PARTE III
YOU KEEP A KNOCKIN'
(BUT YOU CAN'T COME IN)
Era verdade que a fortuna dos Park tinha partido da base.
Vindo de uma cidade pequena, a ideia de começar um grande negócio no ramo alimentício era, no mínimo, desafiadora. "É difícil para todos", a senhora Park dizia todas as vezes em que citavam suas raízes. Realmente, é estressante trabalhar com comida — requer um tipo de atenção e dedicação especialmente fatigante. A fadiga, contudo, não os impediu de atingir um belo patamar.
Riqueza tornara-se um eufemismo ao falar sobre os Park, o segundo clã mais influente da Coreia do Sul — ficando atrás apenas dos Kim, donos da Kim Group: construtora, imobiliária, rede de hotelaria, tendo também subsidiárias que atuavam nos ramos da decoração, beleza e costura.
O segundo filho, Park Chanyeol, era um importante socialite e, como se diz atualmente, digital influencer. Seu trabalho era, basicamente, ser rico. Ele comprava coisas, ia em festas, fazia fotos, livestreams, então ganhava por isso — patrocínios, propostas de aparição em diversos tipos de propagandas, além do bom e velho prestígio. O ciclo eterno do dinheiro: quanto mais você tem, mais você quer — e, por alguma razão, mais você ganha.
Jongin se lembrava de assistir alguns stories de Park Chanyeol no Instagram. Se lembrava dele ter uma irmã, Park Yoora, âncora do jornal do horário nobre, também dele mencionando a família, mas não se lembrava de nada sobre ter um irmão.
Deve ter lido em algum lugar, em tempos remotos de tão antigos, sobre um irmão. Ele não recordava com clareza, mas, com uma simples pesquisa na internet, conseguiu achar o nome que procurava. Park Kyungsoo aparecia nos sites sempre como um adicional — ou era citado como o filho mais novo do casal Park, ou como o irmão de Chanyeol e Yoora. Não havia matérias exclusivamente sobre ele, e Jongin não conseguiu uma foto sequer do rapaz no Google. Ele rezou para que fosse tudo um mal-entendido, uma história mal contada; rezou para que aquele tal Park Kyungsoo fosse uma pessoa completamente diferente do Kyungsoo que era seu amigo (de aluguel, mas ainda assim, amigo). Não sabe se quer vê-lo hoje, não sabe se quer descobrir a verdade, qualquer que seja.
Num momento, Jongin simplesmente desligou a tela do celular e olhou para as paredes do quarto. Passava tempo demais ali, era a conclusão a que tinha chegado. Não queria descer — havia dado ordens a Sehun para que, caso Kyungsoo chegasse, não o procurasse. Precisava de tempo. Pensar que talvez o objeto de suas divagações estava apenas a uma escadaria de distância o dava náuseas. Podia esclarecer tudo naquele minuto, mas o que preferiu fazer foi remoer a história internamente. Péssima decisão.
Chuck Palahniuk dissera: nunca deixe um personagem sozinho por muito tempo. Quando isso acontece, eles começam a pensar — e isso é péssimo para a sua narração. Mas a vida de Jongin não era um livro, ele não era um autor (e mesmo que fosse, deixaria seus personagens sozinhos pelas horas que quisesse; dias, até. Os faria pensar, usaria todos os verbos empobrecedores de narrativa, porque não havia outra alternativa para ele senão isso: pensar, e matutar tudo mais de uma vez até que seu desespero se torne maior do que pode aguentar).
Odiava ler, odiava mesmo. Não tinha uma boa concentração, um bom fluxo — pegava-se refletindo sobre coisas completamente impertinentes enquanto corria os olhos pelas linhas, quase sempre percebendo tarde demais que não fazia ideia do livro que segurava. Não tinha o hábito nem a motivação para aquilo, mas se lembrava bem de ter lido os textos e poemas de Kyungsoo sem reclamar, como se tivesse nascido para a leitura.
Quando sentiu a textura das páginas sob os dedos, apreciou o traço que fizera a caneta e contemplou as curvas da caligrafia de Kyungsoo. De alguma forma, sentiu-se em casa. Sentiu-se bem. Amou o gosto daquelas palavras no exato instante em que as captou — elas eram geralmente simples, diretas e cruas. Simples, principalmente. Não que a escrita de Kyungsoo fosse precária — seu vocabulário era bem extenso, para falar a verdade —, mas é que ele simplesmente falava com o leitor. Jongin quase podia ouvir a voz do amigo de aluguel na sua orelha, ditando aquelas frases; ver seu rosto moldando expressões, caricaturas, conversando com as cenas que tecia, dando vida ao trecho.
Sentia quando as palavras saíam ásperas enquanto Kyungsoo ensaiava uma crítica. Era quase como uma experiência física, o jeito com que o rapaz falava da vida — de um modo levemente pessimista, mas, ainda assim, real. Parecia que ele sabia do que estava falando — quando versava sobre os pobres, sobre os esquecidos, os incompreendidos. Entretanto, também parecia dominar os lobos em colarinho branco, como articulara em certo ponto.
Sobretudo, Jongin sentia nos poemas de amor de Kyungsoo algo doce, gentil e delicado — algo tão incomum do universitário. Ou nem tanto assim, já que, no mesmo instante, Jongin se lembrou de como Kyungsoo o tranquilizou quando falara sobre Jongseo, os desvios de dinheiro e a culpa excruciante que tinha interiorizada. O modo como ele sorria, como indiretamente prometia que tudo se acertaria, como priorizava o bem-estar de Jongin acima da discussão do problema. Não vamos tocar nesse assunto, beleza? A gente deixa isso esfriar e depois arruma um jeito de consertar tudo.
Não, Jongin realmente odiava ler — mais ainda agora. Também odiava bolo de laranja e sorvetes de limão e ruas suburbanas e garotos com sorriso de coração. Coração. Os lábios dele realmente pareciam um coração quando ele sorria — que desastre. Jongin os odiava, mas eles não queriam sair da sua memória. No meio da sua listagem de coisas que passou a detestar, em que sempre precisava adicionar um item extra, uma batida na porta o fez acordar para a realidade.
Permaneceu quieto, incerto se aquilo fora real ou não. Em seguida, o som se repetiu, acompanhado de uma voz grave e característica:
— Eu sei que cê disse que não era pra perturbar e et cetera e tal, mas você tá vivo ainda, mano?
— Vai embora, Kyungsoo — Jongin ordenou alto o suficiente para que o assalariado ouvisse e se retirasse, contudo, a sentença não surtiu o efeito desejado.
— Tá me dando o dia de folga? Olha que eu aceito, hein.
O milionário revirou os olhos.
— Sai, Park Kyungsoo. Você não só tem o dia de folga, como o resto da sua vida. Bem-vindo a zona dos desempregados, filhinho de papai.
Houve uma pausa relativamente longa em que apenas o silêncio prevaleceu entre os dois. Mesmo que Jongin tivesse achado que o outro provavelmente fora embora como mandara, não poderia dizer que estava surpreso quando escutou o barulho que fez quando Kyungsoo girou a maçaneta, tentando abrir a porta trancada. Também ouvi o grunhido frustrado.
— Esse nome é seu? — O mais alto questionou, sem nem perceber que tinha aberto a boca. Quando viu, já tinha saído (e já tinha se levantado, ficando de frente para a única coisa que o separava do pseudo amigo, como se o encarasse indiretamente). Não houve resposta. — Esse nome...
— Você não tem o direito de saber disso — foi a frase que o interrompeu enquanto tentava repetir seu questionamento. Palavra nenhuma no mundo poderia descrever a dor que aquilo causou em Jongin. — Não agora.
— Então quando é que eu posso saber, hein? Quando chegar a sua folga do papel de militante puritano do subúrbio? Hein?
— Abre a porta, Jongin. Se quer falar sobre isso, que seja direito. Eu não vou continuar nesse seu joguinho.
