Dezenove
Foi custoso, mas custoso mesmo fazer Haaka entrar naquele traje de seminarista. No final, Tobias o convenceu. Mas ainda assim, mesmo horas depois enquanto cavalgávamos nas mulas até a cidadezinha onde seria a requisição, fomos obrigados a escutar suas reclamações instante após instante.
— Se você está tão incomodado — Áquila já havia perdido a paciência —, por que não pegou uma missão para cumprir sozinho? Aí você fazia ela do seu jeito.
Haaka virou o rosto para o outro lado e retrucou alguma coisa. Não prestei atenção já que distraía-me com meus pensamentos. Encarava a luva, suas manchas de sangue. Refletia no que Áquila havia me dito. Do nada escutei Haaka grunhir de dor e depois um barulho de tombo. Sim, olhando ele tinha caído da mula. E, com este som, uma voz feminina insalubre brotou.
— Que merda você tá fazendo, seu idiota? — virei o pescoço. Olhávamos transtornados. Um moça agora estava sentada na mula de Haaka. A loira saltou da mula e chutou o garoto que amargurava no chão — Isso é jeito de tratar seus companheiros de equipe? Seu lixo. — Haaka gemeu de dor. Descemos assustados e fomos até eles. Só que diferente de Áquila e eu, o professor Tobias não parecia lá muito preocupado. Não, ele ria. Por que ele ria? O professor até tentava esconder com a mão, mas dava para ver. Depois, a loira levantou os olhos para ele. — Me desculpe professor, pelo jeito, meu namorado idiota continua a causar problemas. — tá certo, aquela era a coisa mais estranha que já escutei desde que entrei na comuna. E da onde diabos ela surgiu? Nem Áquila, nem eu ousamos perguntar depois daquele chá de decoro.
Haaka levantou-se. Limpou a poeira da roupa, cuspiu um dente e a encarou aborrecido, mas com o pavor de um cachorro judiado.
— Não precisava ter vindo. Não estou precisando da sua ajuda, não está vendo?
Até eu estremeci quando a mulher aumentou sua voz.
— Então eu só sou útil se for para te ajudar nas batalhas, é isso? Esse é meu papel de namorada? — Haaka fechou o rosto. — E não fica com essa cara de bunda azeda.
— Tenha santa paciência — ele revirou os olhos, então seguiu a trilha sozinho, a pé. Ela ficou mais irritada.
— Onde pensa que vai? Não me deixe aqui falando sozinha! — Haaka a ignorou e nem hesitou voltar. Com ele longe, ela suspirou. A raiva do seu rosto desvaneceu-se, restando preocupação somente. Por fim, virou-se para nós.
Elizsamaheisenschöder oficialmente, mas ela pediu para que a chamássemos apenas por Eliz. De estranho, o nome foi o de menos. Conosco, Eliz parecia uma pessoa absolutamente diferente. De namorada endiabrada, ela virou a sacerdotisa da paz. Disse que meu nome era nobre e achou lindo os olhos vermelhos de Áquila. Montamos nas mulas e seguimos adiante. No caminho, os lábios de Eliz não tiveram receio em contar coisas estranhamente pessoais.
— Na verdade, eu não existo. — disse ela. Eu já não me surpreendia com mais nada. — Quero dizer, é que eu faço parte do poder de Haaka. Sou uma manifestação dele. — Nós nem esperamos ela continuar, encaramos direto o professor Tobias com olhares confusos, como se perguntássemos se aquilo era mesmo possível.
— Sim, é possível. — ele nos leu perfeitamente — E ele não precisa ficar com a luva sempre ativada para manifestar esse poder.
— Tem como nós utilizarmos nosso poder sem precisar ativar a luva?! — Áquila arregalou seus olhos escarlates.
— Tem sim. — ele dobrou a testa. Acho que estranhou a pergunta de Áquila. — E você mais do que ninguém deveria saber disso.
