5 - Obstáculos
Antes de descer do carro, Elisa retocou o batom mais uma vez e checou sua aparência no espelho. Sentia-se apresentável para aquela que considerava uma das mais importantes reuniões de toda a sua vida.
Nada poderia dar errado.
Aquele era o primeiro passo para tirar seus sonhos do papel.
Por via das dúvidas, passou o pente por entre os fios ruivos e recém tingidos e retocados do cabelo. Sua cor natural era o castanho, mas, nos últimos tempos, tinha se apaixonado pelo vermelho. No ano passado, tinha encanado com o loiro e, na última primavera, fizera algumas mechas coloridas. Agora, era o vermelho vivo que reinava nos fios.
Ótimo.
A base havia disfarçado bem as olheiras.
Enquanto descia do carro e trancava a porta, Elisa deixou os pensamentos vagarem pelos últimos três dias exaustivos. Tanto ela quanto sua família haviam ajudado Cauã com o enterro do irmão e da cunhada, oferecendo todo o tipo de apoio que ele e os sobrinhos precisavam para enfrentar aquele momento difícil.
O coração dela doía toda vez que pensava nas duas crianças órfãs. Uma vontade atordoante e avassaladora de protegê-los a tomava a cada instante em que os rostinhos de Luca e Helena surgiam em sua cabeça.
Tinha crescido em uma família amorosa e unida.
E sua alma inteira pulsava e gritava que toda criança deveria experimentar o mesmo que ela viveu.
Pelo menos, ter a chance de contemplar um horizonte esperançoso.
Mas sei que a realidade está muito longe disso.
E os sobrinhos de Cauã eram a prova viva de que o mundo não era gentil com todas as crianças.
Caramba, Cauã era a prova viva daquilo.
O melhor amigo de André e Thiago havia praticamente feito da casa dos Bodini seu próprio lar durante a adolescência. Sempre que dançava pelas cores da memória, ela via Cauã em algum canto.
Sempre e sempre.
Elisa puxou o ar, sentindo o coração bater de um jeito mais eufórico. Céus, estava muito nervosa. Era isso. Fitou a entrada do prédio à sua frente. Sim, era isso.
Empurrou os olhos castanhos e vivos de Cauã para o lado e se concentrou no grande objetivo daquela manhã: conseguir investidores para tirar o projeto no qual trabalhava há anos do papel.
Elisa adentrou no grande prédio de vidro espelhado, seguindo o caminho até o andar indicado.
Tinha estudado Design na faculdade, e o que era uma paixão da adolescência se transformou em amor verdadeiro durante o curso: a área de designer de games.
Queria criar sua própria linha de jogos, sua própria empresa — mas, para isso, precisava de um investimento pesado.
Grana de gente visionária e da área.
Por isso, quando seu antigo professor da faculdade a contatou, dizendo que tinha conseguido uma entrevista para ela com a Tech Tanaka, a empresa conhecida por investir no ramo de tecnologia, Elisa teve certeza de que os astros estavam finalmente se alinhando a seu favor.
Era praticamente impossível ter uma chance como aquela.
E a oportunidade havia caído em seu colo.
Não a desperdiçaria de jeito algum.
Hiroshi Tanaka, o dono daquele império, abriria as portas para ela.
Sua família produzia vinhos.
Ela produziria jogos.
Tem que dar certo. Tem que dar certo. Tem que dar certo.
Quase tirara o Tarot para si mesma naquela manhã para avaliar os caminhos que se abririam na entrevista, mas ela era daquelas que preferia ler o futuro para os outros e evitava ler as cartas para suas próprias questões.
Elisa sabia que um cartomante, quando queria tirar as cartas para si mesmo, precisava estar concentrado e com o emocional equilibrado; caso contrário, as emoções poderiam interferir na leitura.
E a ansiedade que a consumia desde que abrira os olhos com certeza impediriam que fizesse uma leitura clara e objetiva.
Assim, abraçou a imprevisibilidade do futuro.
— Senhorita Elisa — a secretária falou. — O senhor Tanaka e seus dois sócios a aguardam para a entrevista.
Ela agradeceu e entrou na sala, os saltos clicando no chão.
Três homens a aguardavam, sentados em uma mesa comprida. Ela deduziu que o do meio, que era o mais velho ali, era Hiroshi Tanaka. Os outros dois, vestidos de social, beiravam aos quarenta anos.
O estômago de Elisa girou três vezes, mas ela manteve o queixo erguido e o olhar confiante enquanto se sentava à frente dos três homens.
— É um prazer conhecê-la, Elisa — um dos homens a cumprimentou. — Me chama Alberto. Este aqui é o Gael. Estamos aqui com o senhor Hiroshi Tanaka para avaliar seu projeto.
— O prazer é meu. Obrigada pela oportunidade.
— Conte-nos sobre seu projeto — Alberto pediu. — Para que você deseja o investimento da Tech Tanaka?
— Quero criar minha própria linha de games — Elisa explicou, colocando todo o material que tinha trazido, desde planilhas até demonstrações em vídeos. — Sei que a Tech Tanaka investe pesado no ramo da tecnologia, e creio que poderíamos firmar uma parceria de sucesso.
— E o que você conhece deste ramo?
— Fiz estágios na área para ganhar experiência, investi em cursos de artes visuais e animação, acompanho as tendências tecnológicas do mercado e estudo formas de melhorar a experiência dos jogadores.
Ela esperou que o senhor Tanaka falasse algo.
Mas o velho e elegante senhor permaneceu calado, fitando-a, deixando que os sócios conduzissem a reunião.
— E como se interessou pelo designer de jogos? — Gael indagou.
