A voz do príncipe

Péssimas notícias chegaram a Kamanesh naquela manhã. Toda porção oeste da cidade amanheceu cercada pelas tropas de Whiteleaf. As tropas kamanenses haviam perseguido os nortenhos, mas uma grande horda de demônios surgiu impedindo seu avanço. Além disso, tropas de bestiais vieram do oeste, encurralando-os. O comandante não teve alternativa senão recuar no sentido contrário, buscando abrigo para as tropas kamanenses dentro das muralhas de Lacoresh.

Os homens de Whiteleaf, em sua grande maioria, estavam sendo ludibriados, acreditando haver sorte e genialidade por parte de seu general. Mal suspeitavam que seu rei e principais comandantes já agiam em favor das hordas demoníacas. Era importante manter a ilusão de que os homens estavam conseguindo vencer a luta contra os demônios.

Eduard, Mark e Arifa observavam os inimigos do alto das ameias.

— Nossa — disse Arifa — são muitos!

Mark falou — Contaram algo como vinte mil deles.

— E quantos temos aqui em Kamanesh, mais ou menos?

Eduard respondeu, conhecia bem esses números — menos que três mil.

— E o nosso exército? — indagou Arifa.

— Está preso em Lacoresh. Surgiram milhares de bestiais, não se sabe da onde. E uma horda de demônios também os atacou. Houve muitas baixas, e foram forçados a recuar.

— Isso foi quando? — ela quis saber.

— Ontem.

Já havia dias que Arifa não se encontrava com seu pai. Ele estava ficando direto no palácio. Galdrik era o segundo comandante dos Balckiwngs, depois de Jarden. Então, nada de informações frescas para ela.

— Como você sabe disso tudo, Ed? — ela indagou.

— Eu acordei cedo e escutei a conversa de uns cavaleiros.

Ela o olhou um pouco desconfiada, mas depois deixou passar.

Mark estava nervoso — Não quero ser pessimista, mas acho que seremos trucidados.

— É — concordou Eduard, depois gesticulou com ambas as mãos, e disse nervoso — Isto, ou então o maldito Arquiduque de Jenesh vai aceitar se submeter à coroa de Whiteleaf. Ele não perderia nada, visto que seu título ficaria do mesmo jeito.

— Talvez isso não seja mau, então. — disse Mark.

— Não fala asneira, Mark! — Eduard retrucou irritado.

— Você está falando coisas estranhas para alguém que nasceu em Whiteleaf. — Arifa franziu o cenho.

— Não espero que compreendam... Eu odeio Whiteleaf, é só isso. — Ed mentiu para ocultar as pistas que deixou escapar. Não pensava direito e emitiu várias opiniões como se fosse o príncipe Edwain. Olhou para a própria mão, abrindo e fechando os dedos. Estava livre da faixa desde o dia anterior, mas os dedos ainda não se fechavam plenamente.

— Asneira, ou não, — retomou Mark — acho que prefiro alguma solução diplomática do que um derramamento de sangue entre reinos irmãos. A verdade é que unidos, Kamanesh, Whiteleaf e Lacoresh, teríamos melhores chances de enfrentar demônios, bestiais e necromantes... Eu não entendo a cabeça desses nobres... Não estão nem aí para o povo... A gente, soldado ralé, que morra para que eles continuem em seus palácios e fortes mandando e desmandando a seu bel prazer.

Ed ficou em silêncio, pensando a respeito. Seria verdade? Pensar naquilo o deixou enjoado.

— Redwall! — gritou uma voz conhecida lá de baixo.

Eduard recuou da muralha e olhou lá para baixo. Assim que estabeleceu contato visual a voz dela veio em sua mente. "Precisamos do príncipe Edwain, desça daí já! Precisaremos de testemunhas também. Traga os de sua confiança."

— É a Mestra Ailynn — Eduard disse a Arifa e Mark. — Tenho a sensação que ela quer falar com nós três.

— Sensação, é? — Arifa olhou para Eduard. O rapaz mentia mal, vinha farejando isso, há algum tempo. Ela havia sentido a projeção do Jii da Capitã. Arifa não poda controlá-lo bem, mas soube que ela e Eduard haviam trocado impressões mentais. — Você é mesmo um mau mentiroso.

