Capítulo 23 - Dante

Cheguei cedinho ao ateliê e, para minha surpresa, Louise já estava lá.

Quando abri a porta ela se esticou do quarto, pondo a cabeça no corredor, e deu um sorrisinho que não durou nem um segundo. Estava com os cabelos trançados mais uma vez, um macacão jeans - outrora azul claro, agora, furta cor - e uma camiseta surpreendentemente branca.

— Que diabos, você dormiu? — berrou saindo do quarto enquanto limpava as mãos sujas de carvão numa toalha, lançando-a sobre o ombro na pobre camiseta outrora branca.

E, que infortúnio, ela tinha razão... estava com olheiras enormes e não tinha me dado ao trabalho de arrumar meu cabelo mais cedo, então minha auto imagem, já arruinada, devia estar ainda mais arruinada.

— Não como gostaria de ter dormido... — retruquei num tom abaixo do usual e ela franziu o cenho, se aproximando com uma carranca feia.

Já faziam uns dias que troquei os antidepressivos e esses não estavam me dando tanto sono quanto o outro costumava me dar, então estava saindo de "estar dormindo mais que normal", para o "não consigo me manter dormindo".

Ou talvez fosse só o estresse recente.

— Não tomou um café? — questionou indo para a cozinha e neguei com a cabeça. A carranca mudou muito rápido para uma expressão assombrada. — Vai chover.

— Não tive saco pra fazer... — menti com a resposta mais natural que pensei.

A verdade era que minha cozinha tem uma visão muito clara para a sala de música e não queria encarar o piano.

Por mais que eu sentisse uma estranheza no clima da conversa, talvez apenas de minha parte, talvez apenas por meu ponto de vista, já que ela manteve o tom animado, senti que ela estava apenas conversando normalmente como uma boa e comum segunda-feira.

Por algum motivo me senti grato por isso.

— Ah, sério? — dessa vez seu tom foi meio disperso, avoado, abafado por batidas de dentro da cozinha. — Ainda não tomei café também, quer ir na cafeteria ali do fim da rua? Soube que tem uns cafés premium — sugeriu ela voltando e pondo as mãos na cintura após jogar para dentro do cômodo o pano de prato que imaginei um dia ter sido branco, e eu ponderei por alguns instantes.

— Adoraria, um café é tudo que preciso agora — assumi pondo minha mochila no armário guarda volumes do hall de entrada, suspirando enfaticamente. Não conseguiria esconder meu cansaço e exaustão nem se eu quisesse muito. — Mas tenho trabalho para fazer...

— Não seja por isso, eu sou sua chefe — deu de ombros e veio até mim, pescando as chaves no bolso. — Vamos?

Sem motivo algum para recusar um café e uma procrastinação no trabalho, apenas abri a porta mais uma vez e chequei se minha carteira estava no bolso, confirmando estar.

Não conversamos muito no caminho, foi mais um monólogo dela comentando sobre as social medias do café, que tinham uma estética bonita e vários tipos de grãos... em outro momento teria chamado mais da minha atenção, mas eu só conseguia manter minha visão no meu caminhar e me perguntar se ela não tinha nada a perguntar sobre o sábado.

Talvez ela só não tivesse notado nada demais? Ou... ou estava respeitando meu silêncio? Não, ela não era cega a esse nível para não entender o climão do meu encontro com Anthony...

Estaria esperando um momento para conversar? Tínhamos essa proximidade de conversar sobre esse tipo de coisa?

Não!

Ela era minha chefe, por mais que tivéssemos conversas sobre nós mesmos anteriormente, não acho que seria adequado... não acho que quero trazer isso de volta.

Já passou! Sim! Já passou! Não havia nada para se discutir!

...

Mas eu devia uma explicação a ela, ela viu o que aconteceu, ela ouviu sobre Elise, e sobre como aquele... aquele... nojento! Talvez eu devesse apenas explicar... se ela comentar! Se o assunto não surgir, nunca aconteceu!

"Tuc!", foi o som muito alto que ecoou quando, aparentemente, bati a testa na placa do café, já que minha cabeça doía e Louise me puxou pondo a mão protetivamente no lugar que deveria estar vermelho como a grama.

— Dante, pelo amor de deus! — berrou ela, esfregando o local. — Olha por onde você anda, tá sonhando, cara?

O tom dela foi engraçado. Da impolidez polida usual para um "cara" que ela conhece há anos, e não pude deixar de ficar confuso. Ela me puxava para dentro do estabelecimento enquanto os funcionários perguntavam repetitivamente se eu estava bem, e eu apenas assenti positivamente.

— Caramba! Que pancada! Tá doendo? — ela perguntou, sentando à minha frente, e eu levei a mão até onde sentia doer. — Vai ficar com um galo feio!

— Nem vi que bati — repliquei automaticamente e uma moça com uma expressão muito gentil estendeu para mim uma bolsinha com gelo.