— Eu te falei sobre coisas da minha vida que ninguém mais sabe além de mim — ele praticamente berrou, ignorando a fala de mais cedo. A garganta ardia, um nó se formara e não queria ser desatado. Àquela altura, já encostava as mãos na porta, desejando simplesmente que tudo desaparecesse. — Eu confiei em você, meu Deus, eu te contei segredos demais! Segredos demais! Quem não tinha o direito de saber alguma coisa era você!
Por mais tempo do que o suficiente, foi silêncio que Jongin obteve como resposta, e estava mais do que certo que Kyungsoo tinha ido embora sem nem terminar de ouvir o que o rapaz tinha a dizer.
O milionário não achava que seria assim. Não imaginava que as coisas tivessem a possibilidade de chegar num ponto tão alto, tão frio e tão distante — e, agora, se arrependia de não ter previsto a catástrofe. Quem estava achando que era, afinal? Como ousou se esquecer de que as coisas nunca melhoram por tempo demais? (E, quando isso acontece, a queda costuma ser brusca). Ah, Jongin quebrou a cara. Mas aquilo ainda não estava acabado.
(...)
Kyungsoo esfregava as mãos uma na outra com aflição, sentindo a respiração pesar conforme o tempo arrastava os ponteiros do relógio consigo. Já eram quase onze e nada de Kim Jongin — nada de trabalho, nada de explicações, nada de esclarecimentos. Até Sehun parecia ter desaparecido, engolido por alguma pilha de papel que costumava carregar para cima e para baixo, como se seu trabalho envolvesse grandes e importantes documentos. Mas ele não podia ir embora, não podia sair dali. Não que estivesse forçando a barra, acredite, era algo maior do que isso. Ele estava incapacitado de pôr o pé para fora daquela mansão.
— Paparazzis? — Joohyun ergueu uma sobrancelha, afastando um pedaço da cortina da sala para ter uma vista melhor do lado de fora. Em poucos segundos, Kyungsoo presenciou o instante em que os olhos da motorista se arregalaram e ela voltou a atenção para si outra vez, com uma cara de quem sabia que tinha dado ruim, mas que pelo menos estava fora da encrenca. — Nossa. Paparazzis mesmo. Tem no mínimo uns cinco, eles nem se dão ao trabalho de se esconder. Acha que te viram chegar?
— Eu tenho certeza — o assalariado ergueu a voz uma oitava, como sempre fazia quando estava frustrado e precisava exagerar as coisas levemente. Sim, as duas situações aconteciam simultaneamente. — Quando eu cheguei até que percebi uma galera estranha, mas eu não tinha lido ainda a bendita da matéria que a Dispatch ou sei-lá-quem fez. Eu fui exposto e continuo sendo exposto.
— Vai precisar arrumar um jeito de acertar isso com o Jongin — ela aconselhou. Kyungsoo levou as mãos à cabeça, inclinando-se com os cotovelos sobre as coxas. Naquele tempo em que estivera mofando e Joohyun o fizera companhia, já tinha feito da mulher sua psicóloga pessoal indireta, praticamente. Talvez fosse de terapia que ele precisasse mesmo.
— Ele me odeia — o ex-amigo de aluguel, que nem sabia mais se o status de proletário empregado ainda era seu, lamentava o ocorrido. Arrependia-se até do dia em que nasceu e desejava puramente poder chegar em casa (com banheira entupida e tudo, ele não era exigente!) para deitar na cama e não levantar nunca mais.
— Ele não te odeia — a mulher tentou acalmá-lo, talvez fazer brotar alguma razão na cabeça dura de Kyungsoo. — Jongin é bom demais para odiar alguém. Na verdade, acho que ele te considera bastante. Você deixa ele alegre, vai por mim. Vocês vão contornar essa situação, só precisam se acalmar.
— Cê num tá entendendo. — Balançou a cabeça. — Deu ruim pra mim, Joohyun. Cê leu o artigo até o final? Não, não, não; não pega o celular não. O Jongin tá puto comigo por causa de um bagulho mal explicado que nem culpa minha é. Ou talvez seja, um pouco. — Então falou mais que para si mesmo: — Sempre é, né?
— Quer que eu vá chamar ele lá em cima?
O rapaz suspirou e negou com a cabeça, de leve, encarando a amiga — não, porque naquela hora Joohyun já tinha entrado pra família dele! Uma irmã. Nunca esqueceria as palavras de apoio e conforto que ela disse bem ali, na sala do ricaço Kim enquanto Kyungsoo morria de medo de acabar sem emprego e com uma imagem nada agradável perante Jongin.
Kyungsoo sabia que a palavra de Bae Joohyun tinha responsa. Não "peso" ou "responsabilidade", "influência". Responsa, era esse o termo cientificamente correto e aprovado por ele. Raramente usava o adjetivo para descrever alguém, e sempre se certificava de que, quando o fazia, não cometia erros. E ele nunca esteve tão certo — Joohyun era a voz da razão, e qualquer coisa que ela dissesse com a expressão certa (a de 'cara, eu sei o que eu tô dizendo') faria Kim Jongin repensar o ódio que estava sentindo no momento. Pelo menos um pouquinho, Kyungsoo pensava.
Quando estava prestes a abrir a boca e pedir, com jeitinho, um favor à motorista, ouviu um barulho que vinha do andar de cima — um barulho de porta batendo com tanta força que Kyungsoo até se assustou. Em alguns segundos, Jongin apareceu em seu campo de visão, descendo as escadas usando um casaco cinzento gigante e uma calça de moletom, parecendo abatido e muito menos brilhante do que costumava — como se tivesse desbotado, perdido a cor.
Kyungsoo prendeu a respiração. Estava esperando um "vá embora" ou qualquer coisa nesse rumo, mas o que recebeu foi surpreendentemente o oposto. Kim Jongin o encarou nos olhos e, não com firmeza e convicção, mas serenidade e calmaria, proferiu:
— Você foi promovido a namorado de aluguel.
(...)
— É o quê?
— É a nossa única opção!
Kyungsoo estava perplexo, e nada seria capaz de arrancar a expressão de choque que pairava em seu rosto. Para quem achava que ia perder o emprego, a tal "promoção" deveria soar como algo positivo — mas foi, muito provavelmente, a coisa mais estranha de se ouvir. Estranha a ponto de causar um desconforto constante, abafado dentro do peito.
— Depois dessa exposição, se a gente simplesmente assumir um relacionamento e terminar uma semana depois, as pessoas esquecem e nunca mais tocam no assunto. Se continuar um rumor, isso vai nos perseguir pra sempre.
— Ótimo raciocínio, cara, só faltou lembrar um detalhe: — o assalariado começou, levantando-se do sofá. — Não somos um pseudocasal heterossexual. Somos um pseudocasal homossexual não assumido, formado por um ricaço herdeiro da metade do país e um moleque ferrado do subúrbio. Isso vai ser lembrado até o túmulo.
— Muita humildade da sua parte, mesmo. — Jongin cruzou os braços, irônico e amargo. — Eu vou fingir que eu esqueci quem são os seus pais, Park Kyungsoo "Do Subúrbio".
— Você não sabe quem são meus pais — reafirmou o mais baixo. Joohyun já tinha sumido por algum canto desconhecido, desaparecendo por um passe de mágica (mais discreta que espiã secreta). Se Kyungsoo fosse ela, também daria no pé; nem ele queria ficar naquela sala e assistir à própria briga com o chefe.
— Então quem são? Vamos, me convença.
— Eu não tenho que te convencer, e nem que fingir que sou o seu namoradinho pra preservar a sua reputação.
— E a sua tamb...
— Eu nem tenho uma reputação, e não vai ser essa coisarada que vai me dar uma. A gente nega tudo de uma vez só, inevitavelmente vão ter que esquecer que isso aconteceu em algum momento.