— De onde veio isso agora, Arifa? Vamos, dá para ver que ela está com pressa.

Arifa olhou-o nos olhos. Os olhos de um mentiroso e pegou-o pela mão, sem deixar que ele prosseguisse.

— Espera, Ed. Por que você está mentindo?

Ele suspirou e admitiu. — É complicado. Não dá para explicar agora. Eu só...

— Vamos logo, Redwall! Não tenho o dia todo! — Ailynn gritou lá de baixo.

Eduard pressionou os lábios e soltou a mão de Arifa da sua. — Se quiser saber a verdade, vai ter que vir comigo. Venha também, Mark, eu confio em você.

Mark deu com os ombros. Não fazia ideia do que estava acontecendo ali, e achava aquela situação estranha.

Lá embaixo, encontraram Ailynn montada em um cavalo. Estava acompanhada de mais duas outras pessoas com montarias. Um homem com roupas de viajante e com um arco longo nas costas e o próprio Mestre Ivrantz.

— Vamos, subam. — ela indicou.

Mark abriu a boca para protestar, mas ela disse — Já pedi a liberação de vocês para o sargento.

Ed pegou carona com Ivrantz, Arifa com Ailynn e Mark com Hégio. Ivrantz deu um frasco para Eduard e disse — Você vai precisar tomar isso.

Ed ia guardando no bolso do casaco, mas Ivtrantz segurou sua mão.

— Agora? — ele olhou-o assustado.

— Eduard Redwall deve deixar de existir hoje, alteza.

Eles falavam baixo, mas Arifa prestava atenção na conversa com o cenho cerrado.

Eduard bebeu a poção, e na medida que trotavam com os cavalos pelas ruas de Kamanesh a transformação foi ocorrendo. Seus cabelos ruivos perderam a cor. O nariz encolheu, a boca se alargou um pouco, as sobrancelhas ficaram grossas e pronto: ali estava o Príncipe Edwain.

Arifa acompanhou a transformação sem acreditar no que via. Edwain olhou para ela, havia culpa em seus olhos. Ele viu as orelhas da moça ficando vermelhas. Ela compreendeu logo. Muita coisa começou a fazer sentido. Mas sentiu vergonha. Vergonha de certas conversas que teve com Eduard a respeito do príncipe. Do modo que falara da família dele. Não era nada grave, sutilezas. Então entendeu o porquê do príncipe ter dado tanta atenção a ela, no banquete do casamento. Ela desviou o olhar, mantendo os olhos baixos no restante do percurso.

Subiram as ladeiras até chegar perto da muralha que cercava a área do palácio. Os portões estavam fechados. Havia um grupo nas proximidades os aguardando. Eram alguns conselheiros, outros mestres da academia, como Dornall e Duryen, uns poucos cavaleiros e monges. Ailynn desmontou e seguiu à pé. Durante o percurso ela havia dado uma série de instruções a Edward através de contato mental. No final das contas, a inspeção mental que a Capitã fizera em Edwain não obteve sucesso em localizar o vanush, mas construiu entre os dois familiaridade psíquica para travar diálogos mentais, sem esforço.

Edwain conduziu o cavalo para perto daquele grupo. Havia cochichos e desconfiança. Logo reconheceram a figura do príncipe, mas estranharam o fato de estar vestido como um aluno da academia.

— Caros cidadãos kamaneses. Estou certo que vocês estão aqui, querendo saber o motivo dessa reunião. Vou explicar rapidamente e em seguida, ficarei grato, se me acompanharem como testemunhas. Vocês foram chamados aqui por serem importantes representantes dos conselhos, da academia, militares, clero, enfim, são distintos representantes do povo de nosso reino. O que tenho a dizer é grave, e infelizmente, precisa ser dito também num momento grave. Houve uma conspiração, e o Arquiduque de Jenesh, Lorde Jon Tarpin, que hoje comanda legitimamente o reino, está fazendo isso sob influência dos demônios.

Um burburinho de incredulidade tomou todo aquele grupo.