— Deveria colocar na cabeça — ela se adiantou, simpática.

— Nossa, nos salvou! — Louise agradeceu, completando com um sorrisinho amarelo. — Ele deve estar com a cabeça nas nuvens.

— Não estou com a cabeça nas nuvens coisa nenhuma — ralhei tentando sussurrar e ela arregalou os olhos.

— Imagine se estivesse então, cruzes! — retrucou e cerrei os olhos. — Como não viu uma placa daquele tamanho?

— Ah, eu estava pensativo — assumi e sua expressão murchou, apesar de ter tentado disfarçar, se endireitando na poltrona.

O que diabos eu estava pensando mesmo?

Sem que tivesse tempo para relembrar, um garçom vestido com um uniforme meio retrô nos entregou o cardápio.

— Hm, de fato, tem uma boa variedade de grãos — murmurei e vi ela se animar quase imediatamente.

— Eu falei! E é tão pertinho do ateliê! Foi um achado... — começou a encarar as opções, mas vi seu olhar ficar perdido entre elas, logo me encarando como se pedisse socorro.

— Torra clara ou média seria uma boa ideia, num hario ou um kemek, diria que faz seu estilo — discursei apontando para ela os métodos de extração, e ela apenas assentiu e o garçom anotou quando apontei para o kemek. — E o arábico de... — meus olhos correram pelas opções e pararam num específico. Não podia acreditar que tinham esse café! — Calma! Caramba! Bourbon? Tem Bourbon?

— Atualmente, estamos com estoque apenas do amarelo — explicou o homem e não pude conter minha animação.

— Cara! Isso que é café premium! — praticamente berrei para Louise, que fez um biquinho, arqueou as sobrancelhas e assentiu com a cabeça, como quem não entendeu nada. — Nossa, eu diria que você iria gostar desse, Louise, esse grão é mais suave! Não faz tanta diferença, na verdade, mas vale pela experiência.

— Se você diz... — deu de ombros e apontou para o garçom, que rapidinho anotou.

E foi minha vez...

Estava afim de um café mais... encorpado? Não! Ah, tem Catuaí, totalmente brasileiro! Mas amargo, não estava com tanta vontade de amargo... Opções... Kona... Kona?! Eles tinham Kona?! Mas Kona... seria mais pela experiência, gosto mais do Bourbon. Mas o veludo... Tenho Bourbon em casa, vou me permitir ao Kona, só tomei três vezes em toda minha vida!

E foi quando percebi ter demorado demais para escolher. Dei um sorrisinho envergonhado e apontei:

— Tem o Kona...? — questionei com a voz baixinha, e o rapaz apenas assentiu. Ah, que vida boa!

— Chegou um lote ontem mesmo!

Ouvir isso despertou um sentimento consumista como nunca antes em meu interior. Se eu comprar um pacote... vou provar primeiro.

— Vou querer torra média... no hario — conclui e Louise sorriu de cantinho, logo crispando os lábios e negando com a cabeça. Encarei desconfiado. — E... para comer, deixe-me ver... pão de queijo?

— Vai tomar café premium e essas firulas todas com um pão de queijo? — despejou num tom brincalhão, mas não pude conter minha reação de indignação! Levei a mão ao peito em um sobressalto, completamente contrariado.

Como ela ousava diminuir o pão de queijo?

— Me senti pessoalmente atacado por isso! Qual o problema do pão de queijo?! — retruquei ignorando as heresias proferidas por essa pecadora e virei para o garcom. — Uma porção de pão de queijo; para mim! — ressaltei a última parte e ela apenas ficou surpresa, dando uma risadinha nervosa.

— Não tenho nada com o pão de queijo, só imaginei que estaríamos lidando com detalhes... — mexeu os dedos passando o polegar nos outros rapidamente como se sinalizasse sabor.

— Olha aí o pão de queijo! Pão de queijo, moço!

Poucos minutos após o rapaz sair e avisar que logo trariam o pedido, Louise continuou dando risinho e me limitei a colocar gelo na minha cabeça que nem lembrava mais estar doendo.

— Ah, Dante... você é muito nerd de café, cara... — murmurou em meio a sua diversão e franzi o cenho.

— E qual o problema...? — resmunguei meio ranzinza, fazendo um bico bem caricato.

— Problema nenhum! — discursou logo em seguida, juntando as mãos. — Muito pelo contrário, é bonitinho de ver!

Minha expressão rapidamente se tornou uma expressão meio decepcionada, com uma pitada de incredulidade, mas acabei sorrindo e arrisquei:

— Poderia levar alguns utensílios para café e uns grãos para o ateliê? — perguntei, cauteloso, e ela apenas assentiu animada quando nosso pedido chegou.

Ao sairmos do estabelecimento - após um rombo no meu orçamento e um pacote novinho de um café delicioso -, Louise, que segurava as mãos atrás das costas, parou antes mesmo de entrarmos no ateliê.

— Sobre o sábado...

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