Trinta e Quatro

As nuvens de chuva já haviam ido embora, o sol agora estava fraco. Por onde eu andava as pessoas me olhavam, desde os comerciantes até os mendigos no chão. Compreensível já que meu estado não era dos melhores.

O próprio Duende grunhiu de enjoo.

— Aah garoto, nem tapando o nariz adianta! Que podre! Já tô me arrependendo de ter te chamado.  

— Se as pessoas nesse país fizessem questão de sinalizar a droga de uma vala de esgoto, não estaríamos passando por isso. — pus a mão no bolso e retirei o trevo de quatro-folhas — Até agora não tive um único vislumbre de sorte. Se é que isso existe mesmo. — meu lado lógico e racional estava começando a me crucificar por ter acreditado naquilo.

— Antes você precisa entender como a sorte funciona. Ela age no que mais você deseja.

— É como o poço dos desejos?

— Sei lá, talvez. Por exemplo, o sonho da maioria das mulheres é encontrar um pretendente e se casar, mas nessa longa estrada pelo mundo dos humanos, cheguei a conhecer algumas que tem pavor disso e tudo o que querem é viver suas próprias vidas independentes. Agora eu te digo, no caso de achar um pretendente perfeito, seria sorte para qual dessas duas?

— Para a primeira.

— Sim, isso mesmo. O que achamos que pode ser sorte para a gente, pode parecer um azar do cão para outros. Agora pensa no seu caso, o que você mais deseja agora? O que seria uma sorte imensa se acontecesse? — e, deste modo, comecei a refletir. Seguimos só mais alguns passos pela calçada até sermos abordados por um comerciante que brotou de uma das lojas ali no centro da cidade.

— Ei, você garoto! — ele gritou até minha direção. Olhei de volta — Sim, você mesmo! — era um sujeito alto e magricelo, com a maior cartola que já vi na vida. Tinha cílios delicados e uma pele que brilhava. Me aproximei dele — Eu acabei de inaugurar minha loja, se importaria em ser voluntário para uma publicação no jornal?

— Voluntário? — levantei o rosto e vi a placa na fachada: “High-Man – Estilo e Beleza Masculina”

— Isso, eu estava procurando por alguém em péssimo estado e te encontrei! Não cobrarei nada pelo banho, o corte de cabelo ou as maquiagens. Apenas vou usar sua imagem no anúncio no jornal.

Levaram uma ou duas horas, mas no final aquele rapaz havia feito um milagre. Me olhei no espelho, eu parecia o filho de um nobre riquíssimo. Acho que nem nos meus melhores momentos estava tão elegante.

— Pode ficar com o terno também. — o comerciante disse — Você ficou sensacional! Certeza que as pessoas virão em rodo para cá!

Depois voltamos para a calçada, até o destino do Duende Leprechaun.

— Isso que é sorte?

Ele sorriu cheio de orgulho.

— Isso não é nada. Essa folhazinha frágil pode fazer coisas que você nem imagina. Só que, quanto maior for a sorte que te acontecer, menor fica a vida útil do trevo. Geralmente ele pode durar até uma semana, te dando essas sortes pequenas. Agora, se te der uma sorte muito grande, dura menos de um dia, as vezes só algumas horas ou minutos.

Fixei o olho no seu desenho, naquele contorno pequeno e esverdeado. Devaneei por alguns segundos.

— Isso poderia se livrar de Salieri para mim?  

— Se livrar de Salieri? — ele dobrou a testa, pensativo. — Acho que seria um nível de sorte além do suportado pelo trevo. Mas não tenho certeza.

Seguimos o caminho até pararmos de baixo de um imenso portão de ferro. Deveria ser a entrada para alguma mansão, a julgar pelos desenhos e pela frescura nas paredes em volta.

— Onde o senhor está indo, a propósito?

— Um antigo amigo me chamou para o lunch hoje a tarde.

Vislumbrei as paredes e o portão mais um pouco.

— E ele é milionário pelo jeito.

— Bi.

— O quê?

— Bilionário. É o magnata da indústria de petróleo. Você deve conhecer. É o Rutherfeller. — o exato lugar onde eu precisava estar. Sorte... Que piada, quem diria que um dia eu seria agraciado com isso? Comecei a rir ali mesmo de toda aquela ironia.

