Capítulo 10 - Louise

Não foram os melhores dias da minha vida, sendo bem sincera. O ultimato de Agatha reverberava em minha mente sempre que ela ficava minimamente vazia.

E ela esteve bem vazia. Mesmo quando tentei fazer meus esboços para o próximo quadro.

Foi minha tentativa mais frustrada de forçar inspiração em anos, eu rabiscava, rabiscava, mas nada me agradava, sempre tinha algo faltando, sempre um sentimento ruim, e eu sabia bem o que era.

Estava cercada pelo motivo, eu sentia pesar nos meus ombros como um abraço apertado, mas não um abraço caloroso e afetivo, um abraço de culpa.

Conseguia senti-lo me apertar como sempre fazia, deveria ser bom, deveria ser caloroso e feliz, mas só me sobrava a angústia dele não estar mais ali.

Sabia que o ultimato de Agatha havia aberto uma ferida que jurei já estar cicatrizada... apesar de saber que era uma cicatriz feia.

Eu desenhei uma paisagem que planejei ser verde, um sob a água, com corais e bolhas, com a figura de uma pessoa submersa estendendo a mão para ser salva, mas afundava mais e mais...

Desenhei um campo ensolarado como um campo de trigo, ou de dentes de leão que cintilavam dourados pela cor do pôr do sol, mas o pôr do sol tinha perdido a magia pra mim desde que ele sempre se parecia com uma tempestade feia.

Desenhei um campo de grama curta, com prédio no horizonte e uma pessoa muito sorridente na frente, segurando um violão.

Eu sabia que estava errado, eu queria pintá-la de vermelho.

Um flash passou pela minha mente com os momentos em que vi aquele rosto sorridente sob o sol, me dizendo para acompanhá-lo, que não deveria ficar sempre na sombra das árvores e aproveitar um pouco o calor do sol.

Era isso que ele era, um raio de sol tão quente e aconchegante... que se pôs e se tornou uma tempestade feia.

Sentia meu peito esmagar, sentia meus olhos borrarem e meus ouvidos chiarem, enquanto eu via aquele sussurro vão mais uma vez, aquele sussurro que nunca seria ouvido.

Por minha culpa, aquele sussurro era vão.

E dentro do nosso apartamento, eu sentia ao menos um pouco do calor que restou, como Agatha poderia me pedir para deixá-lo?

Talvez eu devesse espairecer um pouco, caminhar pela praça universitária da cidade, o polo para musicistas amadores se apresentarem, de barraquinhas de comida e nostalgia.

Então vesti uma roupa quentinha e sai, apenas com minhas chaves, meu celular e minha carteira, rumo ao lugar que era tão cheio de boas memórias coloridas.

Chamei um carro de aplicativo e logo estava naquele mesmo gramado, iluminado pelos muitos cordões de luzes, e, no centro, entre algumas escadinhas, estava o pequeno palco central, onde um rapaz tocava violão e cantava lindamente.

Era quase como se eu pudesse voltar àqueles dias, quase como se eu tivesse um lapso, onde eu podia me ver ali na frente, cantando animada, acompanhando a canção do artista que tocava, junto à Agatha e Daniel.

O calor daqueles dias nunca seria esquecido, mas quando voltei à realidade, sentada àquela pequena arquibancada, tudo estava cinza e distante, eram apenas memórias, era apenas o simbolismo do que já foi.

Eu não podia deixar de sentir meu peito apertar, mas decidi voltar a caminhar depois de deixar alguns trocados na caixinha do artista, que sorriu para mim em agradecimento.

Eu caminhei, comprei um cachorro quente e sentei em uma mesinha, olhando para um canto mais escuro embaixo de algumas árvores que eu mal podia distinguir o que era chão e o que era mato pela escuridão.

Quanto tempo eu passei sob aquelas árvores, desenhando a paisagem, desenhando as pessoas, desenhando o céu ao lado dos meus companheiros? Quando foi que a gente ficou distante?

Porque eu perguntava, eu sabia bem quando havia acontecido... quando Lucas se foi e eu me recusei a deixá-lo partir... eu me recusei a seguir em frente, eu ainda estava naquele mesmo tempo.

A paisagem era tão sombria que mal podia ver as cores das minhas lembranças, e quando menos notei, estava ligando para Daniel.

— O que aconteceu, Lui? — ele perguntou quando não falei nada.

— Pode vir até o campus? — pedi com a voz um pouco falha, e eu pude imaginar a cara dele: uma sobrancelha franzida, segurando os cabelos pra trás e com uma expressão contrariada.

— No campus? O que está fazendo aí? — perguntou como se não soubesse, então soltei uma risadinha.

