Ordem Real
Não foi difícil seguir o rastro do demônio, era só seguir os pingos de sangue. Ailynn liderava o grupo seguida dos cavaleiros e Mestre Duryen. Dornall cansou-se com facilidade, ficando um pouco para trás. Gritos de criados e outras pessoas que circulavam por ali podia ser ouvidos pelos perseguidores.
— O monstro foi por ali!
— Um demônio!
— Ahhh!
Seguiram por corredores internos do palácio até virar uma esquina. Chegaram a um dos corredores laterais com acesso a um dos jardins de inverno, dois andares abaixo. Era um longo corredor aberto à esquerda, com sacadas cheias de plantas em jardineiras e colunas espaçadas, formando janelões ogivais entre as mesmas. Foi ali que perderam o rastro da criatura.
Ailynn diminuiu o ritmo, olhando de um lado a outro. Teria o demônio saltado para baixo? Ela aproximou-se da sacada mas antes que se inclinasse para olhar lá embaixo escutou o grito de um dos cavaleiros. O demônio havia se escondido em algum lugar, talvez um arbusto, e saltou veloz se enroscando no pescoço do cavaleiro. Ele caiu no chão, levando as mãos à garganta que sangrava muito. Um dos tentáculos mordeu o rosto do outro cavaleiro servindo de apoio para a criatura pular de um para o outro. O homem gritou sentindo os dentes afiados cravados em seu rosto, afundando em sua bochecha de um lado, e na orelha do outro.
Ailynn girou sua espada na para cortá-lo, mas o monstro se encolhia e esticava com grande velocidade. Não parecia ter nenhum osso no corpo. Enroscou-se no segundo cavaleiro e o tomou controle deste com incrível velocidade. O cavaleiro controlado, sem a carne em um terço de seu rosto, avançou com a espada contra a Capitã. Ela aparou o golpe. Flanqueando- pelo outro lado, Duryen cortou fora a mão do possuído, fazendo a espada cair no chão. Ailynn atacou o demônio, mas este escorreu pelo corpo do cavaleiro com agilidade, desviando-se do golpe. O rapaz não teve a mesma sorte e recebeu um corte fundo nos ombros. Aquela coisa conseguia olhar para ambos com uma dúzia de olhos que se projetavam de todos os lados da cabeça espinhosa. Era um demônio de tons escuros entre o púrpura e o negro.
Ele disse usando a boca ensanguentada do cavaleiro — Lorde Grevos os terá! Todos vocês!
A coisa saltou do rapaz na direção de Duryen. Uma massa de olhos, bocas e tentáculos. O experiente guerreiro manobrou para escapar do ataque e conseguiu cortar um dos apêndices com sua lâmina. O Djabarnush caiu no chão, melecando-o de uma mistura de sangue humano e a gosma escura que saia dele. Correndo sobre uma dúzia de quase pernas, o demônio enroscou-se na perna esquerda de Duryen e a mordeu em dois lugares. Em resposta, foi espetado pela espada do professor. Uma dor horrível percorreu o corpo de Duryen. Sentia suas entranhas queimarem. A criatura havia injetado algo tóxico dentro dele. Duryen caiu para trás estrebuchando e em convulsões.
Neste momento, Dornall cruzou a esquina e tomou noção do que ocorria. Viu que restavam apenas Ailynne o demônio. Os três outros estavam caídos e agonizando.
O demônio acelerou na direção de Aylinn com intenção de dar a ela o mesmo fim que dera ao mestre de armas, mas antes que pudesse atingí-la, seu corpo travou, pois recebia um forte ataque mental disparado por Dornall.
"Rápido, acabe com ele, Ailynn" a voz de Dornall soou em sua mente.
Ailynn evocou os sagrados ofícios fazendo sua lâmina tornar-se flamejante. Acertou-o diversas vezes até que a criatura relaxou a forte musculatura reduzindo-se a uma massa de carne estirada no chão. O potente veneno da criatura tirou a vida de Duryen e os outros dois cavaleiros também não resistiram aos ferimentos. Com a criatura derrotada, uma sensação ruim veio à mente dela.
— Fique de olho na criatura — instruiu a Dornall — precisamos ter certeza de que está morta.
Ela seguiu o caminho de volta, primeiro andando ligeiro e depois correndo. Quando chegou de volta ao salão, encontrou-o já com algumas pessoas prestando socorro aos feridos. Entre estes, estava Hégio. Estava inconsciente e sua vida pendia por um fio. O médico disse — O pulmão dele foi perfurado, está cheio de sangue. Ele ainda respira com o outro, mas debilmente. Não há muito o que fazer.
Ela apoiou seu rosto em suas mãos. "Não, não! Não morra!"
— Capitã — um de seus antigos subordinados havia chegado ali com más notícias — Os homens de Whiteleaf enviaram uma mensagem de ultimato. Se os portões não forem abertos até o fim do dia, conforme os termos previamente enviados, eles iniciarão o ataque.
— Eu não sou mais sua Capitã! — ela gritou em resposta.
O Príncipe Edwain recebia tratamento ali perto e disse, esforçando-se — Com o Arquiduque e o Capitão Jarden mortos, eu a nomeio novamente, Capitã dos Blackwings. Na falta de um comandante superior, você irá também ser a comandante de todas as forças locadas dentro das muralhas de Kamanesh.
