PARTE I

YOU CAN'T BUY LOVE
(BUT YOU CAN MAKE IT)
palavras: 10K

Kim Jongin era podre de rico.

Se você entrasse hoje na casa dele — uma grande mansão repleta de quartos e artefatos de luxo — e fizesse a mesma coisa um mês depois, se surpreenderia ao perceber que, além de montado na grana, o cara não tinha limites para gastar. Estava sempre adicionando peças novas à decoração dos cômodos, e tinha vezes que simplesmente repaginava tudo, sem precisar de ocasião especial. Apenas acordava de manhã e pensava "poxa, que belo dia pra mandar colocarem outra jacuzzi no jardim!", e ponto. Antes mesmo que o sol se pusesse, lá estava sua mais nova aquisição, descansando sob a sombra das palmeiras exóticas que mandara plantar na semana anterior. Parecia tudo ok.

Até que seu secretário o provasse o contrário.

— Senhor — começara Oh Sehun, o alto e belo administrador de suas finanças, horários e afins. Carregava uma prancheta vermelha cheia de anotações ilegíveis numa mão e, na outra, o celular. Parecia ter acabado de sair de uma ligação, mas seu chefe não saberia dizer se o assunto tinha sido bom ou ruim. Sehun sempre usava a mesma cara. — Acabei de ser comunicado pela prefeitura de um rompimento na tubulação de água pelas redondezas do bairro. Infelizmente não teremos água em três dias.

O milionário coçou um dos ouvidos, achando que tinha cera demais impregnada lá dentro. Não poderia ter ouvido certo.

— Você disse rompimento na tubulação, né?

— Sim — o secretário assentiu, acostumado com aquele tipo de comportamento vindo do chefe. Era óbvio que se faria de idiota e custaria a acreditar, destilando uma boa dose de drama logo em seguida. Sehun viera preparado.

— Por que não vêm consertar logo, então? Não é preciso esperar mais um dia ou dois. Ou três.

— Acredite, eles não estão esperando — fez uma pausa para entregar a Jongin um papel impresso; uma nota explicativa da prefeitura. É claro, precisavam prestar satisfações ao homem mais rico da cidade. — É que o estrago foi grande. A água do bairro já foi desligada e os homens já estão cavoucando as ruas para resolver o problema. Pelo visto, o encanamento foi feito todo errado, e vai precisar de uma manutenção geral.

Kim Jongin espremia os olhos enquanto lia a nota, mas não era como se precisasse de óculos. Fez um bico com os lábios, exalando descontentamento, e entregou o papel de volta para Sehun num movimento digno de criança emburrada.

— O que eu vou fazer agora? — O homem rico quis saber. — Comprar um caminhão pipa?

— Bem... — Sehun pigarreou, e tirou outra folha do meio da sua papelada presa à prancheta. Naquela altura, Jongin já amaldiçoava o inventor da folha sulfite, da tinta e da impressora, porque detestava ter que ler tanto num dia só. — Na verdade, senhor, o seu orçamento está dando uma encolhida. Os lucros da empresa deram uma reduzida esse trimestre e o senhor mudou a decoração vezes demais. Estava pensando em...

— Em? — Jongin o interrompeu, assombrado pelas possibilidades.

— ...um corte de gastos.

— Oh, não. — Suspirou e levou a mão à cabeça, sentindo o sangue se esvair das suas veias e ir se esconder em algum lugar distante. Suas ideias já tinham ficado brancas como o verso da sulfite que segurava. A (forçada) respiração pesada incomodava Sehun, porque ele fazia parecer que estava tendo um ataque cardíaco quando só precisava parar de consumir como um maníaco durante alguns meses. Nada de muito excruciante, mas Jongin já se abanava e procurava um lugar para sentar, como se passasse mal. — É brincadeira, não é? A empresa nunca deu prejuízo!

— E não está dando. Apenas não rende como antes. O problema é que o senhor vem gastando além da conta.

— E eu vou fazer o quê? — Jongin cruzou os braços.

Realmente queria saber, porque não tinha nada a ser feito. Não tinha amigos, nem família restante (seu irmão mais novo não contava, já que só se trombavam por obrigação). Não tinha um hobby fixo diferente de comprar. Não gostava de ver séries porque sempre dormia na metade do primeiro episódio; o mesmo funcionava para filmes. Detestava ler e seu gosto musical tinha estagnado nos anos 50, o que fazia impossível que criasse uma daquelas contas no Twitter para millennials desocupados, com ícone de gente famosa — ninguém o seguiria, mas mesmo que isso acontecesse, pararia por aí. Jongin não achava que podia aprender a lidar com aquele aplicativo tão cedo (porque, tal qual seu gosto musical, sua habilidade tecnológica também ficou perdida em algum lugar do século passado).

Péssimo millennial.

— Bem, pode se hospedar na casa de alguém enquanto isso. — Sehun o respondeu, pensando que ainda estivessem falando sobre a água.

— De quem? Não tem ninguém pra quem eu possa ligar.

— Tem o seu irmão — o rapaz arriscou, mesmo sabendo que não era um assunto bom de ser abordado. — Ele tem boas instalações, e com certeza irá recebê-lo com prazer.

— Ah, sim, muito prazer — cruzou ainda mais os braços e fechou ainda mais a carranca, afundando-se na cadeira de praia que tinha rente à piscina, um pouco distante da jacuzzi número um. — Prazer em jogar na minha cara que eu sou um inútil. Com certeza.

Sehun suspirou derrotado.

— Bem, essa foi a minha ideia. Por favor, pense a respeito; já liguei para Minseok e ele já mandou que arrumassem o quarto de hóspedes da casa de Jongseo. Quando quiser, é só ir para lá; suas malas já estão no carro e Joohyun está a postos.

Com uma reverência leve, Sehun se foi, deixando para trás um Jongin cabisbaixo e sem expectativa alguma. Tinha esperanças de que ele fosse acatar seu pedido, dando uma pausa nos gastos astronômicos. Assim, seu emprego seria mantido intacto — porque se o Kim mais velho levasse a empresa da família para as cucuias, Jongseo, o administrador do legado do pai, não hesitaria em mandar Sehun embora antes que todo mundo. Afinal, era seu dever colocar Jongin na linha.

Kim Jongin era, de fato, podre de rico — mas não por mérito próprio. Na realidade, tinha poucas coisas que pudesse afirmar que foram alcançadas por sua força de vontade própria. A maioria era, simplesmente, fruto da herança generosa que o pai teve a bondade de deixar — porque, sinceramente, se dependesse da mãe, Jongin ficaria sem nada.

Desde muito pequeno era o desgosto da família. Não ia bem na escola, seu boletim era sempre algo como uma carnificina, todo manchado de vermelho-sangue. Não sabia como conseguira terminar o ensino médio, mesmo depois de uma ou duas reprovações. Ou quatro.

Talvez ser um fracasso fosse, no fim das contas, o maior talento de Kim Jongin — seus dotes artísticos também não eram lá grande coisa. O único fato que o colocava numa escala minimamente decente perante os olhos dos outros era seu dinheiro — que nem seu era. Sua participação na Kim Group Inc. baseava-se em ser filho do fundador e usar sua parte nos lucros para benefício próprio. Ninguém poderia negar, contudo, que um rapaz jovem e bonito como Jongin, aparecendo toda semana num tabloide diferente (de maneira positiva, por incrível que pareça), mantinha a empresa da família sob os holofotes e melhorava a visibilidade dos imóveis da construtora.

Só que, pelo visto, as capas de revista que estampara naquele trimestre não foram o suficiente para manter a corporação nos eixos da boa fortuna, literalmente.

— Encare isso como uma dieta, Jongin — disse a si mesmo. — Uma dieta de compras. Vai ser fácil.

Sorriu para sua imagem no espelho, mas não durou muito. Fez questão de se lembrar o quão péssimo era com dietas, mas nem se deu ao trabalho de encarar a inexistência de abdômen trincado que repousava na sua barriga em formato de pneuzinho extra. Fez um bico outra vez. Talvez devesse começar a malhar como aquele socialite famoso e engraçado, Park Chanyeol. Mas só de pensar em acordar cedo para estourar os músculos num supino que pesava o dobro da sua massa total, Jongin murchava de preguiça.