Um serviçal abriu os portões e seguimos por uma trilha de pedras. A trilha penetrava num largo jardim de orquídeas azuis e cedros do Líbano. Vi esquilos andando pelas árvores e abelhas que perambulavam por uma colmeia enorme dentro de um toco. O cheiro de grama e serragem chegava a me dar nostalgia da minha fazenda. Dali já conseguia ver a mansão. Enorme é pouco para descrevê-la, parecia um palácio sagrado grego. Tinha colunas por todos os lados e janelas que rabiscavam cada canto da fachada.

— Acho que meus colegas já devem estar aqui. — eu já havia contado ao senhor Duende sobre toda aquela coincidência risível.

— Devem sim — ele respondeu — Afinal, era para eu ter chegado aqui há uma hora. Mas quem me conhece sabe que não faz muito meu estilo chegar no horário certo.

Os ventos estavam fortes naquela tarde, ardiam o olho e enchiam nossa boca de terra. Numa rajada, roubaram meu chapéu que planou vagarosamente até a mansão. Mas, antes de cair no chão, um senhor o apanhou no ar. Um homem assustador, tinha uma postura militar e um bigode tão grande quanto o de meu tio. Seus olhos eram pequenos e sérios e a boca desaparecia no bigode. Não era um serviçal ou chofer, já que o terno e o colete escuro que usava eram claramente sob medida e de altíssima qualidade e, provavelmente seu valor deveria custar uma safra inteira de café. Sim, aquele deveria ser o senhor Rutherfeller.

— Então enfim resolveu aparecer, Leu? — disse o senhor. Esse deveria ser o nome que o Duende se apresentou a ele.  

— Você estava me esperando, John? Nossa, sinto muito. — não sei como o Duende conseguia ser irônico com alguém tão assustador. Eles se cumprimentaram num aperto de cavalheiros.

— Você continua fedendo a vômito, como sempre.

— E você continua com essa ratazana em cima da boca, né? — eles sorriam um ao outro, amigavelmente. Depois me olharam — Ah propósito John, eu trouxe o convidado que faltava chegar.

Ele dobrou a testa confuso.

— O rapaz Franz? Aquele que o imperador falou?

Estremeci e respondi com a voz falha.

— Sou eu mesmo... Senhor... Quero dizer, vossa graça. — ele me estendeu a mão e sorriu generosamente. Eu lhe correspondi.

— Não precisa de tanta formalidade. As pessoas costumam ter medo de mim porque sou rico. Se eu dissesse que vim do nada ficariam surpresas.

— Não esquenta, garoto. — o Duende interrompeu — Essa salsicha ambulante também sujava o terno de merda de vez em quando. — e gargalhou.

— Também não precisa ser tão maldoso, Leu. — depois ele me entregou o chapéu. — Tome, acredito que seja seu.

— Eu agradeço, senhor.

— A propósito, seus colegas me disseram que você não viria porque estava terrivelmente doente.

Sorri sem graça e disse a primeira coisa que me veio a mente.

— Tomei um chá de gengibre e hortelã. Agora já estou melhor.

— Que bom! O que gengibre não faz, né? Lembro que minha mãe preparava a mim para qualquer coisa, desde gripe até mesmo lombriga.

Entramos e fomos até a recepção. Um salão de perder o horizonte de vista, airado e repleto de poltronas chiques. O senhor Mendes ficou surpreso e me olhava como se visse uma aparição. Martin tentou esconder a surpresa e virou o rosto azedo para o lado, como se não estivesse se importando. Elizabeth arregalou os olhos.

— Peço desculpas por fazê-los esperar — o senhor Rutherfeller lhes disse — Mas vejam só quem está aqui. E, a propósito, este outro senhor é meu velho companheiro Leu, ele fará companhia a nós. — o Duende tirou o chapéu e fez uma reverência singela a todos. Depois o senhor Rutherfeller virou-se a nós dois — Vou atualizar os atrasados do que estávamos tratando aqui. Como já devem saber, sou um dos embaixadores da exposição internacional. Levarei vocês para conhecerem as instalações dos locais onde deve acontecer. — em seguida ele me olhou especificamente — Já deixei o seu responsável a par de todo o nosso cronograma, sugiro que consulte com ele mais tarde para ficar atualizado de tudo o que iremos fazer nessas próximas semanas. Também estávamos conversando sobre a possibilidade de vocês se hospedarem nesses dias, aqui mesmo.

— Perdão, senhor. — o senhor Mendes o interrompeu — Mas não podemos aceitar isso. Já será um privilégio enorme visitar todos esses lugares que o senhor mencionou, não queremos abusar de sua gentileza.

