Capítulo V : Detetive Hugo!

Hugo olhava a sua volta, procurando algo que ele mesmo não sabia o que era. Depois de alguns segundos de puro silêncio e confusão, dirigiu-se à Amora, não com palavras, mas com um olhar que dizia " Por quê? "

- O que você achou? - Perguntou a garota.

- Foi a coisa mais perturbadora e intrigante que eu já ouvi! Me deixa ver! - Exclamou tentando puxar o livro dos braços da ruiva, ela, no entanto, esquivou-se no exato momento.

- Pode ver, sem tocar! - Advertiu exibindo a página ao amigo. - Eu te falei, caligrafia! E não tem nada a ver com a minha! Se quiser, posso te mostrar minha letra.

- Não, tudo bem. - Respondeu calmamente, mas num tom distinto do habitual.

- Você está chocado! - Exclamou aos risos, fechando o livro na cara de Hugo.

Uma pequena nuvem de poeira formou-se no ar.

- Eu? - Questionou ofendido. - Não, não estou... Só estou pensando na possibilidade de você estar certa.

- Hmm... Continue. - Disse fazendo cara de interessada.

- Claro que apenas o nome não é uma prova. Existem muitas Julietas no mundo. Mas a poeira não me deixa mentir, isso aí é velho. A pessoa que escreveu faz parecer que isso é de verdade, mas quem não garante que essa foi a ideia dela.

Amora levantou as sobrancelhas, estava prestes a falar algo quando o garoto a interrompeu:

- Mas é claro que devem ter outras histórias aí que te ajudam a sustentar a ideia de que tudo é verdade.

- Você é um garoto esperto. - Disse Amora com seu tom de voz dúbio, o que não permitia Hugo ter certeza se aquilo tratava-se de deboche ou elogio.

Mesmo assim, era um menino muito bem-educado e agradeceu.

- Tenho certeza que você tá doido pra ouvir o resto.

- Claro! - Sua voz exalava euforia.

A expressão de Amora fechou-se:

- Então eu acho melhor você sair e tomar um sol! Ainda está chocado.

- Eu? Você! - Gritou apontando para ela. - Não acredito que você me conta uma história dessas e depois me manda tomar um sol!

- Eu disse, está louco! - Retrucou debochada.

Hugo bufou.

- Mas não tem problema, eu vou com você. - Afirmou num tom de voz mais ameno.

- Vai comigo tomar sol? - Questionou entre risos. Aquela ideia lhe parecia um tanto quanto patética. Amora não parecia o tipo de pessoa que sai à rua apenas para tomar sol.

- Vou! Além do mais, eu preciso ver como a Pandora está.

- Pandora? Ah, sua amiga... - Agora tudo fazia sentido.

- Vamos? - Questionou a garota colocando uma mochila nas costas.

- Claro.

Amora desceu as escadas correndo, enquanto o amigo a seguia vagarosamente.

- Tchau, pai. Vou tomar um sol com o Hugo.

- Tchau, Amorinha. Tchau, Hugo.

- Ãh? Ah, tchau... senhor. - Respondeu o garoto levantando a cabeça envergonhado.

- Ai, por que você demorou tanto? - Perguntou Amora já na calçada com sua bicicleta.

- Eu não vou ficar entrando e saindo correndo da sua casa, né? E eu tava falando com o seu pai.

- Certo... - Resmungou revirando os olhos. - Vamos?

- Estamos indo! - Disse Hugo sorrindo.

Os dois caminhavam lado a lado na calçada, Hugo a passos calmos e Amora empurrando a bicicleta. Um silêncio instaurou-se. Os raios de sol incidiam sobre os cabelos da ruiva, fazendo parte de seu rosto ficar envolto por uma luz meio vermelha, meio alaranjada. Hugo também sentiu os raios em sua face. A garota tinha razão, o sol deixara-o mais tranquilo. Por alguns instantes, ele esqueceu o que faziam. Quando de súbito, Amora fez, mais uma vez, pensamentos florescerem em sua mente.

- Para! Olha.

- O que foi ?! - O garoto questionou assustado.

- Tá vendo aquela moça ali?

Ele colocou a mão sob os olhos, a fim de bloquear o sol.

- Aham.

- Ela é a Julieta. - Afirmou num sussurro.

Até então Hugo só ouvira falar sobre Julieta, não sabia se ele próprio seria capaz de reconhece-la se não fosse por Amora. Ainda assim, ela estava demasiadamente longe para ele compara-la com a versão descrita no livro empoeirado.