— Não — Jongin negou com veemência e de uma vez por todas. Nunca tinha dito algo com tanta convicção antes. — Nós vamos dançar conforme a música, porque é o único jeito de contornar essa situação. Qualquer alternativa rebelde e inconsequente que seja produto da sua boca mentirosa não vai ajudar. Me escuta.
— Eu tô realmente curioso pra saber de onde vem esse seu vocabulário novo, Jongin. Gostei da sua escolha de palavras — Kyungsoo não soava nada contente. Tinha um quê de amargura e ressentimento revestindo seu tom, e seu rosto já não expressava grande coisa sobre o seu interior. Era uma incógnita agora. — Mas você quer que eu embarque numa canoa furada contigo. Eu não quero mais exposição, não quero mais esse fuzuê em cima do meu nome (o que só vai dobrar se a gente assumir um relacionamento que nem existe). — Então, suspirou. — Sobre a coisa do meu sobrenome, não dê esse assunto por acabado. Tem muita coisa que você não sabe.
— Não sei se eu quero descobrir também. — O moreno deu de ombros, desinteressado. — E já que você rejeita tanto a minha ideia, quero saber se tem uma melhor. Negar não está na lista de opções.
— E por que caralhos? — Kyungsoo realmente queria saber o porquê da coisa mais óbvia a se fazer estar completamente fora de cogitação e, encarando-o naquele momento, lembrando da sua versão que sempre aparentava uma perspicácia em especial, Jongin quis rir. Rir, porque sua linha de raciocínio tinha tomado um rumo, no mínimo, inocente. O milionário esperava que ele tivesse mais tato para os artifícios da mídia sanguessuga e a fofoca eficiente, mas, pelo visto, nunca tinha lidado com algo assim antes. Ele se permitiu suspirar.
— Você acha que eles vão acreditar? Sinto em lhe informar, mas existem as respostas certas e as respostas inúteis nesses casos, e um simples "hã, não, isso foi um engano" é, definitivamente, uma resposta inútil.
— A sua definição de resposta útil seria simplesmente concordar, então? Enfiar a cara no meio do caminho pra apanhar? Porque, bem, não é como se a gente fosse ser parabenizado e coisa e tal. De um jeito ou de outro, a gente tá marcado pra sempre.
Jongin respirou profundamente, sentindo alguma coisa dentro do peito começar a borbulhar. Ansiedade. Ele queria respostas, ele queria a resolução de tudo, ele queria paz, ele queria fazer o que gosta, ele queria acabar com os problemas com o irmão, queria mandar Kyungsoo embora, queria ele perto demais, tudo ao mesmo tempo e imediatamente. Preciso de tempo, foi o que concluiu. Muito tempo. Pra pensar, pra agir, pra tentar não surtar.
Ele encarou Kyungsoo e só viu mais obstáculos.
— Sehun vai saber o que fazer — foi tudo o que deixou emanar dos lábios cansados.
(...)
Sehun digitava rapidamente o milésimo e-mail, tentando soar suficientemente profissional ao fazer o máximo que podia para estancar a hemorragia de escândalos que a mídia tentava promover. Entre ligações e revirares de olhos, não teve tempo de checar todos os canais de comunicação. Precisou receber uma notificação do Twitter sobre uma postagem recomendada para ver o que estava consumindo a internet no momento.
O tweet era de uma conta pessoal, e breve: "gente, vocês viram o Park Chanyeol quando perguntaram do irmão dele na live?? Ele riu sem graça e falou um negócio estranhão, eu hein."
Sehun franziu a testa. Deslizou até as respostas, e todas elas pareciam caminhar para o mesmo rumo: Kyungsoo. Quem era? Por que surgiu publicamente de maneira tão tardia? Seria talvez um filho deserdado? Querendo ou não, essas perguntas apareciam. As pessoas estranharam, elas perceberam. E não só isso.
Havia também especulações sobre diversas outras coisas. A manchete trouxe desconfianças acerca de Jongin e reviveu alguns escândalos da Kim Group — as pessoas finalmente pareceram reparar no consumo exacerbado do milionário herdeiro e também no estilo de vida suspeito de seu irmão menor que comandava a empresa. Eles tinham uma vida pública, querendo ou não, apareciam constantemente em eventos de prestígio e não deixavam seus nomes saírem da boca do povo — afinal, marketing. Só que o feitiço se virou contra feiticeiro, e lentamente sua reputação começava a apodrecer.
Sehun roía as unhas, aflito. Achou um clip do tal vídeo de Chanyeol na timeline e deu play, ansioso pelo o que encontraria. Na parte que vira, o socialite aparecia deitado na cama, brincando com os filtros do Instagram quando leu um comentário (ou uma dezena deles) sobre Park Kyungsoo. Ele pareceu surpreso, olhou para algum ponto que não fosse a câmera durante alguns segundos antes de coçar a nuca, improvisando uma resposta qualquer. "Ah! O meu irmão... a gente não fala muito com ele, ele foi fazer faculdade numa outra cidade e quase não nos víamos..."
Droga, Chanyeol, Sehun xingou mentalmente. Ele queria bater com o telefone na testa porque às vezes Chanyeol era tão burro que dava dó. Nada bom.
Vai precisar trabalhar dobrado durante a semana, pelo visto.
(...)
Ele era a alma mais esperada da sala; era tido como a salvação pela maioria. Realmente, Sehun era o único que poderia tirar o nome de Jongin da lama, além de desligar os holofotes que caíram sobre Kyungsoo — o problema é que nem o próprio sabia, exatamente, como ia fazer isso. Resolveu, então, antes de mais nada, usar a técnica milenar do "tô perdido, mas ninguém precisa saber disso" para finalmente começar a fingir que planejou alguma coisa útil.
— Vocês estão realmente ferrados — foi a sentença que escolheu para dar início à conversa. Nada animador.
— Obrigado pela narração, cara, realmente não teria chegado a essa conclusão se não fosse por você — Kyungsoo retrucou. — Eu quero saber qual é a sua ideia revolucionária.
— Vocês vão ter que fingir um namoro — soltou, simplesmente. Kyungsoo queria bater com a própria cabeça na parede até desacordar, porque aquilo não podia ser real. Ele estava rodeado de loucos e nada o faria pensar diferente.
Jongin nem parecia estar naquela sala, por outro lado. Tinha o queixo apoiado na mão e encarava seu assistente com um olhar puramente aéreo. Já sabia o que Sehun diria, e não via necessidade de ter toda aquela reunião espalhafatosa — mas, ah! Precisavam convencer Kyungsoo.
Para um Park, Kyungsoo não aparentava ser muito familiarizado com o sistema. Quer dizer, é claro que sabia sobre todas as estratégias capitalistas de ganhar dinheiro, o meio como a mídia influencia e sustenta opiniões no mínimo desajustadas, promovendo uma espécie de consciência coletiva que nunca se engana. Mas nunca tinha visto como funciona a fofoca, pelo visto. Foi o que Jongin concluiu — afinal, sempre foi o irmão escondido. Nunca viera a público até o escândalo mais recente, e isso deixava uma pulguinha atrás da orelha do milionário. Ele fitou o rosto do seu antigo amigo de aluguel, analisou como as sobrancelhas de Kyungsoo quase se uniam enquanto ele discutia com Sehun sobre algo como "não se deixar vencer". (Ele não sabia que se tratava de um jogo em que já perderam).
Jongin não tinha certeza se acreditaria em qualquer coisa que saísse da boca de Kyungsoo pelo menos até o fim do mundo — não mais —, mas sobre algo ele precisava concordar: definitivamente, não sabia sobre o passado do rapaz. Definitivamente, não tinha noção de nada.
— Kyungsoo, você que me desculpe, mas esse assunto já tá encerrado. Já foi decidido — Sehun falou, por fim, fincando um ponto final naquela discussão. — Isso pode até ser vantajoso para a empresa. Mais escândalos, mais visibilidade, mais vezes em que é citado o nome da Kim Group. Sinto muito ter que levar isso em consideração, mas é o meu trabalho. Jongin e Jongseo já opinaram a respeito.