— Não está abusando. Eu já pretendia convidar seu imperador a se hospedar aqui, mas como ele decidiu não vir, não poderia deixar de convidá-los também.  

— Senhor Mendes — desta vez Martin se intrometeu —, entendo a generosidade do senhor, mas não seria de imensa descortesia recusar? — seu tom parecia impertinente demais. Como ele tinha coragem em se dirigir a um adulto de maneira tão insolente? — Tenho certeza que nosso imperador aceitaria. Por favor, considere pelo menos. — ele percebeu que eu o olhava descontentemente e me retribuiu um olhar com ainda mais asco.

Houve silêncio, depois, o senhor Rutherfeller tomou a palavra.

— Ele está certo. O imperador aceitaria, com certeza. — e, deste modo o senhor Mendes não teve muita escolha e trouxemos nossa bagagem até a mansão.

Feito isso e depois de conversarmos sobre mais alguns detalhes de nossa estadia, o senhor Rutherfeller deixou de lado a formalidade e nos apresentou a sua família. Mandou que chamassem suas filhas – também irmãs de Elizabeth — e seu irmão mais novo. Chegaram duas moças encantadoras. Edith e Alta eram seus nomes. A mais velha, Edith, deveria ter uns vinte anos, tinha cabelos tão dourados quanto o ouro, eles ondulavam como dunas de areia, estavam amarrados, mas seguiam até a altura dos ombros, dividindo-se no meio em cada lado. Seus olhos brilhavam em azul e pareciam estranhamente presos em mim. Fiquei desconfortável, claro. A outra também me olhava, Alta. Mesmo que fosse uns três ou quatro anos mais jovem que a irmã, sua altura era quase a mesma. — fazia jus ao nome — Seus cabelos também eram dourados, mas tinham um tom mostarda mais escuro. Estavam presos numa trança. Seu rosto era delicado e suas maçãs pareciam sensíveis, levemente queimadas.

— Prazer em conhecê-los — elas disseram-me quase que ao mesmo tempo. Mesmo que se dirigissem a todos, pela sua expressão parecia que havia dito especialmente a mim. Me apresentei em seguida. Depois, subitamente, elas soltaram uma pergunta nada discreta. — Senhor Franz, por acaso sua família tem prestígio de onde você vem?

Fiquei confuso por alguns minutos, mas respondi em seguida, com inocência:

— Bem, meu pai era barão, amigo do imperador. Somos de uma linhagem antiga de nobres. — eu vi aqueles olhos azuis brilharem ainda mais intensamente com a resposta. Dei dois passos para trás com insegurança. Então notei Elizabeth ao meu lado. Seu rosto estava baixo, abatido e um tanto nervoso. Normalmente, sabendo que ela não iria me responder, eu nem costumava falar nada com ela, mas acredito que por reflexo, acabei perguntando.

— Você está bem? — ela me devolveu uma expressão hesitante. Depois encarou seu pai e suas irmãs. Por fim, surpreendentemente, escutei sua voz:

— Não é nada, me desculpe. — era num tom adocicado e refinado. Tinha eloquência e harmonia. Nem muito fina nem muito grave. Uma voz encantadora. Tenho certeza que meu olho arregalou. Ela ficou nervosa e apertou os lábios, olhou uma última vez para as irmãs, depois retirou-se de lá repentinamente. Havia um mistério enrolado na relação dela com aquelas duas. Por mais que não mostrassem tão explicitamente, escutei palavras não ditas no olhar que devolviam a Elizabeth. Sim, como eu não poderia escutar? Afinal, era o mesmo olhar que meu primo Anthony me dirigia.

Fomos para a sala de jantar em seguida e nos serviram alguns aperitivos e depois o tal “lunch”. Uma iguaria mais peculiar que a outra. Comemos peixes, legumes pastosos e frutos do mar. Depois nos serviram um doce molenga repleto de frutas. “Gelatina” chamaram aquilo. Mais tarde, o senhor Rutherfeller chamou o senhor Mendes para uma conversa particular. Nunca entendi isso dos adultos insistirem em nos esconder as coisas. Eu estava numa sacada do lado de trás da mansão, contemplando o jardim com impaciência, aguardando o retorno do senhor Mendes. Eu queria reunir o pessoal para partilhar o que descobri sobre Salieri, contudo, enquanto apoiava o corpo na borda da sacada, escutei aquela risada terrivelmente familiar.

— Eu já imaginei que estivesse aqui, pirralho — de longe senti o cheiro de álcool e vômito. — Afinal, eu te conheço bem já.

