freaks!

Reki odiava absolutamente tudo que cercava aquela casa monótona, branca e sem graça. Ele estava parado na calçada de pedrinhas a apenas dois minutos, mas parecia uma eternidade.

Reki odiava os domingos, porque nestes dias, de acordo com a lei, ele era obrigado a conviver por temíveis vinte e quatro horas com aquele homem que chamava de pai e sua família nova e "feliz". Suas irmãs já estavam em casa, bem e alegres, almoçando com sua mãe, enquanto ele teria que ficar naquele inferno sozinho. Não sabia o porquê de terem dividido dessa forma e suspeitava que não houvesse nenhum motivo em específico. Era apenas mais um acaso onde a sorte não quis o presentear.

Puxando uma lufada de ar violenta, ele respirou fundo e caminhou até a porta de madeira grande e cara daquela casa, tocando a campainha em seguida. Seu pai nem mesmo tinha o cuidado de ir o buscar nas manhãs de domingo, fazendo o pobre Reki pegar seu skate às oito horas da matina para ir até aquele bairro silencioso e rico.

Quando a esposa nova dele apareceu na porta, seu sorriso brilhando, ele sorriu de volta forçadamente e entrou. No geral, Misako era mais legal do que Reki gostaria de admitir e chegava a sentir pena dela às vezes. Só que não era o suficiente para que ele perdoasse qualquer pessoa da casa onde estava pisando.

Com olhos criteriosos, ele avaliou os móveis sem graça do lugar, os brinquedos do bebê jogados ao acaso no tapete. A TV ligada em um jornal que seu pai provavelmente o obrigaria a assistir. Às vezes, ficava surpreso com a forma como aquela casa podia ser diferente da sua. O que sua mãe tinha de alegria e vivacidade em sua decoração, Misako tinha de monotonia e minimalismo.

Uma das coisas que Reki odiava nestes domingos era a forma como seu pai o obrigava a fazer coisas que ele considerava "másculas". Como jogar beisebol, o que o garoto achava podre de chato, e assistir jornal, o que ele também detestava. Caso ele fizesse drama, era repreendido. Caso se oferecesse para assistir um filme com eles, o homem dizia que aquilo era perda de tempo. Se ele chorasse.... poderia acabar até apanhando.

Reki não gostava nem de imaginar como ele tentava criar suas irmãs. Ficaria preocupado caso não soubesse muito bem da personalidade forte que as pirralhas possuíam.

— Você gosta de panquecas, Reki? — Misako perguntou.

***

O dia se passou exatamente como ele havia previsto. Um café da manhã silencioso, exceto pelo choro de seu meio irmão, um bebê de seis meses de idade, e uma briga desconfortável quando ele começou a ajudar com a louça. Seu pai fez comentários detestáveis enquanto Reki lavava o prato no qual tinha acabado de comer, mas ele apenas ignorou. Ignorou até os comentários subirem de nível precariamente. Ignorou e apenas ignorou, sem se dar ao trabalho de ao menos virar o rosto. De soslaio, viu Misako com a cabeça baixa, apenas secando os talheres que ele colocava no escorredor.

Em algum momento, os comentários desagradáveis acabaram e, agora, Reki sente suas mãos grudentas de suor enquanto tenta segurar o meio-irmão no colo. Seu pai o observa de longe, com uma carranca, mas sua esposa parece feliz enquanto dita a forma correta de segurar um bebê. Pelo menos Yuki parece gostar do irmão, fazendo de tudo para puxar seus cabelos com as mãos gordinhas.

Quando finalmente consegue segurar a criança direito, ele sente que seu dia rendeu alguma coisa. Também ouve o celular tocar no bolso da calça e é obrigado a engolir um palavrão. Esqueceu de colocar no silencioso... E só uma pessoa o ligaria às oito da manhã... Langa. Langa é o único nome que surge automaticamente em sua cabeça, tirando sua atenção do bebê em seu colo. Agora, por mais que ele tente voltar seus pensamentos para a situação em que está, só consegue reviver o nome Langa e tudo que gira ao redor dele.

Felizmente, sua mãe continua a mesma depois de saber que o filho também gosta de garotos, mas Reki definitivamente está mudando. Talvez a palavra certa seja descobrindo. Ele com certeza descobriu que gosta mais de Langa do que gostaria de admitir. No dia anterior, quando conversaram sobre suas mães e como haviam saído do armário, ele percebeu que jamais chamaria alguém tão rapidamente para conhecer sua família assim. Não como "namorado". Mas que estava combinando com Langa de fazerem um jantar na próxima semana.

Seu pai o lançou um olhar esquisito do outro lado da sala, e ele devoveu o bebê para o colo de Misako com uma desculpa esfarrapada antes de correr para o banheiro, pronto para colocar o celular no silencioso. No entanto, sabia que seria melhor não atender.

