Capítulo 13 - Dante
Enquanto avançava em minhas pesquisas para preencher os formulários, me peguei em outro dilema: não fazia ideia se era minha obrigação organizar também os aspectos da própria exposição em si.
A maldita curadora a qual nem estava mais me esforçando para lembrar o nome mencionou que as frases que acompanhariam os quadros e informações desse tipo seriam decididos futuramente em reunião, mas que deveria perguntar à senhorita Louise se ela gostaria de adicionar algo, como gostaria que ficasse a disposição dos quadros e o fluxo do mostruário.
Anotei tudo cuidadosamente e enviei um email para ela, solicitando uma reunião rápida na sexta-feira para discutirmos essas questões e me dar uma ajuda com os documentos.
Ela respondeu prontamente confirmando a reunião, afirmando que falaria comigo mais tarde para combinar melhor, já que estava no meio de uma reunião com a diretora, então dei o dia como encerrado.
— Dante, pode vir aqui um momento? — ouvi da copa uma voz conhecida.
Ainda não havia tido nenhuma interação realmente relevante com os outros para lembrar de nomes e associar a vozes, mas, essa em específico eu lembrava; era o rapaz estupidamente alto da equipe de design que nos primeiros dias foi bastante solícito em me ajudar e amigável nos horários de descanso.
Quando cheguei à porta, toda a equipe de design descansava ao redor da mesa, a moça de cabelos pink sorriu.
— Vítor disse que você faz um bom café — ela apontou para a chaleira elétrica e uma prensa francesa que estava no balcão.
— Ah... — com uma expressão sem graça e um sorrisinho amarelo, desviei meu olhar para o homem, que deu de ombros e soltou uma risadinha.
— Está aqui há quase um mês e ainda não participou de nenhum café da tarde, é no mínimo desrespeitoso, não? — alfinetou num tom brincalhão, mas não pude deixar de me sentir um pouco desconfortável.
O efeito de apatia das minhas novas doses ainda não estavam me permitindo ter boas interações sociais, mas houve um dia em que senti a necessidade de um café durante o trabalho e perguntei a ele sobre a copa, então fiz café para nós dois, conversamos pouco, nada além de trivialidades do trabalho, mas não achei que ficaria famoso pelo café.
Mas, por mais desconfortável que fosse...
— Se for pelo café... — acenei, arregaçando as mangas e puxando meu cabelo para cima num rabo de cavalo, quando o restante dos integrantes da sala soltaram um coro animado e algumas palminhas.
— Oh, não sabia que tinha um barista profissional por aqui! — uma moça alta, que vestia um casaco de gola bege e uma saia branca falou, puxando para si o pacote de biscoitos após desencostar do balcão e abrir caminho para mim.
— Ah, não, é só um hobbie — retruquei rápido demais, pondo a chaleira para esquentar. — Gostam de café?
Eu pude ver os olhos de Vítor brilharem, e deu um tapinha na de cabelos rosa.
— Ela odeia — apontou, parecendo estar esperando esse momento para falar.
— Não odeio — se adiantou, arrastando a frase no final. — Só puro, e sem açúcar. Ai ninguém merece, é muito amargo! — explicou, fazendo careta, e dei uma risadinha.
— Claro! O café que você toma é daqueles hiper torrados, quase feito carvão! — Vítor contra-argumentou, dando batidinhas na mesa com o dedo enfaticamente, e soltei uma risadinha. Tinha sabedoria em suas palavras. — Seu papel é fazê-la mudar de ideia.
— Ah, assim é realmente difícil de gostar — contribui e ele apontou para mim em concordância. — Se tentar um mais leve, quem sabe pega gosto.
— Não é dos sommelier de café que julga quem põe açúcar, ou é? — ela estreitou os olhos para mim, inquisidora, com uma sobrancelha ameaçadoramente erguida, então apenas franzi o cenho e crispei os lábios, dando um leve aceno para o lado.
— Claro que não, é sua bebida.
Só não ousasse pôr açúcar num café premium suave e frutado, por mim tudo bem.
— Ótimo, não aguento mais esse aqui reclamando e reclamando sobre o maldito café toda vez que saimos! — O tom dela era até engraçado e Vítor imediatamente se pôs na defensiva.
— Dante, Dante, não minta... — O desgraçado jogou para cima de mim. Levantei as mãos em defensiva e dei um sorrisinho amarelo.
— Depende do café — assumi. Uma gargalhada soou em uníssono. — Fico devendo um de qualidade melhor.
Ela sorriu e bateu palminhas animada, se voltando para o rapaz ao seu lado e dando espaço para a outra moça sentar ao seu lado. A conversa continuou, então me concentrei em moer o café.
