— Parece que vai chorar, parece que quer fugir, parece que quer estar ali, mas repudia estar ali — listei e ele franziu o cenho. — Me desculpe se estou lendo mais do que devo, mas... porque reage dessa forma?
— Porque sim — deu de ombros.
— Não entendo. Ou você ama ou você odeia algo!
— Ou você é indiferente — retrucou. — Está pensando demais sobre isso. Reagi daquele jeito porque foi o único jeito que poderia reagir naquele momento.
— Então você é indiferente e tem uma reação daquelas?
Ele pegou um pouco de ar e crispou os lábios, abaixando o rosto por um momento, levantando logo em seguida.
— Eu não sei, já disse! — foi firme e me afastei um pouco.
— Se você não souber, não tem como decidir o que fazer! — contrapus, e ele levantou num sobressalto franzindo os olhos.
— E porque acha que quero fazer algo a respeito?! — aumentou o tom de voz enquanto sua expressão começava a ficar meio irritada, com um olhar beirando ao desprezo. — Eu quero ficar longe disso! Quero tocar minha vida, por isso fico nervoso nessas situações, então pare com essas perguntas que não são da sua conta!
Arqueei as sobrancelhas em resposta.
Ele gritou e se impôs, caramba consegui tirá-lo do sério. E nesse momento percebi que fui um pouco longe demais, mas antes que eu pudesse falar alguma coisa e me desculpar, ele pôs a mão no rosto e saiu:
— Vou ao banheiro, me dê licença — avisou antes de sumir pela porta.
"Não são da minha conta"... de fato, não eram... então porque diabos estava me importando tanto com isso? Porque o fato dele desistir do piano estava me incomodando tanto quando nem era um assunto que me envolvia, nem é um assunto de alguém próximo?
Estava apenas projetando? Porque quase desisti e não queria que ele tivesse o mesmo ressentimento? Porque fugi sem resolver meus problemas e agora ele me persegue como um fantasma?
Sim... estava fazendo isso pelo meu próprio bem, sem me preocupar com os sentimentos dele; isso definitivamente foi um erro.
Mas antes de terminar minha auto análise, ele voltou com a cabeça baixa e suspirou, sentando na cadeira e virando de costas.
— Me desculpe por gritar, só... esqueça isso. Não sou mais um pianista, sou apenas seu secretário, e você se importar com isso não vai mudar essa decisão — se adiantou e eu me levantei.
— Tudo bem, se prefere assim... Me desculpe por me intrometer — dei de ombros e sai para o meu quarto.
As tintas deviam demorar mais um pouco para secar, então me permiti tirar um cochilo de uma horinha numa rede que armei no primeiro andar. Fora isso, lá não tinha quase nada.
Tentei não pensar muito sobre o que acabara de ocorrer e apenas adormecer, mas isso ficou pesando em minha mente...
Mas... ah, que sono.
Talvez tivesse perdido a noção do tempo, já que quando acordei, completamente atordoada, o sol já tinha um cinza mais frio.
Meu corpo estava mole e dolorido pela posição horrível que dormi, e então levantei, espreguicei, e desci cambaleando pelas escadas, esfregando os olhos.
Estava com fome, já era... quatro da tarde?! Pelo amor de deus, dormi demais!
Coloquei algo para esquentar no microondas, uma marmita de frango xadrez, e corri para meu quarto, já pegando a paleta e as tintas.
O quadro já estava parcialmente seco então me dediquei a continuar meu processo. Passei um contorno mais forte, uma segunda demão para começar a tornar as formas mais claras e um blending com o cenário cinzento, mas não de um cinzento nublado, de cinzas. Tinha fogo, tinham brasas, tinha sangue.
Me empolguei, nem mesmo ouvi quando o microondas apitou, e, quando finalmente terminei mais uma camada, Dante já não estava mais lá.
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