— Não é só isso — Edwain elevou sua voz. — O Rei Aaron, de Whiteleaf, também segue o comando dos mesmos vilões. Seres ímpios que todos vocês já viram, e que pretendem tomar controle de Kamanesh e Lacoresh, através de seus governantes.

Novamente veio uma onda de cochichos... "Isso é um absurdo!" "Loucura!", outro disse.

— Sei que tudo isso parece loucura, eu concordo. Não estou pedindo aos senhores para acreditar em minhas palavras. Peço apenas que me acompanhem e sejam testemunhas. Se ele for, de fato, desmascarado, é importante que o povo de Kamanesh saiba de toda a verdade. É por isso que os senhores foram escolhidos. É por isso que estão aqui hoje.

Aquilo aquietou um pouco os ânimos. Edwain seguiu para perto do portão e falou em alto e bom tom — Abram os portões, em meu nome. Edwain de Kamanesh, legítimo herdeiro do trono.

Os soldados estavam confusos. Tinham recebido ordens para manter os portões fechados.

— Vamos, abram, este é um comando de seu príncipe. — Edwain conseguiu falar de modo a evocar uma aura régia. Havia algo nele que lembrava o velho e bom Rei Dwain em seus melhores dias. Ao mesmo tempo, naquelas semanas em que vinham conhecendo Lorde Tarpin e seus cavaleiros de Jenesh, muitos vinham reunindo uma má impressão a respeito do novo soberano. E não havia nenhum dos homens de Jenesh na guarda do portão para insistir no cumprimento das ordens. Então um deles tomou coragem e bradou.

— Abram, é o príncipe Edwain. E ele está com a Capitã. — a figura de Ailynn ainda era cultuada em toda a cidade, em especial, entre os membros da guarda palaciana.

Os portões se abriram a comitiva de Edwain o seguiu através do pátio e em direção ao palácio.

O Arquiduque estava reunido, no salão do trono, com seus conselheiros mais próximos, seu filho, Ive Tarpin e o Ékzor DeGrossi, com quem vinham negociando um acordo para unificar os três reinos sob a bandeira da Real Santa Igreja e a extinção da Igreja de Kamanesh. Eles discutiam os termos enviados por uma correspondência pelo Rei Aaron de Whiteleaf. Estavam muito confiantes naquele curso de ação.

O príncipe Edwain chegou ao salão, seguido da comitiva e não houve nem mesmo tempo de ser anunciado.

— Mas o que significa isto? — rugiu Lorde Tarpin irritado.

— Bom dia a todos — disse Edwain. Ele estava nervoso, mas conseguia ocultar isso bem. — Desculpem-me chegar assim, e interromper esta importante conferência, mas devido ao teor grave das evidências encontradas através da investigação conduzida junto ao prisioneiro...

— Que história é essa de prisioneiro? — indagou Lorde Tarpin, impaciente.

— Ah, Ékzor DeGrossi, que bom o senhor estar aqui. O prisioneiro de que falava é justamente o demônio do tipo vanush que ajudou-nos a capturar. Aquele que promoveu os assassinatos do Cavaleiro Nathannis, General Kandel, entre outros...

Tarpin interrompeu-o, irritado. — Ande logo com isso, Príncipe Edwain, caso não tenha notado, a cidade está cercada! Está atrapalhando...

— Por favor, Lorde Tarpin — veio a voz potente do mestre Duryen. — Penso que todos nós aqui gostaríamos de ouvir o que o Príncipe Edwain tem a dizer.

Houve manifestações de confirmação por parte das testemunhas convocadas para tal.

Tarpin fechou a cara, apoiando a mão no cabo de sua espada.

— O fato é que o interrogatório do demônio, nos trouxe informações valiosas e é vital que sejam expostas aqui. Primeiro: O Rei Aaron de Whiteleaf foi possuído por um demônio e está agindo em conjunto com eles para nos derrubar. Segundo, demônios do tipo vanush se infiltraram neste palácio e possuíram figuras importantes. Vai nos desculpar se a acusação não puder ser provada, mas o senhor é suspeito de ter sido possuído e ter sido autor, nesta condição, do assassinato dos cavaleiros Zéfiro e Norrel.