***

Acabaram almoçando um pouco mais tarde naquele dia. Reki se sentiu brincando de gato e rato enquanto fugia de seu pai irritante, fingindo que estava prestando atenção em qualquer outra coisa e frustrado por não poder atender às ligações de Langa ou nem mesmo responder as suas mensagens. Assim que se sentou à mesa, disposta com um almoço refinado, ele soube que coisa boa não vinha por aí.

Reki encarou o prato principal com confusão, se perguntando o que diabos poderia ser aquilo, mas não disse nada enquanto se servia de forma embaraçada.

Nenhuma palavra foi dita enquanto ele colocava uma porção de algo que parecia ser polvo na boca e mastigava a contragosto. Seu pai abria e fechava a boca, provavelmente considerando qual seria a fala inconveniente mais apropriada para o momento. Pensando em como ele iria acabar ainda mais com o clima. E ele escolheu justamente a pior forma possível para fazer isso.

— É alguma namorada?

Por um segundo que pareceu durar uma eternidade, Reki ficou o encarando com a boca entreaberta, se perguntando sobre o que ele estava falando. Até que, finalmente, ficou óbvio que seu celular havia chamado a atenção do velho sentado do outro lado da mesa. As bochechas do adolescente ficaram quase tão vermelhas quanto seus cabelos, mas ele apenas olhou para a comida antes de responder.

— Não, não tenho namorada.

Não era exatamente mentira, afinal.

— Você bem que devia arrumar uma namorada bonita pelo menos. Talvez se você parar de vadiar com esses brinquedos que você chama de skate, você comece a se parecer com alguém respeitável.

Reki não respondeu nada e, infelizmente, seu pai tomou isso como um estímulo para continuar falando.

— Estudar mais — disse ele, um sorriso perverso de satisfação no rosto — Ou você acha que isso vai te dar algum futuro?

Nada, nenhuma palavra. Reki mordeu a língua, mas não disse nada. Ele sabia que não lhe daria um futuro, nem era isso o que buscava no skate em si...

— Por isso que eu sempre digo que sua mãe não sabe cuidar de você direito. Ela te criou errado. Afinal, é uma mulher...

— Ah, cala a boca. — Reki soltou os talheres sobre o prato, já sabendo que provavelmente apanharia, mas não parou por aí. Irado de ódio, levantou da cadeira em um pulo — Pode falar mal de mim, dizer que não tenho futuro e o que quiser, eu não ligo. Sério, eu sei que sou sem futuro. Só não fale da minha mãe, porque ela me criou melhor do que você jamais poderia.

Um silêncio sepulcral se abateu sobre o cômodo, fazendo com que Reki finalmente percebesse o que havia acabado de dizer. Uma parte de sua consciência sabia que ele não devia ter feito o que fez, que sobraria para ele. Estava pronto para aguentar o que viesse, talvez assim a justiça não o obrigasse mais a conviver com esse homem.

Reki, no entanto, tremeu de medo quando o homem levantou. Rápido como um raio, o adolescente saiu da cozinha e pegou suas coisas na sala, logo saindo porta afora, ignorando os gritos de Misako e de seu pai.

Usando toda a experiência que possuía em fugir do diretor da escola no seu skate surrado, ele andou sem rumo, o mais rápido que conseguia pelas calçadas. Quando arriscou uma olhadela para trás, seu coração finalmente pode relaxar vendo a rua deserta. Reki parou de acelerar seu skate e se sentou em um banco de uma praça que nem reconhecia muito bem, sem saber o que devia fazer.

Caso voltasse para casa, sua mãe arrumaria uma verdadeira confusão e ele não fazia ideia do que poderia acontecer nessas circunstâncias. A mulher com certeza não levaria numa boa tudo o que o homem disse, e Reki sentia um medo sepulcral disso... Apesar de querer ver seu pai apanhando de novo.

Suspirando, ele pegou o celular do bolso e quase chorou diante das vinte e cinco mensagens de Langa (a maioria não passava de figurinhas com uma cara de choro), e das três ligações. Reki esperou mais um minuto, até que sua respiração estivesse normal de novo, e apertou o botão de chamar na tela.

Seu namorado atendeu quase no mesmo instante.

— Reki? Tudo bem?

A pergunta simples, mas preocupada, quase fez o garoto derrubar uma lágrima genuína.

— Sim... E com você?

— Ah, isso importa? Você sumiu o dia inteiro.

Reki não tinha coragem de contar sobre a situação com o seu pai para Langa e isso vinha se tornando um problema, porque agora não achava que seria capaz de mentir.

— Era dia de dormir na casa do meu pai — Realmente, não seria capaz de mentir — Sabe, sou obrigado pela lei.... Só que deu tudo errado.

— Você ainda tá na casa dele?

O garoto ficou aliviado por Langa não ter feito uma pergunta que ele não seria capaz de responder sem chorar e, inconscientemente, fez que não com a cabeça. Demorou alguns segundos para se lembrar de que estava no telefone.