— Na praça... vou lhe esperar nos banquinhos, venha logo...

E desliguei, sabendo que ele viria logo.

Olhei ao meu redor e o vi parado na minha frente. Apenas ele, colorido como eu sempre me lembrava, vivaz como eu sempre me lembrava.

Queria tanto ir até ele e abraçá-lo como se fosse real, mas eu sabia que não era, era apenas minha lembrança que sempre me atormentava, que me dizia que ele não pertencia àquele mundo cinza.

Que ele era a única coisa colorida que restou, porque foi quando ele partiu que as cores desbotaram como tinta.

— Você está isso aqui de chorar — a voz me acordou para realidade e vi aquela figura desvanecer como cinzas no ar, cinzas vermelhas, e olhei para a figura do meu amigo sentando ao meu lado.

Ficamos em silêncio. Eu não falei uma palavra sequer, Daniel muito menos, apenas me entregou uma latinha de refrigerante gelado.

Eu abri, fez aquele barulho alto, e tomei um gole.

— Sabe, o que você acha que teria acontecido se Lucas ainda estivesse aqui? — perguntei ainda com um tom baixo, e Daniel suspirou.

— Pela milésima vez, Louise, não vale a pena se torturar pensando nisso — repreendeu levando uma mão até a minha. — Não adianta ficar pensando nisso e naquilo, como seria se algo não tivesse acontecido quando você sabe que não vai mudar nada.

Ele era sempre muito realista quando o assunto era Lucas. Não por falta de sensibilidade, nada nisso, eu sabia que não era. Era pela necessidade de me segurar à realidade.

O que não me impedia de sentir a dureza de suas palavras.

Levei uma mão até o peito, ainda sentindo o amargor pela minha garganta, e ele suspirou, formulando algo para falar, mas antes que ele o fizesse, eu o interrompi:

— Mas não faz mal algum pensar, Dani — retruquei e ele negou automaticamente.

— Faz quando esse pensamento te ancora ao passado — contrapôs, dessa vez me dando um olhar bem firme, e eu sabia que ele estava certo.

— Não posso fazer nada quanto a isso — desviei o olhar.

— Sabe que não é verdade, sabe que pode dar um passo de cada vez, mas sua culpa não permite.

Acho que depois de todo aquele tempo, ele cansou de medir as palavras. Lembro que Daniel sempre foi o mais cuidadoso, sempre foi aquele que me acolheu e que me deixou chorar, mas depois da discussão que tivemos sobre eu estar me destruindo por não deixar os mortos descansarem em paz, ele ficou mais rígido e parou de cuidar com suas palavras.

Eu não o culpava, já havia perdido um amigo e estava vendo a outra amiga se afundar naquela perda.

Mas como eu poderia deixá-lo para trás e seguir em frente quando nem fui capaz de ouvir suas últimas palavras? Eu, que fui salva por ele, que o vi morrer em minha frente, que não pude nem ouvir o que ele falou, como poderia deixá-lo? Eu não tinha essa ousadia.

— Pelo seu olhar sei o que você está pensando, então pare — repreendeu mais uma vez com o mesmo olhar afiado. — Pare de ponderar sobre a culpa que não é sua.

— Como pode dizer que não é minha? — Minha voz tremulou, pensando em soltar sua mão, mas ele a segurou ainda mais forte.

— Você é deus, por acaso? Controla desastres naturais? — como ele ousava tentar usar bons argumentos contra mim agora?

— Não adianta você dizer isso, sabe que não vai mudar nada, não vai me fazer querer sair do nosso apartamento, não importa o quanto você e Agatha insistam! — levantei meu tom de voz, ficando de pé num ímpeto, e ele me seguiu, dessa vez olhando mais tristemente, se podia dizer pela sua expressão escura pela falta de luz.

— Se prender a Lucas não vai mudar a realidade, Lui...

— Eu sei que não! — berrei, dando um passo para trás, e minha expressão calma se tornou de irritação. Eu não queria ouvir isso! — Ele é como uma entidade, um fantasma que fica me encarando. Como pode dizer que não tenho culpa se não pude fazer nada, quando ele fez tudo e eu que sobrevivi?

— Fico surpreso que é assim que ele se parece na sua mente, Louise — ele se aproximou, meus olhos marejaram, e ele me puxou para me abraçar.

O amargor da minha garganta não melhorou, mas a iminência de que tudo ficaria vermelho no mais tardar passou. Fui dormir naquele dia com o mesmo aperto no peito, com a mesma sensação de frustração, de que não podia resolver algo...

Mal poderia dizer que dormi, sendo sincera, mas na manhã do outro dia fui acordada muito cedo com... a chamada do meu telefone?

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