+5 - Kurt Turner - 2015
Nem o inferno aceitou Jack da Lanterna, porque ele era pior do que o diabo.
O cair da noite indicava a hora de sair. Contudo, parei no meio do corredor para não interromper a conversa das duas garotas que aguardavam o elevador. Enquanto uma parecia desanimada, a outra expunha certo aborrecimento.
— Por que não esquece seu namorado careta só um pouquinho, Grace? Você ficou uma bruxa linda nessa fantasia. Muda essa cara! Anthony não quis vir pra festa com a gente, tudo bem, mas ele não pode mandar na sua escolha. E digo mais, ele merece que os pestinhas da vizinhança transformem a casa dele num grande ovo mexido essa noite.
Ao se entreolharem, em vez de debaterem, as duas riram.
— Queria que Stingy Jack visitasse ele hoje — disse Grace — e que o ensinasse que até pode odiar o Halloween, mas que a tradição é importante.
— Cuidado. Desejos de bruxas se realizam, principalmente nessa época do ano.
Elas pegaram o elevador e mais risadas soaram até a porta se fechar.
Decidi esperar pelo próximo.
Desci dois andares, antes de o elevador parar para uma bruxinha, um fantasminha e um diabrete. Eles contavam os doces do começo da noite nos baldinhos em formato de moranga, porém perderam o foco quando me notaram. Os olhos das crianças brilharam para minhas roupas esfarrapadas e cabeça de abóbora maligna.
— Que o senhor seja louvado nesse dia tão incrível, oh glorioso Jack da Lanterna. — O diabrete abraçou minhas pernas e me mostrou um grande sorriso. — Doces ou travessuras?
Usei um truque antigo para tirar três bombons da manga, fazendo parecer mágica.
— Legal! — as crianças disseram em conjunto.
— Obrigada, senhor.
A bruxinha agradeceu e os três saíram correndo no primeiro andar, para continuar a busca aos doces.
Desapressado, deixei o prédio e caminhei com meu saco de lona às costas. Crianças fantasiadas iam e vinham. Algumas, acompanhadas dos pais ou irmãos mais velhos, me pediram fotos. É divertido ser atraente. No entanto, não havia tempo para brincadeiras. Meu trabalho estava à minha espera.
Andei por uns quarenta minutos, até parar diante da única casa sem enfeites temáticos. Assisti a um grupo de garotos jogarem ovos na fachada e fugirem, depois, abri as portas externas do porão. Voltei para tocar a campainha e me apressei para entrada alternativa já disponível.
O dono da casa saiu pisando duro, enquanto eu resgatava o taco de hockey, abandonado entre outras coisas aleatórias, e subia as escadas do porão.
— Vou dar uma surra em vocês, estão me ouvindo?!
As crianças já estavam longe para considerar a ameaça. De qualquer forma, a única coisa a se temer no ambiente era a sombra não convidada atrás do homem. Esperei que batesse a porta para atingi-lo na cabeça. Ele caiu como uma bosta. Um chute serviu para me certificar de que o desmaio não era uma atuação.
Em seguida, o arrastei até o porão. Tive cuidado com tudo, a não ser com a cabeça dele, que bateu nos degraus conforme descíamos. Após ligar a luz, o amarrei sob nós apertados a cantarolar. Ao fim da tarefa, removi plástico preto que cobria meu caixão de vidro, levantei a tampa e coloquei o homem lá dentro.
Admirei minha obra por apenas um instante. Não teria paciência para esperar que minha presa acordasse por conta própria. Então, atirei um balde d'água em seu rosto.
— Que porra é essa?! — ele indagou, subitamente desperto.
Pela expressão, ele não gostou do som metálico vindo do saco de lona assim que soltei no chão. Em vez de responder a pergunta, desembolsei um facão afiado para aquela noite especial.
— Não, não, não! Por favor, leva o que quiser, mas não me mata!
— Posso levar o que eu quiser?
— Isso! Leva o que você quiser!