Dessa vez entregamos a palavra de volta a Eliz que prosseguiu sem demora:
— Eu existo para ser a mente de Haaka e ajudá-lo a vencer seu medo. Haaka nunca foi muito inteligente. — seus olhos bateram em Áquila — você tinha perguntado o porquê dele não ter escolhido uma missão e feito sozinho. Acho que essa realmente seria a primeira coisa que ele faria — ela pausou —, se ele soubesse ler. Aquele idiota deve ter ficado com vergonha de pedir ajuda de alguém para ler as requisições para ele e por isso decidiu vir com vocês, pra não ser o único na comuna a ficar sem fazer nada. — vi Áquila engolir em seco. Eu vivi na alta sociedade, então para mim também era uma surpresa imaginar que alguém da minha idade ou maior que eu não sabia ler. Mas convenhamos que não era algo tão raro assim. — Eu sei que não é obrigação nenhuma de vocês — nós já víamos Haaka no horizonte, em poucos galopes já o alcançaríamos. — mas, se puderem fazer o favor de ajudarem Haaka neste começo, só por enquanto, até ele souber se adaptar a comuna, eu agradeceria infinitamente.
De fato, não era nenhuma obrigação nossa, além de que Haaka também era um pé no saco. Mas Áquila soube expressar bem o que nós dois estávamos sentindo naquele momento:
— Desde que ele não nos meta em problemas toda hora, por mim tá tranquilo.
Nos aproximamos da criança emburrada. Eliz ordenou como uma tirana que ele subisse na mula com ela. Haaka prosseguiu o caminho esforçando-se para seguir ignorando a namorada. Falhou miseravelmente. A visão do inferno que ela lhe entregou não era para qualquer um suportar.
Depois, seguimos o galope sem mais consternações.
Ali eu refleti no que Eliz disse e no poder de Haaka. Lembrei do que havia visto durante o ataque de Salieri no exame da floresta e me questionei qual de fato era seu medo. Toda aquela habilidade de Haaka, seria Eliz então por trás daquilo tudo?
O vislumbre da cidade se entregou ao nosso horizonte. Descemos o morro e seguimos de mula sem pressa.
— A propósito, professor. — já era imaginado que, conforme nos aproximávamos, essa pergunta me ocorreria — Não acha que será estranho para as pessoas, aparecemos de repente assim numa igreja pequena numa cidade pequena dessas?
Tobias esticou os lábios e compartilhou um pedacinho da calmaria de seus olhos comigo.
— Essa é a maior vantagem de fazer missões em cidades pequenas. O que acontece em cidades pequenas, fica em cidades pequenas. Mesmo que seja estranho, não fará diferença alguma, já que esse assunto provavelmente vai morrer aqui, ou, no máximo, virar uma lenda urbana.
O garoto que ficou quieto a viagem toda desde que a namorada apareceu, finalmente resolveu abrir a boca para se intrometer na conversa.
— Me parece uma ideia idiota. Tipo, e se fosse uma cidade grande, sei lá? Podemos até estar disfarçados, mas até a pessoa mais burra ia desconfiar da gente.
— Em cidades grandes há sempre aliados para darem cobertura aos nossos disfarces — Tobias respondeu calmamente — no caso dessa missão, por exemplo, se fosse numa cidade grande, seria a própria igreja. — ficamos estupefatos. Ele percebeu. — caso ainda não saibam, além dos chefes de estado, a alta hierarquia da igreja também sabe da existência das comunas. Eles na verdade acham que nós somos enviados de Deus e acreditam que os barbarians são demônios de verdade.
— E provavelmente o padre da igreja daqui não sabe de nada, já que ele é só um padre qualquer. — supus e Tobias concordou com a cabeça.
No final das contas meus temores não se concretizaram. É claro que chamamos a atenção entrando numa cidade pequena daquela onde todo mundo se conhecia, mas nenhum tipo de desconfiança foi levantada. Não foi difícil nos apresentar ao padre como seminaristas e que ficaríamos só alguns dias na cidade. Aparentemente aquela era uma região famosa por ser passagem de muitos peregrinos, o que veio bem a calhar para nos servir de desculpa. O padre Carneiro preparou um lugar para ficarmos e ofereceu uma hospitalidade de fazer o Diabo se sentir mal por mentir na cara dura.
As investigações começaram no mesmo dia em que chegamos a cidade. De fato, como esperado de uma cidade atormentada por barbarians, as noites por lá eram densas e pareciam ter vida. Uma melancolia invadia os arredores depois que o sol se punha. Sabíamos, conversando com os moradores, que por conta dos casos de avistamentos, as pessoas evitavam sair de casa.
— Dizem por aí que é aquela desgraçada da Fátima. — o dono da taberna já deveria estar bêbado. O senhor Maquiavel também era escritor e, aproveitando que não tinha ninguém além de nós para beber com ele, aquele senhor parecia bem à vontade para nos contar mais uma de suas histórias criativas sobre os monstros que assolavam a cidade, histórias essas que, na maioria das vezes, pareciam falsas.