Dietas não são fáceis. Nenhum tipo delas.

ALGUNS DIAS ANTES

Kyungsoo encarou o fundo da banheira com os olhos semicerrados; a destra apertava o desentupidor como se fosse a sua Excalibur, reluzindo majestosamente.

(Não há necessidade de se dizer o sobrenome do garoto, até porque ele não tinha um. É difícil ter um nome nos dias de hoje, mas um sobrenome já é coisa de burguês).

Respirou fundo uma última vez. Podia ver o reflexo do seu rosto na água, dependendo de como a luz batia, e fez questão de ficar numa posição que o impedisse de se enxergar. Corajosamente, fincou o desentupidor sobre o ralo como um guerreiro que finca uma adaga no coração de uma fera, almejando terminar seu conto de fadas da maneira mais clichê possível.

Mas era óbvio que aquilo não aconteceria.

Quando conseguiu alugar o apartamento minúsculo, cuja cozinha se misturava com a sala e o quarto era um cubículo 1x1, lembrava de sentir-se meio por cento contente, porque pelo menos teria uma banheira no banheiro — soava estranho, mas ele achava legal. Imaginava o quão interessante seria preparar um banho como as pessoas dos filmes. Mas é claro que alegria de pobre dura pouco. Com dois dias de uso, ela já tinha entupido e Kyungsoo receava que tivessem passado a perna nele.

E com certeza passaram.

Acessar a WikiHow não estava nos seus planos, mas as dicas que encontrou lá foram relativamente inteligentes. Desparafusou o ralo, pegou um pedaço de arame para tentar tirar qualquer coisa nojenta que estivesse bloqueando o caminho — mas nada saía e a água ainda estava empoçada. Começava a entrar em desespero. Antes que desse a hora do almoço, catou as chaves e saiu de casa a pé, com apenas o dinheiro suficiente para comprar bicarbonato de sódio e um litro de vinagre.

Era outono, e não deveria estar tão frio assim, mas a vida é engraçada. Vestindo uma calça de moletom escura e uma blusa branca que serviria numa criança de doze anos, Kyungsoo logo se arrependeu de não ter vestido uma coisa que cobrisse seus braços antes de vazar pela porta da frente. O vento batia frio, arranhando a pele do rosto do homem sem sorte, fazendo-o bater o queixo feito personagem de animação.

(Pelo menos, o mercadinho da esquina era na sua esquina, e não numa que ficava a vinte quadras dali. Ele tinha experiência com esquinas longínquas).

Assim que a porta fez o barulhinho que indicava um novo cliente, Kyungsoo se permitiu suspirar de alívio. O interior era quente, mesmo que não aparentasse ter qualquer aquecedor ligado. Encaminhou-se ligeiro até a seção em que encontraria tudo o que precisava, mas surpreendeu-se ao perceber que o bicarbonato ficava no lado oposto ao vinagre. As pessoas já não pensam mais no proletário de ralo entupido mesmo!

— Kyungsoo — alguém o chamou, assustando o rapaz, que, exagerado como era, deixou seus pacotes de bicarbonato caírem facilmente. Virou-se para encarar Sehun, seu amigo de longa data.

— Quer me matar do coração? — Pôs a mão no peito, alarmado, mas demorou para pegar os pacotes do chão.

— Desculpe, não achei que fosse reagir assim — o mais alto riu da desgraça alheia, sem vergonha nenhuma estampando a cara. — Eu preciso de um favor seu.

— Ih, colega, não tô muito bem pra fazer favor não, tá ligado? Tô quebradão.

— Não é sobre dinheiro, mas é um favor remunerado.

— Ah, é? — Kyungsoo ergueu uma sobrancelha, fitando o homem do tamanho de uma vara de bambu com olhos desconfiados. — E o que é, assassinato?

— É tipo... Um serviço de babá.

— Mano, cê não tá meio velho pra isso?

Sehun precisou virar os olhos.

— Deixa de ser imbecil. Vem comigo, eu te explico.

Obviamente, com "vem comigo" Sehun quis dizer "pague suas coisas logo pra gente conversar lá fora" — o que não era nada estranho. (Isso de ir para um Café só pra bater um papo de dois minutos é coisa muito burguesa para pessoas tão normais). O problema era que Sehun estava agasalhado até os dentes enquanto Kyungsoo só podia bater os seus uns nos outros, fazendo um barulho irritante que cheirava a gente esquecida.

— Tem esse milionário esquisitão, o Kim Jongin, conhece?

— L-Lógico, pô, não vivo numa caverna — o mais baixo reclamou, abraçando a si mesmo e amaldiçoando o tempo, o clima, o capitalismo: qualquer que fosse o culpado pelo seu gaguejar.

— Quer voltar lá pra dentro?

— Não, tá sussa — mentiu. Não estava nada "sussa". — Continua, tô curioso.

— Tá. Então, você sabe que ele adora gastar, não sabe?

— É só isso que dá no jornal, amigo. A vida de luxo de Kim Jongbin.

— É Jongin.

— Quase a mesma coisa.

Sehun suspirou. Por que as pessoas não poderiam simplesmente compreendê-lo? Não estava falando grego, afinal, e nem fazia enrolações tão desnecessárias. Só ia por partes, igual ao Jack.

— O fato é: ele precisa dar uma maneirada nisso. O irmão dele mandou que eu contratasse alguém que pudesse acompanhá-lo durante o dia, para servir como uma companhia... Um conselheiro.

— Pra manter o bonitão na linha? — Kyungsoo fez uma daquelas expressões que Sehun adorava: a famosa e eu com isso, mané? — Tá querendo me dizer que pra fazer o cara parar de gastar, vai pagar alguém pra pôr juízo na cabeça dele?

— Não se engana não, Zé Pequeno; o salário é a metade de qualquer vasinho mixuruca que tem na casa daquele cara.

Kyungsoo suspirou, falido. Era uma boa palavra para descrevê-lo, já que abrangia o âmbito emocional, físico e financeiro. Falido em todas as esferas do conhecimento. Muito bem, Kyungsoo.

— Então p-pensou em me chamar?

— Sim — o assistente do milionário assentiu.

— Por quê? Você não pode fazer isso?

— Se toca, infeliz: eu tenho coisa melhor pra fazer ali! — Exaltou-se o máximo que sua natureza estática o permitia (o que significava dar um soquinho camarada no ombro do amigo). Aquilo fez Kyungsoo esquecer do frio por um momento. — E outra, babaca, tô te dando um emprego bacana!

Kyungsoo, então, ergueu as sobrancelhas, abaixou os lábios e piscou lentamente, naquela típica cara de "é... não é tão ruim", que só ele conseguia fazer ficar engraçada. Até iria perturbar o amigo mais um pouco, falando sobre como seu trabalho de "fazer as contas" deveria ser chato e miserável, mas resolveu deixar o Sr. Exatas tranquilo daquela vez. Não só por causa do frio desgraçado que sentia, mas por se lembrar que, quando eram menores, o mais jovem achava que três vezes dois era igual a dez. Sentia saudades da época em que Sehun era de humanas.

— Tão tá — deu de ombros, o mais velho. Kyungsoo gostava de cortar o início das palavras. Era seu aesthetic. — Tô dentro.

— Certeza? — Sehun quis saber num tom austero, exalando seriedade. Não era assim que ele ficava quando bebia.

— Muita — o rapaz balançou a cabeça positivamente. Só queria dispensar o amigo de uma vez, assim poderia ir para casa sem preocupação alguma e se enfiar debaixo do seu cobertor de bolinhas amarelas. — Absoluta mesmo. Faz assim, depois você me manda os detalhes, que tal? Tô atrasadão, tenho que entregar um trabalho na facul segunda-feira. Té mais.

Sehun respirou fundo, encarando Kyungsoo correr até seu apartamento, congelando de frio. Deu uma risada abafada; ele não mudava nunca.

TEMPO ATUAL

— Não precisa — Jongin insistiu.