— Dois dos meus três irmãos são homens que sempre amaram vídeo games. Foi através deles que tomei contato com esse mundo e me apaixonei. Mas a afinidade com a área vai além de jogar. — Enquanto falava e exibia as demos no notebook, Elisa sentia empolgação na própria voz. — Envolve toda a experiência. Desde curtir o roteiro, pensar em novos desafios e quests, desenvolver os personagens e o visual gráfico, definir toda a jogabilidade, até organizar todos os processos para se criar um bom game.
Alberto trocou um olhar com Hiroshi Tanaka, que permanecia em silêncio, e se voltou para ela.
— Você é de uma família abastada, certo? O nome Bodini é conhecido. Por que não cogitou pedir para que eles investissem em seu negócio?
— Sim, minha família tem dinheiro, mas não a quantidade que necessito para iniciar este negócio. Além disso, o capital dos Bodini já é destinado para a produção de vinho. E este projeto é algo meu.
— Se investíssemos em seu negócio, para que o capital seria usado?
— Em um primeiro momento, para investimentos em tecnologia de ponta, manutenção, para pagar a equipe de programadores e designers e...
— O que pretende alcançar com este projeto, senhorita Bodini?
Elisa prendeu o ar e endireitou as costas.
Era a primeira vez que o senhor Hiroshi Tanaka abria a boca e falava durante aquela reunião.
— Quero dar vida aos meus jogos.
— Para...?
— Deixar minha marca no mundo e transformá-lo.
Os olhos angulados e estreitos de Hiroshi Tanaka a analisaram silenciosamente. Elisa quase teve a sensação de que o homem sondava cada pedacinho da sua alma. Mas ela não acuou nem rompeu o contato visual.
— Como você acha que seus jogos poderiam deixar uma marca no mundo? Como eles poderiam transformar o mundo? Onde seu projeto difere dos projetos de centenas de outros designers? — ele perguntou.
Elisa piscou, cruzando e descruzando as pernas.
— Bom, jogos são divertidos, certo? Hã... — Sentiu os lábios se contraindo, a ponta da língua enrolando. O olhar silencioso do senhor Tanaka era mais imponente do que esperava. — Talvez meus jogos divirtam as pessoas, e talvez...
Hiroshi Tanaka inspirou fundo.
Elisa se calou e arqueou as sobrancelhas.
O homem a fitou mais uma vez, inspirou de novo, se levantou e lhe deu as costas, rumando para fora da sala.
Levou alguns segundos para ela processar o que tinha acontecido.
— O que eu fiz de errado?
— Suas ideias são boas. Cruas, mas boas — Gael respondeu.
— Sei que Hiroshi Tanaka investe em tudo relacionado à tecnologia com potencial transformador. E, de fato, tenho me preparado para esta reunião e apresentação há muito tempo. — Elisa inclinou o corpo para a frente, fitando as pastas e os papéis espalhados por cima da mesa. Ela acreditava verdadeiramente no potencial de transformar aquelas ideias em realidade. — Fui cuidadosa. Analisei todos os ângulos. Estudei todos os projetos aceitos pelo senhor Tanaka. Onde errei?
Os dois homens se entreolharam.
— O senhor Tanaka é um homem muito tradicional. Sabe como esse tipo é, não sabe? É provável que ele não se sinta confortável em colocar o dinheiro dele nas mãos de uma garota tão jovem e solteira.
Elisa ergueu o rosto e piscou demoradamente.
— Ele não falou nada disso.
— Ele não precisa falar. Nós o conhecemos.
— A falta de uma aliança no meu dedo comprometeu um projeto que desenvolvo desde a faculdade? — Ela precisou falar aquilo em voz alta para ver se soava tão absurdo quanto parecia.
— Sei que isso é conservador para o nosso século, mas veja bem...
— É machista e arcaico. — A língua dela estalou.
— Tanaka já é um homem de muita idade. A cabeça dele não é como a de jovens como você. — Alberto apoiou as mãos entrelaçadas em cima da mesa. — Daqui um tempo, uns anos, se você estiver casada e for mais experiente, talvez o senhor Tanaka lhe dê outra chance.
Vocês estão tirando com a minha cara?!, ela queria esbravejar.
Mas escutava a voz de sua mãe no fundo da cabeça.
"Modos, Elisa. Tenha modos".
Foi difícil não bufar.
Está um pouco difícil, mamá.
Tudo havia ido por água abaixo por motivos absurdos.
Gael e Alberto se levantaram; Elisa fez o mesmo.
— Esperamos vê-la no futuro outra vez, Elisa.
— Talvez o futuro esteja mais perto do que vocês imaginam.
Ela se despediu, recolhendo o que restava de sua dignidade, e deixou a sala de reuniões fazendo uma promessa para si mesma.
Ainda selaria um acordo com senhor Tanaka, apertaria a mão dele e encararia os dois sócios com um olhar triunfante.
Era uma questão de honra.
****************
O carro chacoalhou ao atravessar a estrada de terra que levava até uma pequena e isolada casa no meio do campo.
Deixou o carro estacionado, desceu, bateu a porta com força e entrou na casa, fitando as duas pessoas sentadas no sofá. Chamava-os pelos apelidos de Machado e Machete.
Apontou o dedo para Machado, bufando de raiva.
— Deu tudo errado! Você garantiu que o plano funcionaria!
— Eu não esperava por esse tipo de problema, chefe.
— Eu também não. — Girou nos calcanhares. Machado e Machete só lhe chamavam de "chefe". Nomes ali eram proibidos. — E agora?
Machete colocou uma arma de fogo sobre a mesa, ao lado de duas facas com as lâminas afiadas.
— Só há uma coisa que pode ser feita.
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