— Quem é Fátima? — de todos, só Haaka parecia ter algum interesse.
— Era uma linda mulher que vivia aqui. — disse enchendo mais um copo com Rum — Dizem por aí que ela teve um caso com o padre Carneiro. Ela sumiu há algumas semanas. Há quem diga que ela foi amaldiçoada e se tornou um cavalo... — apoiado no balcão, ele olhou para cima e ponderou — Ou uma mula, sei lá, com uma cabeça flamejante.
— Uma mula com cabeça flamejante? — vi Áquila segurar o riso.
— Isso não existe. — dessa vez eu que disse. Ajeitei minhas costas na cadeira de carvalho e encarei a janela da pequena taberna de tijolinhos. Era aconchegante estar lá dentro e não no breu de lá fora. Mas de qualquer forma daqui a pouco teríamos que sair para a missão.
— De todo modo, — a voz mole do taverneiro voltou a dizer — um vulto com a aparência de um cavalo horripilante caminha pelas noites nesta cidade. — ele arrotou — isso todo mundo concorda.
Olhei para Tobias e perguntei baixinho, fora dos ouvidos zonzos do taverneiro:
— Que tipo de barbarian o senhor acredita que é responsável por isso?
— Provavelmente um como o que vocês enfrentaram no teste, igual a ilusão do professor Hamicota. Um barbarian híbrido. Eles não são tão fortes quanto Salieri por exemplo, mas mesmo assim não é bom baixarem a guarda. — Tobias levantou-se da cadeira e concluiu para nós três: — Vamos terminar o que viemos fazer aqui e vamos embora.
— Esperem! — o senhor Maquiavel interrompeu. — Vão sair a essa hora? Não é melhor esperarem até de manhã? Durmam aqui! Se saírem agora, podem acabar encontrando a criatura...
— Não precisa se preocupar, senhor Maquiavel. — Tobias disse. — Sabemos nos cuidar e estaremos sob proteção divina. Se o Senhor é por nós, quem está contra nós? — Maquiavel fez o sinal da cruz e nós partimos.
Era uma noite sem lua e sem estrelas. Estava quente e seco. Caminhamos pelas vielas da cidade e rodamos os subúrbios. Sabíamos que tinha alguma coisa errada, mas não sabíamos a onde. Era questão de tempo até que cruzássemos com o barbarian.
— Para uma primeira missão você até que está bem calmo. — Tobias me olhava de canto, como se me analisasse procurando uma resposta antes mesmo de eu abrir a boca.
— Acho que depois do que eu vi na floresta, não tem como isso ser mais assustador, né?
Ele pensou e concordou com a cabeça. Seu rosto se abateu quando mencionei a floresta. Eu sei que ele se culpava por não ter conseguido nos proteger desde o começo. Eu não o culpava e esse tipo de coisa nunca passou pela minha cabeça, mas acho que não tinha muito o que fazer para mudar a cabeça dele.
Áquila brotou aos meus ouvidos, com o rosto extenuado e suspirando.
— Odeio missões a noite. — ele se apoiou em meus ombros. — Tô morrendo de sono. Deveria ser crime trabalhar a noite.
— Você não deveria pensar só em você. — Tobias o encarou repreensivo — Afinal, estamos aqui para que as pessoas comuns possam dormir tranquilas de noite.
De repente, o rosto sério do professor apertou-se em preocupação. Ele se paralisou, congelou num momento breve como um relâmpago. Por fim, o professor Tobias se apressou, deu alguns passos, se pôs a nossa frente e esticou o braço para bloquear nosso caminho. Já imaginei o motivo. Um relinchar agonizou metros frente. Era aflitivo e assustador. A criatura estava rua acima, imponente, como uma estátua de reverência. Ela iluminava todo aquele lado da cidade com chamas de arder o olho se encarasse por muito tempo. Sim, de fato era um cavalo com uma cabeça flamejante. Ou melhor, uma mula sem cabeça.
— Isso é... — Áquila perdeu as palavras.
— Um barbarian. — o professor completou.
— Então aquela mulher fez aquilo mesmo, com o Padre? — escutei Haaka.
— E você tá preocupado com isso?! — Áquila o mal-encarou.
— Não se esqueçam — o professor chamou-nos a atenção —, barbarians são monstros de outro mundo. Eles não são algo tão supérfluo quanto espíritos, fantasmas ou coisas assim. Não baixem a guarda. — ele pausou e pensou — Provavelmente o motivo daquela mulher ter desaparecido é que ela deve ter sido devorada por esse monstro.