— Hm... Não. Não sei muito bem onde estou, na verdade.

— O que acha de nos encontramos naquela pracinha perto de casa?

— Aquela onde os pirralhos ficam brincando?

— Sim, mas agora eu acho que está vazia.

Um sorriso de canto se formou no rosto de Reki. Ele saiu no seu skate mais rápido do que havia fugido de seu pai, com o celular ainda no ouvido, sem querer deixar de ouvir a voz de Langa por nenhum segundo que fosse.

— Já estou indo para lá — falou, sua voz entrecortada — Chego aí em menos de dez minutos.

— Que rápido! Achei que você não soubesse nem onde estava. Não vai se perder, vai?

— Para com isso! — Reki quase cai com tamanha revolta que coloca em suas palavras, mas felizmente consegue se recompor — Não confia em mim?

— Não.

***

— Reki?

Ainda estavam em ligação, mas durante um curto intervalo de voz apenas a voz de Langa pôde ser ouvida.

Reki jurava que era uma eternidade, mas foram apenas três minutos.

— Acho que tô perdido — finalmente disse.

Não sabia se estava se sentindo privilegiado por ouvir a risada rara de Langa pelo telefone ou bravo por preferir ouvi-la pessoalmente.

— Desculpa... — seu namorado murmurou do outro lado da linha — Fala algum ponto de referência que eu tento chegar até você.

— Ata! Como se você não fosse o estrangeiro aqui. Só vai acabar com nós dois perdidos.

— Isso não deixa tudo mais ridículo para você? — Langa rebateu — Como que você consegue se perder sendo que morou aqui sua vida inteira?

Reki engoliu uma resposta mal educada, porque, durante o meio-tempo no qual discutiam, já tinha encontrado sua rota padrão. Conseguia ver as costas de Langa enquanto ele falava por telefone. O canadense estava sentado em um dos banquinhos da praça sozinho, uma mão no skate, provavelmente pronto para correr atrás do ruivo.

Em silêncio, Reki se aproximou e colocou o celular no bolso com cuidado, não queria que a ligação fosse encerrada. Devagar, ele colocou as duas mãos nos olhos de Langa, temeroso de que ele fosse se assustar daquele jeito chamativo que sempre fazia. Por sorte, ele apenas tremeu um pouco diante da situação, quase derrubando o celular, o que não era tanta sorte assim.

— Quem é? — perguntou — Que pergunta idiota... Sei que é você, Reki.

Rindo, ele tirou as mãos e passou para o outro lado do banco, sentando lado a lado com o garoto.

— Surpresa! Eu disse que conseguiria.

— Realmente, estou surpreso.

Reki deu um tapa leve nos ombros do namorado. Estava começando a se acostumar melhor com a ideia.

— E então... — Langa começou — Quer conversar sobre o que aconteceu?

— Sobre o meu pai? Hm... Ele é um idiota. Acho que não tem muito mais o que dizer sobre ele.

Era mentira. Tinha muito o que dizer, mas não queria sobrecarregar Langa. Arriscou uma olhadinha para o lado e sentiu um aperto no peito quando se deparou com uma expressão preocupada no rosto do outro.

— Hm... Não vai dar problema você fugir assim?

— Acho que já deu problema... Mas não consegui segurar a língua! Se ele não precisa se segurar na hora de falar merda, eu também não preciso me segurar na hora de rebater.

— É verdade. E o que você vai fazer agora?

Isso nem mesmo Reki sabia. Ele virou o rosto e se deparou com o olhar preocupado de Langa, seus cabelos claros voando e tudo que constituía a sua pessoa. Sentiu alívio. Sentiu surpresa. Sempre ficava cada vez mais surpreso com a forma como sua perspectiva parecia ficar mais clara sobre o que era gostar de alguém. Aparentemente, gostar de alguém é sentir alívio apenas em estar com aquela pessoa. Esquecer momentaneamente coisas que ficaria remoendo por horas.

— Vamos procurar algum lugar para ir — falou no impulso.

— Tipo onde?

— Você já almoçou?

— Hm? Sim...

— Ótimo! — Reki levantou de um pulo e estendeu a mão na direção de Langa, que a segurou relutantemente — Que tal a praia?

Langa abriu a boca para responder, mas Reki apenas o puxou com toda a força que tinha, e o canadense tropeçou nos próprios pés enquanto caia por cima dele.

Enquanto o segurava, Reki sentiu seu perfume e, não conseguindo mais se conter, o puxou para um abraço apertado, que fez Langa reclamar que seus pulmões estavam sendo esmagados.

Rindo, o ruivo o soltou e passou a mão por seus cabelos.

— Obrigado.

— Pelo quê?

Ainda rindo, ele pegou o skate e começou a ir para longe da pracinha, deixando um Langa estático e confuso para trás.

— Anda logo! — gritou — Ou eu vou te deixar para trás!

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