— Quero levar sua cabeça.
— Socorro! Socorro!
Observei-o gritar até engasgar com a própria saliva. Nos segundos em que ele buscava fôlego para continuar o escândalo, tirei a meia fedorenta do pé dele e a usei para amordaçá-lo. Para evitar que ele cuspisse, pressionei a palma da mão sobre sua boca. Em sequência, com a mão livre, virei a cabeça dele para aumentar as chances de ele interpretar direito minhas próximas palavras.
— Você não visita muito seu porão, não é Anthony? Tá vendo as caixas de ovos ali? Atrás delas, tem uma camada de feltro. Isso quer dizer que vamos precisar de um ar-condicionado e que ninguém vai te ouvir.
— Ah, meu Deus... — ele balbuciou.
— Deveria ter acendido as lanternas.
Busquei a caixa menor ao lado da escada. Embora o recipiente também fosse de vidro, o conteúdo também estava escondido no plástico. Anthony me analisava, aparentemente, cansado da própria gritaria.
— Conheço sua voz... Puta que pariu... É o amigo retardado da Grace. Filho da puta desgraçado... Quando eu sair daqui, vou te matar de porrada!
— Sair daí?
Assim que coloquei a caixa pequena no chão, a inquietação interior tornou-se pior do que Anthony poderia fazer. Então, ele prestou mais atenção.
— Que merda é essa?
— É só uma experiência. — Removi o plástico, revelando três dezenas de ratazanas. — Você esmaga ratos muito bem, não? Gosta de fazer isso?
— Que porra de pergunta é essa?!
— Elas estão há dois dias sem alimento. Quer saber o que acontece quando as opções são retiradas do cardápio? Li em algum lugar que canibalismo é o último recurso de sobrevivência pra maioria dos animais. Eu arriscaria dizer que estes estão quase lá... Ah, quanto somos capazes de aguentar pra não ter que sacrificar um dos nossos? Se minha teoria estiver correta, veremos pequenas ratazanas devorando uma serpente.
— Não! Por favor!
Sem hesitar, inclinei a caixa para impulsionar a saída das pequeninas pela abertura arquitetada.
— Deveria ter acendido as lanternas.
Era fascinante observar as roedoras pararem de guinchar para que a agonia de Anthony se iniciasse. Muito choro, catarro e saliva. Durou e durou.
Esperei que elas enchessem as panças. Depois disso, Anthony não tinha mais tanta força para espernear. Hora de seguir com a noite. Peguei a faca e puxei os cabelos dele para trás. Então, encostei a lâmina afiada no pescoço esticado.
— Doces ou travessuras?
— Por favor...
O filete vermelho na pele dele foi consequência de uma pressãozinha.
— Doces ou travessuras?
— Eu te disse, pode levar o que quiser! É sério, não vou dizer nada pra ninguém! Por favor, me deixa sair...
Hesitei por um momento, sem piscar ou desviar o olhar. Enfim, resolvi me aproximar do ouvido dele para sussurrar o erro que ele havia cometido outra vez, já que ele demorava para entender.
— Deveria ter acendido as lanternas.
Sangue jorrou após meu movimento rápido e preciso. Anthony logo parou de se mover. Apesar de aquele tipo de faca não ser feita para decapitação, dei o meu melhor no procedimento. Em seguida, enrolei a cabeça num saco de lixo, antes de jogá-la no meu saco de lona.
Fiz o mesmo caminho de volta para casa, ainda mais apontado como uma celebridade.
— Caramba! — comentou uma abelhinha. — Parece sangue de verdade!
— É só... xarope de milho com corante.
Alguns adultos olhavam desconfiados para o pinga-pinga da minha bagagem, mas considerando suas próprias explicações às crianças, não existia razão para me preocupar. Assim, continuei minha caminhada tranquila ao lar.
Novamente no prédio em que tudo começou, entrei no apartamento da garota que desejou meu despertar naquela noite. Pelas luzes desligadas, ela não havia chegado da festa. A escuridão dentro da residência era densa demais para uma noite de Halloween...