— Mas e eu? — Kyungsoo protestou, erguendo-se. Encarou Jongin, buscando por algum tipo de resposta que não envolvesse uma coerção. Ele só recebeu um olhar vazio e distante, o que duplicou sua insatisfação. Kyungsoo estava irado e, acima de tudo, magoado; e com razão. O próprio Jongin não tiraria a razão de Kyungsoo, então o deixou reclamar por quanto tempo quisesse. Nunca foi realmente um problema ouvir sua voz, apesar de que, ultimamente, isso o traga um certo desconsolo. — Então vai ser assim? Eu vou ser obrigado a seguir com esse plano maldito?
— Você não quis ser convencido, então, é, vai ter que ser à força mesmo. — Sehun simplesmente deu de ombros. — Olha, cara, eu te conheço há um bom tempo e sei que você já passou por coisa bem pior. Isso não vai fazer nem cócegas na sua imagem, mas também sei que não é por ela que você está tão relutante. — Ele fez uma pausa para suspirar e estralar as costas. — Pensa um pouco, cara, cede pelo menos dessa vez. Se tiver uma ideia melhor avisa (eu não tô nem sendo irônico). Descansa também. Qualquer coisa me liga. — E levantou-se. — Eu tô indo embora, tchau.
O barulho da porta se fechando fez o estômago todo de Kyungsoo se encolher até parar quase na garganta, o gosto da bile amargando sua boca para a eternidade. Depois das palavras do amigo, virou-se para Jongin um pouco menos ressentido, ainda que afetado. Deixou sair o ar que não sabia que retinha e esperou por algum sinal de vida. Nada.
Jongin não se dava ao trabalho de mudar os olhos de lugar, nem de trocar o compasso da respiração, quanto mais de dizer alguma coisa ou se levantar e imitar o secretário, indo embora. Kyungsoo encarou o relógio: nove e vinte da noite. Onde é que o tempo tinha ido parar? Parecia que foi logo no último minuto que estava conversando com Joohyun, clamando desesperadamente por algum conselho ou um simples reconforto, mesmo que conhecesse a motorista há pouquíssimo tempo. Precisava se lembrar de pedir desculpas pelo inconveniente mais tarde.
Sua desistência foi marcada por um súbito e lépido sopro de ar, no qual deixou cair os ombros ainda mais, afundando-se nas próprias conclusões desagradáveis. Procurou Jongin com a vista e achou suas costas dadas, a falta de força de vontade emanando como uma aura pesada acerca da sua figura. Como se soubesse, sem nem ter sido dito, que Kyungsoo tinha finalmente aceitado seu destino, o milionário exprimiu:
— Vão lançar uma nota oficial confirmando tudo amanhã de manhã. Se eu fosse você, subia pro quarto de hóspedes e dormia bastante, porque vai precisar. Ah! — E ergueu o dedo indicador para os lábios, como se tivesse acabado de se lembrar de algo. — E não abra o Twitter amanhã.
(...)
Kyungsoo sabia que havia alguma sabedoria no conselho de Jongin, mas, mesmo assim, fingiu que não ouviu sua recomendação e, de manhã cedo, a primeira coisa que fez foi pegar o celular e abrir o Twitter. Sua conta, de usuário @dyowlcity e nome "ultrarromantista, directed by bong joonho" estava vazia de notificações, como sempre. Ele não usava o nome, nem foto pessoal, então seria no mínimo preocupante caso tivessem encontrado sua conta, ainda mais em tão pouco tempo. Foi só deslizar pela timeline um pouquinho, no entanto, que começou a encontrar gente comentando o assunto. Não se contentando com o que tinha lido, fez uma pesquisa para encontrar mais tweets.
Achou artigos sobre o suposto namoro, achou reações chocadas, achou gente que não gostou e, acima de tudo, pessoas que colocavam em cheque a credibilidade da empresa, do artigo, do caráter dos irmãos Kim e da legitimidade de Kyungsoo como membro da família Park.
Enfiou-se debaixo do edredom macio e cheiroso que lhe arrumaram. Respirou fundo uma série de vezes, até concluir que o aperto no peito não iria embora tão cedo. Já não sabia como havia entrado naquela enrascada — num dia, estava todo caidinho pelo cara de sorriso bonito que era, tecnicamente, seu chefe; no outro, estava namorando com ele (de um jeito que, surpreendentemente, era ruim), debaixo de vinte camadas de mal entendidos e mais cinco de omissões necessárias e escândalos exagerados. Não sabia se iria para a faculdade naquele dia, ou naquela semana — mas pensar na hipótese de não ir à aula o deixava ainda pior.
Letras era a sua paixão (ainda que as preferisse organizadas em palavras), e adorava até mesmo os trabalhos morosos e os professores chatos que só sabiam fazer piada fora de hora. Ele queria voltar para a sua vida pacata, recheada por vários nadas e repleta de tarefas ordinárias de um proletariado comum. Aquela esfera excessivamente polida e reluzente na qual Jongin, seu irmão e todo aquele escarcéu estava inserido era demais pra ele. Sempre foi, antes mesmo de saber falar. Kyungsoo sentiu a saudade apertar.
Bateram na porta, mas ele não soube responder. Ficou na mesma, encarando o branco da roupa de cama, sem força de espírito para raciocinar. Bateram de novo, e ele finalmente acordou, respondendo com um "quem é?" alto o bastante para acordar a vizinhança. Nem um segundo depois, Sehun abriu a porta.
— Bom dia, flor do dia — recitou. — Levanta e bota uma roupinha, você vai jantar com os Park hoje e precisa se preparar psicologicamente pro evento.
— Eu vô o quê?! — Kyungsoo sobressaltou-se. Rapidamente desfez-se das cobertas e se pôs de pé, atônito. — Jantar? Com os Park? Hoje? E o Jongin, onde ele tá? Já acordou? Tá puto? Ele vai no jantar também?
— Calma, calma! — O secretário precisou segurar o amigo pelos ombros e o forçar a sentar na cama para que parasse de reagir daquela maneira. — É o seguinte: vocês dois vão, como um casal, pra um jantar em família que a sua... mãe, sei lá, pediu. O Chanyeol vai estar lá também, então é melhor ir se preparando — alertou, assistindo o rosto de Kyungsoo se contorcer numa expressão de sofrimento prévio. — Lembrando que a Senhora Park não sabe do acordo. O Chanyeol sabe.
— O Chanyeol sabe?!
— Sabe. — Deu de ombros e um suspiro. — Sabe, porque você sabe que o guri só pega no tranco, e eu tive que explicar tudo bonitinho pra ele e ainda desenhar pra peça de inteligência rara entender como era pra agir. Sério, como você aguenta esse cara?
— Ele não é tão ruim assim, eu acho — contestou, levantando-se definitivamente e girando em torno do próprio eixo, só para perceber que não tinha nenhuma roupa sua naquele lugar. — Já foi pior, cê sabe. E tu só tem birra dele porque seu crush do fundamental não foi correspondido.
— A gente tava no ensino médio. E eu trouxe as suas roupas, coube tudo numa malinha mixuruca que tá lá embaixo. Tem escova de dentes nova no banheiro. Tchau.
Kyungsoo ia agradecer pelo amigo ter trazido suas coisas, mas desistiu no meio do caminho. Sehun se escafedeu pela porta como se nunca tivesse passado por ela antes e, rapidamente, o ex-assalariado-agora-filhinho-de-papai fora deixado sozinho outra vez. Engoliu alguma coisa — talvez o choro — e rumou para o banheiro, desejando que escovar os dentes o trouxesse algum tipo de paz que só poderia alcançar com um milagre.
Jongin estava na mesa do café da manhã havia, pelo menos, meia hora. Tinha comido todos os croissants e estava na segunda caneca de cappuccino com chantilly extra. Com ele, era tudo assim: em itálico, para destacar a palavra estrangeira no meio da refeição.