- Eu vou falar com ela. - Disse num tom firme.

- Você vai o quê? - Questionou arregalando os olhos. - E vai falar o que pra ela, espertão?

- E-eu não sei. Mas se a gente vai provar se as suas histórias são verdadeiras ou não, eu preciso falar com ela.

- Desde quando a gente vai fazer isso? - Perguntou com as duas mãos na cintura.

- Mas você quer provar, não quer? - Disse com seus olhos brilhantes e seu ar esperançoso.

A garota resmungou, mas por fim cedeu.

- Se alguém perguntar, eu não estive aqui e eu não faço a mínima ideia do porquê você foi falar com ela.

- Fechado!

- Então eu vou procurar a Pandora e você vai...

Antes que ela pudesse concluir a frase, o garoto pegou a bicicleta e desceu a rua ao encontro de Julieta. Amora observou-o correndo e o achou demasiadamente tolo. Ao menos era um bom ouvinte. Virou a esquina e continuou seu caminho até Pandora.

Hugo não tinha certeza de suas pretensões quando pegou a bicicleta de Amora e saiu em disparada. Se tivesse pedido antes, ela o teria alertado sobre os freios que não estavam tão bons como de costume. Estava sendo um tolo e provavelmente assim pareceu para Julieta, principalmente quando ele levou um tombo bem diante de seus olhos.

- Ah, você está bem? - Perguntou a moça afastando-se de sua roseira e indo em direção ao garoto.

- Aii- Acho que vou ficar bem, daqui uns segundos... Minutos...

- Nossa, querido, você está sangrando. Espere aqui, vou buscar uns curativos pra você.

Hugo estava tão atordoado que nem teve tempo de pensar ou questionar o que estava acontecendo. Ele simplesmente ficou sentado na beira da calçada, próximo ao portão de Julieta, aguardando o seu retorno. Se tivesse planejado algo, definitivamente não seria assim o desenrolar de seu plano.

- Voltei! - Exclamou a moça, praticamente cantando. - Você tem que tomar mais cuidado com essas coisas, querido. - Disse colocando curativos em sua testa e em seus joelhos.

Ele encarou-a. Seus cabelos eram castanhos e compridos. Seus olhos claros e brilhantes, eram um misto de azul e verde. Suas bochechas estavam bem rosadas e suas mãos encobertas por luvas de jardinagem. Suas feições eram simpáticas e sua voz era doce. Perdeu-se durante alguns instantes nos olhos daquela estranha.

Quando percebeu o que estava fazendo, levantou-se envergonhado:

- Não precisa de tudo isso não, moça. Obrigado.

- Já é um rapaz crescido. - Ela disse entre risos. - Quantos anos tem?

- 14.

- É uma ótima idade. - Disse sorrindo. - E qual o seu nome?

- Meu nome? Hugo. - Falou enquanto levantava a bicicleta. Foi nesse momento que se deu conta que era ele quem deveria conduzir as perguntas. - E você? - Questionou num tom alto e atrapalhado.

A moça riu.

- Julieta. - Sua voz soou extremamente bela ao pronunciar o próprio nome. Era quase como se ela estivesse pronunciando encantamentos.

Hugo não sabia o que fazer.

- Quer um pouco de limonada?

- O quê?

- Limonada, você vai se sentir melhor.

Antes que ele pudesse responder, Julieta caminhou até uma mesinha perto da roseira e pegou um grande copo de vidro com um canudo retorcido, desses coloridos, que as crianças gostam.

- Eu não tomei nem um pouquinho. Pode tomar.

- Obrigado.

Tomou bem pouco e depois devolveu-lhe o copo.

- Estava gostoso? - Ele concordou com a cabeça. - Ótimo!

Hugo não sabia mesmo o que fazer.

- Vejo que é amigo da Amora. - Disse de forma ríspida.

O encanto quebrou-se.

-Como... Como você...

- A bicicleta. - Julieta respondeu antes que ele pudesse concluir seus pensamentos.

O garoto olhou para a bicicleta, frustrado. Olhou para Julieta que acenava para um casal que passava na calçada oposta. Olhou para o copo de limonada. Olhou para os curativos vermelhos de sangue.

- Você sabe quem eu sou, não é? - Hugo sentiu um tom de ameaça na voz de Julieta.

- Eu estou aqui para descobrir. - Retrucou surpreso com sua própria coragem.

- Sei que aquela menina deve ter te contado histórias, mas francamente, você acredita nelas?

O garoto permaneceu em silêncio.