Foram poucos os segundos que tivemos para pensar depois disso. A fera relinchou, se preparou e deu uma arrancada até nós. Tobias, Haaka e Áquila ativaram suas luvas. A luva de Tobias brilhou em trevas massivas, a de Haaka cintilou num azul-marinho de levar os olhos ao fundo do oceano e a luva de Áquila queimou em vermelho escarlate de arder a íris só de olhar. Eu saquei minha lâmina e me preparei para o ataque físico. O professor Tobias estendeu o braço e bloqueou meu caminho.
— É melhor não, Franz. Desta vez, pelo menos, não. — eu pensei em ao menos perguntar o porquê, mas o professor já estava pronto para responder. — Considerando as chamas na cabeça desse barbarian, ele deve ter um alto nível de poder dimensional. Ataques de perto são arriscados, não sabemos o que ele pode fazer. — Tobias me encarou de canto dos olhos — quando achar uma abertura, jogue algumas adagas. Mas não se aproxime.
Eles partiram para atacar o barbarian. Primeiro vi trevas assustadoras como aquelas daquele dia na floresta, saindo pela luva de Tobias e engolindo o barbarian inteiramente. Eram espessas, nevoentas e frias de se olhar. Vi uma combustão se lançar através das mãos de Áquila. Ele rodou o monstro com chamas ainda mais abrasivas do que as que queimavam na cabeça da mula. Áquila tomou cuidado para que nenhuma faísca que fosse, caísse sobre quaisquer casas próximas. Ele moldava o fogo como um artesão faz com a argila. Parecia até natural. Num dado momento, Áquila criou uma casinha de fogo deixando o barbarian preso dentro dela.
Eliz imediatamente apareceu como um anjo da guarda para lutar contra a besta por Haaka, que se manteve ao meu lado, só observando a luta.
— Odeio não fazer nada. — resmungou ele. Pelo visto, Haaka sozinho só poderia atacar de perto, como eu. Não sei que milagre o manteve ali parado. O pouco que o conhecia me fazia pensar que mesmo na desvantagem, aquele cachorro doido correria para espetar sua espada no barbarian. Ele me pegou o encarando — o que foi? — debois ele abaixou o rosto — Não quero irritar a Liz. – acho que não tinha como esconder aqueles pensamentos.
Quando me dei conta a luta já havia terminado e o barbarian fora despedaçado. Áquila e Tobias não pareciam nem um pouco feridos.
— Foi simples assim? — questionei.
— Na maioria das vezes é. — Áquila respondeu e se espreguiçou.
— Não. — o professor roubou nossos olhares — Já lutei contra diversos desses demônios. Esses não me parecem o tipo de que andam sozinhos. São barbarians de bando.
— Há mais deles? — Haaka perguntou.
— É muito provável. — nos aproximamos do cadáver do monstro. O cheiro pútrido que saía de sua carne quase me fez regurgitar o almoço. Quando foi morto e o fogo em sua cabeça cessou, tudo o que restou foi um buraco oco no lugar da cabeça, seco e acinzentado por dentro. — Eu posso consumir as memórias dessa criatura e talvez podemos descobrir alguma coisa sobre a localização dos outros barbarians.
— O senhor consegue fazer isso, professor? Como? — não contive a curiosidade.
— Consigo roubar para mim tudo o que minha escuridão consumir. Se eu a fizer consumir esse monstro, onde quer que esteja o cérebro dele, eu posso conseguir uma parte das memórias. Já fiz isso antes e deu certo. — e assim o professor Tobias o envolveu numa massa negra espessa. A massa queimava o monstro como brasas e transformava-o em cinzas. As cinzas se misturaram as trevas e perdiam-se nelas. Tobias sentiu desconforto, caiu, ralou os joelhos no chão e gorfou um pouco. Ele limpou o rosto e se levantou. — Eu já sei onde estão, e é melhor irmos agora mesmo. — ele parecia atônito.
Me assustei com um grunhido agonizante e repentino atrás de mim. Meu corpo tremeu e meu braço se eriçou. Virei o pescoço e vi Haaka em desespero, ele apertava os dentes e se contorcia, seus olhos se exprimiam com algum tipo de dor, seus braços e pernas estavam abertos, como se uma corda os prendesse e puxasse por trás. Parecia que ele estava acorrentado. Mas não havia corda ou corrente alguma. Rapidamente encarei o professor a procura de alguma resposta, mas não tivemos tempo nem de respirar antes de dois vultos transparecerem de uma das vielas da cidade. Um rapaz loiro e uma moça de cabelos cacheados que segurava um guarda-chuva. Deveriam ter a idade de Nubia, uns dezesseis ou dezessete anos. Os dois nos olhavam sem expressão alguma. Insípidos, aterradores. Áquila apertou meu braço.