Talvez estivesse enrolando, admitia. Talvez postergasse sua saída da mesa só para dar de cara com Kyungsoo. Não sabia o que faria caso o rapaz brotasse na sua frente naquele momento — se abaixaria a cabeça e sairia como se não o estivesse esperando ou se fixaria os olhos nos dele, paralisado pela eternidade. Qualquer uma das opções soava moralmente desgastante.
— Bom dia — Kyungsoo cumprimentou, meio que acanhado. Olhou para os lados feito um cachorrinho perdido em busca da bolinha mágica que o dono atirara de mentirinha. — Cê viu uma mala...
Não deu tempo de terminar a pergunta:
— Sehun deixou na cozinha.
Sem mais palavras, Kyungsoo foi buscar suas coisas. Voltou para o quarto e ficou por lá até que desse a hora de sair pra jantar, e aquele tempo arrastado não poderia ser mais longo e excruciante para Jongin. O milionário pediu que Sehun cuidasse de todos os detalhes e ficou sentado no sofá, esperando que seu hóspede ilustre saísse de sua toca para beber água, pronto para topar com ele e depois não fazer nada, porque não tinha decidido o que dizer caso tivesse a chance de falar com Kyungsoo. O homem havia mentido pra ele, e mentido feio. Tinha fingido ser algo que, aparentemente, estava longe de ser.
Tinha deixado o coração de Jongin sozinho. Ele se amaldiçoava pela constatação, mas não podia negar. Estava sem Kyungsoo, e se sentia só.
— Está na hora, Jongin. — Sehun se aproximou com cautela e serenidade na voz. — Precisa se arrumar para o jantar.
O milionário não fez mais do que assentir.
(...)
No carro, Kyungsoo encarava a janela com pesar. Joohyun dirigia silenciosamente, e Jongin, no banco de trás, não fazia muito mais do que suspirar de tempos em tempos. O terno pesava em seu tronco, e era mais provável que vomitasse antes mesmo de colocar alguma coisa na boca. Fazia tanto tempo que não via os Park, que não ouvia a voz de Chanyeol, e agora teria de encontrá-los e fingir que eram íntimos, que estava tudo bem, e que ele não estava a ponto de desabar a qualquer momento. Rezava para que não chegassem nunca ao destino e para que aquele trajeto de silêncio persistente e incômodo durasse pra sempre, por mais enfastiante que soasse. Sabia que seria dez vezes pior quando aterrissassem no restaurante chique.
Dito e feito.
— Não encosta muito, não — Jongin solicitou quando saíram do carro e puseram-se um ao lado do outro para adentrar o estabelecimento. Ajeitava o cabelo já ajeitado cinquenta e sete vezes antes quando Kyungsoo o respondeu, sussurrado:
— Tá biruta? É pra gente ser um casal — deu a maior ênfase que conseguia nas palavras ditas.
— Mas não precisa ser um casal insuportável — o homem rico retrucou, apertando o passo para que saíssem da vista do grande público o mais rápido possível. — Quem foi que teve essa ideia de jerico, falando nisso?
— Não quero nem tomar conhecimento do nome do desgranhento.
Mas, ah, quando Kyungsoo passou pela entrada e olhou em volta, sentiu o estômago revirar. Como se tivesse levado uma paulada nas costas, a primeira coisa que fez quando escaneou o lugar foi arrumar a postura e xingar alguém, ainda que em pensamento. Quis tirar os óculos como forma de protesto, para que não precisasse enxergar os detalhes, mas já estava sem óculos e achava um pouquinho radical arrancar os olhos. Tudo deixava nele um comichão enfadonho que o consumia as entranhas em descontentamento. A vontade era a de puxar o bloquinho do bolso e escrever um poema xingando o capitalismo o máximo possível.
— Para de franzir a testa e fazer essa cara de sanguinário — Jongin fulminou entredentes.
— Não posso — Kyungsoo respondeu no mesmo tom. — E nem quero.
O silêncio se instalou temporariamente, enquanto Jongin conversava com a atendente para descobrir a mesa em que estava a família de Kyungsoo; então, depois disso, o milionário retrucou:
— Chato.
E parecia mesmo uma criança dizendo aquilo.
A funcionária guiou os dois pseudopombinhos pelo extenso salão até a área privativa — enquanto isso, Jongin exigiu, cautelosa e ameaçadoramente, que Kyungsoo se comportasse; Kyungsoo retorquiu com um xingamento materno de primeiro grau, o que significa que insinuou que sua mãe era uma rapariga. Se Jongin pudesse gritar ali mesmo, gritaria.
Ao chegarem, finalmente, ao destino, Jongin já estava na décima quinta prece a todos os santos que conhecia, errando o nome de 90% deles. Esperava que não se importassem com essas coisas, porque realmente estava precisando de uma mãozinha naquela situação — e só uma divindade para o tirar da miséria.
Três figuras levantaram-se quase que ao mesmo tempo: Sr. e Sra. Park, elegantes em suas roupas formais — ela num vestido vinho simples, o cabelo preso num penteado alto, e ele num terno que era apenas um terno (porque todos os ternos são iguais, se você reparar, mudando apenas a cor, quando muito, e a etiqueta com o preço). Além deles, a filha mais velha do casal, Park Yoora — reluzente no seu terninho claro e cabelo solto —, também se ergueu para cumprimentar a visita composta pelos pseudoamigos e, agora, pseudonamoradinhos.
— Olá, meninos! — A senhora Park foi a primeira a exclamar, mas de maneira elegante e fina, como uma lady. Yoora tinha a mesma pose da mãe, mas se limitou a cumprimentá-los, apenas, sem muitos adendos. — Que prazer recebê-los hoje!
— Muito obrigado por terem aceitado o convite — Senhor Park foi muito menos expansivo nas palavras e muito mais modesto na reverência, que quase não moveu o corpo. — Chanyeol ainda está por vir. Avisou que estava saindo de uma reunião há pouco; já, já deve estar aqui.
Sentaram-se todos em silêncio, como se esperassem ansiosamente por Chanyeol. Reunião. Kyungsoo sabia muito bem que ele só estava se remoendo pelo quarto, esperando dar a hora de se atrasar. Conhecia o moleque, apesar do clima entre eles não ser o dos melhores, desde que eram pirralhos. O silêncio que os cercava quando se encontravam era quase sempre um desconfortavelmente violento, desses que nos dói nos ossos. Nunca chegara, efetivamente, a fazer amizade com Chanyeol — o que tinha feito suas noites dentro da residência dos Park ainda mais frias e solitárias.
Lembrar daqueles tempos que pareciam tão distantes era o mesmo que reviver todas as sensações outra vez; e lá estava Kyungsoo, sentindo-se sozinho no mundo de novo, com a sensação incorrigível de aperto no peito que costumava acompanhá-lo quando era mais novo. Sentiu falta do bloquinho de rabiscos, porque tinha coisa demais impregnada em si que precisava escrever. Mas parecia que fazia tanto tempo desde a última vez em que deixara uma palavra sequer fluir por entre seus dedos que já não sabia mais se ainda tinha a habilidade de segurar a caneta.
— Boa noite, Kyungsoo.
O rapaz piscou abruptamente e olhou para cima, dando de cara com os olhos arregalados de Chanyeol, em suas roupas combinadinhas e relativamente informais para a ocasião (na mera opinião de Kyungsoo). Não ficou sabendo que fora a terceira vez que o irmão o chamara a atenção, porque estava muito ocupado encarando o nada e desejando ir embora. Hesitante, levantou-se para cumprimentá-lo, tentando engolir a seco a saliva junto com a atmosfera pesada que se instalara no recinto quase que instantaneamente.