— Perdão senhor, mas não faz nem doze horas que acabamos de nos encontrar.

— O que importa? Isso já revelou muito sobre você. — ele levantou o indicador — Acha que eu não percebi que você tava todo incomodado em ficar lá na taverna? Você tem problemas de ficar em lugares fechados. Alguns podem pensar que você se isola por timidez, mas não é. Mesmo nervoso, você teve muita desenvoltura em responder o senhor Rutherfeller. — ele me leu como leria o rótulo de uma garrafa de cerveja. Que incrível. E isso me lembrou o professor Tobias por um momento. Ele que também adorava ler as pessoas.

— Bem, eu detesto lugares fechados mesmo. É um trauma que tenho desde criancinha.

— Todos nós temos os nossos traumas. Eu tenho os meus, nesses meus mil anos de existência. O senhor Rutherfeller tem os dele e também o próprio Salieri carrega os seus. Mas é como lidamos com eles que nossa sorte será moldada — ele pausou, refletiu olhando os funcionários que podavam o jardim. Depois prosseguiu: — Aliás, eu ainda não te contei, né? O senhor Rutherfeller me convidou para essa visita para que pudéssemos conversar sobre Salieri. Ele também sabe da existência de barbarians e comunas. Tanto eu quanto ele sentimos a presença de Salieri há alguns dias no país. Iríamos discutir uma maneira de encurralá-lo depois da exposição internacional. Agora que você mencionou que ele provavelmente está infiltrando uma de suas marionetes no seu grupo, teremos um leque maior de ações para tomarmos.

— Senhor Leprechaun, Salieri uma vez matou um de meus companheiros de comuna. Ele faleceu nos meus braços. Sei que posso parecer só um pirralho que fala demais, mas eu vou detê-lo. Com minhas próprias mãos.

Ele não me respondeu imediatamente. Primeiro refletiu com um olhar perdido, depois sorriu.

— Se você está tão determinado assim, então me devolva este trevo.

— O quê?

— Um trevo desses pode levar até centenas de anos para florescer. Utilize essa sorte somente no grande momento. — ele estendeu a mão.

— É, o senhor está certo. — e lhe entreguei a folha. Foi a decisão mais sábia que tomei. Mais tarde, nessa jornada pelo caminho tortuoso como agente de uma comuna, pude, cada vez mais descobrir que há um nível impossível de ultrapassar por humanos. Os barbarians de elite. Por mais que eu estivesse confiante, soubesse que o poder em meu olho estava evoluindo e tivesse notáveis habilidades de combate que se tornavam cada vez melhores, simplesmente eu não poderia derrotar um barbarian de elite naquele nível. A não ser se eu contasse com toda a sorte possível. É irônico pensar que uma das principais armas que poderia contar numa futura e possível luta contra Salieri, não era só o meu poder ou minhas habilidades, mas também a pura e tola sorte. Se essa arma iria funcionar ou não, esse mistério ainda teria que desvendar.

O Duende me deixou sozinho ali. Depois, me cansei da vista e também saí. Pelos corredores largos e cavernosos da mansão, escutei vozes. Soube de imediato que se tratava das irmãs de Elizabeth.  

— Você ainda não me respondeu, sua porca gorda. — Era Edith. Mas sua voz estava diferente. Não usava mais aquele tom meigo e gentil quando se apresentou a mim. Senti rispidez, frieza, uma frieza desprezível. — Por que resolveu voltar? Quem te deu essa permissão? — Me esgueirei atrás da parede que dividia o corredor. Ela falava com Elizabeth. Olhei mais um pouco, ela segurava seu braço furiosamente.

Elizabeth estava de cabeça baixa, a escutei gaguejar uma ou duas vezes antes de soltar um ruído baixo e quase impossível de ouvir.

— Eu... Na verdade eu vim porque me pediram. Estava cumprindo ordens.

— Não seja mentirosa. — Edith apertou ainda mais seu braço. Elizabeth grunhiu de dor. — Você veio aqui esperando conseguir o favor de nosso pai, não é? Você contou alguma coisa para ele, sua leitoa?

— Não acho que ela teria essa coragem. — Alta dessa vez foi quem disse. — Ela trouxe um rapaz, não viu? Ela quer roubar o que é nosso.  

— É verdade? — Edith perguntou com os dentes cerrados.

— Não. — Elizabeth respondeu entre grunhidos.