- Aposto que ela falou que o livro que a encontrou e não o contrário. Ela explica, mas não explica, ela fala muito e não diz nada, você pergunta e ela não responde.... Se vai passar parte de seus dias preso aqui, nessa cidade eu aconselharia você a gastar melhor o seu tempo.

- Como sabe que eu tô preso aqui?

- Boa tarde, senhorita Julieta.

- Boa tarde! Como vai? - Cumprimentou um senhor que passava pela rua.

- Hugo, eu não sou uma pessoa ruim. - Ela prosseguiu ignorando a pergunta do menino. - Você vê. Eu conheço a maioria das pessoas dessa cidade. Eu mantenho essa cidade. Se acha que sou eu quem importuna as pessoas, vá e pergunte à elas. A resposta será totalmente o contrário do que pensa.

O garoto continuou encarando-a.

- Mas eu não vou podar você. - Disse pegando sua tesoura e prosseguindo com o trabalho de jardinagem. - Não vou, detetive Hugo. Eu só vou podar as rosas vermelhas.

Depois disso, Hugo pegou a bicicleta e voltou ao encontro de Amora. Em sua mente, estavam alojadas todas as palavras que não conseguira proferir. E movido por suas inseguranças, chegou ao lugar em que haviam se separado.

( Artista: @peffersteak_)

Lá estava a garota, sentada na calçada, com os pés esticados no asfalto e os cabelos sendo iluminados pelas luzes do anoitecer, juntamente com as luzes da rua que se acendiam. Seus olhos, fechados, eram a personificação da calmaria e em seu colo, repousava uma gatinha preta.

Ao ouvir os passos do garoto, abriu lentamente as pálpebras. O amigo estava branco como papel.

- Você está branco que nem papel. - Disse erguendo a cabeça para que seus olhos encontrassem os do menino.

Quando viu a face de Amora, as palavras de Julieta ecoaram em sua mente:

Ela explica, mas não explica, ela fala muito e não diz nada, você pergunta e ela não responde.

Será que Amora estava mentindo?

- Já encontrou sua amiga? - Questionou afobado tentando puxá-la pelas mãos.

- Nossa, sua mão tá gelada. Você tá bem? Senta um pouco aqui.

Ele sentou, tentando se acalmar. Mas já não havia sol para que ele se acalmasse.

- Minha amiga está bem aqui - Disse apontando para Pandora.

- Ah, essa é a Pandora? - Falou um tanto surpreso. Imaginava Pandora como uma pessoa.

- Pandora, esse é o Hugo. Não se preocupe, ele é legal.

A gata miou. Parecia respondê-la.

- Ela foi o motivo da briga de hoje. - Amora admitiu em suspiros.

Hugo estava surpreso e confuso quanto ao que ela dizia. Vendo suas feições de dúvida, a garota tratou de explicar.

- E por causa disso, olha só. Tá vendo esse sininho.

- Assim como o da história. - O garoto disse em voz baixa.

- Agora pra mim ficou claro que elas se conhecem. É óbvio que ela colocou isso na Pandora. Eu só não sei o porquê. Talvez seja só um aviso pra eu parar de me meter no caminho dela...

- Mas, por que você não tira?

- A Pandora não deixa. Parece que ela quer me dizer alguma coisa.... Eu não sei ainda o que isso tudo quer dizer... - Quando falava isso, seu semblante entristecia. - Ei, mas como foi lá? - Completou num tom de voz mais animado e dando um toquinho no braço do menino.

Ele suspirou.

- Eu caí. - Apontou para os joelhos. - Ela me colocou essas coisas, me ofereceu limonada, eu tomei .... Ah, desculpa eu fui um desastre total... - Lamentou colocando as mãos na cabeça.

- Mas o que achou dela? - Questionou numa voz calma que transparecia sua genuína curiosidade.

- Estranha, bonita.... Eu não sei...- Ao pensar em Julieta achou-a em certos aspectos parecida com Amora. Ambas tinham seus momentos de doçura, mas, também sabiam muito bem como ser uma pessoa azeda.

- A descrição bate. - Prosseguiu após segundos de silêncio. - Ela pode ser a Julieta do seu livro, com exceção de que ela teria mais de cem anos.

- É... - A menina concordou acariciando a gata.

- Eu preciso de outra história! -Exclamou desesperado.

Amora pegou a mochila, tirou o livro e o abriu.

- Tudo bem, mas se você ficar fazendo escândalo, eu vou embora e te deixo aqui.

_______________________________________________

Imagem de capa

Créditos: ???

Você sabe quem é o artista? Nos ajude a creditá-lo! 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top