Era a milésima vez que dizia aquela frase no dia, e Sehun já estava se cansando dela. Até mesmo Joohyun, cujo único trabalho era dirigir, tentara convencer o chefe a fazer o combinado: passar os três dias necessários para o conserto do encanamento na casa do irmão, para que o transtorno não fosse tão grande — mas nada convencia o grandioso Kim.

— Pretende passar esse tempo todo sem tomar banho? — Sehun alfinetou, sendo o único capaz de dizer tal coisa sem ser demitido na mesma hora.

— Já é quase inverno mesmo — o homem rico deu de ombros, e não percebeu quando Joohyun fez uma cara de nojo.

— Suas malas já estão na casa do seu irmão e o senhor Jongseo o espera já há algumas horas — a mulher argumentou. — Será rápido. Três dias passam voando.

— Não quando você precisa conviver com o seu irmão menor. Não vou pra casa daquele adolescente metido.

Sehun beirava a perda total da paciência quando suspirou:

— O seu acompanhante já está lá também.

— Meu o quê?

— Acompanhante.

O milionário riu, sarcástico. Chegou a pôr a mão sobre a barriga, anestesiado. Todavia, assim que percebeu que os dois empregados continuavam com a mesma expressão circunspecta, brecou. Se ajeitou sobre o sofá azul turquesa, que combinava com o tapete cinza-claro felpudo, e piscou em descrença:

— É uma brincadeira, não é?

Sehun e Joohyun responderam em uníssono:

— Não, senhor.

— Só pode ser — persistiu, como de praxe. — Jongseo me arrumou uma babá?

— Não, o que é isso, chefe! — Sehun foi rápido ao emendar uma desculpa. Pela primeira vez saindo da pose sóbria de soldado com os braços pairando ao lado do corpo, ergueu as mãos num gesto defensivo. Joohyun segurou a risada, porque era justamente Sehun quem vinha se referindo à contratação de Kyungsoo como "arrumar uma babá para o ricaço". (A motorista resolveu deixar aquilo em off pelo bem da nação, por mais divertido que fosse).

— Mas por que raios eu preciso da droga de um acompanhante? Eu não sou uma criança!

— É apenas para a sua segurança — mentiu o assistente. — Seu irmão ficou preocupado com isso, já que as pessoas estão se tornando mais violentas com as celebridades e, bem... o senhor tem fãs.

Jongin desfez a carranca quando ouviu a última parte. Querendo ou não, era algum tipo de socialite, ícone da moda ou qualquer coisa. O fato é que era famoso, e existiam pessoas que gostavam muito dele — por quais motivos, no entanto, ele não sabia (e preferia continuar assim).

— É um guarda-costas, então? — Questionou.

Sehun hesitou quando foi responder. A imagem de Kyungsoo logo lhe veio à mente e, mesmo que o amigo lutasse uma penca de artes marciais, ainda parecia inofensivo. Sehun nem sabia se Kyungsoo ao menos alcançaria as costas de Jongin, imagina se toparia guardá-las! Precisava resolver aquilo urgentemente.

— É — mentiu mesmo assim. — É sim — reiterou, fazendo parecer que precisava daquela confirmação para si mesmo, como um modo de se acalmar. — Seu guarda-costas. Ele é um conhecido meu, de confiança. O senhor pode ficar tranquilo.

Jongin fez alguns segundos de silêncio; um pequeno charme, só para dizer que não tinha compactuado com aquele circo todo sem nem pensar duas vezes. Algo como ceder sem lutar.

— Ok, então — deu de ombros. — Vamos, Joohyun?

— Ah! A Joohyun! — Sehun exclamou, como se tivesse lembrado de alguma coisa. Tocou o ombro da colega de trabalho de maneira desajeitada, completamente focado em executar um plano que tinha acabado de bolar. — Quase me esqueci de uma coisa! Têm algumas ruas em obras por aí, tirando essa do bairro. O Jongseo deixou um caminho alternativo para a casa dele. Está num papel em algum lugar da minha prancheta, lá na cozinha; são algumas instruções. Poderia vir comigo?

A moça não era tão burra a ponto de deixar que passasse despercebido o tom suspeito na voz de Sehun, então o seguiu. Deixou seu discurso sobre como conhecia aquela cidade com a palma da mão para outra hora — porque, mesmo que soubesse que a história de Jongseo era mentira, tinha noção que era bem do feitio do Kim mais novo duvidar de suas habilidades.

— Eu preciso que me ajude — Sehun disparou no instante em que Joohyun fechou a porta atrás dela. Na sala, Jongin cantarolava alguma música ainda mais velha que sua própria existência, ignorando o comportamento esquisito dos funcionários. Na sua cabeça, os dois tinham um relacionamento amoroso com início, meio e fim (cada detalhe confeccionado pela criatividade fértil do milionário desocupado). — Precisa atrasar o Jongin o máximo que puder.

— Como assim?

— Tem que pegar as rotas mais longas, os congestionamentos, sei lá. Andar a trinta por hora. Só tem que atrasá-lo.

Joohyun cruzou os braços.

— Por quê?

Já com o celular em mãos, pronto para fazer as ligações das quais precisava, o rapaz a olhou de soslaio, apertando os lábios como quem trama uma presepada. Foi sucinto:

— Tenho que transformar uma mentira em realidade.

$$$

— É o quê? — Kyungsoo praticamente berrou, andando de um lado para o outro no jardim da residência de Kim Jongseo, o CEO da maior construtora e imobiliária do país. O rapaz não parecia se importar com a imponência que o luxo dava ao lugar, porque se portava como se estivesse na própria casa, zanzando pelo banheiro enquanto tentava desentupir o ralo. — Repete o que você disse, quero ver se tem coragem!

Foi isso mesmo que você ouviu — Sehun confirmou do outro lado da linha. — Mudança de planos, você agora é o guarda-costas. A governanta já vai chegar com um smoking do seu tamanho aí, fica tranquilo. Só faz aquela cara de quando você esquece os óculos em casa.

— Sua sorte é que eu realmente esqueci os óculos, imbecil. Vão me pagar a mais por isso, não vão?

Não tenho poder sobre o seu salário, mas depois eu converso com o Jongseo. Só finge que ainda sabe dar um soco em alguém.

— Põe um fascistinha na minha frente pra você ver se eu não sei — o mais baixo murmurou, descontente. Sehun riu baixinho do outro lado da linha e, em seguida, mandou o amigo se apressar, porque a mansão de Kim Jongin não era muito distante (e Joohyun já estava fazendo muito ao dar as milhares de voltas que o secretário pediu).

Em poucos minutos, Kyungsoo avistou a governanta que Sehun mencionara. Ela era baixa, com cabelos na altura dos ombros e uma franja que não chegava a lhe beliscar os cílios. Se apresentou quando o cumprimentou: Seungwan, um daqueles nomes que os estrangeiros demoram para decorar — assim como o seu.

Ela o guiou pelo lugar, entrando pela porta dos fundos. Deram de cara com uma escadaria de madeira, porte clássico, no meio da sala — tão grande e bonita que Kyungsoo duvidou que os empregados pudessem passar por ali. Foi dito e feito: assim que se aproximaram, Seungwan fez um gesto para que ele dobrasse à direita e subisse pela pequena e escondida escadinha em espiral, num canto afastado. Aquele treco dava tantas voltas que, quando chegou ao topo, Kyungsoo teve vontade de vomitar.

Contudo, assim que olhou em volta, duvidou. Dali de cima, podia ver com mais clareza a decoração, os móveis e a riqueza daquele lugar. Tudo tão fino que ele sentia vontade de rir. Duvidou que aquilo tudo pudesse ser real — que uma empresa só pudesse sustentar os caprichos de dois homens completamente aficionados por dinheiro —, mas, bem, no capitalismo vale tudo.

Já previa que passaria alguns estresses com a Família Kim.

— Aqui. — Seungwan parou de frente para uma porta. Kyungsoo foi rápido ao perceber que até aquele pedaço de madeira era mais bonito que ele. — A roupa está em cima da cama. É o quarto em que você vai ficar — e então, apontou para uma porta à direita, bem mais cara e entalhada. — Aquele do lado é o do seu Jongin.