— Ora isso é um ultraje! Acha que pode entrar aqui e sair vomitando essas acusações contra minha honra? — Tarpin sacou sua espada. — Que provas tem, seu moleque?

Ailynn e outros também o fizeram. Os homens de Tarpin também se prepararam para um embate.

— Acalmem-se senhores! — a voz de DeGrossi soou alta e esnobe. Ele deu um passo à frente erguendo a mão. — Bem, são acusações severas e é imperativo que sejam investigadas. Não temam, eu, Ézkor Anupi DeGrossi estou aqui. — pediu a um de seus auxiliares. — Dê me o Olho de Uraphenes!

O acólito veio trazendo a caixa e dela o Ékzor retirou o cetro. — Em nome dos Deuses, eu representante da Real Santa Igreja, convoco a sabedoria de Uraphenes e sua luz para encontrar demônios, se eles aqui estiverem!

Tarpin fechou a expressão sua face mostrando puro ódio. Ver aquele religioso evocando energias sagradas era extremamente irritante para ele. A linha de ação que pretendia seguir, de argumentar, e tentar virar o jogo contra Edwain, que também fora possuído no passado evaporou. O ódio começou a consumí-lo. Estava a ponto de explodir.

DeGrossi virou-se para Lorde Tarpin e seus olhos se arregalaram. Olhou em volta, nervoso, suando frio. — Oh, não! — ele disse dando um passo para trás.

— Oh, sim! — Tarpin saltou sobre ele e veloz decepou o braço do clérigo fazendo-o cair no chão junto com o cetro sagrado.

— Kamanesh vai cair hoje! — rugiu Tarpin, sua voz soando engrolada e inumana.

— Ele está mesmo possuído! — gritou uma das testemunhas. Logo, uma grande confusão recaiu sobre o salão. Pessoas tentando fugir, outras sacando suas armas para um embate.

Tarpin empurrou DeGrossi, que gritava, contra o chão com um chute da sola de sua bota e saltou como um gafanhoto, cruzando o pequeno lance de escadas para cima de Edwain. O príncipe ergueu sua lâmina para defender-se, mas ela foi atirada longe tal foi a violência do golpe de Tarpin. Edwain caiu no chão, sentado, com o braço dormente do impacto da pancada que veio pelo cabo da espada. O próximo golpe contra o príncipe foi aparado pela espada da Capitã, que sentiu seu braço vibrar com a violência do golpe.

Uma flecha de Hégio furou o olho de Tarpin, mas isto não o impediu de continuar lutando. Saindo de suas costas, apêndices negros, como tentáculos se projetaram para tentar agarrar a Capitã. Ela saltou para trás, numa acrobacia bem calculada para escapar.

Ivrantz reconheceu a criatura e murmurou com os olhos arregalados— Um Djabarnush...

Jarden, o atual Capitão dos Blackwings, também avançou, matando quem parava em sua frente. Outros três homens de confiança de Tarpin, também estavam possuídos. O caos estava estabelecido e era difícil saber quem era amigo ou inimigo. Espadas e outras armas se cruzavam e magias forma convocadas. Ivrantz projetou duas fortes labaredas de fogo contra o lorde possuído. O demônio largou o corpo de Tarpin, agora em chamas, e revelou sua forma, praticamente ileso. Era como um polvo, cheio de espinhos. A ponta de seus tentáculos possuía pequenas bocas cheias de dentes afiados e em seu corpo se viam uma dezena de olhos. Livre de Tarpin, o demônio atirou raios púrpuras contra os oponentes. Quem era atingido, caía contorcendo-se de dor enquanto bolhas cresciam e irrompiam em suas peles.

Mark correu para socorrer Edwain e o defendeu de um ataque de um dos cavaleiros possuídos.

— Mark! — gritou Ed.

O segundo ataque, o atingiu. Um golpe violento que o atirou sangrando no chão. Ailynn veio no flanco deste inimigo e o decapitou com um golpe limpo. Ivrantz seguiu atirando fogo contra o Djabarnush, mas este ergueu uma barreira que absorvia os ataques. Mestre Dornall paralisou um dos cavaleiros com um ataque mental, enquanto o Mestre Duryen o atravessou com sua espada curvada.