Peguei uma quantidade razoável do grão, já que não havia balança, e coloquei no moedor, ajustando a moagem para mais grossa, o dia estava meio úmido, e girei por pouco tempo, não queria um pó fino e minha mão parecia que não iria aguentar o tranco.
Derramei na prensa, deixei a água esfriar um pouco, e derramei até quase encher o recipiente. Ah, mesmo um café de má qualidade ainda possui esse mesmo poder e magia: o cheiro se acentuou por todo o recinto, inebriante e calmante... eu estava com as mangas...
— Chegou a conhecer a equipe inteira, Dante? — sai do meu devaneio quando a conversa voltou para mim, virando subitamente.
— Ah, creio que não — afirmei, notando dois rostos que não reconhecia.
— Clara — Vítor apontou com a cabeça para a moça de blusa bege, que sorriu e estendeu a mão para mim. Ela me lembrava Elise... Elegante porém casual, mas talvez fosse o cabelo liso demais e tons parecidos.
— Prazer! — falou, animada, e apertei sua mão, tentando não parecer tão tímido. — Novo secretário da Shy Dye, não é? Deve ser dureza.
— Imagina — respondi.
— E o outro aqui... — Vítor se adiantou, apontando para o rapaz mais calado que mal havia aberto a boca desde o começo da conversa.
— Leonardo — cortou, dando um aceno com a cabeça.
Acenei de volta.
— E Dante — ele apontou para mim, por fim. — O que está achando de seu novo trabalho?
Pergunta complicada, deveria ser sincero ou manter a convenção social?
— Um pouco difícil, mas nada impossível — fui no seguro e Clara assentiu acentuadamente, cruzando os braços.
— Imagino que seja complicado quando a Louise está de mal humor... — apontou ela, e todos concordaram com um balançar de cabeça.
— Que isso, ele me deu mais problema do que eu a ele — a voz soou da porta, chamando a atenção de todos, que nem ao menos mudaram de expressão, exceto por mim, que paralisei, pego no ato falando da chefe. — Agatha me falou que estavam fazendo um lanchinho por aqui, posso me juntar?
— Não brinca, a saga para você ensiná-lo as papeladas... — Clara continuou, e não pude ficar mais petrificado. Ela não tinha vergonha de estar falando dela, na frente dela? Num tom tão acusatório!
— Então todos vocês eram cúmplices? — ela cerrou os olhos ao sentar na cadeira mais afastada, cruzando os braços.
— Mas é claro, Kei e Agatha pediram tão direitinho... — Foi a vez de Vítor, com um sorriso sacana, ao se debruçar sobre a mesa e puxar uma das mãos da pintora, que lhe deu um cumprimento ácido ao puxar de volta a mão.
— Até você, Ella? — Louise lançou um olhar penetrante para a moça de cabelos rosa, que levou as mãos para o alto e negou com a cabeça.
— Sou inocente, estava de licença nesse período!
— Ah, soube que sua filha adoeceu — mencionou com uma expressão mais tristonha quando a moça assentiu com um biquinho.
Louise continuou a procurar um culpado, então comecei a contar as canecas que estavam enfileiradas na estante. Apontei para as canecas, chamando pouca atenção, e apontei para a prensa, já pronta para servir o café, então todos confirmaram com o polegar, até mesmo a própria Louise.
Para alguém tão ríspida em nossos encontros anteriores, ela até estava bem mansa com seus conhecidos. Era o esperado, eu diria, mas talvez ela ainda estivesse brava comigo pelo ocorrido da emissora, já que nem se deu ao trabalho de ter me direcionado um olhar fuzilante.
Curioso.
Estava com os cabelos trançados, calças azul escuro e uma blusa toda estampada com cores diversas. Era... excêntrico. Ou de mal gosto?
Dispus as canecas, que estavam pintadas cada uma com personalização própria e um nome colorido em cima, e servi o café.
Stella, se me lembrava bem de seu nome, bebericou assim que coloquei um pouco ao seu dispor, mas logo reclamou e pediu por açúcar. Não consegui segurar a gargalhada e rapidamente alcancei o pote, entregando-a.
E, quando fui servir minha chefe, notei quando ela sutilmente desviou o olhar para meu pulso, o qual nem ao menos havia notado ter deixado à mostra, mas segurei firme para não queimar ninguém com o líquido quente e ela logo desviou o olhar.
Vítor me mandou pegar uma xícara qualquer, já que eu ainda não tinha minha própria caneca - uma tradição da galeria-, logo sendo praticamente puxado para sentar.
Aproveitei esse momento para soltar minhas mangas e ajustar nos pulsos.
A conversa continuou leve, Louise comentou brevemente sobre seus quadros, mas algo me chamou a atenção: mencionou estar com um pouco de bloqueio criativo e que precisava de algumas inspirações.