Sentaram-se todos novamente e encararam os pratos vazios por um instante. O tempo até que um garçom chegasse e até que todos fizessem seus pedidos pareceu ser infinito. Kyungsoo sabia que os Park fariam questão de pagar pelo jantar, ele os conhecia; mas também sabia que havia uma pequena probabilidade de Jongin tentar rachar a conta. Aquilo não era relevante, mas ficava pensando nessas miudezas enquanto uma conversa simples circulava pela mesa, distraindo-se em si mesmo por se sentir incapaz de abrir a boca e falar com alguém.
Naquela mesa — Kyungsoo sabia — ninguém gostava dele. Pelo menos, não a ponto de se importar, como era o caso de Yoora. Chanyeol apenas o evitava, porque sua presença o incomodava. Sr. e Sra. Park sentiam dó dele, e apreciavam a distância. Jongin costumava ser um ótimo amigo, uma companhia perfeita, mas sua falta de coragem para elucidar as coisas fez que com que ele continuasse achando que Kyungsoo era um mentiroso; logo, o odiava. Kyungsoo também se odiaria, se fosse Jongin. E, mesmo detestando aquela situação, achava que era melhor assim.
Refletia se Jongin merecia saber a verdade.
(...)
MUITO TEMPO ATRÁS
— Você sabe que não temos dinheiro pra tudo isso — a velha resmungou num tom meio baixo, como se não quisesse, de fato, dizer aquilo ao garotinho. — É muito caro, Kyungsoo.
— A gente pode pedir pra Tia Seong — o menino sugeriu, terminando de empilhar os pratos que a avó secava. — Ela tem bastante dinheiro, não tem?
Uma pausa longa demais. A avó parecia precisar resgatar o ar de seus pulmões antes de dizer as coisas que tinha entaladas na garganta. Quando abriu a boca, só disse o que Kyungsoo já estava cansado de ouvir:
— Não vai pedir nada pra Seonghee. Eu te proíbo, entendeu? O dinheiro dela não nos interessa, eu já te expliquei isso.
O pequeno não fez mais do que balançar a cabeça positivamente e terminar de guardar os pratos e copos da louça do almoço. Quando foi mandado fazer a tarefa, parou no meio do caminho para o quarto e encarou a avó; dois pares de olhos arregalados fitando uns aos outros.
— Vó, por que a Tia Seonghee não vem visitar a gente?
A velha foi pega de surpresa. Suspirou, apertando o pano de prato nas mãos; as mãos calejadas fazendo pressão sobre o tecido. Já há muito amargurada, a mãe de Seonghee não pensou tanto antes de dar uma resposta simples ao garoto:
— Ela está muito ocupada cuidando do dinheiro dela, Kyungsoo; ocupada demais pra lembrar que tem uma mãe e o sobrinho da irmã que ela perdeu. A família dela agora é outra — e deu as costas ao neto, caminhando pela casa, falando mais consigo mesma do que com o menino. — A família dela agora é aquela. Ela não tem tempo pra visitar a velha caquética da mãe dela.
Kyungsoo nunca pensou que aquelas palavras se impregnariam na sua alma tão intensamente quanto fizeram, nem que aquele sentimento de perda constante e melancolia eterna que a avó exalava o perseguiria durante tanto tempo. Mas as coisas ficaram ruins.
— Vó... — O garoto de treze anos, que não era mais do que uma figura esguia e lânguida na época, segurava a anciã pelos ombros, amparando-a até a cama para que se sentasse. — Vó, me deixa chamar a Tia Seonghee. Ela pode ajudar, pode te levar a um médico. A senhora vai melhorar.
— Eu não quero — respondeu, simples. Não queria, e, se não queria, não tinha mais conversa.
Kyungsoo não tinha coragem de pegar o telefone e empregar alguma rebeldia para contrariar a avó e chamar a tia do mesmo jeito, pedindo que a levasse para um lugar distante em que pudessem cuidar dela de um jeito melhor. Assim, corria de volta da escola todos os dias para arrumar o almoço e depois sentar ao lado da avó na cama, ouvindo as histórias antigas e contando as novas, sobre como fora seu dia. Rindo das coisas simples, porque era só o que tinham. Casa simples, roupas simples, conversas simples. Ele falava sobre querer ser escritor. Ela não via tanto futuro, sendo do interior e tendo lidado apenas com a enxada durante muito tempo — mesmo assim, dizia que era bonito.
— É bonito, ocê falando dessas coisa, Kyungsoo. — Ela sorria de leve. — Eu num tinha tempo de pensar no que eu queria ser quando eu tinha a sua idade. Me deixa feliz saber que ocê é diferente... — Então parava por um segundo. Sussurrava: — Estuda, meu filho.
A coisa mais complexa e de maior valor, ali, entre os dois, era o amor que tinham um pelo outro.
Kyungsoo sabia o que estava por vir, e escrevia linhas e mais linhas nos cadernos da escola, gastando as páginas do fundo com as palavras que se engasgavam na sua garganta. Ele passava tanto tempo com a avó, conversando abobrinhas e cuidando dela, que nem lembrava que tinha uma escola para ir.
Era difícil distinguir o motivo pelo qual a avó não queria a ajuda da filha mais velha. Ela poderia ter um tratamento decente, e se curar muito mais facilmente. O neto não sabia até onde aquilo era rancor por ter sido deixada de lado, e onde começava a vontade dela de ir em paz, depois de tanto tempo. Kyungsoo não era bobo; ele tinha noção. A avó o contava indiretamente. Eu não vejo a hora de ir, ela murmurava, de noite, quando achava que o neto tinha adormecido ao lado dela na cama.
No último dia, ela suava frio. A última coisa que disse antes dos dedos em volta da mão de Kyungsoo afrouxarem foi um singelo eu não queria ter que te deixar, meu filho. Desculpa a Vó.
O menino chorou mais do que planejava naquela noite, e agarrou-se à mão fria da avó até o último minuto, relutante em chamar por alguém. Moravam só os dois na cidadezinha isolada em que Kyungsoo só tinha os amigos da escola como uma companhia diferente nos finais de semana. A avó, nem isso. Ela só tinha o neto.
Quando finalmente teve coragem, ligou para a tia. Aos prantos, explicou que a Vó Riseul tinha falecido, mas não explicou como. Quando a ambulância chegou junto com o carro da Tia Seonghee, a senhora Park abraçou o menino tristonho e choroso. Sussurrou, como que para si mesma, enquanto envolvia o menino:
— Ela deixou você, não deixou? Ela teve a coragem de deixar você.
(...)
Algumas semanas depois, com uma mochilinha magra nas costas, Kyungsoo desceu do carro da tia e entrou na casa dela. Foi apresentado ao marido de Seonghee e aos seus dois filhos: Yoora, a mais velha, que era simpática e só o dirigia a palavra quando necessário, e Chanyeol, que não parecia saber como socializar direito, sempre soando como se Kyungsoo fosse um bicho que ele não entendesse direito. Precisaram dividir o quarto por um mês, e Kyungsoo via Chanyeol escondendo seus brinquedos favoritos atrás do guarda-roupas de manhã cedo, por debaixo das cobertas, espiando. Kyungsoo nem via graça naqueles jogos de tabuleiro e nas arminhas de plástico, mas Chanyeol parecia gostar muito delas.
Yoora até o ajudava com as tarefas de matemática de vez em quando, mas o olhar dela era tão afiado sobre o seu caderno que ele ficava constrangido por acabar cometendo alguma heresia. Era criativo na hora de inventar meios para resolver equações. Na maior parte do tempo, fingia que compreendia a explicação só para não parecer um idiota e ter que assistir o olhar frustrado da garota, que não tinha tempo para perder com um pivete que não sabia o mínimo. Ela nunca perguntava duas vezes se ele tinha entendido.
Ia para a mesma escola que os filhos de Seonghee e habitava a casa como se também fosse filho do casal, mas ainda os tratava por tios. O Tio Hongsun esforçava-se, às vezes, para levar o garoto para passear e o mostrar algumas coisas legais. Levava Chanyeol para que se familiarizassem, queria que os meninos se vissem como irmãos; mas acabava que Chanyeol, o mais rechonchudo e empolgado, se entretia sozinho com os brinquedos do parque de diversão, enquanto Kyungsoo, quieto e escanifrado, geralmente se distraía com as cores do lugar, pensando em como seria divertido mostrar à avó aquelas coisas diferentes que tinha encontrado na capital.