Depois de colocar meu saco de lona sobre a mesa de centro, percebi algo em meu bolso. Tratava-se de uma carta, de Kurt Turner, para Grace Lohane.
Querida Grace,
Como foi a festa? Desculpe não ter aceitado seu convite. Deus sabe o quanto eu queria ter ido com você, mas, esta noite, não pude estar com ninguém. Me doei, na esperança de que o dia amanhecesse melhor para nós dois. Eu só... não posso explicar.
Nos conhecemos há bastante tempo, não é? Geralmente, as pessoas não percebem suas transições de amigos para melhores amigos, mas me lembro de quando aconteceu com a gente. Fiquei de olho roxo, porque não queria que você fosse a pessoa machucada. Nunca fui corajoso, até te conhecer...
Grace, há uma semana, escutei atrás da porta, sua briga logo após de transar com Anthony. Vi sua amiga da faculdade te consolar, vi as marcas que ele deixou... e vi quando se escondeu para chorar. Anthony se acha Deus na Terra... só que o diabo veio para confrontar Deus.
Independentemente do que aconteça, preciso confessar que te amo e que eu faria qualquer coisa para te ver feliz.
Espero que tenha tido um dia maravilhoso,
Kurt Turner
Meu tempo estava acabando.
Após deixar a carta diante da porta de entrada, me despi de minha abóbora e a repousei ao lado do saco de lona. Tinha em mente que a cabeça de Anthony se acomodaria melhor dentro da moranga, enquanto eu aguardava Grace no canto mais obscuro do apartamento.
Ao mesmo tempo em que a movimentação se intensificou na rua, Grace chegou. Era quase meia-noite. Pude ouvir passos em saltos altos, saindo do elevador. Ela ria sozinha.
Por alguma razão, Grace não se intimidou ao encontrar a carta. Talvez estivesse muito bêbada. Acendeu a luz do corredor para ler, com um sorriso no rosto. No avançar da leitura, suas sobrancelhas se uniram. Quando terminou, ela acendeu a luz da sala de estar, que agiu como holofote sobre a abóbora esculpida ensanguentada.
A Grace empalideceu instantaneamente. Não achei que ela fosse realmente erguer a abóbora para conferir o novo miolo. Com a mão tremendo sobre a boca, olhos arregalados e lágrimas incessantes, ela se afastou, em cautelosos passos para trás, até esbarrar no balaústre da sacada.
— Onde estão as lanternas, Grace?
Ao ouvir minha voz, a garota olhou para mim. Tudo o que ela enxergou foram manchas de sangue do namorado. Avancei apenas um passo.
— Deveria ter acendido as lanternas.
Foi impressionante como Grace Lohane caiu, simplesmente desmaiou na beira da sacada. Ouvi o corpo atingir o chão lá embaixo e os gritos das pessoas logo em seguida. Por um momento, pareceu que ela que queria se matar.
Daquela sacada, vi uma multidão vestindo branco com cartazes nas mãos. Grace roubara a cena. Tinha todas as atenções, como a atração principal de um circo. Pelo visto, apenas meus olhos sem brilho não foram capazes de identificar algo de especial ou inovador na queda dramática.
~~🐍💀 🐍~~
Olá, leitor(a)!
Confesso que tem sido difícil para mim, rever o passado para fazer as devidas atualizações. O cansaço de trabalhar num projeto que não termina vem com a nostálgia. A promessa foi entregar um upgrade de HIPNALE+ e o romance, inédito, HIPNALE. Taís Ramos não faz promessas que não pode cumprir. So... let's bora! 💪
Dedico este conto a Dude_one, porque ela comentou ter perdido uma noite de sono fazendo teorias até a leitura este conto. 😅💖
Novo(a) leitor(a), peço encarecidamente que vote nos capítulos e comente o que está achando. Amo quando conversa comigo! 🥰
Te vejo por aí. 🖤
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