 Hégio se deslocou para a lateral do salão, evitando inimigos, contando com alguma sorte. Disparou uma flecha que atingiu um olho do Djabarnush. A criatura se contorceu toda, rolando para a direção do trono. De repente, a confusão no salão parecia um pouco menor. Havia mais corpos inertes no chão, outros caídos e agonizando e uns poucos ainda de pé e lutando. Edwain conseguiu por-se de pé e viu o campeão de Jenesh matar um dos cavaleiros que viera como testemunha. Ed saltou sobre o corpo e correu para perto de Hégio.

A Capitã avançava para a parte alta do salão, para confrontar o Djabarnush. Este havia se livrado da fecha e mesmo tendo perdido um olho, não faltavam outros para enxergar e lutar. Duryen e Dornall também subiam, junto com mais dois cavaleiros. O demônio era forte, mas sentiu-se acuado e recuou ainda mais, tendo acesso a uma passagem que ficava oculta atrás das tapeçarias penduradas atrás do trono. Os quatro o seguiram para fora do salão.

Edwain olhou para o outro lado e viu um dos cavaleiros de Tarpin avançar contra Ivrantz. O mago parecia exausto e deu um passo atrás. Quando o cavaleiro desceu a espada sobre ele, ela resvalou numa barreira invisível. Edwain estava confuso, sentia-se inútil no meio daquela batalha. Voltou a ver o corpo de Mark caído próximo a seus pés. Ed se culpou por aquilo. Por que ele tinha que tê-lo chamado ali? Ele bem poderia estar na muralha uma hora destas. Ainda estaria vivo. E então sentiu seu estômago gelar, se lembrou de Arifa. Ele também a trouxera para aquele banho de sangue. Seu olhar percorreu cada canto do salão à sua procura. Foi então que a viu.

Arifa gritou — Pai! — e avançou contra o campeão de Jenesh. Este agora enfrentava o seu pai, o Cavaleiro Galdrik. Ele estava perdendo. Recuava com sangue escorrendo da lateral de seu corpo e a espada ainda em posição de defesa, mas trêmula. Arifa entrou na frente do golpe aparando-o com sua espada. Ela não tinha força suficiente e a lâmina voou de suas mãos. Seu pai, caiu sentado atrás dela, perdendo as forças e olhou horrorizado, junto com Edwain o Cavaleiro Jarden girar sua espada para trás preparando um golpe contra a moça desarmada. Uma flecha de Hégio penetrou a viseira do elmo. A cabeça foi toda para trás com o impacto e em seguida o homenzarrão tombou para trás. Arifa voltou a atenção para seu pai, removendo as peças de armadura para poder ver o ferimento.

Edwain olhou para trás bruscamente quando ouviu um grito de dor. Era Ivrantz. Viu o cavaleiro com sua espada atravessando o corpo do velho mago. Edwain pegou uma espada caída e partiu para cima daquele oponente. Atingiu-o na lateral do corpo, mas apenas com uma estocada superficial. Ivrantz caiu agonizando. O cavaleiro possuído, voltou-se para Ed girando sua lâmina ensanguentada. O garoto se ajoelhou para evitar o golpe que passou zunindo a apenas um dedo de sua cabeça. Ele já estivera em situações de desvantagem várias vezes nas aulas do Mestre Farkas, e havia conseguido se safar em algumas delas. Tentou repetir o feito com um rolamento para o lado. Isso o salvou do golpe subsequente, mas o cavaleiro ainda avançava. Ali ele estava: era viver ou morrer.

Lembrou-se de seu avô, e todo o esforço que havia feito para tentar alcançá-lo, ser um rei de sua estatura. Então Ed largou a espada de lado. O sorriso largo juntamente com os olhos vidrados de seu oponente desenharam em seu rosto uma expressão de um maníaco. Ele se permitiu erguer a espada bem no alto e preparar um golpe forte para destroçar o príncipe. Então Edwain exalou todo ar dos pulmões e avançou girando seu corpo enquanto se erguia. Um movimento que usou para concentrar toda energia no punho direito. O golpe físico veio acompanhado de forte um surto de jii. A placa da armadura se amassou com o golpe e o cavaleiro não conseguiu descer sua espada. No lugar disso, foi atirado para trás, sem ar nos pulmões e com as costelas quebradas.