— Meus olhos veem... — ele hesitou, tremeu e apertou com mais força — Veem impiedade.
— Não vou dizer que é um prazer encontrar com tantas aberrações de uma vez. — uma voz fina como o assovio de um canário, porém enfadonha, vinha da moça com o guarda-chuva — Peço que retirem-se daqui, pela segurança de seu companheiro. Esta missão agora está sob nossa responsabilidade. — foi então que eu percebi sua mão direita esticada na direção de Haaka. Ela que estava fazendo aquilo com ele? O professor Tobias parecia ter visto algo a mais.
— Esse bracelete... — as pálpebras se estreitaram. Tinha um olhar analítico. — Vocês são da Comuna de Alexandria, não são? — ele se convenceu, o vi balançando a cabeça positivamente — Sinto muito, mas essa requisição já está sob nossa incumbência.
— A Comuna de Alexandria? — virei o rosto para ele. O professor não me respondeu, parecia mais preocupado em tirar Haaka deles.
A moça com o guarda-chuva revirou os olhos:
— Odeio quando as aberrações querem me dizer o que fazer. — ela apertou os olhos e um frio invadiu o meu peito. Uma aura sinistra, um sentimento negativo. Tobias acelerou até eles. A moça, de repente, fechou sua mão, o pescoço de Haaka se contorceu, escutei um estalo, seus olhos desvaneceram e vi a vida deixar seu corpo. Caí no chão com o susto. O que diabos? Haaka estava... De novo isso estava acontecendo? Mais uma pessoa... Na minha frente! Meu coração acelerou. O suor me inundou e, meu olho apagou.
Apagou.
“Franz”, “Franz”, “Franz”, “FRAAANZ!”
Minha visão se abriu, meu corpo balançava. Áquila segurava meu ombro e me movia para um lado e para o outro. Me senti quente, me senti num lugar aconchegante. Estava num lugar claro? Era a taberna. Tobias e o taverneiro me encaravam perplexos. Ao lado deles, Haaka.
— O quê...
— Franz, tá tudo bem? — Áquila mais uma vez me encarava como se invadisse meu corpo pelo olhar. — Você tá um tempão aí olhando para o nada. Tá viajando?
Encarei mais uma vez Haaka. Ele se sentiu desconfortável.
— O quê aconteceu? — busquei o rosto do professor Tobias dessa vez, implorando por ajuda — O que aconteceu com a Comuna de Alexandria?
O professor dobrou a testa.
— Alexandria? Do que você tá falando?
Dessa vez o taverneiro se intrometeu.
— A gente tava falando sobre a história da mulher que ficou com o padre e se tornou um cavalo de fogo.
— Essa baboseira não existe, por favor. — Áquila o repreendeu. Raios?! Por que Áquila o repreendeu? Não acabamos de ver um monstro assim?!
Comecei a suar frio como a geada de inverno. Uma pontada bateu no olho que me restou. Era como se uma lança o estivesse espetando. Ardia, queimava... Gritei. Dessa vez todos ficaram alvoroçados. Não consegui escutar o que diziam, mas trouxeram-me água. Tentei tomar, o copo estilhaçou-se na minha mão. Era a mesma mão que vestia-se da luva. Luva essa que agora brilhava numa palma amarela como o alvorecer do sol. Olhei para sua luz. Era morna e senti a dor passar com ela. Um brilho ofuscante, muito mais cintilante do que havia visto nas luvas de qualquer um dos meus companheiros. Amarelo. Sim, amarelo. Nunca me esqueço, do amarelo. E vi, no peito dela, a inscrição delta.
Deveria ficar feliz ou preocupado?
— Franz — escutei Áquila. Ele apontava o indicador para meu rosto. — O seu olho está... — por que raios todo mundo me encarava assustado? Senti um gelo nas tripas. Segui até a janela da taberna e vi meu reflexo no vidro. Meu único olho, antes preto, agora coloria-se em amarelo.
Amarelo.
— Sabe o que dizem? — a voz do professor Tobias se aproximou. — O amarelo é a maldição daqueles que tem medo do futuro.
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