— Que isso, ele não é nada meu não — o rapaz brincou, mas Seungwan não entendeu o humor interiorano do novato. A única opção de Kyungsoo foi ficar vermelho de vergonha, feito um tomate. — Tudo bem, classe alta não dá risada — resmungou baixinho, entrando em seu aposento provisório.

O lugar não era nada mau — parecia mesmo com aqueles flats de filmes dos anos 2000, decorados em dourado e a coisa toda. Daria mais uma olhada, se não tivesse percebido tarde demais que Seungwan ainda estava parada ao batente da porta enquanto ele ensaiava para tirar a blusa. Quando encarou a moça outra vez, ela tinha virado o rosto e o tapado com a mão.

— Assim que terminar, venha esperar pelo senhor Jongin no hall — instruiu, com a mandíbula cerrada e um tom aborrecido. — Por favor, não demore.

Kyungsoo murchou. O plano de cultivar ao menos uma amizade em seu novo local de trabalho tinha acabado de escorrer pelo cano e ainda precisava se enfiar num terno que estava claramente um número abaixo do seu. Sabia que não podia confiar em Sehun.

$$$

Jongin chegou à mansão do irmão cerca de dez minutos depois que Kyungsoo já tinha descido para o bendito hall, a fim de aguardá-lo. Quando Seungwan avisou aos funcionários que o parente do chefe tinha dado as caras, o mais novo guarda-costas dos Kim se viu obrigado a acompanhar o exército de servos que estavam, agora, ao dispor do milionário mais velho. Ele, a governanta Seungwan, o chef Jongdae e o segurança particular de Jongseo, Wu Yifan. Esse último era alto e intimidador — usava óculos escuros como se não os tirasse nem para dormir. Kyungsoo achou o sujeito engraçado.

— Seja bem-vindo, senhor — a governanta cumprimentou Jongin com uma leve reverência. Os outros empregados tiveram que fazer o mesmo. — Sou Seungwan, administradora da mansão.

Ela prontamente introduziu o restante da manada de proletários assalariados, mesmo que Kyungsoo tivesse certeza de que o homem rico não prestava atenção nenhuma no seu pequeno monólogo ensaiado. Ele sabia que a mulher também sabia. Todos sabiam.

Jongin não disse nada, apenas balançou a cabeça para Seungwan, como se aquilo servisse de cumprimento para todos os outros presentes. Subiu imediatamente, negando com certa delicadeza a oferta da moça de lhe mostrar seus aposentos.

— Suba — ela ordenou do nada. Kyungsoo demorou para perceber que a governanta falava com ele.

— Uh?

Suba — repetiu, firme. — É o acompanhante dele.

Era, agora eu sou o guarda-costas. O que significa que eu não tenho que ficar colado no espinhaço do cara pra cima e pra baixo.

— Tem que se introduzir.

— Cê já fez isso, esqueceu?

— Senhor Kyungsoo — e fez uma pausa, como se para esfriar a cabeça. — O seu contrato ainda diz acompanhante. Precisa fazer companhia para Kim Jongin, então ganhar sua confiança e impedi-lo de gastar mais do que pode. Simples. Suba e comece o serviço.

O novato suspirou, coçando a nuca. Se antes deixou de lembrar (porque esquecer, jamais) o motivo pelo qual abominava a alta burguesia, já tinha acabado de se arrepender disso. Ora, ora, um homem crescido precisando de um acompanhante para que simplesmente agisse como um adulto. Soava tão ou mais ridículo quanto era, e Kyungsoo não deixava de pensar no assunto enquanto subia as escadas.

Ei! — A vozinha de Seungwan chegou aos seus ouvidos outra vez, e ele quis gritar sobre que raios é que tinha feito errado daquela vez. A mulher nem precisou dizer para que ele percebesse. — Está subindo pela escada errada. Por favor, use a lateral.

Já era a terceira ou quarta vez que se envergonhava assim na frente de Seungwan e, no fundo de seu coração, Kyungsoo estava começando a se sentir um pedaço de lixo. Não gostava de deixar gente irritada, ainda mais gente que parecia decente. Desceu a grande escadaria dos grã-finos num segundo, podendo ascender pela correta logo em seguida. Detestava aquela merdinha em espiral — o fazia desenvolver uma labirintite que nem tinha.

Bateu na porta do aclamadíssimo Kim Jongin e esperou que algum som viesse de lá de dentro. Era assim que funcionava, certo? Ou a realeza tinha desenvolvido novas regras?

Quem é?

— É o Kyungsoo, senhor.

Silêncio. O novato já esperava por isso.

— Quem? — Jongin abriu a porta de imediato, as sobrancelhas franzidas transformando sua expressão numa bagunça total. Era como se tivesse trabalhado pesado a semana toda e, quando finalmente podia descansar, alguém o vinha incomodar. Kyungsoo sabia como era difícil, por isso evitava atender as ligações de Sehun aos fins de semana.

— Kyungsoo, seu guarda-costas. Sehun o comunicou disso mais cedo, e a governanta também. Não deve ter se atentado a esse detalhe.

Oh — o milionário deixou escapar, um tanto decepcionado. — Você é o meu guarda-costas?

— Sim, senhor.

Jongin suspirou, definitivamente decepcionado.

— Sério? E aquele cara altão, de óculos?

— É o segurança do seu irmão.

O homem rico riu sem humor e passou a mão no rosto, desacreditado. Kyungsoo tinha a noção de que não atendia às expectativas de Jongin, mas não tinha como se sentir mal por isso. A sensação de desiludir um burguês parecia ótima, e ele estava gostando.

— É claro que o Jongseo sempre fica com as melhores coisas — o irmão mais velho resmungou, voltando-se para o seu quarto novamente, cambaleando em direção a cama.

— Ou, esqueceu que eu tô aqui ainda? — Kyungsoo pôs as mãos na cintura, indignado. — Eu não sou uma coisa, sou gente, falou?

Jongin o encarou com um ótimo olhar de julgamento (o mais baixo anotou aquela expressão em seu bloquinho mental, porque era boa demais e ele precisava saber fazer uma dessas), erguendo os cantos dos lábios como que em nojo.

— Por que você fala assim? — Quis saber o milionário. — Quero dizer, não foi alfabetizado?

— Ai, colega, me economiza — Kyungsoo rolou os olhos, completamente entretido por dentro. Tinha achado um novo hobby, afinal: importunar um riquinho. Pois é, ele não tinha amor ao próprio pescoço. — Eu sei os be-a-bá e o escambau, só acho que falar assim seja melhor. Prático. Num curte?

O sorriso ladino de Kyungsoo não pareceu fazer efeito em Jongin, que simplesmente deitou na cama e deu as costas ao empregado, murmurinhando algo sobre gente pobre. O mais baixo achou meio ofensivo, mas não conseguiu ter uma reação diferente de rir por debaixo das mãos, em segredo. Tentou se recompor ao limpar a garganta, arrumando a postura.

— Então — começou, fazendo seu e soar como um i, como de praxe. — Cê vai ficar aqui o resto do dia todo? No quarto? Porque se for, é um péssimo primeiro dia de trabalho e eu queria que cê ficasse sabendo disso, porque eu ' ter que colar a minha bunda numa cadeira até dar a hora de ir dormir enquanto eu podia estar resolvendo os meus pepino.

— Por que está reclamando? — Jongin virou a cabeça apenas um pouco para o lado de Kyungsoo, e logo voltou a encarar o nada. — Está ganhando para fazer nada. Deveria agradecer.

Kyungsoo adorava o conceito burguês de que as pessoas menos burguesas precisavam agradecer por qualquer migalha, o tempo todo. Era engraçado. Contudo, o rapaz ainda acreditava que tinha, sim, algo a agradecer, então simplesmente acatou a sugestão do seu novo chefe. Planejando parar de encher a paciência do ricaço, sentou-se numa poltrona ao lado da grande cama de Jongin, assistindo a luz do pôr-do-sol se encaminhar para dentro do aposento de maneira não menos que divina. É, era bem melhor passar o dia ali, com aquela vista, do que encarando o encanamento entupido da sua banheira. Parecia uma boa razão para agradecer.