Eu refleti um pouco nisso. Sabia de imediato o que elas queriam dizer. Quando se nasce numa família de nobre e se tem contato com outros nobres, você descobre sobre alguns dos absurdos que estão engessados nesse meio. Em algumas famílias, as filhas mulheres só possuem direito a herança se vierem a se casar. Pelo o que eu vi quando cumprimentei aquelas duas, nenhuma delas usava aliança. Aparentemente elas temiam que Elizabeth se casasse e, assim, tivesse parte na herança do senhor Rutherfeller.

E isso se confirmou com o que disseram a seguir.

— Pensando bem, acho que não precisamos nos preocupar, Edith — foi Alta quem disse — Ela não parecia ter uma relação muito próxima ao rapaz.

A mais velha sorriu com perversidade.

— É verdade. Até faz sentido, afinal que tipo de homem se casaria com uma mulher que tem metade do peso medido só de gordura? Uma gorduchinha feia e porca. — eu estremeci e não, não de medo, talvez fosse raiva, ou indignação. Quando me dei conta, já estava caminhando até as duas.

— É assim que as duas esperam se casar? — elas me encararam perplexas. Edith soltou a mão de Elizabeth. — Tendo uma cabeça tão superficial e repugnante eu duvido vigorosamente que alguma das duas terá êxito nisso.

— O quê?! — Edith era a que estava mais estupefata.

— Agora eu entendo o motivo de vocês terem me perguntado se eu era de alguma família nobre, quando me apresentei as duas. Mas porque eu me relacionaria com pessoas tão asquerosas que destratam a própria família? Sinceramente, esse é o tipo de gente que eu mais desprezo. Não, na verdade só de olhar para seus rostos repulsivos já me causa um enjoo enorme.

— Por que está dizendo isso? — Alta bravejou bem mais mansa do que antes.

— Bem, primeiro porque é a verdade. — depois segurei a mão de Elizabeth — E segundo, porque as duas fizeram questão de desprezar uma querida companheira minha. — elas se retiraram sem dizer mais nada. No final me arrependi do que disse. Queria ter dito mais.

Com a privacidade nos entregue, escutei a voz de Elizabeth. Estava baixa e deprimente, mas não deixei de ficar surpreso mais uma vez.

— Eu agradeço por isso.

— Bem, eu não consegui me segurar. — nos encaramos por alguns segundos, ela ficou em silêncio. — Não deixe essas pessoas te abalarem, é exatamente isso que elas querem. Não dê a elas essa satisfação de graça. Sei que pode não parecer, mas eu garanto a você que sei exatamente o que é passar por isso.

— Sim, eu sei disso — ela sorriu fraca — Eu escutei quando contava sua história a Piatã. Eu estava lá, no fundo.

— Você sempre esteve. Ainda que parecesse invisível. Mas você sempre esteve. — um breve silêncio nos percorreu mais uma vez — Posso fazer uma pergunta? Por que você nunca falou nada antes? Por que sempre manteve esse silêncio?

Ela abaixou o rosto, o sorriso desapareceu.

— Desde pequena, minhas irmãs me diziam para nunca falar nada, já que minha voz parecia a de uma galinha esfolada. Eu iria envergonhar a elas e a nosso pai se deixasse os outros me ouvirem... — ela realmente tinha essa insegurança, até mesmo naquele instante, já que o tom que usava subia e descia vagarosamente, como se ela estivesse indecisa se continuava a conversar comigo ou se ficava quieta de uma vez. — Eu não queria trazer vergonha a meu pai. Tanto que eu só lhe respondi mais cedo, por causa dele.

— Nossa... Eu sempre achei que fosse por timidez. Isso ainda é mais triste, principalmente porque você tem uma voz encantadora. — vi seus olhos brilharem. Eu não me lembrava de ter sido tão legal assim com alguém recentemente. Confesso que também fiquei um tanto envergonhado. Engrossei a voz e continuei: — Pare de se conter e não se deixe mais abalar, Elizabeth. Eu sei que você deve ter seus traumas com aquelas duas, mas saiba que todos nós temos os nossos traumas também. E é a forma que lidamos com ele que nossa sorte será moldada. — eu estava pronto para seguir em frente no corredor, quando me lembrei de uma última coisa importante — Seja forte, Elizabeth. Eu vou precisar que seja. Tenho certeza que jamais conseguirei derrotar Salieri sozinho. Precisarei da ajuda de cada um dos meus companheiros de Cartago para isso. E você definitivamente está incluída nisso.

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