Depois de algumas tentativas falhas, Hongsun desistiu de tentar intervir.
Kyungsoo passou a viver de maneira avulsa entre os Park, como aquele que sempre estava ali, mas que nunca era notado.
A culpa o corroeu durante muitos anos. Tinha dias que se arrependia de ter deixado a avó ir; tinha outros em que simplesmente queria fugir, porque parecia que nunca poderia ser ele mesmo quando estava cercado pelos Park. Eles pagavam suas contas e sustentavam seus estudos, então ele fazia o máximo para soar grato e fazer o mínimo de bagunça. Mas aquilo cansava tanto, e ele não gostava da sensação que tinha ficado; a de que sua avó o deixara. O pressuposto subentendido era de que tinha sido irresponsável ao recusar ajuda financeira para sobreviver, para cuidar do neto. Mas Kyungsoo entendia. Ele queria subir num palanque e esclarecer as coisas, gritar "ela não me deixou!", mas não saberia onde colocar a sua solidão depois disso. Ela precisava ir — não só queria —, e sabia que o menino ficaria bem.
E ficou, fisicamente. A tia não o deixara faltar nada — pelo menos nada que o dinheiro não pudesse dar um jeito de arrumar, porque mesmo tendo tentado, Kyungsoo não se fez tão fácil de ser amado. Ele vivia como um recluso, uma visita eterna, e nunca se sentiu integrado. A cada dia, também se sentia um pouco menos íntegro. Talvez fosse saudade da avó. Talvez só não gostasse dos parentes. Mas se esse era o caso, Kyungsoo sabia que eles também não gostavam dele. Poderia ser ruim de física, mas se tinha uma coisa que aprendera fora que, para cada força aplicada, há sempre um par que vem em sentido oposto.
Era assim sempre, e em todos os relacionamentos. Reciprocidade, seja pelo bem ou pelo mal. Kyungsoo não sabia até onde aquilo com Jongin era recíproco — até onde poderia confiar nele como amigo, acima de tudo. Ele também não queria contar. Nunca tinha contado para ninguém as coisas que transcendem os fatos — é verdade que deixou Sehun ficar sabendo a sua vida toda, desde o momento em que nascera até aquele presente instante de confusão, mas nunca tinha falado sobre o sentimento avassalador de tristeza que o acometia naquelas noites. Era sempre o caderninho, o seu caderninho ou qualquer caderninho, o principal ouvinte. Ou leitor. Ele agradecia a poesia. O que seria dele sem ela?
— Escuta — Jongin sussurrou, a boca perto do ouvido de Kyungsoo. O homem quase saiu voando da cadeira com o susto que levou, e a atenção de todos da mesa foi carinhosamente arremessada nele e em seus olhos aflitos. — É... — Jongin encarou os Park, um por um, como uma criança perdida. — Acho... a gente... — Pigarreou. — Com licença, precisamos nos retirar por um instante.
E se levantou. Kyungsoo não era besta nem nada, então foi atrás; seguiu o ex-chefe cheio da grana até o banheiro vasto, fino e bem iluminado do restaurante — mas que ainda fedia um pouquinho a mijo. Algumas marcas nem o melhor alvejante tira.
— Ok, de boa. — Kyungsoo deu de ombros como um idiota, depois subiu em cima da bancada em que ficavam as pias e sentou-se lá, com os pés sobre o mármore. Os olhos de Jongin quase saltaram pra fora da cara quando presenciou aquele atentado acontecendo bem debaixo do seu nariz.
— Sai daí! — Deu um daqueles berros sussurrados que Kyungsoo achava horrível; o rosto esquentou até estar todo vermelho e o outro começar a achar que ele ia pegar fogo. — Meu Deus, você sabe a quantidade... Quer saber? Se você pegar uma infecção no cu por causa dessa sua conduta de moleque mimado, eu vou é rir!
Kyungsoo não conseguiu segurar o guincho grave, no seu timbre amendoado, que saiu seguido de uma risada alta e escandalosa, dessas que o olho demora pelo menos três dias até abrir outra vez e as rugas não vão embora nunca. Jongin quase teve outro piripaque no mesmo lugar — e se descabelaria horrores se não estivesse de gel no cabelo —, mas acabou rindo junto de Kyungsoo. Rindo por muito tempo.
— Eu não acredito que cê acabou de falar cu — Kyungsoo mal conseguia respirar; seu abdômen com certeza começaria a doer se continuasse rindo daquele jeito. — Por que eu não gravei esse momento?
— Sai dessa pia imunda ou eu vou embora e te largo aqui sozinho — Jongin decretou, como uma mãe da cidade que precisa educar o filho chorão.
— Não sei se eu quero voltar pra lá — foi sincero.
Eles ficaram em silêncio. Kyungsoo ainda se encontrava em cima da pia, e aquilo estava perturbando Jongin profundamente, mas ele não fez nada a respeito. Não se encaravam, nem fitavam algo em especial; mas também não desviaram o olhar quando as miradas acidentalmente se cruzaram.
— Você quer ir embora pra sua casa? — Jongin perguntou.
— Eu teoricamente não tenho mais uma casa, esqueceu? Que nem o Sehun falou. Os papparazis vão me seguir e as revistas não vão me deixar em paz se eu voltar pro meu apê, vai parecer estranho depois da "nota" de namoro. — Riu, então suspirou, derrotado. Falido. Financeira, emocional e fisicamente. Sim, sim, Kyungsoo sempre seria um falido. — E eles não são meus pais, Jongin. Não são. São meus tios. Eu não tenho os pais desde os cinco. Morava com a minha vó. — Outro suspiro. — Ela morreu. Fui morar com eles. Meu sobrenome não é Park. É Do.
Do.
— Por que... por que não me disse isso antes? — Jongin estava atônito. As palavras entrecortadas de Kyungsoo não soavam naturais, mas não pareciam mentira. Ele tinha o choro amarrado na garganta, e os olhos estavam vermelhos pela pressão. Ele não queria chorar, mas deveria. — Por que me deixou pensar que...
— Porque eu não queria falar disso — explicou rapidamente, sem dar espaço para outros tipos de questionamento. — Eu não quero. Eu não quero abrir essa caixa, não quero ler essa parte da história. Eu não estou pronto. Eu não sei se eu vou estar algum dia.
— Então não ia me contar?
— Não. — E balançou a cabeça junto com a palavra, como se precisasse de uma ênfase maior do que a sua voz embargada para atestar que não estava bem.
Mais silêncio.
Jongin não sabia o que fazer com as mãos — com os pés, com a língua, com as informações. Sentou-se no chão daquele banheiro imundo, rendido. Que pegasse todas as infecções que acreditava existir. Àquela altura, já não se importava.
Kyungsoo estava no direito de não o dizer nada, mesmo que ele se sentisse traído (ou, melhor dizendo: magoado). Sentir-se traído seria injusto; eles nunca foram mais do que empregado e empregador, certo? Bem, foram amigos, mas Jongin não gostava de pensar que seriam amigos se não tivesse um "de aluguel" ao lado da palavra — ele não gostava de se dar esperanças. Mas as tinha. Kyungsoo e ele só se conheceram por uma série de motivos muito bem enfileirados. Primeiro: seus gastos começaram a exceder o que Jongseo achava aceitável para um jovem magnata desocupado. Segundo: O irmão achou melhor achar alguém que o entretivesse para que não tivesse que afogar a solidão numa sala nova. Terceiro: Sehun tinha um amigo quebrado com problemas no encanamento que encararia qualquer serviço só pra conseguir escrever alguns poemas diferenciados no fim do dia, ou xingar o sistema com mais ódio do que o usual.