— Vai ficar aí? — Jongin inquiriu após um tempo.

— Uh? — Kyungsoo retornou. Tinha mania de fazer aquilo, mesmo que entendesse o que as pessoas dissessem todas as vezes. Dava tempo para que pensasse em algo útil a se dizer enquanto elas repetiam a frase.

— Perguntei se vai ficar aí, sentado nessa poltrona o resto do dia. Não acho que tenha necessidade de guardar as minhas costas enquanto eu durmo.

— É que eu tô sem nada pra fazer, foi mal. Quer que eu saia?

Ao contrário do que Kyungsoo esperava, Jongin estava pensando sobre o assunto. O fato do milionário cogitar a hipótese de deixar o serviçal ficar ali, sentado na sua poltrona de sei lá quantos mil dólares, já era estranho — pior foi quando Kim abriu a boca:

— Não, pode continuar aí.

O rapaz mais baixo brecou todos os pensamentos que tinha. Começava a achar que seria abusado de alguma forma por aquele indivíduo, e sua mente logo bolou um plot em que Kim Jongin era um serial killer preguiçoso que precisava de Sehun para arrumar algumas vítimas em potencial. Soava minimamente verossímil, já que, no capitalismo, vale tudo mesmo, mermão.

— Certeza memo? — Disparou, engolindo algumas letras no meio do caminho. — Não é, tipo, invasão de privacidade? Cê não quer um tempo sozinho? Reflexão, "se achar", pensar na vida, 'sas coisa?

Jongin, de súbito, sentou-se sobre a cama. Kyungsoo ajeitou os pés, então, para que estivessem no jeito de simplesmente levantar e correr caso as coisas complicassem para o seu lado. Sorte que tinha deixado a porta aberta.

O homem rico o fitou nos olhos, com aquela cara de testa franzida e canto dos lábios erguidos, típico meme digital impresso em três dimensões.

— Não sabe falar propriamente?

Ai, pronto, o cara encucou com o jeito que eu falo — Kyungsoo murmurou, murchando os ombros e virando o rosto para o lado durante um átimo. — Uhm, sei lá... — tentou, de maneira audível dessa vez. Arriscou um meio sorriso, que o fez parecer que estava com dor de barriga. — Eu posso falar formalmente, se quiser. Só aviso que sou consideravelmente menos engraçado no meu modo trabalho, beleza?

Foi aí que Kim Jongin sorriu. Não um desses sorrisos de capa de revista, falso e cheirando a Adobe Photoshop — mas sim uma dessas risadinhas fofas que fazem seu coração derreter. Os olhos dele desapareceram num segundo, e tudo o que se podia enxergar eram seus dentes brancos e sua aura contente. Durou pouco, mas foi a primeira vez que Kyungsoo percebeu o quão bonito Jongin era. O quão arrebatadora era a sua beleza. "Droga", o empregado pensou, mais tarde. "Não acredito que vou ter que escrever um poema sobre os dentes daquele zé mané."

— Pode falar como quiser — Jongin deu de ombros, voltando a se deitar. — Não sei se vou pisar fora desse quarto, então se quiser sair pra fazer sei lá o que, pode ir. Não vou descontar dos seus honorários, fique tranquilo.

Kyungsoo bem que queria levantar e ir até sua casa lutar contra o monstro da banheira, mas rejeitou a ideia. O burguês não estava sendo tão pé no saco como achou que seria, então permitiu-se escorregar na poltrona e se acomodar para puxar um ronco maroto, tal qual seu novo chefe. Obviamente não conseguiu, porque seu sono não vinha tão fácil — mesmo assim, foi bom poder passar um tempo sozinho com os próprios sonhos. Desse modo, poderia viver num mundo em que o ralo da sua banheira fosse útil.

$$$

Quando Jongin acordou, o seu novo guarda-costas ainda estava jogado sobre a poltrona do quarto de hóspedes. Parecia espremido no terno, e o milionário pensava se não tinha escolhido aquela peça de propósito. Pelo visto, algumas pessoas simplesmente gostam de se enfiar em roupas que marquem os músculos, mesmo que fiquem sem fôlego.

Alguns minutos depois de ter despertado, ouviu soar algumas batidas na porta. Kyungsoo abriu os olhos quando Jongin pronunciou "pode entrar", provando que não tinha pregado-os por um segundo — e foi a decisão mais sábia que já fizera. Num instante a governanta apareceu, com um olhar incisivo e examinador para cima dele. Contudo, no lugar de massacrar o novo colega, simplesmente comunicou que o jantar estava sendo servido.

— Ok — foi a única resposta do chefe. Seungwan saiu sem falar mais nada.

— Já tá tardão — observou o mais baixo. — Caraca, nem vi que já era hora do jantar.

O irmão mais velho dos Kim agradeceu mentalmente quando seu segurança levantou e saiu, despedindo-se com meramente um balançar de cabeça — assim não precisaria verbalizar seu desejo de privacidade. O jeito informal de Kyungsoo o deixava sem palavras, porque nunca vira algo parecido. Um subordinado que se portava assim era lenda, história para boi dormir. Mal sabia ele que tinha virado a piada interna do guarda-costas.

Foi rápido ao trocar de roupa, para que parecesse que já tinha tomado banho. O timing foi certeiro e perverso: Kim Jongin saíra do quarto enquanto Kim Jongseo cruzava o corredor do segundo andar para descer pela escada. Seria cômico se não fosse trágico: os dois irmãos se encontrando no mesmo ponto em que Kyungsoo escolheu ficar parado, esperando pelo seu chefe.

— Boa noite, hyung — Jongseo cumprimentou seu irmão com um tom divertido na voz; como se algo de muito engraçado tivesse acabado de lhe ocorrer em pensamento. — Nem vi quando chegou.

— Oi — Jongin foi simples e seco. Ao lado de Jongseo, fazia parecer que tinha roubado toda a beleza dos pais para si mesmo e deixado ao mais jovem apenas o formato do rosto e a cor de cabelo. Somente alguns meses separavam os dois Kim's, e mesmo sendo o último, Jongseo aparentava ter dez anos a mais que Jongin, que resplandecia em graça e jovialidade. — Pois é, vim direto para o quarto descansar quando cheguei.

O CEO deu uma tossida falsa.

— Jura? Não imaginei que pudesse estar cansado, já que não tem ocupação alguma.

Kyungsoo abaixou a cabeça, como se a patada tivesse sido nele.

Jongin ainda abriu a boca, desejando poder desarmar Jongseo com maestria esfregando na cara do homem qualquer um dos podres que sabia sobre ele, mas nada saiu dos seus lábios entreabertos. O mais jovem deve ter achado graça, porque esboçou um sorriso rápido antes de arrematar:

— Então, vamos jantar?

O mais velho assentiu com a cabeça, começando a seguir o irmão escadaria abaixo. Kyungsoo pensou que fosse a sua deixa para descer pela escadinha lateral e se juntar aos outros empregados na cozinha, então virou-se para fazê-lo. Todavia, Jongin, irado pela simples existência de Jongseo e determinado a azucrinar o administrador da empresa do falecido pai, arriscou:

— Kyungsoo, por que não se junta a nós?

O guarda-costas nem sabia que ele lembrava seu nome. Foi cuidadoso ao encarar o seu chefe, ainda indeciso sobre o que ouvira. Jongin parecia satisfeito com a expressão surpresa de Jongseo.

— Não acho que entendi — disse o irmão mais jovem, piscando em descrença. Foi nesse momento que pareceu ter notado a existência do rapaz mais baixo, já que foi a primeira vez que o olhara de fato (e o fizera com toda a magnificência de seu nariz empinado). Pelo visto, gente rica não costumava reparar em guarda-costas.

— É, Kyungsoo é um conhecido meu, amigo de um amigo — Jongin mentiu descaradamente, um plano maléfico sendo tecido por seus neurônios. — Seria grosseria deixar que jantasse na cozinha, não?

Ninguém perguntou se Kyungsoo queria entrar naquela palhaçada, mas não era como se os patrões quisessem saber das vontades dos empregados. Viu-se obrigado, então, a usar a cara mais diplomática que tinha e sentar-se à mesa dos multimilionários, sendo servido pelos colegas enquanto ceava com as víboras.