Ela ficou em silêncio, segurando o rosto de Hégio, ainda sem saber o que fazer.
— Isso é uma ordem, Alteza?
— Sim, é uma ordem de seu rei. — ele retrucou com firmeza.
— Rei?
— Sim, os conselheiros e membros do clero aqui reunidos, dada a situação, resolveram finalmente me coroar.
Ailynn olhou-o novamente com atenção. Havia uma coroa afundada de modo desajeitado na cabeça do rapaz.
— Muito bem. Cavaleiro Rencock, me ajude a carregar este homem — ela ordenou ao cavaleiro que trouxera as notícias.
— Para onde, Capitã?
— Para a academia, rápido!
Levaram-no com alguma dificuldade, mas antes que saíssem do palácio, arranjaram uma maca e a ajuda de mais três homens para carregar Hégio até a academia.
— Rencock, fique aqui e reúna no pátio todos os Blackwings capazes de lutar. Eu não vou demorar.
— Sim, Capitã! — ele respondeu com satisfação. Era possível que a cidade caísse em breve nas mãos dos nortenhos, mas ele estava feliz de ter de volta sua comandante.
Na saída do palácio, ela arranjou uma carroça para transportar Hégio. Chegariam mais rápido assim. O clima era tenso na cidade. Havia numerosas patrulhas pelas ruas a fim de manter a ordem. A carroça entrou pelos portões da academia e os soldados ajudaram a Capitã, levando o ferido novamente na maca.
— Deixe um dos cavalos — ela ordenou ao condutor da carroça. — Vou precisar dele.
— Sim, Capitã.
Ela seguiu com os soldados para o interior da academia até que pediu para pararem.
— Deixem-no aqui! — estavam no meio de um corredor.
— Aqui, senhora?
— É, não ouviu? Agora vão, de volta ao palácio! — ordenou. O trio obedeceu, achando muito estranho deixar o rapaz ferido no meio de um corredor.
Ela aguardou eles sumirem de vista e acionou uma pedra na parede. A passagem se abriu e ela arrastou Hégio para dentro do jardim oculto. Estava quase exausta, mas fez um esforço extra para arrastá-lo até a árvore dos frutos dourados. Pegou um deles e tirou um pedaço e colocou-o na boca de Hégio. Amassou o restante com a mão, fazendo escorrer o sumo e pingar sobre o ferimento em suas costas.
— Vamos Hégio, coma isto! Coma!
Ele não se movia. Ela pegou mais um punhado de frutos e espremeu-os sobre o ferimento. Aos poucos, viu o corte borbulhar e fechar. Tirou o pedaço de fruto da boca dele e começou a espremer o sumo direto na garganta. Ele engasgou e então engoliu.
— Já é o suficiente — disse-lhe o nam-Lu de Lalith.
— É? — ela disse com lágrimas nos olhos.
— Sim, minha filha. Deixe-o aqui. Cuidaremos dele. Agora vá! Precisam de você lá fora.
— Eu não sei se posso... O rei é só um garoto. Não temos homens para defender todo o perímetro da muralha.
— Não importa, há trabalho a ser feito que cabe a você. Faça então o melhor que puder. Antes, coma um fruto e faça uma prece
Ela pegou um dos frutos e comeu. Fez sua prece aos deuses, pedindo força, coragem e sabedoria. Sentiu suas forças retornarem e partiu para a saída do jardim.
— Obrigada, Vó Lalí!
A Capitã pegou o cavalo e o fez galopar em direção ao palácio. Depois de cruzar a ponte, viu um dos blackwings, também montado que vinha a seu encontro. Era Rencock.
— Capitã, novidades! — ele disse.
— Boas ou más?
— Não sei ao certo, senhora. Tropas lacoresas chegaram pelo Portão Leste.
— Quantos?
— Dez mil, talvez. Enviaram uma mensagem dizendo que vieram ajudar. Mas será que podemos confiar neles? Poderia bem ser um armadilha. Alguns acreditam que os nortenhos tem agido sob o comando do Rei Kain.
— Até onde sei o Príncipe Kain é um homem honrado. Se ele quisesse tomar Kamanesh, poderia tê-lo feito há mais tempo e sem a ajuda de Whiteleaf. Vamos até lá.
Os dois deram meia volta e seguiram para o outro lado da ponte, passando ao largo da muralha de Clyderesh. Chegando ao portão, Ailynn desmontou e tomou uma das escadarias para subir até as ameias.
— Veja Capitã — Rencock indicou a bandeira amarela com o dragão negro. — Aquele é o estandarte de Kain. É possível que ele tenha vindo pessoalmente?
A Capitã apertou a vista na direção da bandeira. E então sua mente percebeu a presença de um mentalista. Havia facilidade para duas pessoas treinados nos caminhos do jii estabelecerem comunicação, mesmo através de distâncias maiores. Não percebendo hostilidade nas vibrações, ela acolheu os pensamentos.
"Capitã, desculpe a projeção, mas não devemos perder tempo. O destino de Kamanesh e Lacoresh dependem de unirmos nossas forças, e rápido."
Ela sentiu algo gelado em seu estômago e teve a intuição de que deveria confiar nele.
— Abram o portão — ela bradou. — É a ajuda de que precisávamos para defender a cidade contra os nortenhos!
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