Pelo que sabia, sua produção ainda contava com mais quatro telas e tínhamos pouco menos de três meses para a exposição. Isso não seria um problema? Esperava apenas que não atrapalhasse o bom andamento do meu trabalho.
— Com o que você trabalhava antes, Dante? — a pergunta surgiu de Stella, que misturava mais uma colher de açúcar no café que obviamente estava mais amargo por ser de torra escura e pelo método de extração.
E essa pergunta imediatamente me deu calafrios. Era um dos motivos para eu não querer me enturmar muito. Tentei segurar a respiração e o tremor que subia pela minha espinha, manter a voz firme sem gaguejar ao procurar por uma resposta, mas minha fala foi interrompida antes que saísse:
— Barista? — Louise puxou, com uma expressão um tanto... não sabia exatamente explicar, mas tinha algo calmo e uma curiosidade suspeita. — Ou já trabalhava em algo na área?
— Algo da área — murmurei, com um tom um pouco engasgado após um gole nervoso do café.
— A, sério? Empresa famosa? — Continuou Stella, dando um golinho e fazendo careta.
— Em uma agência de música da cidade... — foi quase um sussurro que não consegui conter, saiu mais rápido do que eu gostaria, um pianíssimo suave.
Se eu revelasse apenas o necessário para que não pesquisassem meu nome pela internet, já seria o suficiente...
— Secretário também? Conhece alguém famoso? Você trabalhou com alguém importante..? — Ela não parava e eu não conseguia esconder mais meu desconforto. Queria sair dali o mais rápido possível.
— Ninguém importante. — Tentei manter o bom humor, então Louise se mexeu do meu lado e sacou o celular do bolso após um toque meio baixo.
— Ah! — inquiriu, num pulo. — Não queria ser a chefe chata que vai voltar ao trabalho, mas já está quase no horário do fim do expediente, e eu gostaria de falar com meu secretário por um momento.
Agradeci internamente por me tirar dali, então ela se levantou e eu fiz o mesmo, seguindo-a sem falar mais nada. Acenamos para o restante e voltamos para a sala de funcionários que, a essa hora, já deveria estar vazia.
Não trocamos nenhuma palavra sequer, ela apenas seguiu com as mãos nas costas, cantarolando um pouco enquanto arrastava seus pés no chão coreograficamente.
— Está de bom humor hoje...? — sussurrei, foi o maior tom de voz que consegui naquele ponto.
— Não estou de mal humor. Peço perdão em nome deles, não tinham a intenção de ser invasivos, só estavam tentando se enturmar — me deu uma olhadinha sobre o ombro, e abriu a porta. — Então, sobre a reunião, qual o plano?
— Preciso pegar algumas informações contigo, alguns comentários e detalhes que você gostaria de adicionar sobre cada quadro e sobre a exposição no geral, para que eu possa repassar na próxima reunião e planejarmos para acompanhar as descrições das pinturas — meu tom foi um pouco monótono e robótico, muito bem cadenciado e mais claro enquanto folheava pelos formulários.
Era o meu "modo de trabalho".
— Ah, claro — ela sentou na cadeira à frente, que não pertencia a ninguém, e girou nela, se empurrando mais para perto. — Na sexta, na parte da tarde, às uma, pode ir ao meu apartamento... — parou por um momento, pareceu pensar um pouco, e fez careta. — Meu apartamento não... O que sugere? Venho para cá?
— O que preferir — dei de ombros, me encostando na mesa, e então soltei um pouco o aperto do elástico nos cabelos, tentando escolher bem as palavras, já que ela estava agindo como se nada tivesse acontecido. — Sobre o ocorrido... não está mais irritada comigo?
— Que ocorrido? — franziu o cenho, verdadeiramente confusa, e foi minha vez de arquear a sobrancelha, pondo uma mão na cintura, até que ela abriu a expressão em entendimento. — Ah, fala da emissora?
Ela realmente tinha esquecido? Ou nem sequer dava bola? Ou tinha a memória de peixinho dourado depois de anos aspirando cheiro de tinta tóxica...
— Sim. Pensei que estivesse irritada.
— Ah, não, você conseguiu salvar minha vida depois que usei as palavras erradas, e já conversamos sobre isso — deu de ombros ao cruzar as pernas. — Mas é uma ótima oportunidade para me pagar aquele favor. O que acha?
— Fechado — consegui me animar um pouco. Ela tinha uma oscilação de humor estranha.
— Me pague um café e me ajude a buscar inspirações na sexta — confirmou, levantando da cadeira e indo até a porta, até que parou, com uma expressão consternada. — Me desculpe perguntar, mas... — seus olhos desviaram até meu pulso mais uma vez, antes que pudesse se censurar e pigarrear, pondo a mão sobre a boca — deixa. Nos vemos depois.
E saiu.
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