Jongin tinha improvisado até ali de maneira convincente, mas não soube conduzir sua própria mentira quando Jongseo perguntara de onde conhecia a criaturinha pequena que, agora, trabalhava para ele. Kyungsoo teve de intervir, utilizando um vocabulário rebuscado ao inventar qualquer coisa que desviasse a atenção do ricaço-mor. Foi no mínimo contrastante para Jongin ver Kyungsoo dizer palavras inteiras e inserir o S nos plurais, coisa que — mesmo com pouquíssimo tempo de convivência — já tinha percebido ser rara da parte dele. Não fez comentários a respeito, mesmo que a curiosidade o atingisse.

Com o tempo, percebeu que Jongseo sempre aparentava estar rindo por dentro. Era todo sorrisos para qualquer ocasião — quase como se, de tão acostumado àquilo, seus músculos não doessem mais pelo esforço.

Ao fim da ceia, os Kim foram rápidos ao se retirar. Jongin tentou levar Kyungsoo consigo, mas ele insistiu em ficar para ajudar os outros a tirar a mesa. No fim das contas, sentira-se culpado por estar num lugar que não era dele.

Jongin não entendeu. Subiu as grandes e nada humildes escadas de madeira nobre, contando os degraus e ruminando as palavras de Kyungsoo. Não entendia mesmo como alguém poderia se sentir culpado por ter sido servido. Os empregados não eram escravos, recebiam todo fim de mês por seus serviços — Jongin nunca se sentiu mal por tê-los trabalhando ali. Soava estranho, o pensamento. Culpa de quê? Não era exatamente isso que todo mundo queria? Dinheiro — muito dinheiro — para não precisar fazer nada nunca mais; simplesmente pagar pessoas para serem seus pés e seus braços. Era ao redor disso que o mundo girava, não era? Acumular bens e reduzir esforços.

Por fim, não chegou a entrar no quarto. Ficou parado no topo da escada, encarando Kyungsoo indo de um lado para o outro e se corroendo de dúvidas. Quando seu guarda-costas finalmente o alcançou lá em cima, após subir pela lateral, o milionário enunciou:

— Eu preciso de um favor.

O mais baixo franziu o cenho, preocupado com o que poderia escapulir da mente ardilosa de Kim Jongin.

— Diz aí — deu de ombros, atirando a pose profissional no lixo.

O moreno precisou respirar fundo antes de concluir.

— Tem que ser meu amigo.

— Oi? — Fingiu que não tinha ouvido direito. Precisava de tempo para pensar numa resposta diferente.

Tem que ser meu amigo — Jongin repetiu integralmente. — Não vai mais ser meu guarda-costas, vai ser meu amigo.

— Por que tá falando disso como se fosse um cargo? Não se compram amigos — Kyungsoo fez soar como óbvio.

— Não se compram, mas eu preciso de um e não tenho tempo para criar laços — bufou. — Amigo de aluguel, que tal? É só andar comigo, conversar comigo e, principalmente, concordar comigo.

— Não posso sair concordando com qualquer baboseira que você diga, seu anarquista — Kyungsoo exclamou, embasbacado. — Se quer saber, não é assim que amizades funcionam na vida real.

— Tá, tá, então não precisa concordar comigo sempre. Já sei! — Jongin ergueu as mãos, fechadas em punho, acabando de ter uma ideia. — Pode discordar de mim quando eu disser que quero fazer compras desnecessárias; é disso que eu preciso. É só fazer um biquinho fofo, não resisto a biquinhos fofos.

Kyungsoo tomou um momento para apreciar aquele cristal de imbecilidade.

— Não acredito que ouvi isso — balançou a cabeça, cético. — Sem querer te decepcionar, cara, mas eu não sei fazer carinha fofa não, ok? E outra: isso é maluquice.

— Maluquice nada — debochou com um sorriso ladino. — Eu tô pagando, esqueceu?

Na verdade, quem estava pagando era Jongseo e não, Kyungsoo não tinha esquecido. Em menos de 24 horas, seu emprego já tinha evoluído de acompanhante para guarda-costas e de guarda-costas para amigo de aluguel. É, o capitalismo todo dia provando que, nele, vale tudo.

$$$

Kyungsoo precisou aprender o valor de um biquinho fofo — ao mesmo tempo em que acabava de aprender a fazer um. Com Jongin, era tudo na base da chantagem emocional, já que, além de dinheiro, o bonitão também tinha teimosia em abundância. Todo homem e mulher precisa passar pela fase da vida em que a sua dignidade simplesmente age como nunca tivesse existido — o rapaz, contudo, não sabia como sair de tal fase.

Jongin estava se divertindo. Kyungsoo era divertido por si só, e tudo ficava melhor com ele dizendo qualquer coisa idiota que sua mente produzisse, do nada. Mesmo assim, tinham dias de luta e dias de glória. Infelizmente, o segundo dia de trabalho de Kyungsoo estava sendo, para Jongin, o pior dia de luta da sua vida.

O assalariado acordou cedo no seu quarto da mansão de Jongseo, e conseguiu tomar café com seus colegas antes de, enfim, começar a trabalhar. Voltou ao segundo andar e batucou três vezes na porta do cara que o contratara como amigo. Nenhuma resposta. Voltou mais tarde e fez o mesmo, e já começava a acreditar que Jongin tinha morrido lá dentro, porque nenhum som além do silêncio podia ser ouvido. Teve de ser inconveniente e abrir a porta mesmo sem autorização, apenas para encontrar o local mergulhado em breu.

Respirou fundo. Tinha a sensação de que ainda morreria nas mãos de Kim Jongin algum dia de sua vida, sendo o milionário um serial killer ou não. Acendeu a luz e deu graças; nenhum corpo ensanguentado jogado no chão — ainda bem —, somente Jongin esparramado sobre a cama, roncando suavemente.

— Ou! — Chacoalhou o adormecido, recebendo nada mais do que um xingamento em troca. — Sua avó! — Retrucou.

— Eu não te xinguei — Jongin murmurou contra o travesseiro de maneira mais audível. — Falei bom dia.

— Ah, claro — Kyungsoo soou irônico. — E o meu nome do meio é Bonaparte.

— Não enche.

O mais alto, então, deu as costas para seu amigo de aluguel e se enrolou ainda mais nas cobertas. Parecia uma criança daquele ângulo.

— Cê não sabe fazer nada melhor do que comprar e dormir, não? — Provocou Kyungsoo.

— Não. Só isso que eu faço da minha vida decadente — o rapaz desabafou. O empregado, em dúvida, não sabia se ele estava sendo dramático ou não, mas não conseguiu tirar conclusão melhor que essa. — Quando não estou comprando, estou dormindo. Satisfeito?

Drama, definitivamente.

— Sério, levanta aí. Dez horas já! Vamo!

Resmungos insatisfeitos e Kim Jongin atirando um travesseiro em Kyungsoo que, para se vingar, foi até a janela e a escancarou. Sabia que sol era como café para quem tinha acabado de acordar.

— Olha só que bonito! — Exclamou em felicidade fingida. — Umas nuvem legal, solzão azul; sexta-feira, ainda por cima! Vai me negar uma saidinha?

— Não precisa fazer tudo isso — Jongin enfiou a cara debaixo do edredom. — Está de folga por hoje, não tem que ser meu amigo pelas próximas 24 horas. Que tal?

Kyungsoo respirou fundo, a ponto de simplesmente desistir. No entanto, algo no modo como Jongin articulava sua sentença o fez pensar duas vezes. Era muita tristeza e derrota no mesmo tom — a última vez em que o assalariado presenciou tamanha aglomeração de sentimentos ruins na voz de alguém, foi quando ouviu o próprio áudio da noite em que sua cachorrinha morreu. E, se Kim Jongin estivesse metade do que Kyungsoo estivera na ocasião, então ele não poderia simplesmente deixá-lo apodrecer naquela cama.

Puxou o edredom de cima do moreno e deixou que o olhar do mais alto se encontrasse com o seu. Fechou os olhos por um segundo e voilá. Biquinho fofo.