Edwain olhou para a própria mão, endurecida como pedra, sem acreditar no que havia acabado de fazer. Escutava o som de seu próprio coração latejar contra os ouvidos. A próxima coisa que ouviu foi o grito deseperado de Arifa.

— Eduard!

Viu o amigo da Capitã, o Sr. Greyhill, caído com uma adaga cravada nas costas. Não muito distante, o pai de Arifa deitado aos pés da filha. Ela tinha uma expressão de dor no rosto, estava sendo puxada com violência pelos cabelos. Segurava uma outra adaga real, como a que abateu Hégio. Era Ive Tarpin e pressionava a ponta da lâmina contra o pescoço de Arifa.

— Quer ajudá-la, hein Redwall? — Ele tinha aquele olhar tresloucado provocado pela possessão demoníaca. Isso significava que poderia contar com força e agilidade ampliadas.

— Largue-a, seu covarde! — Edwain avançou sacando da bainha uma adaga.

Tarpin deu uma gargalhada. Tudo estaria bem para ele, caso estivesse segurando uma donzela apavorada, mas Arifa não era exatamente isso. Suportando a dor de ter alguns cabelos arrancados, ela girou o corpo, dando uma cotovelada no pescoço de Tarpin. O jovem engasgou-se no meio de uma gargalhada e afrouxou sua pegada permitindo que ela girasse novamente para escapar. Edwain correu e chegou perto encontrando Tarpin com um olhar furioso nos olhos. Estava possuído por um vanush, mas devido à sua fraqueza moral, sua psique se misturava à do demônio, um se adaptando ao outro.

— Redwall, vou te matar, maldito. Vou comer sua entranhas e dançar em cima do seu cadáver.

Tarpin avançou com ferocidade. Edwain se esquivou do primeiro golpe da lâmina, mas foi atingido pela sola da bota de Tarpin. Sim, ele estava mais rápido do que da última vez que se enfrentaram. Edwain recuou dolorido. Tarpin seguiu atacando. Primeiro cortou-o no ombro, depois uma joelhada veio contra as costelas. Edwain tentou revidar sem sucesso. Tarpin estava atacando numa fúria cega, cravou a adaga na clavícula de Ed e deu uma cabeçada potente em seu nariz. O príncipe caiu. Tarpin deu uma gargalhada vitoriosa e urrou. Mas então, sangue brotou de sua boca. Arifa atravessou sua espada pelas costas. Tarpin caiu de lado.

Arifa notou algo estranho se mexendo na roupa do rapaz. O vanush estava se separando. Saiu pela parte de baixo da camisa e antes que pudesse olhar ao redor encontrou a lâmina de Arifa que cravou-se em seu corpo. O demônio soltou um grito e estremeceu, fazendo vibrar seus pequenos apêndices de locomoção. Os vanush eram bastante vulneráveis fora de suas couraças.

Ela soltou a espada no chão e voltou para acudir seu pai, usando uma parte rasgada de suas vestes para pressionar o ferimento e tentar estancar o sangramento.

Era o fim da batalha no salão. Edwain conseguiu ficar sentado colocou a mão sobre o ferimento. A adaga ainda espetada ali provocava uma dor que repuxava. Todo aquele confronto não durou mais que dois minutos e com o fim da movimentação e ameaças aparentes, ajuda começou a chegar. Um médico do palácio e um dos monge que veio como testemunhas ajudaram a dar os primeiros socorros. Depois, a mãe de Edwain chegou ao local, aos prantos, mas ficou aliviada ao ver que o filho estava sendo cuidado e conseguia conversar normalmente.

Alguns feridos começaram a ser removidos, mas nem todo confronto havia terminado. Restava o mais forte entre os demônios. Enfrentá-lo era tarefa da Capitã e outros mais.  

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