Jongin nunca se perguntara por que Kyungsoo odiava o sistema, falando nisso. Talvez tivesse algo a ver com a avó, talvez fosse mais profundo do que isso (também poderia ser apenas uma persona que ele inventou depois de usar demais o Twitter).
Jongin estava magoado porque Kyungsoo não confiava nele o bastante — não via nele um amigo bom o suficiente para que contasse seus segredos. Ele percebeu que o rapaz só o tinha feito, ali, porque era necessário. Porque os desencontros se tornariam tão grandes e tão gritantes que eles nunca mais conseguiriam se entender.
— Do é um nome muito mais bonito do que Park, eu tenho que admitir. — O ricaço sorriu, como se, de todas as coisas que tinham acontecido naquela semana, aquele fato fosse o que mais o tivesse chamado atenção. Kyungsoo sorriu de volta, contente por não ter sido bombardeado com mais perguntas que não estava a fim de responder. Talvez Jongin o tivesse entendido, no fim das contas.
— Gostou? É o meu nome nos registros. Não o nome que todo mundo acha que eu tenho, mas vida que segue.
— Você era mais famoso do que eu e não me contou sobre isso — Jongin o acusou, numa pose de falsa ofensa. Kyungsoo riu com delicadeza, parecendo muito mais calmo e leve. Jongin ficou feliz pela evolução. — Nunca vou te perdoar.
— Sinto muito se o decepcionei, ó, grande milionário. C'est la vie.
— E ainda fala francês! Que safado!
Suas risadas abafadas eram uma das muitas coisas que se podia ouvir naquele restaurante, naquela noite. Contudo, eram, de fato, a mais verdadeira delas.
(...)
— Uma semana — Sehun sugeriu, finalmente, deixando os papéis sobre a mesa, alternando o olhar entre seu amigo e seu chefe. — Uma semaninha de namoro falso, vocês dois. Um tico tico aqui, um tico tico ali. Depois é só terminar.
— Só uma semana? — Kyungsoo questionou.
— Vai durar mais tempo que o último casamento do meu tio — Sehun retorquiu, convencido de suas palavras.
— Também acho que uma semana é pouco — Jongin opinou. — Mas, assim, se inventarmos uma boa história, dá pra fazer tudo em uma semana e depois encenar uma separação pra mídia. — E virou-se para Kyungsoo. — Juro que não vai ter que ficar preso a mim durante muito tempo.
— Amado... — E deu uma risadinha mais de ultraje do que de troça. — Eu já tô com a minha imagem atrelada a sua até o pescoço. Agora que descobriram que eu sou, aparentemente, o filho dos Park, ninguém mais na faculdade vai me deixar em paz. Já tão me mandando figurinha com a foto que vazou, e também aquele meme do "ei, tu é?" — Fez o gesto com a mão, botando a língua pra fora, irritadiço. Jongin achava aquele comportamento inflamado ridículo, mas não esperava outra coisa de Kyungsoo, que só parecia saber reclamar desde a hora em que acordou. Nem parecia que, ontem mesmo, estavam em tão bons termos, com todas as pazes feitas. Para onde tinha ido aquela paz toda? — A merda já foi feita.
E recostou-se na cadeira. Sehun tinha cansado só de ouvir a faladeira do amigo, mas quando pensavam que ele tinha terminado o monólogo, Kyungsoo abriu a boca outra vez:
— Eu disse que era pra gente ter negado isso tudo desde o começo, mas vocês ficam querendo fazer marketing em cima de qualquer coisa. Mercenários.
— A nossa intenção não era fazer marketing, meu Deus! — Jongin pôs as mãos na cabeça, farto de todo aquele falatório. — Ouviu alguma coisa que a gente vem dizendo nas últimas duas horas?
— Ouvi. Ô se eu ouvi. — Kyungsoo ergueu uma sobrancelha, então fez sua expressão típica de quando estava com raiva de algo há tanto tempo que já nem se dava ao trabalho de esbravejar. Sehun precisava conter suas piadas internas, senão acabaria rindo em momentos inoportunos. — Ouvi tudo. Até a parte que vocês falaram sobre o crescimento dos lucros das duas empresas. Marketing.
— Para de dizer essa palavra! Você é chato demais. — Jongin cruzou os braços e fez um bico. — Tô vendo que uma semana vai ser é demais. Ninguém te aguenta!
— Então a gente termina isso hoje! Agora!
Levantou-se, num pulo. Jongin se levantou também. Sehun recebeu um chamado divino em seu walkie-talkie imaginário e teve de intervir:
— Quietas, crianças — debochou. — Olha, vocês não têm muita escolha, falou? E outra: uma semaninha não mata ninguém. Vocês nem vão precisar conviver, nem interagir. É só deixar a mentira marinar por sete dias e depois falar que terminaram. É difícil?
— Não — Jongin respondeu. — Mas o Kyungsoo gosta de tornar tudo um sacrifício.
— Uau — Kyungsoo foi inexpressivo. — Tudo bem. Eu vou pegar as minha tralha e voltar pro meu apê lá naonde Judas perdeu as bota, as calça, as meia e a bengala; saio logo amanhã de manhã. Eu é que não quero que Vossa Resplandecência se sinta sacrificado perto de alguém tão complicado como eu. Au revoir.
Fingiu uma reverência sarcástica e quase que mandou o dedo do meio para os dois outros homens. Recolheu-se no quarto de visitas, deixando para trás um Jongin irado e um Sehun prestes a perder o emprego por rir da desgraça do chefe.
— Se você der risada dessa gracinha que o Kyungsoo fez, eu vou cortar a sua cabeça. — Jongin ameaçou jogar uma caneta na cabeça do secretário, mas ele ainda tinha os lábios comprimidos cheios de gargalhadas para dar. Tinha certeza de que, assim que cruzasse a porta e saísse de suas vistas, Sehun desabaria em risos altíssimos e só pararia quando já fosse noite.
Suspirou pela milésima vez na semana. Pelo menos Kyungsoo tinha voltado a falar como antes — significava que ele estava mais contente, mais relaxado. Pelo menos, era nisso que Jongin queria acreditar: que Kyungsoo estava melhor.
Mesmo assim, ele estava indo embora, sumindo por entre seus dedos, e não poderia fazer nada a respeito. Estava perdendo o único amigo que verdadeiramente tivera, ainda que por tão pouco tempo. Sentia que estava perdendo a chance de, efetivamente, conhecer alguém do modo que queria. Pelo visto, teria que se virar com as informações inventadas durante mais algum tempo.
Lá no fundo, sabia que estava encrencado, porque gostava de Do Kyungsoo. Droga. Tinha sido pego no pulo.
Ele gostava, sim, como nos filmes adolescentes. Kyungsoo foi tão atencioso enquanto estavam naquela de guarda-costas, babá e amigo de mentira; Kyungsoo ouviu tantas coisas da vida pessoal de Jongin e se mostrou tão... fascinante. Jongin não queria confessar em voz alta, proferir as palavras, mas adorava o modo como os olhos de Kyungsoo sumiam e o seu sorriso se alargava toda vez que ouvia algo muito engraçado. Amava o emaranhado que eram seus cabelos, a forma como ele dizia as coisas que queria, do jeito que queria; como sempre transparecia suas emoções, gostos e desgostos.
Apesar de todas essas constatações, Jongin também sabia que só sentia aquilo tudo porque não estava acostumado com a atenção. Não estava habituado àquela proximidade toda, ao valor que era dado às suas meras palavras; à sua mera existência. Kyungsoo não sentia o mesmo — ele era normal. Não se derreteria por qualquer coisa, nem se renderia aos encantos de alguém depois de menos de uma semana de convivência, como fizera Jongin. Kyungsoo não estava remoendo seus sentimentos como ele. Kyungsoo estava indo embora, e para sempre, pronto para se tornar apenas mais uma das coisas que Jongin queria e que seu dinheiro não podia comprar.
Droga. Ele precisava ir às compras.
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