— Eu nunca deveria ter te contado a minha fraqueza. — Jongin constatou, respirando fundo ao testemunhar a expressão pidona de seu pseudo amigo. Kyungsoo riu. — Aonde quer ir?

$$$

Kim Jongin nunca imaginou que viveria algo minimamente parecido com aquilo. Foi estranho quando Kyungsoo pediu para que vestisse sua roupa "menos cara", mas o fez mesmo assim, sem se questionar sobre as razões que levaram o homem a solicitar tal coisa. Pegaram uma condução que os deixou na frente do apartamento de Kyungsoo. Jongin até tentou objetar, dizendo que sua motorista estava à disposição e que não precisavam andar pela cidade de ônibus, mas foi ignorado. Quando tentou debater outra vez, Kyungsoo argumentou:

— Quer ser meu amigo, não quer? Então não discute, só me ajuda. Amigos se ajudam.

O ricaço poderia ter saído correndo na mesma hora, já que tinha um estranho o levando para um lugar estranho enquanto falava de maneira estranha — mas, imprudente como era, simplesmente seguiu o fluxo. "Se morrer, morreu", pensava. "Não vou perder muita coisa."

E ali estava, segurando um desentupidor e o balançando no ar como se aquilo fosse fazer algum efeito. Assim como Kyungsoo, usava uma máscara branca que lhe cobria o nariz e a boca, como dentistas examinando o paciente — que, no caso, era o ralo da banheira do mais baixo.

— Não acredito que essa é a sua ideia de passeio — resmungou Jongin, que não queria assumir que estava minimamente interessado em saber se a solução de vinagre e bicarbonato iria fazer a banheira desentupir.

— Eu tava precisando resolver esse bagulho; e quanto mais mão de obra, melhor — deu de ombros. — Fica aí, eu vou buscar a água quente!

O mais alto franziu a testa, encarando o ralo como se estivesse buscando por uma solução inusitada e infalível. Quem o dera ser perspicaz àquele ponto; só estava pensando em quantos fios de cabelo seriam suficientes para entupir a tubulação de uma casa inteira. Nada produtivo.

Quando Kyungsoo despejou a água, parecia confiante de que aquilo funcionaria. Não tinha motivo para que não funcionasse, afinal, mas o universo parecia de brincadeira com a sua cara.

— O que foi que você fez com isso? — Jongin interpelou, estupefato.

— Eu não fiz nada não! Só tomei banho umas duas vezes e isso aconteceu. Acabei de me mudar, mano.

— Vai ter que chamar um encanador — concluiu, tirando sua máscara e pondo o desentupidor no chão.

— Eu não tenho grana pra um encanador — Kyungsoo retrucou. — Vou ter que dar um jeito nisso sozinho.

— Não tem como, sei lá... — o milionário parou para pensar. — Comprar uma banheira nova?

O assalariado precisou parar por um segundo para admirar aquela pérola antes de elucidar:

— Se eu não tenho a bufunfa nem pra chamar um pé rapado pra vir aqui olhar essa jossa, como que eu vou comprar outra banheira, seu sem noção?

— Ai, detalhes — Jongin se fez de desentendido. — Vem cá, a gente não pode ir ao shopping?

— Fazer o quê?

— Ah... comprar umas roupas?

Kyungsoo virou a cabeça para encarar Jongin tão rápido que o moreno até se assustou. Então, o mais baixo chegou tão próximo do seu rosto que jurou que seria assassinado ali mesmo.

— Você precisa de roupas novas? — Proferiu num tom inquisitivo demais. Jongin o empurrou pelos ombros, mas engoliu em seco.

— Não — resolveu ser sincero. — Mas não tem nada melhor pra fazer.

— Por que a gente não joga um jogo? — A expressão de Kyungsoo suavizou e, em seguida, iluminou-se.

— Jogo? — Jongin ergueu os lábios num biquinho, pensando sobre o assunto. — Parece chato.

— Nunca jogou Detetive, não?

O moreno balançou a cabeça.

— O quê?! — Kyungsoo berrou e deixou o queixo cair por um instante. — E você vive, assim, normal?

— Olha só, se você quer jogar alguma coisa, é melhor decidir logo — o milionário requisitou. — Senão eu vou acabar morrendo de tédio nesse lugar! A gente não pode gastar, não pode isso, não pode aquilo, que saco!

— Pior que a gente não pode jogar Detetive também, o tabuleiro tá na casa do meu primo.

— Aí! — O mais alto apontou para Kyungsoo como se dissesse "viu só?". Era engraçado ver Jongin se movimentar daquele jeito, cheio de marra, como uma criança contrariada; mas o jovem assalariado não se prendeu muito àquilo, porque uma ideia brotou no topo da sua cabeça feito muda de flor.

— Ei, bonitão — Kyungsoo cutucou Jongin no ombro, sentado no chão e encostando o braço na banheira. Quando o encarou, o moreno precisou se controlar para conter a respiração pesada e o coração em ritmo de escola de samba; seu novo amigo de aluguel era, de fato, lindo de morrer. E era mais bonito ainda quando rasgava aquele sorriso enviesado e abusava da ironia. Um combo de beleza. — Você não quer dar uma volta no subúrbio?

Franziu o cenho, mirando-o de soslaio. Escorou as costas na parede de azulejos azul claro, como se refletisse. Cogitou seriamente dizer não, então voltar para a sua própria casa, mesmo que não pudesse tomar banho ou lavar as mãos lá. Queria um tempo em casa, um lugar que o acolhesse como o mar acolhe a lua, o deixasse livre de preocupações para pensar. Ou, simplesmente, para ouvir Love me tender em repeat pelo resto da noite.

Entretanto, fizera a burrada de explanar seu ponto fraco para o assalariado. Em segundos, Kyungsoo tinha puxado os lábios num bico pidão digno de Oscar, fazendo Jongin realmente acreditar que estava prestes a chorar. Droga, por que foi que tinha nascido tão manteiga derretida e melodramático? Num piscar de olhos, já estava correndo ao lado de seu amigo de aluguel pelas ruas da periferia.

$$$

— Caraca — Kyungsoo arfava quando pararam de correr. Não tinha nada de muito especial pelas redondezas do bairro do rapaz, nada além de prédios residenciais e ruas vazias. O outono viera realmente frio aquele ano, e Kyungsoo parecia sempre esquecer de pegar um casaco. — Quando foi que a temperatura caiu tanto?

— Acho que passamos tempo demais tentando consertar sua banheira — Jongin palpitou, parecendo genuinamente despreocupado com o vento gelado. Passaram a andar cuidadosamente, sem exceder a velocidade de tartaruga, movendo-se quase que tristemente sobre as calçadas. Kyungsoo desejava ter algo sobre o que conversar, ou um lugar em que levar Jongin, mas não sabia onde.

Aonde poderia levar um homem capaz de comprar o mundo?

— Tá a fim de comer alguma coisa? — Sugeriu Kyungsoo, depois da terceira vez passando pelo mesmo lugar. Sentia que apenas seguia Jongin. — Quer dizer, eu achei que ia ser da hora se a gente desse uma andada por aí, mas tá frio pra desgrama e eu não consigo nem falar direito.

— Oh, você está com frio? — O moreno questionou. Não parecia debochar da condição encolhida e melancólica de Kyungsoo, mesmo que o baixinho parecesse engraçado daquele jeito. — Sou difícil de sentir frio, mas, infelizmente, não posso te dar a minha jaqueta. Ela é muito importante pra mim.

— Não pedi pela merda da sua jaquetinha importada — o assalariado fez careta, sua expressão se tornando fria tal qual o tempo. — Qual o problema de gente rica, hein?

Jongin deu um passo para trás, surpreendido pelo tom subitamente áspero do outro.

— Me desculpe se eu te ofendi.

Kyungsoo olhou para o horizonte, as mãos ainda envolvendo o próprio corpo. Talvez, se não fitasse Jongin nos olhos, impediria o homem de ver que suas bochechas ficaram vermelhas à menor menção de ter os braços sob uma camada de roupa cheirando ao milionário.

O Kim mais velho suspirou. Kyungsoo estava lhe servindo de companhia, se esforçando para fazer seu trabalho da melhor maneira. Tentando ser um amigo. Um dos bons.

Foi esquisito dar aqueles três passos, mas mesmo assim, os deu. Um seguido do outro, sem voltar para trás, se aproximou de Kyungsoo — então o abraçou, feito um urso. Colocou sua cabeça em seu peito e o aninhou lá, protegido do frio. Kyungsoo, um exemplar de Homo sapiens completamente fraco para temperaturas baixas, não teve forças para reclamar daquele ato, uma vez que tremia. Não parou de tremer quando se esquentou em Jongin, também — na verdade, só se pôs a tremer por outros motivos. O cheiro dele e aquela proximidade realmente o faziam se balançar todo, principalmente por dentro.

Seu coração nunca pulou tanto.

Depois de finalmente tomar vergonha e subir para pegar alguns casacos — não antes de Jongin pedir para que trouxesse o dobro de roupas —, Kyungsoo foi atrás do milionário do qual estava sendo a babá. Tinha colocado duas camadas de roupa, e carregava a terceira na mão — um grande e espesso casaco de inverno —, caso as coisas se tornassem selvagens demais. Encontrou Kim Jongin numa esquina, em frente a um mercadinho, com dois picolés na mão (e nenhuma vergonha na cara).

— Cê só pode tá de brincadeira com a minha fuça — o baixinho acusou, pasmo com a ousadia do burguês safado. — Tá quase caindo neve na nossa cabeça e você quer chupar sorvete?

— É picolé — corrigiu, cheio de pompa. — Espero que goste de limão.

Estendeu o doce para Kyungsoo que, surpreendentemente, o tomou de bom grado. Não era desses de recusar comida, muito menos comida doce e de graça.

— Pra sua sorte eu gosto de limão, sim — o assalariado disse em tom aborrecido, abrindo a embalagem com rapidez. Na primeira mordida, sentiu o cérebro virar pedra de tão gelado que estava. — Segura isso pra mim — murmurou inteligivelmente, dando o picolé de volta para Jongin e só o pegando novamente após vestir sua terceira camada de roupa.

Saíram andando outra vez, desafiando a natureza.

Começava a ficar tarde, porque logo anoitecia. Em algumas horas, seria o momento de Kyungsoo deixar suas atividades como pseudo amigo e guarda-costas de Kim Jongin, já que trabalhar por mais de oito horas num dia não era, exatamente, muito constitucional. Deram boas risadas e repetiram o picolé, Jongin trocando o sabor e Kyungsoo indo no mesmo, o bom e velho limão, porque só sabia tomar picolé daquele jeito. Quando o relógio bateu as seis e meia, o milionário suspirou.

Estagnado no meio da calçada, onde apenas a luz dos postes o iluminava, fitou a silhueta de Kyungsoo — que ia diminuindo o passo, olhando para trás, para a figura que deixara de se mover sem razão aparente.

— Seu turno acabou, eu acho — Jongin mostrou o visor do celular, onde a hora estava estampada. — Não podemos ficar mais um pouco aqui? Eu te pago hora extra, tudinho.

Kyungsoo riu e respondeu devagar, com a boca anestesiada pelo doce gelado:

— Não seja estúpido, não dá pra comprar um amigo — foi sincero e, por um momento, Kim Jongin pensou que o rapazote fosse enchê-lo de xingamentos e adjetivos pejorativos, fazendo-o sentir-se como um grão de areia insignificante. — É o que eu queria te dizer desde o começo: amigos são amor, e não dá pra comprar amor. Então, não pense que o que liga a gente aqui, debaixo desse frio da porra, são algumas notas de dinheiro — fez uma pausa para tentar se esquentar. — De primeira, andei na tua cola por causa do emprego; mas quando cê me pediu pra trabalhar como amigo ontem de noite, não foi por isso. Queria mesmo amigar contigo. O salário funcionou só como uma ajuda de custo, tipo incentivo.

O moreno sorriu, a tensão em seu corpo se esvaindo como pó quando bate o vento. Foi satisfatório ouvir aquilo de Kyungsoo, porque o deixou satisfeito consigo mesmo no mínimo uma vez na vida. Alguém estava saindo com ele — em pelo menos um dos sentidos da palavra —, simplesmente por ser Jongin. Não Kim Jongin, o cara rico. Mas Jongin, o que dançava no meio da madrugada, falava sozinho frente ao espelho e criava fanfics mentais sobre a vida de seus empregados (o que, talvez, não fosse digno de muito orgulho). Mesmo assim, não podia evitar.

Naquela noite, quando pôs a cabeça no travesseiro, tinha Keep a Knockin' fritando seus tímpanos, impedindo-o de pregar o olho, tal qual Kyungsoo — que insistia em morar no seu pensamento. O rapaz baixinho, quase do outro lado da cidade, em seu apartamento de ralo entupido, mal tinha ido e já fazia falta. "Foi só um dia, Jongin", repetia para si mesmo. "Só o conhece há um dia". Mas como poderia evitar? Kyungsoo fazia o biquinho mais fofo que já vira!

Tratou de começar a tecer uma vida ficcional para seu mais novo contratado assim que o relógio bateu as duas da manhã. Não quis, propositalmente, fazer aquilo, mas começara se questionando sobre os pais do rapaz e, quando percebeu, já tinha criado a vida toda de Kyungsoo. Em sua cabeça, ele cursava Engenharia e lia apenas o necessário. Não sabia por que, mas talvez pelo linguajar do mais baixo, simplesmente achava que ele não ia muito com a cara de livros. Segundo seu roteiro, na infância, também tivera um cachorro chamado Bibo — que vivera pouco, mas que configurava o maior amigo que Kyungsoo já fizera. Inventara paixões avassaladoras e corações partidos, mas tratou de apagar as linhas que tinha metaforicamente escrito. Em suas divagações, Kyungsoo não era desses de se meter em relacionamentos, então nunca tinha estado em um.

Queria saber até onde suas especulações eram reais — até onde tinha um bom senso de clarividência. Adoraria descobrir estar errado sobre tudo. Pela primeira vez, sentia que poderia conhecer alguém verdadeiramente; a ponto de não precisar inventar fatos sobre uma pessoa, numa vã esperança de não se sentir tão sozinho. Queria ouvir da boca de Kyungsoo seus gostos, opiniões, sua história. Queria fazer aquilo, sabendo que tinha um homem verdadeiro a sua frente. Lidar com os rasos e mascarados já o tinha cansado.

Não sabia quando ficara tão carente, mas, de repente, abraçava o travesseiro como se fosse Kyungsoo. Ria da própria imbecilidade, do modo fácil com o qual se derretia por alguém. Era, de fato, um estúpido. O irmão sempre o alertara sobre isso; o pai, de igual maneira. "Não seja tão sentimental, tão bobo assim". Jongin nunca deu ouvidos àquilo antes, porque sempre lhe pareceu errado. Suprimir as coisas que sentia, enterrá-las como se não existissem; quem fazia isso era Jongseo. Por isso o pai deixara a empresa sob sua administração; ele tinha o sangue-frio de um líder corporativo.

Jongin nunca saberia. Ele tinha o sangue de um bailarino, um jovem apaixonado. Com todos os defeitos empilhados num canto, formando uma grande torre, Jongin tinha certeza de que uma coisa ele não poderia ver no meio de seu arranha-céu de falhas. Frio era algo que não conseguia ser. Não por muito tempo. Não quando ainda sentia o coração bater, quente, dentro do peito. Não quando Kyungsoo fazia um biquinho.

(Pelo visto, não conseguiria tirar aquilo da cabeça tão cedo).





+

hell yeah!

sim, é a fanfic que eu pedi pra vocês me ajudarem com o nome. eu fiz pra nisabel, minha melhor amiga, que infelizmente não tem mais wattpad. é pra ter só três capítulos, essa fanfic, mas se eu endoidar é capaz de ter uns 10 lskdjsdkfjdk espero que gostem! o link da playlist com as músicas que a personagem do jongin escuta vai estar no link externo. até a próxima!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top